GRAÇA ABUNDANTE PARA O MAIOR DOS PECADORES

1. Neste meu relato da misericordiosa obra de Deus sob minha alma, não será incorreto, se, em primeiro lugar, eu, em poucas palavras, fizer alusão à minha genealogia e o modo como fui criado; pois, através disso, a bondade e generosidade de Deus para comigo, poderá ser mais sugestiva e magnificada diante dos filhos dos homens.

2. Minha descendência então, foi, como é bem conhecida de muitos, de uma baixa e inconsiderável geração; a casa de meu pai era a mais depreciada de todas as famílias na região. [6] Portanto eu não tenho aqui, ao contrário de outros, motivos para gloriar-me de sangue nobre, ou de ser nascido de uma classe alta, de acordo com a carne; de qualquer forma, considerando todas as coisas, magnífico a Majestade celestial, porque foi por esta porta que Ele me trouxe a este mundo, para participar da graça e vida que há em Cristo Jesus pelo evangelho.

3. Mas todavia, não obstante a miséria e insignificância de meus pais, Deus se agradou de colocar nos corações de meus pais o colocar-me na escola, para aprender tanto ler como escrever; o que também alcancei, de acordo com a avaliação de outras crianças de pais pobres; [7] de qualquer forma, para minha vergonha confesso que logo perdi o que tinha aprendido, e até quase que totalmente, e muito antes do Senhor fazer Sua graciosa obra de conversão na minha alma.

4. Quanto a minha própria vida natural, durante o tempo que estava sem Deus neste mundo, seguia verdadeiramente o curso deste mundo, e "o espírito que agora opera nos filhos da desobediência." (Efésios 2:2) Era o meu deleite ser cativo do diabo em sua vontade (2 Timóteo 2:26) Sendo cheio de toda injustiça: que operava em mim com tanta força, tanto no meu coração como na minha vida, e desde criança, que havia poucos iguais, especialmente considerando meus anos, que fossem culpados, tanto amaldiçoando, jurando, mentindo e blasfemando o santo nome de Deus.

5. Sim, estava tão preso e arraigado nestas coisas, que elas tornaram-se como uma segunda natureza para mim; a qual, como tenho com seriedade considerado desde então, ofendeu tanto ao Senhor, que até na minha infância Ele me assustou e amedrontou com sonhos terríveis, e me atemorizou com temerosas visões; porque freqüentemente, após gastar este e outro dia em pecado, era grandemente afligido em minha cama, enquanto adormecia, com a apreensão de demônios e espíritos maus, que ainda, como eu então pensava, labutavam para me levar com eles, dos quais eu não pude me livrar.

6. Foi durante estes anos que estava grandemente afligido e perturbado com os pensamentos do dia do juízo, tanto de dia como de noite, e tremia com os pensamentos dos horríveis tormentos do fogo do inferno; ainda temendo que meu destino fosse achado entre aqueles diabos e monstros satânicos, que estavam atados com cadeias e correntes de eterna escuridão, "esperando o juízo do grande dia".

7. Quando era um menino de uns nove ou dez anos, estas coisas afligiam tanto minha alma, até o ponto de inclusive entre muitas brincadeiras e outras bobagens infantis e entre o recreio com meus amigos despreocupados, eu me achava mui deprimido e afligido em minha mente por estes pensamentos; contudo eu não podia desprender-me de meus pecados. Estava tão entregue ao desespero da vida e céu, que muitas vezes desejava que não houvesse inferno ou que eu fosse um diabo - supondo que eles fossem somente atormentadores; que se eu deveria ser mandado para lá, eu poderia ser um atormentador e não eu próprio ser atormentado.

8. Depois de um tempo estes terríveis sonhos me deixaram, os quais logo esqueci; porque meus prazeres rapidamente arrancaram a lembrança deles, como se nunca houvessem existido: portanto, com maior cobiça, de acordo com a força da natureza, soltei ainda mais as rédeas de minhas concupiscências e me deleitava em toda transgressão contra a lei de Deus: de tal modo que era o líder, de toda a juventude que me acompanhava, em toda espécie de vício e impiedade, até quando me casei.

9. Todavia, se um milagre da preciosa graça não o houvesse impedido, não somente teria perecido por um golpe da justiça eterna, mas também haveria de cair em vergonha e desgraça diante a face do mundo.

10. Durantes estes tempos, os pensamentos sobre religião me entristeciam; eu mesmo não podia tolerar estes pensamentos, nem podia agüentar que outros os tivessem; de forma que, quando via alguém lendo aqueles livros sobre piedade Cristã, eu pensava que tal livro seria como uma prisão para mim. Então eu disse à Deus: "Retira-te de mim, pois não desejo ter conhecimento dos teus caminhos" (Jó 21:14). Eu estava agora desprovido de toda boa consideração, céu e inferno se achavam ambos fora do alcance de minha vista e mente; e quanto ao ser salvo ou condenado, não me importava nem um pouco. Oh Senhor, Tu conheces minha vida, e meus caminhos não estão ocultos de Ti.

11. Todavia isto eu recordo bem, que ainda pecava com o maior dos prazeres e deleite e também tinha prazer na vileza de meus companheiros; contudo, me fazia tremer o espírito ver alguém que se dizia ser cristão fazer coisas más. Recordo, de um modo especial, quando me achava no cume da concupiscência, que ouvi a alguém que se dizia ser religioso amaldiçoando; isto golpeou fortemente meu espírito, e fez meu coração sangrar.

12. Porém Deus não me havia abandonado por completo, mas seguia-me ainda, não agora com convicções, mas com julgamentos; todavia, tais eram misturados com misericórdia. Uma vez caí em um riacho e por pouco morro afogado. Outra vez caí para fora de um bote no rio Bedford, mas sua misericórdia me preservou vivo. E ainda outra vez, caminhando pelo campo com um de meus companheiros, avistamos uma víbora que se arrastava pelo caminho; assim, tendo eu um pedaço de pau em minha mão, golpeei sua cabeça; e tendo a espantado, forcei a abrir a boca com o pau e arranquei o aguilhão com meus dedos; por este ato, não tivesse Deus sido misericordioso para comigo, eu poderia, por meu desespero, ter trazido o meu próprio fim.

13. Sucedeu outra coisa sobre a qual tenho pensado muitas vezes com agradecimento. Quando eu era soldado, me enviaram junto com outros a certo lugar para que fizesse guarda; porém quando eu estava disposto a ir, um da companhia desejou ir em meu lugar; o qual, quando eu consenti, tomou meu lugar e indo para a fronteira, permanecendo como sentinela, recebeu uma bala de mosquete na cabeça, e morreu.

14. Isto, como disse, foram julgamentos e misericórdias, porém nenhuma destas coisas despertou minha alma à justiça; por conseguinte continuava pecando e ainda me fiz mais rebelde contra Deus e descuidado de minha própria salvação.

15. Pouco tempo depois disto, contraí matrimônio, e minha esposa tinha um irmão e mãe que eram pessoas piedosas. Esta mulher e eu, apesar de sermos tão pobres como poderíamos ser, não tendo nem mesmo utensílios domésticos tais como prato ou colher; todavia ela tinha dois livros, O Caminho Claro do Homem para o Céu e A Prática da Piedade, que seu pai lhe havia deixado ao morrer. Eu lia algumas vezes estes dois livros com ela, onde encontrei também algumas coisas que me agradaram; mas tudo isto não me levou a nenhuma convicção. Ela também me contava com freqüência que homem piedoso seu pai havia sido e como ele reprovava e corrigia o vício, tanto em sua casa como entre seus vizinhos; que uma íntegra e santa vida ele viveu em seus dias, tanto em palavras como em atos.

16. Por conseguinte estes livros com esta relação, apesar de não atingirem meu coração, para despertá-lo sobre meu triste e pecaminoso estado, todavia eles produziram em mim alguns desejos por religião: de forma que, porque não sabia nada melhor, caí em avidez com a religião da época; a saber, ir à igreja duas vezes ao dia; e me portava mui devotamente, tanto falando como cantando como faziam os demais, contudo, retendo minha vida ímpia; mas, além disso, eu estava tão cheio com um espírito de superstição que eu adorava, e isto com grande devoção, todas as coisas, tanto o lugar como o sacerdote, o clérigo, as vestimentas, o serviço e o que mais pertencesse à igreja; eu considerava santas todas as coisas que havia na igreja e cria que especialmente o sacerdote e o clérigo deviam ser muito felizes, e sem dúvida, grandemente bem-aventurados porque eles eram, segundo eu então pensava, servos de Deus e eram também os principais no templo sagrado para fazer seu trabalho ali dentro.

17. Este sentimento tornou-se tão grande em tão pouco tempo sob meu espírito, que quando apenas via um sacerdote, não importando quão sórdida e depravada fosse sua vida, me inclinava no espírito fazendo reverência e me ajoelhava; sim, pensava que pelo grande amor que deveria ter para com eles, supondo ser eles os ministros de Deus, poderia prostrar-me aos seus pés e ser pisado por eles; seu nome, sua vestimenta e sua obra me inflamavam e fascinavam.

18. Depois de um tempo em que considerava todas estas coisas, me veio outra idéia à mente; e era esta: se nós descendíamos dos Israelitas ou não. Porque achando nas Escrituras que eles eram o povo peculiar de Deus, pensava eu, se eu fosse um desta raça, minha alma deveria necessariamente ser feliz. Agora novamente, encontrava-me com um grande desejo para resolver esta questão, porém não sabia de que forma poderia. Finalmente perguntei ao meu pai sobre isto; o qual me contou - Não, nós não somos. Com isso meu espírito decaiu outra vez e assim permaneceu.

19. Mas durante tudo isto, não estava consciente do perigo e da maldade do pecado; não considerava que o pecado iria me condenar, não importando qual religião seguisse, a menos que fosse achado em Cristo. Pelo contrário, nunca pensei tão somente sobre se esta Pessoa existia ou não. E desta maneira, o homem enquanto cego, vagueia, porque não sabe qual o caminho para cidade de Deus (Eclesiastes 10:15).

20. Porém um dia sucedeu que, entre os vários sermões de nosso pároco, seu assunto foi sobre o Dia do Senhor e sobre o mal de quebrá-lo, seja com labores, esportes ou de qualquer outra forma. Eu era naquele tempo, não obstante minha religião, alguém que tinha deleite em todos os tipos de vícios e especialmente naquele dia em que me consolava nisto [13]; portanto fui atingido em minha consciência pelo seu sermão, pensando e crendo que ele tinha elaborado aquele sermão com o propósito de me mostrar o meu pecado; e naquele instante me senti culpado, como nunca antes que eu possa me lembrar, mas então estava, por agora, grandemente carregado com isso, e então fui para casa quando o sermão terminou com uma grande aflição sob meu espírito.

21. Isto, por um instante, 'adormeceu' [14] as fontes de meus 'melhores' deleites e amargou meus antigos prazeres; mas eis que isto não durou muito tempo, porque antes de jantar, as preocupações começaram a sair de minha mente e meu coração voltou a seguir seu velho curso: mas oh! Quão contente estava por esta preocupação me deixar e pelo fogo ter se apagado, 'para que pode novamente pecar sem controle!' Portanto, quando de satisfeito com minha comida, lancei o sermão fora de minha mente e voltei com grande deleite aos meus esportes e jogos [jogo de aposta] de costume.