MEMÓRIAS DE

 CHARLES  FINNEY

Introdução

O manuscrito original de As memórias de Charles Grandison Finney (1792-1875) está preservado nos arquivos da Faculdade de Oberlin, Ohio, onde Finney foi catedrático de teologia e presidente, de 1851 a 1865.

O texto básico foi ditado por Finney a um ex-aluno, o rev. Henry Matson e revisado pelo próprio Finney, que fez várias alterações e acréscimos, segun­do as recomendações do amigo Lewis Tappan, que leu o manuscrito. O documento contém, ainda, todas as alterações feitas por James Harris Fairchild, sucessor de Finney na Faculdade de Oberlin. Depois da morte de Finney, Fairchild preparou o manuscrito para a primeira edição, publicada em 1876.

Esta nova edição apresenta o texto conforme redigido por Finney e não por Fairchild.

No entanto, a apresentação não é exatamente a deixada por Finney. Há muitos trechos em que tanto Matson quanto Finney cometeram erros de ortografia, omitiram palavras, repetiram outras ou omitiram as aspas. Esses erros foram corrigidos. Ocasionalmente, Finney empregava abreviaturas incomuns: "rec", para "recebido", dr. B." e "sr. N. ", para se referira Mr. Beecher" e "sr. Nettleton". Usava o sinal "&" com bastante freqüência. Essas abreviatu­ras são apresentadas por extenso nesta edição.

Para facilitar a leitura, as palavras fora de uso foram atualizadas e algu­mas expressões foram simplificadas. A pontuação foi atualizada e as iniciais maiúsculas foram empregadas conforme a prática atual. Foram respeitadas as marcações de parágrafos feitas por Finney, porém, os mais longos foram divididos. Procuramos apresentar o texto tão livre quanto possível de algo que desviasse a atenção do leitor, preservando a fidelidade ao original. As palavras sublinhadas no manuscrito aparecem em itálico aqui.

O manuscrito não tinha título. Lewis Tappan havia sugerido que se cha­masse "Narrativa de avivamentos", considerando que o livro se ocupa prin­cipalmente dos grandes reavivamentos nos quais Finney desempenhou um papel de destaque. No entanto, está longe de ser um relato completo de sua participação nesses avivamentos. O texto omite muitos dos locais em que Finney pregou e dirigiu reuniões (os locais por onde ele sabidamente pas­sou estão assinalados nos mapas). Assim, resolvemos manter o título "Me­mórias", pelo qual o livro já é bem conhecido.

Somos gratos aos diretores da Faculdade de Oberlin por nos terem dado permissão para publicar o texto. Gostaríamos, também, de expressar nossa gratidão à Zondervan e, em especial, ao seu editor-geral sênior, Jim. Ruark, por empreender a publicação desta nova edição. Temos uma dívida especial para com a editora assistente, Angela Scheff, por seus minuciosos trabalhos na preparação do texto.

Garth M Rosell e Richard A. G. Dupuis.

 

CAPÍTULO I

 

Meu nascimento e minha formação

 

Tem sido do agrado do Senhor relacionar, até certo ponto, meu nome e meus esforços com um movimento extensivo da Igreja de Cristo, considerado por alguns o início de uma nova era, em especial, no tocante a avivamentos religiosos. Esse movimento tem abrangido, em grau considerável, o desenvolvimento de alguns conceitos da doutrina cristã que têm passado por modificações e que antes poderiam ser considerados invulgares. Ao mesmo tempo, pelo fato de esse movimento ser levado a efeito mediante mudanças na maneira de fazer progredir a obra da evangelização, era natural que predominassem alguns mal-entendidos no tocante a essas configurações doutrinárias modificadas e ao emprego desses métodos. Também era natural que, conseqüentemente e até certo ponto, mesmo homens bons questionassem a sabedoria dessas medidas e a ortodoxia dessas declarações teológicas e que, também, os ímpios ficassem furiosos a ponto de se oporem energicamente, durante algum tempo, ao avivamento

Relaciono meu nome a esse movimento apenas como um dos muitos ministros de Cristo e das pessoas que participaram com destaque na promoção do trabalho. Tenho certeza de que alguns segmentos da igreja consideram-me um inovador, com respeito à doutrina e aos métodos adotados e que muitos me consideram um líder nos ataques às formas tradicionais de pensamento e expressão teológicos e, sob muitos aspectos, na exposição das doutrinas do evangelho em linguagem nova e na introdução de outras formas de pensamento

Há vários anos, amigos que tomaram parte nos avivamentos têm-me procurado, insistindo em que eu escreva a história desses eventos. Embora tenham prevalecido muitos mal-entendidos no tocante a esses movimentos, pensa-se que a veracidade histórica exige uma declaração da minha parte a respeito das doutrinas pregadas, dos métodos empregados e dos resultados obtidos, com base no que eu e muitos outros acompanhamos de perto durante muitos anos

Parece que minha mente recusa admitir que fale de mim mesmo tanto quanto serei obrigado a falar e caso queira descrever, com honestidade, os avivamentos e minha relação com eles. Por esse motivo, tenho-me recusado, até o presente momento, a empreender semelhante obra. Recentemente, os diretores da Faculdade de Oberlin colocaram a questão diante de mim e aconselharam-me a iniciar logo o trabalho. Apoiados por vários amigos dos Estados Unidos e da Inglaterra, insistiram comigo no fato de que a causa de Cristo merece que exista na igreja um entendimento melhor do que ocorreu até agora. Principalmente, disseram, no tocante aos avivamentos que ocorreram no centro do Estado de Nova York e em outros lugares, a partir de 1821 e daí em diante durante vários anos, porque grandes calúnias e oposição foram levantadas a respeito deles

Devo dizer que é com relutância que abordo o assunto. E isso por muitas razões. Para começar, nunca mantive um diário, por isso, os relatos dependerão exclusivamente de minha memória. É verdade que tenho a capacidade natural de reter os fatos na lembrança e que os eventos que testemunhei causaram impressão profunda em minha mente. Lembro-me com muita nitidez de muitos deles, muito mais numerosos do que caberiam no livro que vou escrever. Quem já testemunhou um avivamento espiritual tem consciência dos muitos casos de conversão que ocorrem diariamente e do interesse que ele desperta no povo. Onde quer que se tenha conhecimento de tais fatos ou das pessoas envolvidas, o efeito produzido é empolgante. E são tão numerosos que, se fossem narrados todos os fatos interessantes de um único avivamento mais longo numa única localidade, seria o bastante para um livro de tamanho considerável

Não me proponho, de modo algum, seguir nessa direção. Traçarei, apenas, os contornos que dêem uma idéia razoavelmente clara de como ocorreram esses avivamentos e relatarei uns poucos casos de conversão acontecidos em diferentes lugares. Sem esses limites, minha narrativa se dilataria até encher muitos volumes. Proponho-me, então e dentro do possível, condensar em um só volume de tamanho moderado o que tenho a dizer. Por mais interessantes que tenham sido os casos de conversão para aqueles que os presenciaram, temo que para os leitores à distância se torne cansativo o excesso de detalhes

Mas, procurarei dar a devida atenção à parte doutrinária e aos métodos empregados. Mencionarei sucintamente os fatos que possam oferecer informações suficientes a esse respeito, a fim de que a igreja, a partir de agora, tenha condições de avaliar pelo menos parcialmente o poder e a pureza dessa grande obra de Deus. Os avivamentos mais puros e poderosos que testemunhei são justamente os mais criticados

Outro motivo para minha hesitação foi o fato de que muitas vezes me surpreendi ao descobrir que a lembrança que eu tinha de fatos ocorridos havia muitos anos era diferente daquilo que outras pessoas recordavam. Minhas declarações, portanto, são passíveis de conflito com as lembranças de algumas pessoas que vivenciaram os fatos quase tão bem quanto eu mesmo. Naturalmente, narrarei os acontecimentos conforme a lembrança que eu tenho deles. Muitos desses eventos serviram para ilustrar, em minhas pregações, as verdades que eu desejava apresentar. Além disso, tão constantemente as pessoas me têm trazido esses fatos à memória e tantas vezes me tenho referido a eles no decurso de meu ministério que estou convicto de que me lembro deles exatamente como se deram

Se em algum momento eu for traído pela memória ou se minhas recordações diferirem das de outras pessoas, espero que a igreja acredite que minhas declarações expressam exatamente o que trago na lembrança. Estou com 75 anos de idade. Naturalmente, lembro-me com mais clareza de coisas que aconteceram há muitos anos que de acontecimentos mais recentes. Quanto à parte doutrinária, acho impossível que minha memória cometa erros

A fim de oferecer um relato preciso do papel para o qual fui chamado a desempenhar naqueles cenários, é necessário que eu apresente um breve histórico de como vim a adotar a posição doutrinária que desde longo tempo venho sustentando e pregando e que é considerada, em certa medida, a reformulação de algumas doutrinas evangélicas tida como nociva por muitas pessoas. Portanto, a fim de tornar inteligível minha narrativa, é necessário que eu apresente um breve histórico de minha vida: nascimento, situação social, educação, conversão a Cristo, formação teológica e as circunstâncias que me levaram à vida ministerial

É necessário lembrar que não estou começando a escrever uma autobiografia, por isso não me aprofundarei em episódios de minha vida particular. Destacarei, apenas, os que ajudarem a compreender como fui orientado e como se deu meu relacionamento com esses grandes movimentos que incentivaram e promoveram mudanças nas igrejas dos Estados Unidos e de outros países

Nasci em Warren, no condado de Litchfield, Connecticut, em 1792. Quando eu tinha cerca de dois anos de idade, meu pai mudou-se para a parte central do estado de Nova York, para o condado de Oneida, que naquela época era ermo na maior parte. Os habitantes da região não contavam com nenhuma assistência religiosa. Ainda não havia sido estabelecida ali nenhuma escola bíblica dominical. Uma pequena quantidade de livros sobre assuntos religiosos estava à disposição dos cristãos. Os novos colonos provinham principalmente da Nova Inglaterra e, quase imediatamente, estabeleceram escolas públicas. Entre eles, entretanto, eram raras as pregações do evangelho apresentadas com coerência. Desfrutei das vantagens de uma escola pública durante todo o verão e o inverno até completar quinze ou dezesseis anos de idade. Com isso, progredi a ponto de ser considerado, dentro dos padrões da época, capaz de ensinar numa dessas escolas

Meus pais não eram cristãos professos e acredito que entre nossos vizinhos poucos o eram. Eu não tinha a oportunidade de ouvir alguém pregar um sermão evangélico, a não ser ocasionalmente quando algum ministro itinerante ou pregadores despreparados apareciam na região com seus sermões medíocres. Lembro-me da notória falta de conhecimento de alguns pregadores que escutei. Eles cometiam os erros mais estranhos e defendiam idéias absurdas, por isso, o povo, ao voltar para casa, ainda passava um tempo considerável sem conseguir reprimir as risadas

Mal havia sido construída uma casa de reuniões nos arredores da casa de meu pai e chegado ali um ministro, podendo eu assim assistir às reuniões, meu pai resolveu mudar-se outra vez, agora para a região ainda desabitada nas margens do lago Ontário, um pouco a sul de Sacketts Harbor. Morei ali vários anos sem qualquer outra assistência religiosa além da recebida no condado de Oneida. Posso dizer que os únicos sermões que ouvia eram os do presbítero Osgood, homem de zelo religioso considerável, mas de pouquíssimo preparo

Seu desconhecimento da linguagem era tão grande que a atenção dos ouvintes se desviava sempre para a maneira cômica pela qual se expressava. Por exemplo, em vez de dizer "eu sou", dizia "eu são". Também confundia os pronomes de modo tão absurdo que era quase impossível refrear as risadas quando ele pregava ou orava. E claro que não recebi nenhuma instrução religiosa com esses sermões

Aos vinte anos de idade voltei a Connecticut e, depois, fui para Nova Jersey, perto da cidade de Nova York, onde me dediquei ao ensino. Ensinava e estudava da melhor maneira que conseguia. Voltei duas vezes à Nova Inglaterra para cursar na escola secundária e, enquanto estudava ali, pensei em ingressar na Faculdade de Yale. Meu mentor formara-se nessa universidade. Mas, ele aconselhou-me a não fazer ali o curso superior. Disse que seria um desperdício de tempo visto que, no ritmo em que estava estudando, eu poderia facilmente cumprir o currículo inteiro do curso em dois anos, enquanto seriam necessários quatro anos para formar-me em Yale. Seus argumentos convenceram-me. E o resultado foi que abandonei a educação formal. No entanto, adquiri, posteriormente, algum conhecimento de latim, grego e hebraico. Mas, nunca fui um erudito nos clássicos nem cheguei a dominar as línguas mortas a ponto de sentir-me capaz de fazer qualquer crítica independente da tradução da Bíblia em inglês. Não me aventurava nisso sem o apoio das mais respeitáveis autoridades na matéria

Meu último professor queria que eu o acompanhasse na direção de uma escola num dos estados sulinos. Estava inclinado a aceitar a proposta com a intenção de completar meus estudos nos intervalos das aulas. Mas, quando informei minha decisão a meus pais, a quem não vira durante os quatro anos anteriores, os dois vieram buscar-me imediatamente e convenceram-me a voltar para casa com eles, no condado de Jefferson, NY. Depois de fazer-lhes uma visita, decidi filiar-me a um escritório de advocacia em Adams, naquele condado, como estudante

Até então, nunca desfrutara de uma real assistência religiosa. Nunca havia feito parte de uma comunidade onde a oração fosse prática constante, a não ser no tempo em que freqüentei a escola secundária na Nova Inglaterra, mas, nem mesmo ali, a religião me atraía. Na escola, os sermões eram pregados por um clérigo de idade avançada. Era um homem excelente, muito amado e venerado pelos membros de sua igreja, mas, a maneira como apresentava os sermões não deixava a mínima impressão em minha mente, pois limitava-se a ler em tom monótono textos que, provavelmente, escrevera muitos anos antes

Para dar uma idéia de como eram seus sermões, os manuscritos tinham o tamanho exato da Bíblia. Sentado na galeria, eu podia vê-lo colocar o papel no meio da Bíblia e encaixar quatro dedos de cada mão nos lugares onde se achavam as passagens bíblicas citadas no sermão. Dessa forma, ele precisava segurar a Bíblia com as duas mãos, o que o impedia de fazer qualquer gesto. À medida que prosseguia, lia as passagens bíblicas onde seus dedos estavam encaixados, liberando assim um dedo após outro até que todos tivessem completado seu dever. Quando isso acontecia, significava que o ministro estava para concluir a mensagem. Eram leituras enfadonhas e inteiramente destituídas de fervor. E, embora a congregação as acompanhasse com reverente atenção, confesso que em nada se pareciam com um sermão ou, pelo menos, com o que eu imaginava que fosse um sermão

No final do culto, eu ouvia com freqüência as pessoas elogiarem o sermão. Não poucas vezes ficavam especulando se ele fizera alguma referência indireta a incidentes ocorridos na igreja. Todos pareciam sempre curiosos para descobrir o propósito do sermão, se continha algo além de enfadonhas considerações doutrinárias. Posso dizer que não eram sermões de má qualidade, mas, era impossível imaginar que conseguissem instruir ou despertar o interesse de um jovem que nada soubesse a respeito de religião e que nem se importava com ela

Quando eu era professor primário em Nova Jersey, os sermões eram quase todos pregados em alemão no bairro onde morávamos. Acho que durante os três anos que passei ali, não cheguei a ouvir meia dúzia de sermões em inglês. Assim, quando fui para Adams fazer o curso de Direito, era quase tão ignorante em assuntos religiosos quanto um pagão. Fora criado no meio da mata. Dava bem pouca importância ao dia do Senhor e não tinha conhecimento das verdades básicas a respeito da fé. Em Adams, pela primeira vez na vida, experimentei os benefícios de um ministério bem estruturado

Pouco depois de minha chegada àquela cidade, o rev. George W. Gale, de Princeton, NJ, assumiu o pastorado da Igreja Presbiteriana. Seus sermões seguiam o estilo da Escola Antiga, ou seja, eram totalmente calvinistas. Ele apresentava as doutrinas de acordo com sua crença e pregava o que hoje é chamado hiper-calvinismo. No entanto, eram raras essas exposições doutrinárias. É lógico que o rev. Gale era considerado extremamente ortodoxo, mas, não consegui receber muita edificação através de suas pregações. Conforme eu mesmo lhe dizia, parecia às vezes que ele começava o sermão pelo meio do discurso e apresentava como certas muitas coisas que, em minha opinião, precisariam ser comprovadas. Parecia, também, que considerava seus ouvintes teólogos, pressupondo que as doutrinas fundamentais da fé cristã eram bem conhecidas por eles. Devo reconhecer que seus sermões deixavam-me mais perplexo que edificado. Apesar disso, freqüentava os cultos com regularidade e costumava conversar com ele sobre seus ensinamentos, para ter certeza do que realmente significavam

Antes desse período, eu nunca havia morado num lugar onde pudesse freqüentar uma reunião de oração. Já que a igreja realizava semanalmente uma reunião desse tipo perto do escritório, passei a freqüentá-la e a prestar atenção às orações que se faziam ali. Essa rotina continuou meses a fio, sempre que eu conseguia licença para sair do trabalho naquele horário. Ao estudar Direito Elementar, também percebi que os autores antigos freqüentemente citavam as Escrituras, referindo-se especialmente às instituições mosaicas como fonte autorizada de muitos princípios legais. Assim, minha curiosidade foi despertada a ponto de eu comprar uma Bíblia, a primeira que possuí. Então, sempre que aqueles autores se referiam às Escrituras, eu consultava a respectiva passagem, procurando estabelecer a devida relação. Não demorou até que esse método despertasse em mim um interesse maior pela Bíblia. Passei a lê-la e a meditar sobre o que ela dizia, muito mais que em qualquer outro momento de minha vida. No entanto, não compreendia boa parte do que lia

O rev. Gale tinha o hábito de passar pelo nosso escritório e parecia sempre muito desejoso de saber que impressão seus sermões haviam produzido em minha mente. Eu respondia bem francamente e penso, agora, que às vezes os criticava sem misericórdia. Eu apresentava objeções às afirmativas que mais me haviam despertado a atenção. Ao interrogá-lo, percebia que ele próprio tinha a mente mistificada e não conseguia expressar com exatidão o significado de muitos termos importantes que empregava em seus sermões

Particularmente, eu achava impossível atribuir qualquer sentido a vários termos que ele empregava com grande solenidade. O que ele queria dizer com arrependimento? Era mero sentimento de tristeza pelo pecado, um estado passivo da mente? Ou envolvia alguma ação voluntária? Quando falava em mudança de pensamento, a que mudança exatamente se referia? O que ele queria dizer com o termo "regeneração"? O que significava "transformação espiritual"? Como ele definia a palavra fé? Era meramente um estado intelectual? Era apenas a convicção de que as coisas declaradas nas Escrituras eram verdadeiras? E "santificação", o que significava? Envolvia mudança física na pessoa ou qualquer influência física da parte de Deus? Eu não conseguia as respostas. Parecia-me, também, que nem ele sabia o real significado da terminologia que usava

Mantivemos muitas conversas interessantes, porém, elas pareciam mais estimular minha mente à pesquisa que satisfazer-me quanto à verdade. Essas questões inquietavam-me mais e mais à medida que lia a Bíblia, freqüentava as reuniões de oração, escutava os sermões do rev. Gale e, de tempos em tempos, conversava com outras pessoas. Um pouco de reflexão convenceu-me de que eu não iria para o céu caso viesse a morrer na situação em que me encontrava. Sentia que deveria haver na religião algo de infinita importância e não demorei a ter certeza de que, se a alma era imortal e se quisesse estar preparado para a felicidade no céu, eu precisava experimentar uma grande transformação nos recônditos de minha mente. Mesmo assim, não me decidira ainda quanto à realidade do evangelho ou da religião cristã em minha vida. A questão, no entanto, era importante demais para que me sentisse sossegado diante de qualquer incerteza nesse assunto

O que me impressionava de modo especial era não constatar resposta alguma às orações que ouvia nas reuniões, semana após semana. De fato, era fácil perceber, pela repetição dos pedidos e pelos comentários dos que participavam das reuniões, que eles próprios não esperavam que suas orações fossem atendidas. Lendo minha Bíblia, descobri o que Cristo dissera sobre a oração e sua resposta. Ele recomendara: "Peçam e ser-lhes-á dado; busquem e encontrarão; batam e a porta vos será aberta. Pois, todo aquele que pede, recebe; e o que busca, acha; e àquele que bate, a porta ser abrirá" (Mt 7.7). Li, também, que Deus está mais disposto a conceder o Espírito Santo àqueles que lhe pedem que os pais terrenos a dar boas dádivas a seus filhos

Naquelas reuniões, eu escutava os membros orarem continuamente pelo derramamento do Espírito Santo e, com igual freqüência, confessarem sua fraqueza por não receberem tudo o que pediam. Exortavam-se uns aos outros a despertarem e a aplicarem-se com fervor à oração por um avivamento. Afirmavam que, se cumprissem seus deveres, orassem pelo derramamento do Espírito e fossem sinceros, o Espírito de Deus seria derramado, eles experimentariam o avivamento e nós, os incrédulos, nos converteríamos ao evangelho. Mas, em suas reuniões de oração e conferências confessavam não ter feito nenhum progresso, nem nas orações, nem em seus esforços e nem nos sinais de um avivamento

A inconsistência entre eles e a fé que professavam — o fato de orarem tanto sem obter resposta — era, para mim, uma lastimável pedra de tropeço. Não sabia como explicar aquilo. Havia dúvida em minha mente. Não sabia se Deus não atendia àquelas pessoas porque elas não eram realmente cristãs, ou se era eu quem não compreendia corretamente as promessas e ensinos da Bíblia a respeito do assunto, ou se devia concluir que a Bíblia não era verdadeira. Havia algo inexplicável para mim. Vez por outra, sentia-me como se estivesse sendo levado a um estado de ceticismo. Os ensinos da Bíblia não concordavam em nada com o que acontecia diante de meus olhos

Certa vez, quando participava de uma das reuniões, perguntaram-me se eu não desejava que orassem por mim. Respondi negativamente, declarando que não vira nenhuma resposta de Deus às orações que faziam. Eu disse-lhes: "Creio que necessito de oração, pois estou consciente de ser pecador, mas, não vejo que proveito terão as vossas orações, pois, estão pedem constantemente sem nunca receberem. Durante o tempo em que estive aqui em Adams vocês têm orado por um avivamento e ainda não o experimentaram. Estão pedindo que o Espírito Santo desça sobre vocês, mas, continuam-se queixando de fraqueza espiritual".

Lembro-me de que também usei a seguinte expressão: "Durante todo o tempo em que freqüento estas reuniões, vocês têm orado o suficiente para expulsar o Diabo de Adams, se a questão for poder em suas orações. Mas, aqui estão vocês, ainda orando e ainda se queixando". Fiz essa declaração com toda a sinceridade — e bastante irritado, penso eu, por ter sido colocado em contato tão direto com as verdades da fé cristã, o que era uma situação nova para mim.

Ao voltar às minhas leituras da Bíblia, no entanto, ocorreu-me que a razão de suas orações não serem respondidas podia ser a falta de disposição daquelas pessoas em cumprirem as condições que Deus pré-estabelecera para tornar efetiva a promessa de poder atender às orações. Aqueles cristãos não oravam com fé, no sentido de crer que Deus lhes daria realmente as coisas que pediam. Percebi que a Bíblia revelava muitas condições para que a oração fosse atendida, as quais aqueles crentes pareciam ignorar totalmente. Essa idéia, no entanto, passou algum tempo embutida em minha mente na forma de confusos questionamentos, impedindo que eu a expressasse em palavras. Mesmo assim, acabaram-se as dúvidas quanto à realidade do evangelho.

Depois de lutar nesse sentido durante dois ou três anos, pude entender de uma vez por todas, que, apesar da falta de clareza em meus pensamentos ou nos pensamentos expressados por meu pastor e pelos membros da igreja, a Bíblia nunca deixaria de ser a verdadeira Palavra de Deus

Resolvido esse assunto, tive de tomar uma posição: ou aceitava a Cristo conforme ele é apresentado nos Evangelhos ou prosseguia com a vida mundana. Nesse período, como vim a tomar consciência mais tarde, minha mente estava tão impressionada pelo Espírito Santo que eu não poderia deixar a questão em aberto por muito tempo e nem hesitar longamente entre os dois estilos de vida colocados diante de mim.

CAPÍTULO II

MINHA CONVERSÃO A CRISTO

Certo domingo à noite, nesse ponto de minha história, concluí que deveria decidir sem demora a questão da salvação da minha alma e, se possível, fazer as pazes com Deus. Mas como estava muito ocupado com os negócios do escritório, eu sabia que sem uma grande firmeza de propósito jamais chegaria a tratar do assunto de maneira efetiva. Resolvi então que, imediatamente e dentro do possível, evitaria tratar de negócios ou de qualquer outra coisa que pudesse desviar minha atenção. Assim, dediquei-me totalmente ao objetivo de alcançar a certeza da salvação de minha alma. Passei a perseguir essa meta com o máximo de vigor e eficiência. No entanto, o trabalho no escritório exigia de mim longas horas todos os dias. Mas, graças à providência divina, consegui mais tempo livre nas segundas e terças-feiras, o que me deu a oportunidade de ler a Bíblia e orar a maior parte desse tempo

No entanto, eu não percebia o quanto era orgulhoso. Para mim, a opinião dos outros não era importante e não me preocupava com o que pensavam a meu respeito. Na realidade, enquanto estava em Adams, eu me destacara muito na igreja, tanto pela freqüência às reuniões de oração quanto pelo grau de interesse na religião. Por esse motivo, a igreja foi levada repetidas vezes a pensar que eu era um inquiridor compulsivo. Mas, quando enfrentei realmente a questão, descobri que não estava muito disposto a deixar que alguém soubesse de minha busca pela salvação. Quando orava, fazia-o aos sussurros, depois de ter de tapar o buraco da chave da porta, para evitar que alguém descobrisse que eu estava orando.

Até aquele dia, minha Bíblia ficava sobre a mesa, lado a lado com os livros de Direito. Nunca me ocorrera sentir vergonha de ser visto lendo a Palavra, assim como não sentia vergonha de ser visto lendo qualquer outro livro. Contudo, depois que me dediquei com seriedade à busca da salvação, passei a manter a Bíblia o mais possível fora de vista. Se alguém entrasse e eu estivesse lendo a Bíblia, jogava os livros de Direito por cima dela, para dar a impressão de que ela não estivera em minhas mãos.

Em vez de tentar uma conversa franca com alguém a respeito do assunto, como fazia antes, não mostrava mais disposição para conversar com quem quer que fosse. Eu não procurava o ministro de minha igreja por duas razões. Primeira: não queria revelar-lhe meus sentimentos. Segunda: não tinha a mínima certeza de que ele me entenderia ou me daria as orientações necessárias. Pelos mesmos motivos, evitava conversar com os presbíteros ou com outros membros da igreja. Por um lado, sentia-me envergonhado de deixar que descobrissem meus sentimentos. Por outro, tinha receio de que me oferecessem diretrizes erradas. Achei-me, então, sozinho com minha Bíblia.

Ao longo daquelas noites de segunda e terça-feira, minhas convicções se fortaleceram, mas parecia que meu coração se endurecera. Eu não conseguia derramar uma lágrima nem orar. Não tinha oportunidade de orar em voz alta, porém, estava convicto de que, se pudesse ficar a sós e usar minha voz para dar expressão aos meus sentimentos, encontraria alívio na oração. Sendo muito acanhado, evitava o quanto possível falar com qualquer pessoa sobre o assunto. Esforcei-me, no entanto, para vencer o bloqueio, procurando não despertar na mente de ninguém a desconfiança de que eu estava buscando a salvação.

Numa terça-feira à noite, senti-me bastante nervoso e de madrugada veio sobre mim uma estranha sensação, como se eu estivesse para morrer. Sabia que, se morresse, iria para o inferno. Meu desejo era gritar em voz alta, mas consegui manter-me quieto até ao amanhecer. Então, levantei-me e ainda cedo saí para o escritório. Pouco antes de chegar ali, porém, senti como se fosse confrontado com perguntas que pareciam ser feitas dentro de mim. Era como se uma voz interior me inquirisse: "O que você está esperando? Você não prometeu entregar o coração a Deus? O que está tentando fazer? Está tentando ser justo por esforço próprio?"

Foi exatamente nesse ponto que a salvação se descortinou diante de mim, de maneira a deixar-me maravilhado. Acho que foi aí que vi, tão claramente quanto em qualquer outro momento de minha vida, a realidade e a plenitude da expiação por meio de Cristo. Entendi que a sua obra já havia sido consumada e que, em vez de necessitar de algum tipo de justiça pessoal para chegar a Deus, eu precisava apenas submeter-me à justiça divina por meio de Cristo. De fato, a oferta da salvação segundo o evangelho parecia algo a ser aceito, algo pleno, completo. E tudo que eu precisava fazer era abandonar meus pecados e entregar-me a Cristo. A salvação, segundo me parecia, em vez de ser levada a efeito pelas minhas obras, tinha de ser encontrada inteiramente no Senhor Jesus Cristo, que se apresentava diante de mim para que eu o aceitasse como meu Deus e meu Salvador.

Sem perceber, eu havia parado na rua, exatamente onde aquela voz interior pareceu deter-me. Não sei dizer quanto tempo permaneci ali. Contudo, mesmo depois de ter, por um momento, essa revelação tão clara em minha mente, parecia ouvir outra pergunta: "Você vai aceitar agora, hoje?'. Respondi: "Sim, aceitarei hoje, ou morrerei tentando!"

Ao norte da aldeia, do outro lado de uma colina, havia um bosque, onde eu costumava caminhar quase diariamente, quando fazia bom tempo. Corria o mês de outubro quando vivi a experiência narrada acima. Àquela altura do ano, já havia passado a estação em que meus passeios podiam ser freqüentes. Apesar disso, em vez de ir para o escritório, voltei-me em direção ao bosque, sentindo que devia ficar longe de todos os olhos e ouvidos humanos, a fim de derramar minha oração diante de Deus. Mas, até ali meu orgulho tinha de se evidenciar.

Ao passar pelo topo da colina, ocorreu-me que alguém poderia ver-me e supor que eu me estava afastando para orar. Hoje tenho a certeza de que não havia uma única pessoa no mundo capaz de imaginar tal coisa ao ver-me passando por aquele caminho. Meu orgulho, no entanto, era tão grande que deixei-me dominar tanto pelo medo dos homens que, lembro-me bem, fui-me esgueirando ao longo da cerca até ficar a uma distância de onde ninguém da aldeia pudesse ver-me. Embrenhei-me, então, bosque dentro a algumas centenas de metros, passei para o outro lado da colina e encontrei um lugar onde algumas árvores grandes haviam caído umas sobre as outras, deixando um espaço aberto entre três ou quatro enormes troncos. Percebi que ali poderia ter uma espécie de aposento particular. Lembro-me de que, ao voltar-me para subir até ao bosque, afirmei decidido: "Darei meu coração a Deus ou nunca descerei dali". Recordo-me de ter repetido a frase enquanto subia a colina: "Darei meu coração a Deus antes que eu desça dali".

Quando tentei orar, porém, vi que meu coração não queria orar. Havia suposto que, se eu tão-somente encontrasse um lugar onde pudesse falar em voz alta, sem que ninguém me ouvisse, seria capaz de orar livremente. Mas, quando tentei orar, emudeci: nada tinha para dizer a Deus. Até consegui dizer umas poucas palavras, mas, não de coração. A cada tentativa, escutava, segundo me parecia, um remexer de folhas secas e parava, levantando os olhos para ver se alguém estava vindo em minha direção. Isso repetiu-se várias vezes. Finalmente, vi-me à beira do desespero e disse para mim mesmo: "Acho que não consigo orar. Meu coração está morto diante de Deus e não quer orar". Passei, então, a repreender-me por haver prometido entregar-lhe o coração antes de sair daquele bosque. Julgava que fizera uma promessa precipitada e que seria obrigado a quebrá-la, pois não tinha condições para cumpri-la.

Minha alma retrocedia e meu coração não se abria para Deus. Comecei a sentir que era tarde demais, que ele desistira de mim e não me restava nenhuma esperança. Naquele momento, o que mais me afligia era a promessa precipitada de entregar meu coração a Deus naquele dia ou morrer se não o fizesse. Parecia-me que aquele voto dominava minha alma; porém, eu estava certo de que o quebraria. Naquele instante, veio sobre mim grande abatimento, fazendo-me sentir fraco demais para firmar-me sobre meus joelhos.

Imaginei, então, ter ouvido outra vez alguém se aproximando. Abri os olhos para ver se realmente havia alguém por perto. Mas, naquele exato momento ficou claro para mim que a grande dificuldade, o que me impedia de orar era a soberba do meu coração. A consciência esmagadora de minha iniqüidade — ter vergonha de que um ser humano me visse de joelhos diante de Deus — apossou-se de mim de modo tão poderoso que passei a gritar, afirmando que não sairia dali nem que todos os homens da terra e todos os demônios do inferno estivessem ao meu redor. "O quê?!", exclamei. "Um pecador tão degradado como eu, de joelhos, confessando seus pecados ao grandioso e santo Deus, com vergonha de que outro ser humano, tão pecador quanto eu, saiba disso e me veja de joelhos procurando a paz com meu Deus, a quem ofendi?!" Meu pecado parecia terrível, infinito. Fez-me quebrantar-me diante do Senhor.

Naquele momento, como um raio de luz, senti que penetrava em minha mente a seguinte profecia bíblica: "Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim e eu vos ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração" (Jr 29.12,13). Imediatamente, apossei-me dessas palavras com o coração. Até então, eu havia crido intelectualmente na Bíblia. Nunca percebera que, na verdade, a fé significava confiança voluntária e não um estado intelectual. Tomei total consciência de que, naquele momento, precisava confiar na veracidade de Deus.

De alguma forma, fiquei sabendo que aquelas palavras eram uma passagem das Escrituras, embora creia que ainda não a tivesse lido. Sabia que era a Palavra de Deus, a voz de Deus falando comigo e clamei: "Senhor, eu me aposso de tua promessa. Agora sabes que eu realmente te busco de todo o coração, que vim a este lugar a fim de orar a ti e que prometeste atender-me". A dúvida a respeito de eu poder ou não, naquele dia, cumprir meu voto parecia dissipada. O Espírito parecia enfatizar a idéia dada no texto: "... quando me procurarem de todo o coração". A questão do momento, ou seja, o tempo presente, parecia impressionar fortemente meu coração. Falei ao Senhor que aceitaria literalmente sua promessa, tendo a certeza de que ele não podia mentir e, por isso, estava certo de que atenderia à minha oração e seria achado por mim.

Deus, então, fez-me encontrar muitas outras promessas, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, principalmente as mais importantes, relacionadas ao Senhor Jesus Cristo. Nunca poderei, por meio de palavras, fazer com que alguém compreenda quão preciosas e verdadeiras aquelas promessas divinas me pareceram. Aceitei cada uma delas, uma após outra, como verdades infalíveis, como declarações de Deus, que não pode mentir. Parecia que elas não atingiam tanto meu intelecto quanto me atingiam o coração, para que estivessem ao alcance da força de vontade da minha mente. Agarrei-me a elas, delas tomei posse e segurei-as fortemente, como um náufrago se agarra a alguma coisa.

Continuei a orar e a receber e tomar posse das promessas divinas por um longo período. Não sei quanto tempo durou. Orei até sentir minha mente transbordar e, antes que o percebesse, já estava em pé, subindo aos saltos a ladeira em direção à estrada. O fato de eu ter-me convertido nem sequer chegara ao meu pensamento. Lembro-me, porém, de que, à medida que ia abrindo caminho no meio das folhas, repetia com grande ênfase e determinação: "Se já me converti, vou pregar o evangelho".

Não demorei a alcançar a estrada que levava à aldeia e comecei a refletir sobre o que acontecera. Percebi que minha mente estava, de maneira maravilhosa, cheia de quietude e paz. E falei para mim mesmo: "O que é isto? Devo ter entristecido o Espírito Santo a ponto de ele afastar-se de mim. Perdi toda a convicção. Não tenho a mínima preocupação com minha alma e só pode ser porque o Espírito se afastou de mim. Por que será? Nunca em minha vida me senti tão pouco preocupado com minha salvação!" Lembrei-me, então, daquilo que, de joelhos, eu dissera a Deus, prometendo aceitar literalmente a Palavra. De fato, recordei-me de muitas coisas que eu falara e concluí que não era de admirar que o Espírito me tivesse deixado, pois o fato de um pecador como eu se ter agarrado daquela maneira à Palavra de Deus era uma atitude de presunção, talvez até mesmo de blasfêmia. Deduzi que, na minha emoção, entristecera o Espírito Santo e, talvez, tivesse cometido um pecado imperdoável.

Caminhei tranqüilamente em direção à aldeia. Minha mente estava tão serena que parecia que toda a natureza estava ouvindo. Era o dia 10 de Outubro e o tempo estava muito agradável. Havia saído para o bosque bem cedo, logo depois do café de manhã e quando voltei à aldeia descobri que já era a hora do almoço. No entanto, não tinha a mínima consciência de quanto tempo havia decorrido desde que saíra de casa. Parecia haver-me afastado da aldeia por um período bem curto. Como explicar a paz que sentia na alma? Procurei lembrar-me de convicções que havia desenvolvido e consegui sentir de volta o peso do pecado debaixo do qual sofrera. Mas, todo o senso de erro, toda a consciência de culpa ainda presente havia-se afastado de mim por completo. Disse para mim mesmo: "O que está acontecendo? Não consigo sentir nenhum peso de culpa em minha alma, embora saiba que sou grande pecador!"

Procurei, em vão, despertar dentro de mim alguma ansiedade que pudesse inquietar-me diante do estado em que me encontrava. Percebi que estava muito calmo e cheio de paz, chegando a julgar que a tranqüilidade de que estava tomado era apenas o resultado de eu haver entristecido e afastado o Espírito de mim. Por mais que eu tentasse entender aquele sentimento, porém, nada me levava à mínima compreensão que fosse a respeito daquele estado de minha alma ou de meu estado espiritual. A tranqüilidade em meu espírito era extraordinariamente grande. Não conseguiria descrevê-la em palavras. Nenhuma definição que pudesse elaborar e nenhum esforço que pudesse fazer seriam capazes de trazer-me de volta o senso de culpa ou a mínima preocupação a respeito de minha salvação. Pensar em Deus era doce para mim e a mais bonita tranqüilidade espiritual tomara posse completa de meu ser. Tratava-se de um grande mistério, mas, isso não me afligia e nem me deixava confuso.

Fui almoçar e vi-me sem apetite. Depois, fui para o escritório e verifiquei que o dr. Wright saíra para o almoço. Peguei meu violino e, como costumava fazer, comecei a tocar e cantar alguns hinos. Mas, logo estava chorando. Parecia que meu coração havia-se transformado em água e meus sentimentos estavam em tal estado que eu não podia escutar minha voz sem deixar que as emoções transbordassem. Achava aquilo estranho e procurava evitar as lágrimas, porém, não conseguia. Queria saber o que me impedia de parar de chorar. Depois de tentar, em vão, secar as lágrimas, guardei meu instrumento e parei de cantar.

Estávamos usando o horário após o almoço para fazer a mudança de nossos livros e móveis para outro escritório. Isso mantinha-nos ocupados e pouco conversamos a tarde inteira. Minha mente permaneceu o tempo todo num estado de profunda tranqüilidade. Havia grande doçura e ternura em meus pensamentos e em minha alma. Tudo parecia estar dando certo. Era como se nada me desagradasse ou me perturbasse. Pouco antes do entardecer, senti a mente dominada pelo pensamento de que, tão logo eu fosse deixado sozinho no novo escritório, naquela noite, tentaria orar outra vez. De qualquer maneira, não me esquecia dos temas relacionados à fé e, embora já não tivesse preocupações com a alma, continuaria a orar.

Quando escureceu, já havíamos colocado os livros e os móveis em seus respectivos lugares. Acendi a lareira, na esperança de que, à noite, eu ficasse sozinho. Vendo que tudo estava em ordem e que já escurecera, o dr. Wright desejou-me uma boa noite e voltou para casa. Acompanhei-o até a porta, fechando-a depois de ele sair. Ao voltar-me, senti como se meu coração se tivesse derretido outra vez dentro de mim. Todos os meus sentimentos pareciam vir à tona para se derramarem. Em minha mente, saltava-me o desejo: "Quero derramar toda a minha alma diante de Deus". Era tão grande a elevação de minha alma que fui impelido até a sala de reuniões, que ficava atrás do escritório principal, a fim de orar. Ali, não havia lareira nem qualquer iluminação, estava totalmente escuro. Nem por isso o ambiente deixava de parecer-me perfeitamente iluminado.

Ao entrar e fechar a porta, parecia que eu me havia encontrado com o Senhor Jesus Cristo face a face. Nem naquele momento nem mesmo muito tempo depois me ocorreu que aquele sentimento representava um estado mental. Pelo contrário, parecia que me encontrava realmente face a face com o Senhor, vendo-o da mesma forma que veria qualquer ser humano. Ele nada disse, mas olhou-me de tal maneira que me prostrei quebrantado aos seus pés. Sempre considerei notável aquele estado mental. Cristo parecia-me tão real que o vi em pé, diante de mim, enquanto eu caía e derramava minha alma diante dele. Chorei em voz alta, como criança e fiz tantas confissões quantas podia com minha voz sufocada. Tinha a impressão de que banhava com minhas lágrimas os pés do Senhor, mas não me lembro da sensação de tê-lo tocado. Devo ter permanecido nesse estado um bom tempo, mas, minha mente estava tão absorvida que não me é possível lembrar muita coisa que tenha dito.

No entanto, sei que tão logo minha mente se tranqüilizou o suficiente para que o encontro fosse interrompido, voltei para o escritório da frente e vi que a lareira, que eu acabara de acender com lenha grossa, quase se apagara por falta de combustível. E, quando me voltei com a intenção de sentar perto da lareira, recebi um poderoso batismo com o Espírito Santo.

Sem essa expectativa, sem nunca ter tido em minha mente a esperança de que tal coisa viesse a acontecer em minha vida, sem a mínima lembrança de ter ouvido alguém falar nisso, num momento inesperado, o Espírito Santo desceu sobre mim de tal maneira que parecia atravessar-me o corpo e a alma. A impressão era de que uma onda de eletricidade passava sobre mim e através de mim. Realmente, a sensação parecia vir em ondas e ondas de amor liquefeito — não seria possível expressar de outra maneira o que aconteceu ali. No entanto, aquilo não me parecia água e sim o hálito de Deus. A sensação era de que alguém me abanava com asas imensas. E, à medida que as ondas passavam por mim, parecia que movimentavam meus cabelos, como se fosse uma brisa!

Palavras não podem expressar o amor maravilhoso que foi derramado em meu coração. Tinha a impressão de que ia explodir. Chorei em voz alta, de felicidade e amor e acho que, falando claramente, gritei o indescritível arrebatamento de meu coração. As ondas passavam por mim, muitas vezes, uma após outra, até eu exclamar: "Morrerei se essas ondas continuarem a passar em mim!" Falei, então, ao Senhor: "Senhor, não posso suportar mais!" Não sentia, porém, nenhum medo da morte.

Não sei quanto tempo continuei naquele estado, com o batismo continuando a rolar sobre mim e através de mim. Mas, sei que a noite já ia avançada quando um dos coristas — eu era o regente do coro — veio ver-me no escritório. Era um dos membros da igreja. Achou-me naquele estado, chorando em voz alta e perguntou-me:

— Sr. Finney, o que o está afligindo?

Durante algum tempo, não consegui dar qualquer resposta. Ele continuou:

— Está sentindo alguma dor?

Procurei recuperar minha postura da melhor maneira e respondi:

— Não, mas sinto-me tão feliz que não consigo viver!

Ele saiu do escritório e retornou minutos depois acompanhado de um dos presbíteros da igreja, dono da loja que ficava no outro lado da rua quase em frente ao nosso escritório. O presbítero era um homem muito sério. Mostrara-se sempre muito cuidadoso e quase nunca o vira sorrir. Quando ele entrou, encontrava-me no mesmo estado em que o jovem corista me havia deixado. Perguntou-me, então, como eu me sentia. Comecei a narrar-lhe a experiência pela qual estava passando. Para minha surpresa, em vez de falar alguma coisa, o presbítero caiu numa espasmódica gargalhada que parecia vir do fundo de seu coração. Ele não conseguia parar de rir. Era como se fosse um ímpeto irresistível.

Na vizinhança, havia um jovem que se estava preparando para entrar na faculdade, com quem eu fizera grande amizade. Eu ficara sabendo que o sr. Gale, o ministro, havia conversado com ele repetidas vezes a respeito de questões religiosas e o advertira do perigo de ser desencaminhado por mim. O sr. Gale dissera-lhe que eu era um jovem muito leviano sobre questões da fé. Imaginava que, se ele convivesse muito tempo comigo, sua mente seria influenciada negativamente a ponto de impedir que se convertesse. Depois que aceitou a Cristo, aquele jovem contou-me que várias vezes revelara ao sr. Gale, quando este o admoestava contra o convívio comigo que, freqüentemente, minha conversa surtia sobre ele mais efeito em termos de fé que os sermões do pastor. De fato, eu havia revelado muitos de meus sentimentos àquele jovem, cujo nome era Sears.

Precisamente no momento em que eu expunha meus sentimentos ao presbítero e ao outro membro da igreja, o jovem Sears entrou no escritório. Sentado de costas para a porta, quase não notei sua entrada. Mas, ele entrou e escutou, atônito, o que eu dizia. Só tomei consciência de sua presença quando ele se prostrou e exclamou, na maior agonia: "Orem por mim!". O presbítero e o outro irmão ajoelharam-se e começaram a orar por ele. Depois que oraram, também orei por Sears. Pouco depois, todos se afastaram e deixaram-me sozinho.

Então surgiu em minha mente a pergunta: "Por que o presbítero Bond riu tanto? Será que estava imaginando que eu tentava enganá-lo ou que eu estava louco?" Aquela idéia lançou uma sombra em minha mente e passei a perguntar-me se era lícito que eu, que fora tão grande pecador, orasse por aquele jovem. Parecia que uma nuvem se fechava sobre mim. Nada parecia ser capaz de tranqüilizar-me. E, quando fui para a cama pouco depois, não me sentia mentalmente angustiado, mas, não sabia como interpretar o estado em que me encontrava. Apesar do batismo que recebera, essa tentação obscureceu de tal maneira minha visão espiritual que fui dormir sem sentir a certeza de ter alcançado a paz com Deus.

Não demorei a adormecer. Mas, quase com a mesma rapidez despertei do sono, por causa do grande fluxo do amor de Deus em meu coração. Eu sentia-me tão repleto daquele amor que não conseguia dormir. Adormeci de novo e fui despertado nas mesmas condições. Ao acordar, sentia-me tomado outra vez por aquela tentação e o sentimento de amor que me envolvera o coração parecia diminuir. Mal eu voltava a adormecer, o amor irradiava tanto calor dentro de mim que, de imediato, eu era despertado. Continuei a experimentar essas sensações até que, bem mais tarde, consegui repousar.

Quando despertei na manhã seguinte, o sol já se levantara e derramava uma luz clara dentro de meu quarto. A impressão que aquela luz causava em mim não pode ser descrita com palavras. Imediatamente, o batismo que recebera na noite anterior voltou a envolver-me daquela mesma forma. Fiquei de joelhos na cama e chorei de alegria, em voz alta, permanecendo ali algum tempo, totalmente dominado pelo batismo do Espírito, sem conseguir fazer outra coisa a não ser derramar a alma diante de Deus. Parecia que o batismo naquela manhã estava acompanhado de uma suave repreensão, como se o Espírito me estivesse inquirindo: "Você vai duvidar? Você ainda vai duvidar?" Exclamei, então: "Não! Não duvidarei. Não posso duvidar". As coisas, então, ficaram tão claras em minha mente que me era impossível duvidar de que o Espírito de Deus tomara posse de minha alma.

Enquanto estava nesse estado, fui tomado da certeza de que, agora, a doutrina da justificação pela fé era uma experiência real em minha vida. Nunca antes essa doutrina ocupara minha mente a ponto de eu considerá-la fundamental. Não discernia seu real significado. Mas, agora conseguia ver e compreender a verdadeira acepção do texto: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5.1). Compreendi então que, no momento em que cri, quando estava naquele bosque, todo o sentimento de condenação abandonou minha mente e que a partir daquele momento me senti liberto de qualquer sentimento de culpa ou de condenação. Livrei-me do peso da culpa. Foram-se os meus pecados. Penso que não se achava em mim mais consciência de culpa do que sentiria se nunca tivesse pecado.

Era exatamente essa a revelação de que eu precisava. Sentia-me justificado pela fé e, pelo que podia entender, achava-me num estado em que não pecava. Em vez de sentir que eu pecava o tempo todo, meu coração encontrava-se transbordante de amor. Meu cálice transbordava de bênçãos e de amor. Era impossível sentir que eu estava pecando contra Deus ou que a mínima sensação de pecado tomasse conta de mim pelos erros que havia cometido no passado. Pelo que posso lembrar-me, nada falei a respeito dessa experiência a ninguém na ocasião. Isto é, sobre a experiência de justificação e, segundo o que conseguia enxergar, da santificação por que estava passando.

 

CAPÍTULO III

 

COMEÇO DO TRABALHO COM SUCESSO IMEDIATO

 

Na manha em que vivi as experiências que acabo de narrar, desci para o escritório e ali estava recebendo a renovação daquelas ondas poderosas de amor e salvação fluindo sobre mim, quando o dr. Wright entrou na sala. Falei-lhe sobre sua salvação. Não me recordo do que disse. Sei apenas que foram poucas palavras. Ele olhou para mim, atônito, mas não me respondeu nada de que possa lembrar-me. Curvou a cabeça e, depois de ficar parado alguns momentos, saiu do escritório. Na ocasião, não pensei mais no assunto, mas, depois fiquei sabendo que o que lhe dissera penetrara como uma espada em seu coração e em sua mente de tal forma que ele não se recuperou daquele estado de comoção até converter-se.

Pouco depois de o dr. Wright sair do escritório, o diácono Barney entrou e me disse:

— Sr. Finney, está lembrado de que minha causa será julgada às dez horas da manhã? Suponho que esteja pronto para acompanhar-me.

Como advogado, tinha uma procuração para defender sua causa.

— Irmão Barney — respondi — recebi da parte do Senhor Jesus Cristo um mandamento para advogar a causa do evangelho. Assim, não poderei defender sua causa.

Barney, atônito, olhou para mim e perguntou:

— O que quer dizer?

Contei-lhe, em poucas palavras, que me alistara na causa de Cristo. Revelei-lhe que havia recebido, da parte do Senhor Jesus Cristo uma convocação para defender a causa divina. Assim, o diácono precisaria procurar outra pessoa que pudesse ser seu advogado. Eu não poderia defender sua causa.

Barney abaixou a cabeça e saiu sem responder. Pouco tempo depois, ao passar perto da janela, vi que o diácono estava em pé, na rua, como que em profunda meditação. Fiquei sabendo mais tarde que ele conseguira firmar um acordo extrajudicial amigável. Depois disso, foi dedicar-se à oração. E não demorou a alcançar um estado a que jamais havia chegado em sua vida espiritual.

Resolvi sair do escritório para dar uma volta em busca de pessoas a quem pudesse falar sobre sua alma. Dentro de mim, começou a desenvolver-se um sentimento que nunca mais me abandonou: Deus queria que eu pregasse o evangelho e eu deveria começar a cumprir essa tarefa imediatamente. De alguma forma, parecia que eu já sabia disso. Se você me perguntasse como eu tinha conhecimento desse chamado, não saberia responder. Não poderia explicar como também não posso entender ou justificar como eu sabia que aquilo que recebera se tratava do amor de Deus e do batismo com o Espírito Santo. Mas, eu o sabia, sem sombra de dúvida. Do mesmo modo, parecia saber que o Senhor me comissionara para pregar o evangelho.

Quando, pela primeira vez, tive a certeza de ter vivido uma experiência espiritual, não me ocorreu que a conversão me levaria a sentir a necessidade de abandonar minha profissão, a qual desempenhava com prazer, para dedicar-me à pregação do evangelho. De início, isso constituiu num embaraço. Pensava nos esforços, no tempo e nos estudos despendidos em meu preparo profissional para agora tornar-me cristão, sabendo que isso me obrigaria a dedicar a vida exclusivamente à pregação do evangelho. Cheguei, finalmente, à conclusão de que devia submeter a questão a Deus. Eu não consultara ao Senhor ao iniciar o curso de Direito. Não era justo que, agora, impusesse condições a Deus.

Eu abandonara a idéia de tornar-me ministro de Cristo até que o assunto voltou à minha mente no momento em que deixava meu lugar de oração, ao descer do bosque para a aldeia. Mas, agora, depois de receber o batismo com o Espírito, eu desejava pregar o evangelho. Mais que isso, não tinha disposição para fazer outra coisa. Já não tinha o mínimo desejo de exercer a advocacia. Tudo quanto existia no ramo parecia fechado para mim, nada me atraía. Descobri que minha mente estava totalmente transformada e que uma revolução total ocorrera dentro de mim. Não tinha mais disposição para ganhar dinheiro. Não sentia fome nem sede pelos prazeres e diversões mundanos, quaisquer que fossem eles. Minha mente estava ocupada inteiramente com Jesus Cristo e com a salvação que nele encontrara. O mundo parecia ter pouca importância para mim. Nada se comparava ao valor das almas, pensava. Nenhum esforço poderia dar tanta satisfação e nenhum prazer poderia ser tão grande quanto o de ocupar-me apresentando Cristo a um mundo que estava morrendo.

Envolvido nesses pensamentos, deixei o escritório disposto a conversar com quem quer que encontrasse. Entrei na oficina de um sapateiro, homem piedoso e, segundo meu conceito, um dos membros da igreja que mais se dedicava à oração. Encontrei-o conversando com um dos filhos de um dos presbíteros da igreja. O jovem defendia o universalismo. (O universalismo, isto é, a crença que nega a doutrina bíblica do castigo eterno, alastrava-se pelos Estados Unidos naquela época, principalmente na Nova Inglaterra e na região Centro-Oeste (N. dor.)) Repetindo o que este dissera sobre o assunto, o sr. Willard — assim se chamava o sapateiro — voltou-se para mim e perguntou: "Sr. Finney, o que pensa sobre a opinião deste jovem?" A resposta parecia-me tão evidente que, num instante, consegui deitar abaixo o argumento daquele moço. Vendo que sua opinião fora demolida, o jovem levantou-se sem dar resposta e saiu. Mas, em pé no meio da oficina, pude notar que, em vez de seguir pela rua, o jovem dera a volta na oficina, atravessara a cerca e tomara a direção de um bosque. Não pensei mais no assunto. Só voltei a lembrar-me do incidente quando, ao anoitecer, vi aquele jovem deixar o bosque mostrando-se agora um radiante convertido e relatando a experiência vivida ali. Ele entrara no bosque e, segundo narrou, entregara seu coração a Deus.

Falei do evangelho a muitas pessoas naquele dia e creio que o Espírito de Deus marcou cada uma delas com uma impressão permanente. Não sei de ninguém com quem tenha conversado naquela ocasião que não se tenha convertido logo depois. Ao entardecer fui a casa de um amigo onde encontrei um jovem ocupado na destilação de uísque. Tinham ouvido falar que eu me tornara cristão. Como estavam para sentar-se à mesa a fim de tomar chá, insistiram que eu os acompanhasse. Os donos da casa eram religiosos professos. A irmã da dona da casa, que estava presente, ainda não era convertida. O jovem que trabalhava na destilação de uísque — um parente distante da família — era universalista professo. Falava muito, com bastante franqueza e denotava firmeza de caráter. Sentei-me à mesa com eles para tomar chá e pediram-me para suplicar a bênção de Deus sobre eles. Era algo que eu nunca fizera, mas, sem hesitação, comecei a rogar que Deus abençoasse a todos nós ali sentados.

Mal comecei a orar, minha mente foi envolvida pela lembrança do estado espiritual daqueles jovens. Isso despertou em mim tão grande compaixão que irrompi em lágrimas e não consegui continuar a oração. Todos os que estavam ao redor da mesa ficaram sem fala durante alguns momentos, enquanto eu continuava chorando. Num impulso, o jovem afastou a cadeira e saiu correndo da sala. Correu para seu quarto, trancou-se ali e não foi visto outra vez senão na manhã seguinte quando saiu declarando sua bendita esperança em Cristo. Aquele jovem tornou-se um competente ministro de Cristo, atuando por muitos anos no ministério.

No decurso daquele dia, houve muita comoção na aldeia por causa dos relatos sobre o que o Senhor fizera em minha alma. Os pensamentos divergiam. Ao anoitecer, sem que tivesse sido marcada qualquer reunião — pelo menos que eu soubesse — todos compareceram ao local onde eram realizadas as conferências e as reuniões de oração. Minha conversão deixara atônitos os habitantes da aldeia. Mais tarde, fiquei sabendo que, numa de suas reuniões, alguns membros da igreja haviam decidido fazer de mim o alvo específico de suas orações e que o sr. Gale se posicionara contra a idéia, aconselhando-os a não prosseguirem nesse intento, dizendo não acreditar que algum dia eu viesse a converter-me. Dissera que, baseado em conversas que mantivera comigo, descobrira que eu tinha bastante esclarecimento sobre religião, mas, permanecia com o coração endurecido. Além disso, dissera que estava bastante desanimado, porque, como regente do coro, eu ensinava música sacra aos jovens, influenciando-os de tal forma que, segundo ele, nenhum deles se converteria enquanto eu permanecesse em Adams.

Depois de passar pela experiência da conversão, descobri que alguns dos homens mais perigosos da aldeia antes usavam meu exemplo para justificar suas ações ímpias. Um deles em especial, o sr. Cable, marido de uma piedosa mulher, repetira diversas vezes para a esposa: "Se a religião é verdadeira, por que você não leva Finney a converter-se? Se vocês, cristãos, conseguirem que Finney se converta, vou acreditar em vossa religião".

Um advogado já idoso chamado Munson, residente em Adams, quando ouviu os rumores a respeito de minha conversão, disse que tudo não passava de trote e que eu estava simplesmente tentando ver até que ponto poderia ludibriar os cristãos. Mas, naquela noite parecia que, com um só ímpeto, todo o povo corria para o local de cultos. Eu mesmo fui para lá. O sr. Gale, o ministro, estava presente na reunião e, com ele, quase todas as pessoas de influência na aldeia. Parecia que ninguém se dispunha a iniciar o culto, mas, a casa já estava superlotada.

Não esperei por ninguém. Levantei-me e comecei por dizer que agora sabia que a religião vinha da parte de Deus. Continuei, contando-lhes partes de minha experiência que me pareciam importantes. O sr. Cable, que prometera à mulher que se eu me convertesse acreditaria na religião, estava presente. O sr. Munson, o advogado idoso, também estava ali. A tarefa para que fora capacitado pelo Senhor parecia impressionar maravilhosamente o povo. O sr. Cable levantou-se, abriu caminho no meio da multidão e voltou para casa, chegando a deixar para trás o chapéu. O sr. Munson também se retirou, afirmando que eu estava louco. "Finney está sendo sincero, sem dúvida", disse Munson, "mas, é claro que está mentalmente perturbado".

Tão logo acabei de falar, o sr. Gale levantou-se e confessou que acreditava ter sido um empecilho para a igreja. Confessou, então, que desencorajara a igreja quando os membros se propuseram orar por minha conversão. Revelou também que, quando naquele dia ouviu falar de minha conversão, dissera imediatamente não acreditar nela. Declarou que não tivera fé. Sua maneira de falar denotava um sentimento de humildade.

Eu nunca tinha feito uma oração em público. Mas, tão logo o sr. Gale acabou de falar, convidou-me para orar. Orei e acho que tive grande aprofundamento e liberdade na oração. Naquela noite tivemos uma reunião maravilhosa e, a partir de então, passamos a realizar uma reunião todas as noites durante longo tempo. A obra foi-se expandindo em todas as direções. Como tinha sido líder de jovens, marquei imediatamente uma reunião com eles. Todos compareceram — isto é, todos os que eu conhecia. Dediquei meu tempo ao trabalho pela conversão de cada um deles e o Senhor abençoou de modo maravilhoso todos os esforços empreendidos. Converteram-se, um após outro, com grande rapidez e a obra continuou entre eles até que só um deles permaneceu sem ter tido uma experiência com Cristo.

A obra expandiu-se entre todas as classes sociais e não somente por toda a aldeia, mas para fora dela, em todas as direções. Meu coração estava transbordante e durante mais de uma semana não senti a mínima disposição para dormir ou comer. Literalmente, parecia que o mundo não conhecia os alimentos que me estavam nutrindo. Não sentia necessidade de alimentar-me nem de tirar algumas horas de sono. Minha mente transbordava do amor de Deus. Continuei assim muito tempo, até que, certo dia, enquanto me barbeava em pé diante do espelho, notei como minhas pupilas estavam aumentadas e percebi que teria de repousar e dormir, senão enlouqueceria. A partir de então, passei a usar de mais cautela em meu trabalho. Comecei a alimentar-me com regularidade e a dormir tanto quanto podia.

Descobri que a Palavra de Deus tinha um maravilhoso poder e todos os dias me surpreendia vendo que as poucas palavras que falava a uma pessoa se fixavam em seu coração como uma flecha.

Passado algum tempo, fui visitar meu pai em Henderson, onde ele morava. Ele ainda não se convertera. De nossa família, apenas meu irmão mais novo professava a fé. Meu pai veio ao meu encontro no portão e perguntou:

— Como você está indo, Charles? Respondi:

— Estou passando bem, papai, de corpo e de alma. Mas, papai, você já está idoso, todos os seus filhos cresceram e deixaram sua casa e nunca ouvi uma única oração ser feita em nossa casa.

Meu pai abaixou a cabeça, irrompeu em lágrimas e respondeu:

— Eu sei disso, Charles. Entre e ore você mesmo.

Ali, encontrei-me com meu irmão mais moço. Entramos e passamos a orar. Meu pai e minha mãe ficaram grandemente comovidos e, pouco tempo depois, os dois se converteram. Parece que minha mãe trazia consigo uma esperança secreta. Penso que ninguém na família chegou a saber disso. Percorri a vizinhança por uns dois ou três dias e mantive conversas, breves ou longas, com todas as pessoas que consegui encontrar. Acredito que, na segunda-feira seguinte, à noite, haveria a reunião mensal de oração naquela cidade. Havia ali a Igreja Batista que tinha pastor e a Igreja Congregacional sem pastor. Naquela cidade, porém, a moralidade fora completamente abolida, e a religião havia sido totalmente esquecida.

Meu irmão mais novo havia estado presente na reunião a que me referi, descrevendo-a depois para mim. Os batistas e os congregacionais tinham o hábito de realizar uma reunião mensal de oração em conjunto. Poucos a freqüentavam. Por isso, era realizada na casa de um dos irmãos. Conforme o costume do grupo, a reunião foi realizada na sala de visitas de uma casa de família. Estavam presentes uns poucos membros da Igreja Batista e da Igreja Congregacional.

O diácono da Igreja Congregacional era um homem idoso e franzino chamado Montague. Era de temperamento tranqüilo e tinha boa reputação por causa de sua piedade. Raras vezes, porém, expressava-se sobre qualquer assunto. Era um típico diácono da Nova Inglaterra. Convidaram-no para dirigir a reunião. Ele leu em voz alta uma passagem das Escrituras, segundo o costume do grupo. Depois cantaram um hino e Montague ficou atrás de sua cadeira para dirigir o período de oração. Os demais, todos cristãos professos e mais jovens que Montague, ajoelharam-se espalhados por toda a sala.

Meu irmão contou-me que o diácono começou a oração, como de costume, numa voz baixa e fraca, mas não demorou a mostrar-se mais caloroso e a erguer a voz,  tornando-se trêmula de emoção. Passou a orar cada vez com maior fervor, até que, dentro em pouco, começou a levantar-se nos dedos dos pés, fazendo em seguida os calcanhares voltarem ao chão. Repetiu o movimento até todos sentirem o baque do impacto dos calcanhares contra o chão. Continuava a erguer a voz e a levantar-se cada vez mais na ponta dos pés, voltando a bater os saltos dos sapatos no chão, mais fortemente. E, à medida que o Espírito o levava adiante, passou a levantar a cadeira juntamente com os calcanhares e voltava ao chão com ela. Não demorou a levantá-la ainda mais alto e a bater com ela no chão com mais força, produzindo maior impacto. Continuou fazendo isso cada vez com maior ênfase, como se pretendesse despedaçá-la. Enquanto isso, os irmãos e irmãs que estavam de joelhos começaram a gemer, suspirar, chorar e agonizar em oração.

O diácono continuou a bater a cadeira até ficar exausto. E, conforme contou meu irmão, quando parou não havia ninguém na sala que conseguisse levantar-se. Só tinham forças para chorar e confessar seus pecados e todos se quebrantaram diante do Senhor. A partir dessa reunião, a obra do Senhor propagou-se por toda a cidade. E, tendo Adams como ponto de partida, estendeu-se a quase todas as cidades do condado.

Já falei sobre a convicção espiritual de que foi tomado o dr. Wright, em cujo escritório eu estudava Direito. Mencionei, também, que minha experiência de conversão foi vivida num bosque, para onde me dirigi a fim de orar. Pouco depois de minha conversão, várias pessoas converteram-se em circunstâncias semelhantes, isto é, subiam ao bosque para orar e ali encontravam a paz com Deus. Quando o dr. Wright ouvia falar dessas experiências, imaginava que ele podia orar na própria sala do escritório, sem precisar ir até o bosque. Assim, não teria de contar a mesma história, ouvida tão freqüentemente. Segundo parece, Wright assumiu consigo mesmo um firme compromisso. Embora se tratasse de um detalhe insignificante, o orgulho deu-lhe dimensões exageradas, fato que quase o impediu de entrar no Reino de Deus.

Em minha experiência ministerial, descobri muitíssimos casos desse tipo, nos quais questões não essenciais passavam a ser importantes por causa do orgulho de um pecador. Em todas as circunstâncias, o pecador precisa render-se diante da luta, ou jamais alcançará o Reino de Deus. Conheci pessoas que se debateram semanas em grande tribulação mental, sentindo a pressão do Espírito, sem fazer o mínimo progresso até reconhecer que o caminho era a submissão. O caso do dr. Wright foi o primeiro, nessas circunstâncias, a chegar ao meu conhecimento. Depois de ele se converter, disse-me que a questão surgia com freqüência em sua mente quando estava orando e que foi levado a perceber que a soberba o fazia tomar aquela posição, mantendo-o fora do Reino de Deus.

Mesmo assim, Wright não se dispunha a reconhecer o fato. Procurava, de todas as maneiras possíveis, acreditar e levar Deus a acreditar que não era soberbo. Certa noite, segundo me contou, orou a noite inteira em sua sala, pedindo que Deus tivesse misericórdia dele. Pela manhã, porém, sentia-se mais aflito do que nunca. Finalmente, acreditando que Deus não atendia à sua oração, viu-se em tamanha crise que chegou a pensar em suicídio. Era tão grande a tentação de usar seu canivete para cumprir esse intento que, para vencê-la, teve de jogá-lo fora. Depois disso, Wright contou que, certa noite, quando voltava de uma reunião de oração, tomou consciência da soberba que o dominava. Tentou provar a si mesmo e a Deus que a soberba não o impediria de subir ao bosque para orar. Queria mostrar que não era orgulhoso. Procurou então uma poça de lama e ajoelhou-se nela, demonstrando, assim, que a soberba não era obstáculo nele. E essa luta prolongou-se por várias semanas.

Certa tarde, porém, eu estava sentado em nosso escritório e alguns dos presbíteros da igreja estavam comigo, quando o jovem universalista que conheci na oficina do sapateiro e que se convertera naquele dia entrou às pressas e exclamou: "O dr. Wright converteu-se!" E continuou: "Subi ao bosque para orar e escutei alguém, no vale do outro lado, gritando com muita força. Subi até o cume da colina, de onde podia olhar para baixo e vi o dr. Wright dando passos largos para trás e para frente e cantando tão alto quanto conseguia. Fazia pausas, de momentos em momentos, para bater palmas com muita força e gritar: 'Eu me regozijarei no Deus da minha salvação!' Depois, marchava e cantava de novo. E parava, gritava e batia palmas".

Enquanto o jovem nos contava tudo isso, pudemos ver o próprio dr. Wright descendo do bosque. Quando chegou ao pé da colina, assistimos a seu encontro com Pai Tucker, como todos nós o chamávamos, um irmão metodista de idade avançada. Wright correu para ele e levantou-o nos braços. Depois de colocá-lo no chão outra vez, conversou com ele alguns momentos e veio rapidamente em direção do escritório. No momento em que entrou, notamos que suava profusamente — ele era um homem pesado. Exclamou: "Oh meu Deus, recebi a bênção! Eu a recebi!" Batendo palmas com todas as suas forças, ajoelhou-se e começou a dar graças a Deus. Em seguida, relatou-nos o que se passara em sua mente e a razão por que não conseguira ter essa esperança antes. Disse que tão logo deixou de resistir e foi para o bosque, sentiu a mente aliviada e que, quando se ajoelhou para orar, o Espírito de Deus veio sobre ele com tamanho poder que o encheu de indizível alegria, a ponto de se desenrolar a cena que o jovem testemunhara. Naturalmente, a partir daquela ocasião, o dr. Wright tomou posição ao lado de Deus.

No início da primavera, os membros antigos da igreja começaram a dar mostras de que seu zelo espiritual estava sendo menor. Habituei-me a levantar cedo, ir sozinho até a casa de reuniões e ali passar um período em oração. Consegui, depois, persuadir um número considerável de membros da igreja a juntarem-se a mim. As reuniões começavam tão cedo que, às vezes, não havia luz suficiente para ler. Convenci o pastor a se juntar a nós também. Logo, porém, aqueles irmãos começaram a faltar àqueles encontros de oração, por isso passei a levantar-me ainda mais cedo, a tempo de ir acordá-los em casa. Muitas vezes, percorria as ruas do bairro e chamava os irmãos que me pareciam mais inclinados a comparecer. Então, desfrutávamos de um precioso período de oração. Apesar dos esforços, notei que freqüentavam as reuniões cada vez com mais relutância e isso atormentava-me.

Certa manhã, depois de eu ter feito minha ronda para chamar os irmãos, voltei à casa onde se realizavam as reuniões e notei que poucos deles estavam ali. Quando retornei, o irmão Gale, ministro da igreja, estava em pé diante da porta do templo. Enquanto chegava à igreja, toda a glória de Deus brilhou, de repente, sobre mim e ao meu redor de forma maravilhosa. O dia estava apenas começando a raiar. Mas, repentinamente, uma luz de brilho extraordinário banhou minha alma e quase me lançou ao chão. Com essa luz, veio-me a impressão de que toda a natureza, exceto o homem, louvava e adorava a Deus. A luz assemelhava-se ao fulgor do sol espalhado em todas as direções. Era demasiadamente intensa para meus olhos. Lembro-me de que abaixei os olhos e irrompi em copiosas lágrimas. Foi quando me veio ao pensamento o fato de a humanidade não louvar a Deus. Creio que passei então a conhecer, por experiência própria, a mesma luz que prostrou Paulo no caminho para Damasco. De fato, a luz que me banhava era tão forte que eu não a poderia suportar durante muito tempo.

Irrompi num pranto que podia ser ouvido de longe e o sr. Gale perguntou-me: "Qual é o problema, irmão Finney?". Eu, porém, não conseguia contar-lhe o que se passava. Percebi que ele não vira nenhuma luz e que, por isso, não fazia idéia do motivo de minha reação. Narrei-lhe bem pouco do que acontecia comigo. Creio que simplesmente respondi que vira a glória de Deus e que não suportava mais pensar na maneira displicente com que Deus era tratado pelos seres humanos. De fato, naquele momento, parecia-me que a visão que tivera da glória divina não podia ser descrita através de palavras. Só minhas lágrimas eram capazes de descrevê-la. A visão, se assim pode ser chamada, desapareceu e a tranqüilidade voltou à minha mente.

Na minha vida cristã, desfrutava de muitos períodos de comunhão com Deus. É impossível descrever com palavras o que significavam para mim. Não foram raras as vezes em que, ao fim desses períodos, eu tinha a impressão de ouvir em minha mente a seguinte advertência: "Vá e tome o cuidado de não contar isso a ninguém". Na época, eu não conseguia compreender o motivo dessa imposição e várias vezes relatei a meus irmãos cristãos aquilo que o Senhor me dissera, ou melhor, descrevi-lhes os momentos de comunhão que tivera com ele. Entretanto, não demorei a descobrir que não deveria ter relatado àqueles irmãos o que se passara entre mim e o Senhor. Eles não conseguiam compreender. Davam a impressão de estar surpresos e, às vezes — pensava eu — incrédulos. Não demorei a decidir que me manteria em silêncio no tocante àquelas manifestações divinas. Revelaria bem pouca coisa a respeito delas.

Em dias passados, dedicara muito tempo à oração. As vezes, "orava sem cessar", literalmente falando. Freqüentemente dedicava-me ao jejum pessoal e particular e sentia-me muito disposto a isso. Naqueles dias procurava estar inteiramente a sós com Deus e, geralmente, caminhava até aos bosques, ou buscava a casa de reuniões, ou ainda procurava um lugar afastado onde pudesse ficar inteiramente só. Às vezes, seguia uma direção errada no jejum, procurando examinar a mim mesmo segundo as idéias de introspecção então aceitas pelo pastor e pela igreja. Procurava examinar o próprio coração, no intuito de analisar meus sentimentos e voltava minha atenção especialmente para motivos pessoais e para o estado de minha mente. Quando tomava essa direção, descobria invariavelmente que o dia chegava ao fim sem nenhum progresso perceptível.

Posteriormente, vim a descobrir por que aquilo acontecia. Percebi que, ao desviar minha atenção do Senhor Jesus Cristo, procurando voltá-la para mim mesmo, ao examinar motivos e sentimentos próprios, estes eram naturalmente abafados. Mas, quando eu jejuava, deixando que o Espírito lidasse comigo à sua maneira e quando me entregava permitindo que ele me orientasse e instruísse, tudo resultava em meu máximo proveito. Descobri que não podia mais viver sem desfrutar da presença de Deus e, quando se punha sobre mim um período de escuridão, não conseguia repousar, nem estudar, nem cuidar de qualquer outra coisa que produzisse em mim a mínima satisfação ou me trouxesse o mínimo benefício. Precisava, antes, reabrir o caminho da comunhão entre mim e Deus.

Sentia-me realizado em minha profissão. Mas, conforme já relatei, quando me converti tudo que se referia a ela ficou em segundo plano e, para mim, tratar de assuntos jurídicos já não me dava nenhum prazer. Recebi insistentes convites para advogar causas nos tribunais, porém, recusava-as sistematicamente. Não ousava confiar em mim mesmo em meio às emoções de um processo jurídico. Além disso, o próprio fato de conduzir as causas de outras pessoas parecia-me odioso e repugnante.

O Senhor ensinou-me naqueles primeiros tempos de minha experiência cristã algumas verdades muito importantes no tocante ao Espírito de oração. Logo depois de minha conversão, uma senhora da casa onde eu fora pensionista ficou muito doente. Ao contrário do marido, cristão professo, ela não era convertida. Certa noite, seu marido, que era irmão do dr. Wright, entrou em nosso escritório e disse-me: "Minha esposa não sobreviverá a esta noite!" Foi como se uma flecha atingisse meu coração. Senti algo como cãibras apertando-me nessa região do corpo. Veio sobre mim um fardo que me esmagava, uma coisa espasmódica em meu interior, cuja natureza não conseguia entender. E com essas sensações veio o intenso desejo de orar por aquela mulher. O peso espiritual era tão grande que saí quase imediatamente do escritório e fui para a casa de reuniões orar por ela.

Ali, enfrentei terrível luta, mas, não fui capaz de dizer muita coisa. Só conseguia gemer. Eram gemidos tão altos e profundos que me teria sido impossível emiti-los sem aquele terrível estado de pressão em minha mente. Permaneci um tempo considerável na igreja nesse estado mental, sem experimentar qualquer alívio. Voltei ao escritório, mas, nada era capaz de acalmar-me. Andava de um lado para outro na sala, como que agonizando. Voltei à casa de reuniões e passei pela mesma luta. Durante longo tempo, procurei colocar minha oração diante do Senhor, mas, por alguma razão, não conseguia expressá-la em palavras. Apenas gemia e chorava, sem dizer nada. Mais uma vez, voltei para o escritório e continuei sem tranqüilizar-me. E, pela terceira vez, voltei à casa de reuniões.

Dessa vez o Senhor concedeu-me força. Senti-me capacitado para lançar sobre ele o fardo e, em minha mente, alcancei a certeza de que aquela senhora não morreria e, ainda mais, que não viria a morrer em seus pecados. Retornei ao escritório, com a mente em perfeita calma, sentindo que já podia voltar para casa descansar. Na manhã seguinte, bem cedo, o marido daquela mulher entrou no escritório. Perguntei-lhe como ela estava passando e ele respondeu, sorrindo:

— Está viva e, ao que tudo indica, está bem melhor hoje.

— Irmão Wright, sua esposa não morrerá dessa doença, pode confiar nisso. E também não morrerá em seus pecados — retruquei.

Não sei como me foi dada essa certeza, mas, isso ficou tão claro para mim que não pairava em minha mente a mínima dúvida de que ela se recuperaria. Por isso falei assim àquele homem. Realmente, a mulher recuperou-se e, pouco depois, alcançou a firme esperança em Cristo. De início, não conseguia entender a experiência pela qual havia passado. No entanto, ao relatá-la a um irmão em Cristo, este disse-me: "Ora, isso é a dor de parto da alma". Uns poucos momentos de conversa com ele e a indicação de alguns textos bíblicos levaram-me a compreender do que se tratava.

Outra experiência que vivi pouco depois ilustra a mesma verdade. Falei aos crentes sobre certa jovem que fazia parte da classe de moços e do coro que eu regia e que não passara ainda pela experiência da conversão. O fato de ela ainda não ser convertida atraiu grandemente a atenção e gerou entre os cristãos muitos comentários. Ela era, por natureza, charmosa e muito esclarecida quanto às questões de fé, mas, permanecia em seus pecados. Um dos presbíteros da igreja fez um pacto comigo no sentido de fazermos dela assunto diário de oração — apresentaríamos seu nome diante do trono da graça a cada manhã, ao meio-dia e à noite, até que ela se convertesse ou viesse a morrer, ou até o dia em que não conseguíssemos mais cumprir nosso acordo.

Percebi que minha mente se ocupava muito e cada vez mais com aquela jovem, à medida que continuava a orar por ela. Entretanto, logo descobri que o presbítero que fizera o acordo comigo estava enfraquecendo em seu propósito. Nem por isso desanimei. Continuava a sentir-me cada vez mais importunado com a necessidade que aquela jovem tinha da conversão. Aproveitava todas as oportunidades para conversar claramente com ela a respeito da salvação.

Continuei a viver essa experiência algum tempo. Certo dia, à tarde, fui visitá-la, exatamente ao pôr-do-sol. Quando cheguei à porta de sua casa, pude escutar o grito de uma voz feminina, sons de luta e confusão. Fiquei em pé, esperando, até que tudo se acalmasse. A dona da casa veio abrir a porta trazendo na mão parte de um livro que, evidentemente, fora rasgado em dois pedaços. Estava pálida e muito agitada. Estendeu-me a parte do livro que tinha na mão e disse: "Sr. Finney, veja que minha irmã se tornou universalista!" Ela referia-se à jovem por quem estávamos orando.

Ao examinar o livro, vi que era uma obra escrita em defesa do universalismo. Sua irmã encontrara a jovem lendo o livro — até então, ela o lera em secreto — e tentara tirá-lo de suas mãos. Foi a luta pelo livro que ouvi quando cheguei. Fiquei sabendo que elas me tinham visto chegar à porta durante a briga. A jovem correra para seu quarto, no andar superior, levando na mão a outra parte do livro. Por esse motivo, não quis entrar. Senti um peso semelhante ao que desceu sobre mim quando fui informado da mulher que estava para morrer. A questão deixou-me abatido e em grande agonia. Enquanto voltava aos meus aposentos, a certa distância daquela casa, quase cambaleei sob o fardo que passei a carregar. Fui para o quarto e ali fiquei lutando e gemendo em agonia, sem poder emitir nenhuma palavra para expor o problema diante de Deus. Só conseguia gemer e chorar. A informação de que aquela jovem, em vez de converter-se a Cristo tornara-se universalista, chocou-me de tal modo que eu não conseguia mais interceder por ela.

Parecia haver trevas pairando sobre a questão, como se um muro fora levantado entre mim e Deus, no tocante a lutar pela salvação daquela jovem. Mas, até então, o Espírito da oração lutava dentro de mim com gemidos inexprimíveis. No entanto, fui obrigado a ir deitar-me naquela noite sem obter progresso algum. Tão logo raiou a luz da manhã, acordei e a primeira coisa em que pensei foi implorar, de novo, ao Deus da graça em favor daquela jovem. Imediatamente, saí da cama e coloquei-me de joelhos. No mesmo instante em que me ajoelhei, as trevas dissiparam-se, a questão inteira abriu-se em minha mente e Deus, em resposta à minha petição por ela, falou-me: "Sim! Sim!" Ainda que ele tivesse falado com voz audível, eu não teria ouvido e compreendido mais nitidamente aquela voz dentro da alma. Num instante, senti um grande alívio. Minha mente encheu-se de paz e alegria. Tive, então, a certeza de que a salvação daquela jovem estava garantida.

No tocante ao tempo de sua conversão, cometi um equívoco que, a propósito, não causara impressão em minha mente enquanto eu orava. Mesmo assim, esperava que ela se convertesse imediatamente. Porém, isso não aconteceu. Ela permaneceu em seus pecados vários meses. Mais adiante, falarei sobre sua conversão. No entanto, fiquei decepcionado ao ver que ela não se convertera imediatamente. Senti-me um pouco abalado, procurando saber se realmente eu havia vencido a batalha.

Pouco depois de minha conversão, o homem em cuja casa me hospedara durante algum tempo — um magistrado de grande influência local — foi profundamente convencido de que era pecador. Havia sido eleito membro do poder legislativo estadual e eu orava diariamente por ele e tentava convencê-lo a entregar seu coração a Deus. Sua convicção de pecado tornou-se muito profunda. Mesmo assim, dia após dia, ele prorrogava a decisão de submeter-se a Cristo. Por isso, não conseguia desenvolver a esperança real de salvação. Minha inquietação a respeito dele crescia mais e mais.

Certa tarde, alguns de seus amigos políticos tiveram uma reunião prolongada com ele. Ao anoitecer, procurei de novo apresentar a Deus o assunto, pois sentia que a conversão do magistrado era questão de urgência. Na minha oração, passei a ficar muito perto de Deus. Pelo que consigo lembrar-me, nunca senti tão íntima comunhão com o Senhor Jesus Cristo como naquela noite. A presença divina era tão real que fiquei banhado em lágrimas de alegria, de gratidão e de amor. Nesse estado mental, procurei orar em favor de meu amigo. No mesmo instante, porém, minha boca foi fechada. Descobri que era impossível orar uma só palavra a favor dele. O Senhor parecia dizer-me: "Não, não quero escutar!" A angústia apossou-se da minha mente. De início, eu pensava tratar-se de uma tentação. Mas, parecia que o Senhor me dizia: "Não me fale mais desse assunto". Aquilo foi mais doloroso para mim do que posso expressar. Era inexplicável.

Na manhã seguinte, conversei com meu amigo e, tão logo levantei a questão da submissão a Deus, ele disse-me: "Sr. Finney, não quero mais tocar nesse assunto, até que eu retorne do encontro que tenho com os membros do poder legislativo. Assumi com meus amigos políticos o compromisso de votar a favor de certas medidas incompatíveis com meu propósito de tornar-me cristão e prometi a mim mesmo não pensar mais no assunto até regressar de Albany".

Depois do que me acontecera na noite anterior, fugiu de mim o espírito de oração por ele. Tão logo aquele político me contou o que havia feito, compreendi tudo. Percebi que todas as suas convicções foram dissipadas e que o Espírito de Deus se afastara dele. A partir daquele momento, ele tornou-se mais relapso e endurecido do que nunca relativamente à fé. Assumiu seu cargo no poder legislativo e, quando regressou, na primavera, percebi que se tornara um universalista quase enlouquecido. Digo enlouquecido, porque, em vez de ter formado uma opinião a partir de qualquer evidência ou argumento, disse-me o seguinte: "Cheguei a optar pela doutrina universalista não porque a tenha encontrado na Bíblia, mas por ser uma doutrina oposta à mente carnal. É uma doutrina tão rejeitada e combatida que isso, para mim, prova que ela desagrada à mente carnal ou não convertida". Suas palavras deixaram-me atônito. E tudo mais que consegui saber acerca de suas opiniões era confuso e absurdo. Ele permaneceu no pecado, entrou em decadência e assim morreu, ainda agarrado à crença universalista.

 

 

CAPÍTULO IV

MINHA PRIMEIRA CONTROVÉRSIA COM MEU PASTOR E OUTROS EVENTOS EM ADAMS

Pouco depois de converter-me, fui visitar meu pastor e conversei longamente com ele a respeito da doutrina da expiação. Formado em Princeton, obviamente, ele defendia a doutrina da expiação limitada, isto é, a salvação oferecida apenas aos eleitos por Deus desde a criação do mundo (Ef 1.4). Nossa conversa durou quase metade do dia. Ele defendia o preceito de que Jesus sofrera o castigo que, literalmente, era imposto aos eleitos pela justiça retributiva. Objetei a essa doutrina, considerando-a absurda, posto que, nesse caso, Cristo sofrera o equivalente às infinitas misérias multiplicadas pelo número total de eleitos. Ele insistia em afirmar que essa era a verdade. Asseverava que Jesus satisfizera, literalmente, a justiça retributiva. Eu, ao contrário, defendia a idéia de que Jesus satisfizera apenas a justiça pública e isso era tudo o que o governo moral de Deus exigia.

No entanto, eu era ainda uma criança em teologia, um noviço em religião e em conhecimento bíblico. Mesmo assim, pude perceber que o pastor não baseava suas opiniões na Bíblia e falei-lhe nisso. Eu nada lera sobre o assunto, a não ser o que a própria Bíblia dizia a respeito do assunto. E aquilo que descobrira, eu interpretara da mesma forma em que teria compreendido passagens semelhantes num livro de Direito. Parecia-me que o pastor entendera os textos a respeito da expiação levando em conta uma teoria já existente. Nunca o ouvira transmitir em seus sermões as opiniões externadas naquele debate. Surpreenderam-me as posições tomadas por ele e procurei opor-me a elas o quanto me era possível.

Creio que ele ficou alarmado com aquilo que julgava ser apenas teimosia de minha parte. Para mim, a Bíblia ensinava com clareza que a expiação fora um ato extensivo a todas as pessoas, enquanto ele defendia que ela se limitava a apenas a uma parte da humanidade. Eu não podia aceitar essa opinião, já que não encontrava base bíblica para ela. O critério usado por ele na interpretação da Bíblia não coincidia com minhas opiniões. Eu julgava suas idéias pouco coerentes, sem a lucidez daquelas que eu costumava encontrar nos livros de Direito. Ele não apresentou nenhuma resposta satisfatória aos meus questionamentos. Perguntei-lhe se a ordem bíblica não era para que todos quantos ouvissem as boas novas da salvação se arrependessem, cressem no evangelho e fossem salvos.

Ele reconheceu que, de fato, era assim, mas, como poderiam crer e aceitar uma salvação que não fora providenciada para eles? Apesar de eu não estar acostumado a debates teológicos, naquela tarde meu pastor e eu discordamos e discutimos sobre as várias correntes de teologia, da Escola Antiga e da Nova, no tocante à doutrina da expiação, conforme aprendi em meus estudos teológicos subseqüentes. Não me lembro de ter lido uma única página sobre o assunto, a não ser o que se encontrava na Bíblia. Não ouvira nenhum sermão ou debate sobre o tema. Supunha, então, que o sr. Gale estabelecera uma filosofia própria, uma teoria que precisava ser mantida e, à luz dessa teoria, ele interpretava a Bíblia. Ele aproximava-se da Bíblia através da teoria dele.

Debatemos o assunto durante todo o meu curso de teologia, administrado por ele, que se mostrava preocupado com a possibilidade de eu não aceitar a fé ortodoxa. Acredito que estava convencido de minha conversão, mas, desejava ardentemente que eu me mantivesse dentro das rigorosas linhas da teologia de Princeton. Estava convicto de que eu me tornaria ministro, esforçava-se para isso. Tentava persuadir-me de que o Senhor não abençoaria meus esforços no ministério e de que o Espírito Santo não confirmaria minha pregação, a não ser que eu pregasse a verdade.

Eu mesmo acreditava nisso. Para mim, entretanto, esse não era um argumento que pudesse fortalecer os pontos de vista dele, já que, em outra ocasião, ele afirmara não fazer idéia de ter sido alguma vez instrumento para a conversão de um pecador. Eu nunca o ouvira pregar especificamente sobre a doutrina da expiação. Penso que receava apresentar diante da congregação seus conceitos sobre o assunto. Estou certo de que sua igreja não compartilhava das opiniões que ele mantinha sobre a expiação limitada. Depois dessa ocasião, mantivemos várias conversas, não só a respeito da expiação, mas, também, sobre outras questões teológicas, às quais terei oportunidade, ainda neste histórico, de referir-me mais detalhadamente.

Já mencionei que, na primavera daquele ano, os membros mais antigos da igreja começaram a manifestar certo esfriamento em seu zelo pelo Senhor. Aquilo oprimia-me grandemente e, também, aos jovens convertidos. Naquela época, li num jornal um artigo intitulado "Um avivamento reavivado". O artigo narrava que, em certa localidade durante um inverno fora experimentado um avivamento. Com a chegada da primavera, o avivamento entrara em declínio, mas, por meio de orações sinceras pela continuação do derramamento do Espírito, o avivamento foi poderosamente reavivado. A leitura do artigo levou-me a chorar copiosamente.

Na ocasião, eu morava como pensionista do sr. Gale. Levei o artigo para que ele o lesse. Senti-me tão dominado pela certeza da bondade de Deus em ouvir e atender as orações e pela convicção de que Deus ouviria e atenderia às orações feitas em prol do avivamento de sua obra em Adams que entrei na casa chorando em voz alta, como uma criança. O sr. Gale pareceu surpreendido com meus sentimentos e com a confiança que eu expressava que Deus reavivaria sua obra. O artigo não o impressionou da maneira em que impressionou a mim.

No encontro de jovens que se realizou a seguir, propus que empreendêssemos uma campanha de oração em nossos aposentos pelo avivamento da obra de Deus — cada um de nós deveria orar três vezes ao dia: ao raiar do sol, ao meio-dia e ao pôr-do-sol — e mantivéssemos esse plano durante uma semana, reunindo-nos, então, para decidir o que mais deveria ser feito. Nenhum outro meio foi empregado nessa busca pelo avivamento da obra de Deus. No entanto, o Espírito de oração foi imediatamente derramado de modo maravilhoso sobre os jovens convertidos. Antes daquela semana chegar ao fim, tomei conhecimento de que alguns jovens, ao tentar cumprir seu período de oração, sentiram-se totalmente sem forças, não conseguindo manter-se de joelhos sequer. Alguns permaneceram prostrados no chão, orando com gemidos indescritíveis e pedindo o derramamento do Espírito de Deus.

O Espírito foi derramado e, antes que a semana terminasse, as pessoas aglomeravam-se para participar nas reuniões. Havia tanto interesse em buscar o poder do Espírito que, penso eu, nada superou o entusiasmo revelado durante todo o tempo em que se deu o avivamento. Entretanto, é triste ter de reconhecer que, nesse mesmo período, um pecado foi cometido por alguns dos membros da igreja, pecado que resultou em grande mal para eles.

Tomei conhecimento de que um número considerável de membros antigos da igreja oferecia resistência ao novo movimento surgido e propagado entre os jovens convertidos. Parecia que tinham receio de perder alguma coisa com o entusiasmo dos jovens. Não sabiam como interpretar o movimento e julgavam que os jovens convertidos eram demasiadamente presunçosos e não se mantinham em seu devido lugar, sentindo-se, às vezes, no direito de exortar os membros mais antigos. Essa atitude acabou por entristecer o Espírito de Deus. Após minha saída de Adams, o entusiasmo pela religião começou a arrefecer. Não demorou muito e o irmão Gale foi demitido do ministério, por motivo de saúde. Foi morar num rancho, no condado de Oneida, NY, no Oeste, a fim de restaurar a saúde.

Dentro de pouco tempo começaram a surgir dissensões entre os membros mais antigos da igreja. As divergências acabaram por provocar grandes danos entre aqueles que resistiam ao avivamento. Os jovens conseguiram resistir bem. Pelo que eu saiba, eram, quase em sua totalidade, cristãos convictos e produtivos.

Na primavera daquele ano, passei a receber orientação do presbitério, como candidato ao ministério de evangelização. Alguns dos presbíteros insistiam em que eu fosse estudar teologia em Princeton, mas, recusei. Quando quiseram saber a razão de minha recusa, disse-lhes que minhas condições financeiras não o permitiam. Mas eles se prontificaram a arcar com as despesas. Continuei, porém, recusando-me a ir e, quando insistiram em saber o motivo, respondi-lhes com clareza que não me submeteria à influência que eles haviam recebido. Revelei-lhes minha plena certeza de que eles haviam sido educados erroneamente e que, por isso, não satisfaziam, de modo nenhum, o padrão que eu tinha como ideal para um ministro de Cristo. Relutei em fazer-lhes essa revelação, mas, não me era possível ser honesto sem dizer-lhes aquilo. Nomearam meu pastor, o sr. Gale, para supervisionar meus estudos. Ele permitiu-me usar sua biblioteca e disse que me daria toda a orientação necessária. Mas, no tocante ao seu papel de professor, as aulas não passavam de controvérsia.

O sr. Gale sustentava a doutrina presbiteriana do pecado original, ou seja, o ensinamento de que a constituição humana é moralmente depravada. Sustentava, ainda, a idéia de que o homem é totalmente incapaz de satisfazer as condições impostas pelo evangelho: arrepender-se, crer ou fazer o que é exigido por Deus; que, mesmo sendo livre para praticar todas as formas de mal e capaz de cometer qualquer quantidade de pecado, o homem não tem capacidade para praticar tudo o que é bom; que Deus condenara os homens por terem uma natureza pecaminosa e, por causa disso e de suas transgressões, eles mereciam a morte eterna e estavam sob condenação. Gale pregava, também, que as influências do Espírito de Deus na mente humana eram físicas, que estas agiam diretamente sobre a substância da alma e que os homens agiam passivamente na regeneração. Resumindo, ele sustentava todas as doutrinas que logicamente advêm do fato de uma natureza pecaminosa em si mesma.

Eu não podia aceitar tais doutrinas. Não conseguia acolher as opiniões do sr. Gale a respeito de expiação, regeneração, fé, arrependimento, escravidão da vontade ou de doutrinas afins. Mas, quanto a essas opiniões ele era bastante tenaz e, às vezes, parecia muito impaciente, porque eu não as ouvia sem questionar. Insistia em dizer que, se eu continuasse meu raciocínio sobre o assunto, provavelmente acabaria tornando-me um ímpio. Em seguida, fazia-me lembrar de que alguns dos alunos que haviam estudado em Princeton haviam-se tornado hereges por insistir em manter o próprio raciocínio a respeito do assunto, negando-se a aceitar a Confissão de Fé, bem como os ensinamentos dos teólogos daquela escola. Além disso, o sr. Gale advertia-me repetidas vezes e com muito sentimento, que eu, como ministro, nunca serviria para nada a não ser que abraçasse a verdade, isto é, o que ele ensinava e acreditava ser a verdade.

Estou certo de que me mostrava completamente disposto a acreditar nos ensinos encontrados na Bíblia, e revelei-lhe isso. Tivemos muitos e prolongados debates. E, freqüentemente, eu saía do gabinete deprimido e desanimado, dizendo comigo mesmo: "Aconteça o que acontecer, não poderei aceitar essas opiniões. Não posso acreditar que elas sejam ensinadas na Bíblia". E, várias vezes, cheguei a pensar em abandonar tudo, em desistir do ministério.

Na igreja, havia um único membro com quem eu me abria livremente sobre o assunto. Era o presbítero Hinman, homem de oração e muito piedoso. Fora educado segundo os conceitos de Princeton e sustentava as doutrinas rígidas do calvinismo. No entanto, depois que ele e eu começamos a manter conversas freqüentes e prolongadas, Hinman convenceu-se de que eu tinha razão e passou a visitar-me regularmente, a fim de orarmos juntos. Incentivava-me a prosseguir nos estudos e ajudava-me a enfrentar as polêmicas com o irmão Gale, fazendo-me firmar a decisão de pregar o evangelho, acontecesse o que acontecesse. Várias vezes, quando eu voltava deprimido do gabinete do irmão Gale, o presbítero Hinman acompanhava-me até meu quarto e, às vezes, ficávamos até tarde da noite rogando a Deus que nos desse luz e forças e nos enchesse de fé para que pudéssemos aceitar e realizar sua perfeita vontade.

O velho presbítero morava a uns cinco quilômetros da aldeia e costumava ficar comigo até as dez ou onze horas da noite, tendo de voltar a pé para casa. Um ancião muito querido! Tenho motivos para acreditar que ele orava por mim diariamente. Depois que assumi o ministério, enfrentei muita oposição por causa de minha mensagem — o que, no momento oportuno, terei oportunidade de relatar — e, quando encontrava o presbítero Hinman, ele costumava dizer: "Minha alma sente tamanho peso de responsabilidade pelo seu ministério que oro em seu favor de dia e de noite. Mas tenho certeza de que Deus o ajudará. Continue assim, irmão Finney e o Senhor lhe dará livramento!"

Certa tarde, o sr. Gale e eu havíamos conversado durante longo tempo sobre a doutrina da expiação, e chegou a hora de comparecermos a uma reunião. Continuamos a conversa até chegarmos ao lugar do evento. Como chegamos antes do início dos trabalhos, havendo poucas pessoas no local, continuamos a conversar. As pessoas foram chegando e, ao entrarem, sentavam-se e escutavam atentamente o que dizíamos. Nossa discussão era séria e tenho certeza de que se desenvolvia num espírito cristão. À medida que chegavam, os membros da igreja mostravam-se cada vez mais interessados no debate. Quando dissemos: "É hora de parar, para que possamos começar a reunião", eles imploraram-nos com sinceridade que continuássemos o debate e que este fosse o nosso culto. Assim fizemos e, a meu ver, foi muito proveitoso para os presentes. Estou certo de que receberam permanente edificação a respeito de algumas das questões.

Eu estudava teologia havia alguns meses, quando a saúde do sr. Gale piorou a ponto de ele não conseguir mais pregar. Então, um ministro universalista assumiu a igreja e passou a promulgar suas doutrinas. Algumas pessoas interessadas em fugir ao arrependimento e à verdade mostraram-se dispostas a ouvi-lo, enquanto outras mostravam-se confusas quanto aos conceitos bíblicos que haviam aprendido. Diante disso, o sr. Gale, juntamente com alguns presbíteros, expressaram o desejo de que eu pregasse sobre o assunto, para refutar os argumentos daquele ministro, cujo principal objetivo era, obviamente, demonstrar que o pecado não merecia castigos intermináveis. Colocava-se violentamente contra a doutrina do castigo eterno, considerando-a cruel e absurda. Deus é amor, dizia, então como poderia um Deus de amor castigar eternamente os homens? Certa noite, em um de nossos cultos, levantei-me e disse: "Esse ministro universalista defende doutrinas que são estranhas para mim. Não acredito que elas sejam ensinadas na Bíblia. Mas vou pesquisar o assunto e, se não puder provar que são falsas, eu mesmo me tornarei universalista".

Programei, então, um culto para a semana seguinte, no qual apresentei uma preleção em oposição às opiniões do ministro universalista. Os crentes ficaram um pouco assustados com a minha ousadia em dizer que eu mesmo me tornaria universalista se não pudesse comprovar que as doutrinas pregadas por ele eram falsas. Eu, porém, tinha a certeza de que poderia apresentar essas provas. Quando chegou a noite em que faria minha preleção, a casa de culto estava superlotada. Levantei a questão da justiça das penas eternas, tecendo considerações naquele culto e na noite seguinte. Dessa forma, acredito que a dúvida quanto à justiça das penas eternas foi completamente esclarecida na mente de todos os presentes. Ouvia-se dizer por todos os cantos que o argumento fora convincente. O povo mostrava-se surpreso com o fato de o sr. Gale nunca ter tratado do assunto a fim de proteger sua congregação contra o universalismo.

O próprio ministro universalista percebeu que a congregação estava convicta de que as doutrinas que pregava eram falsas e, por isso, passou a apresentar seus conceitos de outro ângulo. O sr. Gale, juntamente com os de sua linha teológica, sustentava que a expiação realizada por Cristo era o pagamento literal da dívida dos eleitos e que por meio dela ele sofrera exatamente o que estes mereciam sofrer. Desse modo, os eleitos eram salvos segundo os princípios da justiça exata, sendo que Cristo, no tocante a eles, cumprira plenamente as exigências da Lei.

O ministro universalista aproveitou-se dessa declaração. Tomando por certo que essa era a definição exata de expiação, bastava-lhe, agora, comprovar que a expiação fora realizada em favor de todas as pessoas. Ele queria demonstrar que todos, sem exceção, seriam salvos, porque a dívida de toda a humanidade havia sido literalmente paga pelo Senhor Jesus Cristo. Portanto, por causa da expiação, o universalismo baseava-se na própria justiça, pois, Deus não podia castigar com eqüidade aqueles cuja dívida já fora paga. Eu vi e os presentes também viram, que o ministro universalista colocara o sr. Gale numa posição delicada. Era, no entanto, fácil comprovar que a expiação fora feita em prol de toda a humanidade. E, se a natureza e o valor da expiação eram realmente como o sr. Gale sustentava, a salvação universal seria um resultado inevitável. Assim, a congregação foi levada outra vez ao erro. O sr. Gale pediu-me que continuasse com minhas preleções, refutando o universalismo. Disse entender que a questão fora resolvida na esfera da Lei, mas, que agora eu precisava contestar o argumento que o ministro apresentava na esfera do Evangelho. Respondi-lhe:

— Sr. Gale, não poderei fazer isso sem contradizer suas opiniões a respeito do assunto. Terei de deixá-las de lado. Não poderei oferecer nenhuma resposta à doutrina do universalismo com as opiniões que o irmão mantém a respeito da expiação. Se seu conceito sobre a expiação for correto, a congregação facilmente acabará acreditando que a Bíblia comprova que Cristo morreu por todos, pelo universo total dos pecadores. Portanto, a não ser que o irmão me permita corrigir suas opiniões a respeito da expiação, nada poderei dizer para contestar essa heresia.

O sr. Gale acrescentou:

— Bem, não podemos deixar que a situação permaneça como está. Você pode dizer o que quiser. Responda da maneira que achar melhor. Se julgar necessário, pregarei refutando o que você pregou.

— Muito bem! — respondi. — Basta que eu possa externar minhas opiniões e poderei responder ao ministro universalista. Depois o senhor poderá dizer o que quiser aos membros da igreja.

Em seguida, combinei a data da preleção. Preguei duas vezes sobre o assunto e creio que alcancei pleno êxito em demonstrar que a expiação não consiste no pagamento literal das dívidas dos pecadores, como sustentam os universalistas, mas que ela simplesmente torna possível a salvação de todos; que, por si só, não obriga Deus a salvar pessoa alguma; que não era verdade que Cristo sofrera exatamente a pena que deveria ter sido paga por aqueles em favor de quem ele havia morrido; que nada disso era ensinado na Bíblia e, portanto, não era verdade. Pelo contrário, Cristo morrera simplesmente para remover do caminho do perdão divino um obstáculo intransponível, a fim de permitir que Deus proclamasse uma anistia, o perdão geral e convidasse todos ao arrependimento, levando-os a crer em Cristo e a aceitar a salvação.

Demonstrei, também, que em vez de ter satisfeito a justiça retributiva e de ter sofrido exatamente o que os pecadores mereciam sofrer, Cristo apenas satisfez a justiça pública, honrando a Lei, tanto em sua obediência quanto em sua morte, tornando, assim, moralmente possível Deus perdoar o pecado de todos os que se arrependessem e cressem em Cristo. Defendi o conceito de que, na expiação, Cristo só fez o necessário como condição do perdão do pecado e não o que viesse a cancelar o pecado, no sentido de pagar literalmente as dívidas dos pecadores.

Assim, o ministro universalista recebeu a resposta às suas opiniões e cessaram ali os questionamentos relativos ao assunto. O mais notável, porém, é que as preleções levaram a uma experiência com Cristo a jovem citada por mim anteriormente, em favor de cuja conversão havia orado sinceramente e em intensa agonia. Esse fato deixou o sr. Gale atônito, pois ficou manifesto que o Espírito de Deus aprovara e abençoara minhas explicações sobre a expiação, apesar de ele haver argumentado que Deus nunca abençoaria semelhante conceito. Penso que o fato deixou-o muito confuso, procurando decidir se o ponto de vista que defendia seria ou não o correto. Numa conversa com ele, pude perceber que ficara surpreendido com o fato de minha idéia sobre expiação ter sido o instrumento para a conversão daquela jovem.

Depois de muitos debates com o sr. Gale no decurso de meus estudos teológicos, o presbitério finalmente foi convocado para reunir-se em Adams e proceder ao meu exame e, caso me aprovasse, conceder-me a licença para pregar o evangelho. Imaginei que durante o exame haveria severa discussão com os presbíteros. No entanto, eles mostraram-se consideravelmente brandos. Creio que a bênção manifestada em minhas conversas, os ensinos por mim transmitidos nas reuniões de oração e nas conferências e nas preleções tornaram-nos mais cautelosos, evitando qualquer polêmica, o que, em outras circunstâncias, com certeza teria ocorrido. No decurso do exame, evitaram formular perguntas cujas respostas possibilitassem discordância com suas opiniões.

Depois de me haverem examinado, votaram unanimemente pela concessão da licença. De modo inesperado para mim, perguntaram-me se eu aceitava a Confissão de Fé da igreja Presbiteriana. Eu nem sequer a havia estudado, pois essa obra — o catecismo da denominação — não fizera parte de meus estudos. Respondi que a aceitava pela substância de sua doutrina, dentro dos limites de meu entendimento. Imagino que tenha falado de modo a deixar claramente subentendido que não era minha pretensão saber muito a respeito. No entanto, respondi com honestidade, conforme o que conhecia da obra. Ouviram, também, os sermões de prova que preparei baseado nos textos que me haviam indicado. Fui aprovado em todas as partes normais do exame.

Nessa reunião, vi pela primeira vez o rev. Daniel Nash, conhecido como Pai Nash. Era membro do presbitério. Em Adams, uma grande congregação reunira-se para assistir ao meu exame. Cheguei um pouco atrasado e encontrei um homem em pé, no púlpito. Como imaginei, ele estava falando à congregação. Notei que olhou para mim quando entrei e para as outras pessoas quando estas entravam e buscavam assento. Logo que cheguei ao meu lugar e passei a escutar o que ele dizia, observei que estava orando. Olhei de novo e, surpreendido, vi que passava os olhos por toda a congregação ali reunida, como se estivesse dirigindo-se a ela, mas, na realidade estava orando a Deus. Obviamente, aquilo não me soava muito como uma oração. E, realmente, naquela época ele estava num estado de muita frieza. Mencionei aqui o nome do rev. Daniel Nash porque daqui em diante irei referir-me a ele com freqüência. No domingo seguinte ao meu ingresso no ministério, preguei a pedido do irmão Gale. Quando desci do púlpito, ele disse-me: "Sr. Finney, ficarei muito envergonhado se, por onde você passar, revelar que estudou teologia comigo". Essa atitude era típica dele e combinava com o que repetidas vezes me dissera. Por isso, pouco ou nada lhe respondi. Abaixei a cabeça, senti-me desencorajado e continuei a caminhar. Posteriormente, ele passou a considerar o assunto de modo muito diferente e revelou-me que bendizia ao Senhor pelo fato de, em todas as nossas controvérsias e em tudo que me dissera, ele não exercera a mínima influência sobre minhas opiniões. Confessou muito francamente haver errado no modo de falar comigo e de tratar-me e acrescentou que, se eu o tivesse escutado, teria-me deixado arruinar como ministro do evangelho.

A verdade é que a formação do irmão Gale para o ministério havia sido deficiente. Absorvera um conjunto de opiniões, tanto teológicas quanto práticas, que eram como uma camisa-de-força para ele. Realizaria bem pouco ou nada se mantivesse seus próprios princípios. Ele permitira que eu fizesse uso de sua biblioteca. Aproveitando o oferecimento, revirara totalmente os livros que ali havia, buscando estudar e esclarecer todas as questões que possivelmente sairiam na prova. Porém, quanto mais examinava os livros, mais insatisfeito me sentia. Estava acostumado às sucintas e lógicas argumentações dos juízes citadas nos livros de Direito. E, quando pesquisei em sua biblioteca os livros da Escola Antiga, nada encontrei que me satisfizesse. Não que eu quisesse opor-me à verdade, mas, os argumentos que eles apresentavam eram pouco sólidos.

Segundo me parecia, freqüentemente declaravam uma coisa e comprovavam outra. Faltava lógica na exposição das idéias. Finalmente, disse ao sr. Gale: "Se não existe nada melhor que aquilo que se encontra em sua biblioteca para sustentar as grandes doutrinas ensinadas pela nossa igreja, forçosamente terei de tornar-me um incrédulo". E, realmente, estou convicto de que, se o Senhor não me tivesse levado a constatar as falsas afirmações encontradas naqueles livros e a reconhecer que a verdade deve ser estabelecida segundo a Bíblia e se ele não se tivesse revelado a mim pessoalmente, de um modo que me era impossível duvidar da veracidade do cristianismo, eu teria caído no ceticismo.

No começo, por eu não ser teólogo, minha atitude diante das opiniões do sr. Gale eram mais negação ou recusa que propriamente um choque com alguma teoria minha. Eu costumava dizer-lhe: "Seus pontos de vista não podem ser comprovados. Eles carecem de provas". Assim eu pensava e assim continuo a pensar. Mas, ele insistia em que eu cedesse diante das opiniões dos sábios e virtuosos homens que, após muitas considerações, haviam chegado às conclusões que regiam sua corrente teológica. Dizia não ficar bem para mim, um jovem que se havia preparado para a profissão jurídica e sem nenhuma educação teológica, colocar-me contra as opiniões de grandes teólogos, cujos conceitos estavam expostos em sua biblioteca. Ele insistia em dizer que, se eu persistisse em satisfazer a razão, questionando aquelas doutrinas em vez de aceitar as opiniões de homens que sabiam mais que eu, acabaria tornando-me um infiel. As decisões da igreja deviam ser respeitadas por um jovem como eu, cuja obrigação era submeter minhas idéias ao julgamento de outros que demonstravam ter sabedoria superior à minha.

Eu não podia negar que os argumentos do sr. Gale eram bastante fortes. Mesmo assim, sentia-me totalmente incapaz de aceitar doutrinas na forma de dogmas. Ainda que tentasse, tal coisa ser-me-ia impossível. Não estaria sendo honesto nem respeitando a mim mesmo caso agisse assim. Depois de conversar com o sr. Gale, eu ia quase sempre para meu quarto e passava um longo tempo de joelhos diante da Bíblia. Na realidade, durante aquele período de constantes discussões com o sr. Gale, dediquei-me especialmente à leitura bíblica e à oração, implorando ao Senhor que ele me revelasse sua vontade no tocante àquelas questões. Não tinha a quem recorrer senão diretamente à Bíblia e à minha consciência. Lentamente, minhas opiniões foram tomando forma. De início, era impossível aceitar as opiniões do sr. Gale. Em seguida, fui formando conceitos próprios, aceitando, da parte dele, apenas os que inequivocamente eram ensinados na Bíblia.

Conforme já ressaltei, não eram apenas as opiniões teológicas do sr. Gale que enfraqueciam sua capacidade de trabalho: suas opiniões práticas eram igualmente errôneas. Daí ele prever que minhas opiniões acarretariam todos os tipos de males. Em primeiro lugar, dizia ele, o Espírito de Deus não aprovaria nem cooperaria com meus esforços; em segundo lugar, quando eu me dirigisse às pessoas, conforme lhe dissera que faria, elas não me ouviriam e ainda fugiriam de mim; em terceiro lugar, ainda que elas viessem assistir às minhas pregações, logo se mostrariam decepcionadas e se afastariam; em quarto lugar, a não ser que eu escrevesse meus sermões, eu tornar-me-ia obsoleto e não despertaria a atenção dos ouvintes; em quinto lugar, ao invés de unir, eu dividiria o povo e faria com que as congregações se dispersassem sem as edificar.

Na realidade, vi que todas as opiniões do sr. Gale eram quase totalmente opostas às que eu considerava deveres de ministro. Não era de admirar que se mostrasse chocado com minhas opiniões e propósitos quanto à pregação do evangelho. Com a formação que ele recebera, não poderia ser diferente. Gale propunha-se ir até as últimas conseqüências para manter suas opiniões, mas, na prática, os resultados que ele obtinha eram poucos. Eu prosseguia com meus conceitos e, com a bênção de Deus, os resultados que alcançava eram o inverso dos previstos pelo sr. Gale. Quando esse fato ficou evidente, o ministério dele enfraqueceu. Os resultados alcançados por meu trabalho puseram por terra suas esperanças como cristão, antes que ele viesse a ser um verdadeiro ministro do evangelho, como relatarei mais tarde.

Havia, no entanto, outra deficiência na formação do irmão Gale, a qual eu considerava da maior gravidade. Ainda que ele fosse convertido, não recebera a unção divina do Espírito Santo, o que teria feito dele um poderoso elemento para a conversão de almas, no púlpito e na sociedade. Não recebera o batismo com o Espírito Santo, o que é indispensável para o sucesso ministerial. Quando Cristo comissionou os apóstolos a pregar, ordenou que permanecessem em Jerusalém até serem revestidos do poder do alto. Esse poder, como todos sabem, era o batismo com o Espírito Santo derramado sobre eles no dia de Pentecostes, uma qualificação indispensável para o êxito do ministério.

Sempre acreditei que esse batismo não era simplesmente o poder para a operação de milagres. O poder de operar milagres e o dom de idiomas foram dados como sinais para atestar a realidade da comissão divina. Mas, o próprio batismo era a purificação vinda de Deus, era a plenitude do Espírito Santo para os que o recebiam, outorgando-lhes iluminação do Senhor, que os enchia de fé, amor, paz e poder. Dessa maneira, suas palavras, vivas e eficazes, mais cortantes que uma espada de dois gumes, penetrariam profundamente o coração dos inimigos de Deus. Essa é uma qualificação indispensável ao ministro que deseja ser bem-sucedido. Mas, essa qualificação ministerial o irmão Gale não possuía. Muitas vezes, sinto-me angustiado porque, até hoje, poucos a consideram importante para a pregação do evangelho a este mundo pecador. Sem a instrução direta da parte do Espírito Santo, o homem nunca poderá tornar-se um virtuoso ministro de Cristo. O fato é que, a não ser que se faça acompanhar essa pregação de uma experiência pessoal, que se apresente a religião à humanidade como uma questão de consciência, as especulações e teorias ficarão muito aquém da pregação do evangelho.

O sr. Gale, mais tarde, chegou a confessar que não era convertido, embora eu não tenha percebido isso durante o período que passei sob sua orientação. Não tenho dúvidas de que era um homem sincero e virtuoso, honesto em suas opiniões. Sua educação, no entanto, era lastimavelmente defeituosa nos aspectos teológico, filosófico, prático e, especialmente, espiritual. Faltava-lhe a unção que é sempre parte essencial da formação do ministro do evangelho. Quanto ao seu estado espiritual, constatei que ele nem sequer possuía a paz do evangelho, quanto mais o seu poder.

Não suponha o leitor, baseado em alguma coisa dita aqui, que eu não amava o sr. Gale nem o respeitava profundamente. Amava-o e respeitava-o, sim. Pelo que eu saiba, permanecemos amigos até ao dia de sua morte. O que falo a respeito das opiniões que ele sustentava — e lamento dizê-lo — considero aplicável à grande maioria dos ministros, até mesmo nos dias atuais. Penso que seus conceitos práticos sobre a pregação do evangelho, sejam quais forem suas opiniões teológicas, são bastante defeituosos e que a falta da unção e do poder do Espírito Santo é um defeito básico em sua formação ministerial.

Não digo isso em tom de censura, mas, devo registrá-lo por ser questão já decidida há muito tempo em minha mente, sendo um fato pelo qual já tive muitos motivos para lastimar. E, à medida que passo a conhecer melhor os ministros neste país e no exterior, mais me convenço de que, apesar de toda a formação, disciplina e educação que receberam, eles se mostram deficientes na prática de apresentar o evangelho aos homens, no uso dos meios para alcançar esse objetivo e, especialmente, na falta do poder do Espírito Santo.

Escrevi detalhadamente a respeito dos constantes debates mantidos com meu professor de teologia, o irmão Gale. Pensando bem, acho que devo expor de modo mais específico algumas das questões sobre as quais sustentamos tantas discussões. Certamente, eu não poderia aceitar a ficção teológica da imputação. Vou revelar, com a maior exatidão possível, o ponto de vista que ele sustentava com insistência. Em primeiro lugar, ele afirmava categoricamente que a culpa da primeira transgressão de Adão é imputada de maneira literal a toda sua posteridade. Desse modo, seus descendentes são legitimamente condenados e sujeitos à perdição eterna. Em segundo lugar, Gale sustentava que recebemos, da parte de Adão e por causa da linhagem natural, uma natureza totalmente pecaminosa e moralmente corrupta em todas as faculdades da alma e do corpo, de modo que somos totalmente incapazes de realizar qualquer ato aceitável a Deus. E nossa natureza pecaminosa leva-nos a transgredir a sua lei em todas as ações de nossa vida. E esse, insistia ele, é o estado no qual caíram todos os homens por causa do primeiro pecado de Adão. Por causa dessa natureza pecaminosa recebida da parte de Adão mediante a geração natural, a raça humana inteira é condenada à perdição eterna, por merecimento. Em terceiro lugar, Gale sustentava que estamos todos devidamente condenados e sentenciados à perdição eterna por transgredir a lei. Dessa forma, por justo motivo, estamos sentenciados a uma tripla condenação eterna.

A segunda parte dessa imputação estranha é a seguinte: os pecados de todos os eleitos, tanto o original quanto os pessoalmente praticados — ou seja, a culpa do pecado de Adão, no que diz respeito aos eleitos, juntamente com a culpa da sua natureza pecaminosa e, também, a culpa das transgressões pessoais — são todos literalmente imputados a Cristo. Por isso, Deus fez com que todos os pecados e culpa dos eleitos recaíssem sobre seu Filho.

Cristo tomou sobre si a culpa do primeiro pecado de Adão e que havia sido imputada aos eleitos. Assumiu, também, a culpa das transgressões pessoais de cada um deles e o Pai, através de seu poder, castigou o Filho exatamente na medida do merecimento de todos os eleitos, inclusive daquilo de que eram dignos por causa da tripla perdição em que cada um deles incorrera, tudo isso multiplicado pelo número de eleitos de todos os tempos. Por essa razão, não é gratuito o favor concedido aos eleitos por meio da salvação das penas da lei nem mediante o perdão divino, porque, tendo sido plenamente paga a dívida dos eleitos mediante o castigo imputado sobre Cristo, eles são salvos segundo os princípios da justiça exata.

A terceira parte dessa ficção teológica estranha é a seguinte: em primeiro lugar, a obediência de Cristo à lei divina é literalmente imputada aos eleitos, de modo que, em Cristo, considera-se que eles sempre obedeceram com perfeição à lei; em segundo lugar, a morte de Cristo é imputada aos eleitos, uma vez que se considera que, em Cristo, eles tenham sofrido tudo quanto mereciam, pois a culpa de Adão lhe foi imputada, por causa de sua natureza pecaminosa e das transgressões pessoais; em terceiro lugar, por intermédio de seu Redentor, os eleitos primeiramente obedeceram com perfeição à lei e, também pela obra do Redentor, sofreram a pena total a que estariam sujeitos em conseqüência da culpa do pecado de Adão a eles imputada, bem como da culpa de sua natureza pecaminosa e das transgressões pessoais. Portanto, sofreram em Cristo ainda que não tivessem obedecido nele.

Primeiramente, ele obedeceu no lugar deles, com perfeição e essa obediência foi-lhes rigorosamente imputada, de modo que, segundo a soberania divina, eles foram obedientes na pessoa do Redentor; em segundo lugar, o Redentor sofreu por eles as penas da lei, exatamente como se não tivesse havido nenhum delito de obediência; em terceiro lugar, depois de a lei ter sido duplamente satisfeita, requer-se dos eleitos que se arrependam como se nenhuma satisfação tivesse sido prestada; em quarto lugar, tendo sido o pagamento totalmente feito por duas vezes, a remissão dos eleitos é comprovadamente um ato de graça infinita.

Assim, os eleitos são salvos pela graça segundo os princípios da justiça. Ou seja, a graça, em primeiro lugar, obedece à lei em favor dos eleitos, depois assume e paga a dívida como se nenhuma obediência tivesse sido prestada e, então, a justiça inocenta e salva o devedor. Dessa forma, a rigor, não há graça ou misericórdia em nosso perdão: a graça total encontra-se na obediência e nos sofrimentos de Cristo. Segue-se que os eleitos poderão requerer na absolvição com base na justiça rigorosa. Não precisam orar pelo perdão e nem por clemência: isso seria um grande erro. (A última inferência é minha, mas, surge, como todos podem perceber, irresistivelmente a partir daquilo que a própria Confissão da Fé assevera — que os eleitos são salvos segundo os princípios da justiça exata e perfeita.)

Era impossível concordar com o sr. Gale a respeito dessas questões. Só consegui considerar e tratar a questão inteira da imputação vendo-a como idéia teológica, algo semelhante à nossa ficção jurídica de fulano e beltrano. E perante as discussões que mantivemos ao longo de meu curso teológico, não me recordo de ter ouvido o sr. Gale insistir em que a Confissão de Fé não motivava esses princípios de maneira diferente. E, quando pude estudá-la, fiquei convencido de que ela continha os mesmos ensinamentos.

Eu não tinha consciência de que a regra do presbitério era que se perguntasse ao candidato se ele aceitava a Confissão de Fé presbiteriana. Por isso, nunca a lera e não tinha a mínima consciência de que o sr. Gale, nas discussões que mantivera comigo, não fizera nada mais que defender os ensinos claros nela contidos. Tão logo fiquei sabendo de seu conteúdo, não hesitei, em todas as ocasiões apropriadas, em declarar que discordava delas. Sempre que descobria que um grupo se escondia atrás desses dogmas, não hesitava em fazê-los ruir com meus melhores esforços.

Nunca ridicularizei o sr. Gale por defender essas doutrinas, mas, em nossos debates sempre as discutimos na linguagem que ele mesmo usava para externá-las. Ele não as apresentava como racionais nem como capazes de sobreviver à luz da razão. Por isso, insistia em dizer que minhas idéias me levariam ao ceticismo. Eu, porém, insistia em dizer que nosso raciocínio nos foi dado visando exatamente a capacidade de justificar os caminhos de Deus e que não havia possibilidade de aquela ficção teológica ser verdadeira. Naturalmente, muitas outras questões eram matéria de debate entre nós, mas, essas discussões tinham sempre como base o seguinte: se o homem tinha uma natureza pecaminosa, a regeneração deveria consistir na mudança dessa natureza. Já que a natureza do homem era pecaminosa, a influência do Espírito Santo, que deveria regenerá-la, tinha de ser física e não moral. Já que a natureza do homem era pecaminosa, não havia possibilidade de o evangelho transformar essa natureza e, conseqüentemente, na religião, não havia conexão possível entre meio e fim.

O sr. Gale mantinha-se fiel à sua opinião. Como conseqüência, nos sermões que o ouvi pregar, não parecia ter a expectativa nem a intenção de levar qualquer pessoa a converter-se. Mesmo assim, era um pregador muito competente para os padrões da época. O fato é que aqueles dogmas eram para ele uma camisa-de-força. Se pregava sobre o arrependimento, parecia que, antes de se sentar, precisava ter a total certeza de que deixara nos ouvintes a impressão de que não poderiam arrepender-se. Se os conclamava a crer, precisava ter a certeza de lhes ter passado a idéia de que, até sua natureza ter sido transformada pelo Espírito Santo, lhes seria impossível ter fé. Assim, sua ortodoxia era uma perfeita arapuca — para ele próprio e para os ouvintes. Eu não podia aceitá-la. Não era assim que eu entendia a Bíblia nem via tais doutrinas ensinadas nas Escrituras.

Quando li a Confissão de Fé e conferi as passagens bíblicas citadas para sustentar aquelas doutrinas, fiquei totalmente envergonhado dela. Não podia sentir o mínimo respeito por um documento que tentava impor à humanidade dogmas como aqueles, sustentados, na maior parte, por passagens das Escrituras cuja aplicação era totalmente irrelevante e que, em qualquer tribunal, teriam sido consideradas no mínimo inconclusivas. No entanto, pelo que eu saiba, o presbitério inteiro mantinha-se irredutível em sua crença. Mas, acredito que depois todos acabaram cedendo. E, quando o sr. Gale mudou suas opiniões, nada mais ouvi da parte do presbitério que sustentasse aqueles conceitos.

 

 

CAPÍTULO V

PREGANDO COMO MISSIONÁRIO

Por não ter recebido formação regular para o ministério, não esperava nem desejava trabalhar nas grandes cidades, nem em congregações entre pessoas cultas. Pretendia ir aos novos povoados e pregar nas escolas, nos celeiros e nos bosques, da melhor maneira que pudesse. Assim, pouco tempo depois de ter recebido licença para pregar e com o propósito de conhecer a região onde me propunha realizar a obra, aceitei uma tarefa de seis meses de duração da parte de uma Sociedade Missionária Feminina, localizada no condado de Oneida.

Fui para o lado norte do Condado de Jefferson e comecei a trabalhar com afinco em Evans Mills, na cidade de Le Ray. Ali, encontrei duas igrejas organizadas: uma pequena igreja congregacional, que estava sem pastor e uma igreja batista, que tinha seu ministro. Apresentei minhas credenciais aos diáconos. Eles ficaram muito contentes em ver-me e logo comecei a trabalhar.

Eles não tinham uma casa de cultos. As duas igrejas revezavam-se na utilização dos cultos num grande prédio escolar, feito de pedra. Acho que a escola tinha tamanho suficiente para abrigar todas as crianças da aldeia. Os batistas ocupavam o prédio num domingo e os congregacionais o utilizavam-no no domingo seguinte. Assim, eu só podia usar o local para pregar no domingo livre. No entanto, podia ocupar as instalações da escola durante a semana, à noite, pelo tempo que desejasse. Passei a dividir, então, meus domingos entre Evans Mills e Antwerp, cidade que ficava a cerca de onze quilômetros mais para o norte. Em primeiro lugar, relatarei alguns fatos que ocorreram em Evans Mills durante aquele período. Depois, apresentarei uma breve narrativa das ocorrências em Antwerp. Mas, visto que pregava nesses dois locais em domingos alternados, esses fatos, que vou relatar separadamente, ocorreram ao mesmo tempo em ambas as localidades.

Como já disse, comecei a pregar no edifício de pedra da escola de Evans Mills. As pessoas, muito interessadas, acorriam em massa para ouvir-me. Elogiavam minhas pregações e a pequenina igreja congregacional encheu-se de interesse, alimentando a esperança de que edificariam um templo e de que haveria ali um avivamento. Cada sermão pregado por mim resultava em uma ou outra conversão. No entanto, a comoção geral que eu esperava não acontecia. Essa situação deixou-me muito insatisfeito e, depois de pregar ali dois ou três domingos e de realizar vários cultos vespertinos nos dias de semana, revelei aos ouvintes, ao encerrar meu sermão em um desses cultos, que eu estava ali com o objetivo de levá-los à salvação em Cristo.

Disse-lhes que sabia que apreciavam meus sermões, mas, que eu não fora ali para agradá-los e sim para levá-los ao arrependimento. De nada valeria gostar de minhas pregações se continuassem rejeitando o Senhor. Revelei-lhes, ainda, que sentia haver algo de errado — ou em mim ou neles; que o interesse que manifestavam por minha pregação não lhes seria de proveito algum; que eu não podia dedicar meu tempo a eles, a não ser que se dispusessem a receber o evangelho. Em seguida, repeti as palavras do servo de Abraão: "Agora, se quiserem mostrar fidelidade e bondade a meu senhor, digam-me; e, se não quiserem, digam-me também, para que eu decida o que fazer" (Gn 24.49).

Teci mais algumas considerações sobre essa pergunta e apliquei-a firmemente a eles, insistindo nela, para descobrir o que pretendiam fazer. Caso não decidissem tornar-se cristãos e não estivessem prontos para atuar na obra do Senhor, eu gostaria de ser informado, para não esforçar-me em vão. Disse-lhes: "Vocês reconhecem que o que prego é o evangelho. Professam publicamente que crêem nisso. Agora, querem recebê-lo? Pretendem recebê-lo? Ou pretendem rejeitá-lo? Forçosamente, vocês já têm opinião formada a respeito do assunto. E agora, já que vocês reconhecem que tenho pregado a verdade, tenho o direito de tomar por certo que vocês reconhecem a obrigação de tornarem-se cristãos sem demora. Vocês não negam que têm sobre si essa obrigação. Mas, estão prontos a cumpri-la? Estão prontos a satisfazer esse compromisso, a fazer o que reconhecem que deve ser feito? Se não estão prontos, digam-me! E, se pretendem receber o evangelho, digam-me também, para que eu decida o que fazer!"

Depois de expor tudo isso a eles e perceber que haviam compreendido bem tudo que lhes dissera, vendo que pareciam muito surpresos com meu desabafo, declarei: "Agora, preciso conhecer vossas reais intenções. Quero que aqueles que resolveram tornarem-se cristãos, assumindo o compromisso de firmar imediatamente a paz com Deus, se levantem; e que, ao contrário, aqueles que estão decididos a não se tornarem cristãos e desejam que eu saiba disso e que Cristo assim entenda, fiquem como estão". Depois de deixar bem claro meu propósito a ponto de ter certeza de que compreendiam o que eu pedira, falei: "Agora, vocês que se dispõem a assumir, diante de mim e de Cristo, o compromisso de firmar imediatamente a paz com Deus, por favor, fiquem de pé! E aqueles que desejam manifestar sua decisão de continuar rejeitando a Cristo permaneçam sentados!" Eles olharam uns para os outros e para mim — e todos ficaram sentados sem se mexerem, como eu esperava que viesse a acontecer.

Depois de olhar para todos eles por alguns momentos, falei: "Então, estão comprometidos. Tomaram posição. Rejeitaram a Cristo e ao evangelho. São testemunhas uns contra os outros e Deus é testemunha contra vocês todos. Isto foi manifesto e é um fato que podem guardar na lembrança enquanto viverem: vocês assumiram um compromisso público contra o Salvador, dizendo: 'Não queremos esse homem, Jesus Cristo, reinando sobre nós". Pelo que posso lembrar-me, as palavras que usei em meu apelo foram muito próximas dessas. Diante de minhas palavras, eles ficaram furiosos comigo. Levantaram-se todos e começaram a andar em direção à porta. Quando estavam no meio do caminho, fiz uma pausa. Eles voltaram-se a fim de ver por que razão eu havia interrompido a fala. Então continuei: tenho pena de vocês e digo-vos que só pregarei aqui mais uma vez, se Deus quiser, amanhã à noite". Todos retiraram-se, menos o irmão John McComber, diácono da igreja batista local. Vi que os congregacionais haviam ficado confusos. Eram um pequeno número e fracos na fé. Suponho que os membros de ambas as pessoas presentes na reunião, excetuando-se o irmão McComber, ficaram confusos e cheguei à conclusão de que tudo estava acabado. Por causa de minha imprudência, eu destruíra todas as esperanças que pareciam existir. O diácono McComber chegou até mim e, segurando-me a mão, disse sorrindo: Sr. Finney, você os pegou! Conseguiu pegar neles! Eles não ficarão sossegados até se resolverem, pode acreditar. Estão todos desanimados, mas eu, não. Acredito que você fez exatamente o que deveria ser feito e que veremos resultados".

E claro que eu também pensava assim. Minha intenção era colocá-los numa situação que os levasse, após alguma reflexão, a estremecer diante dos próprios atos. Mas, naquela noite e durante o dia seguinte, aqueles irmãos continuavam irados. O irmão McComber e eu concordamos em passar o dia seguinte em oração e jejum — separadamente pela manhã e juntos à tarde. No decurso do dia seguinte, fiquei sabendo que os irmãos que me tinham ouvido pregar, agora ameaçavam levar-me para fora da cidade, colocar-me sentado num trilho de trem, cobrir-me de piche e penas e "dar-me o bilhete azul", como costumavam dizer. Alguns amaldiçoavam-me, dizendo que eu lançara sobre eles uma praga; que os fizera jurar que não serviriam a Deus; que os levara a firmar um compromisso solene e público de rejeitar a Cristo e o evangelho. Aquilo não era nada mais do que eu pessoalmente estava prevendo.

Naquela tarde, o irmão McComber e eu passamos a tarde inteira orando num bosque. Ao entardecer, o Senhor abriu as comportas do céu e deu-nos a vitória. Nós dois tínhamos a certeza de que prevaleceríamos com Deus e de que, naquela noite, o poder divino se manifestaria entre o povo. Ao aproximar-se a hora do culto, saímos do bosque e fomos para a aldeia. O povo já se dirigia em massa para o local do culto. Vendo-nos passar pela aldeia, os que ainda não tinham ido para o local da reunião saíram de suas lojas e oficinas. Outros abandonaram bolas e tacos no gramado onde jogavam. A casa de cultos ficou superlotada.

Eu não havia pensado sobre o que iria pregar — naquela época, era comum isso acontecer. Estava cheio do Espírito Santo e sentia-me confiante de que, quando chegasse o momento, eu saberia o que falar. Tão logo vi a casa superlotada, não cabendo mais ninguém, levantei-me e, sem a costumeira introdução de cânticos, fui logo disparando: "Digam aos justos que tudo lhes irá bem, pois comerão do fruto de suas ações. Mas, ai dos ímpios! Tudo lhes irá mal! Terão a retribuição pelo que fizeram as suas mãos" (Is 3.10,11). Realmente, estava abrindo fogo contra eles. O Espírito de Deus veio sobre mim com tamanho poder que era como disparar tiros de canhão contra eles.

Durante mais de uma hora — talvez uma hora e meia — a Palavra de Deus passou de mim para eles de um modo que, segundo eu podia ver, alcançava a todos de maneira grandiosa. Era como um fogo, como um martelo que quebrava a rocha, como uma espada que penetrava até a divisão entre a alma e o espírito. Percebi que uma convicção geral se espalhava sobre a congregação. Muitos deles não podiam manter a cabeça erguida. Naquela noite, não fiz nenhum apelo para que renunciassem à posição que haviam adotado na noite anterior nem para que firmassem qualquer compromisso com Cristo. Porém, já durante o sermão fiz com que tivessem a certeza de que todos se haviam comprometido contra o Senhor. Marquei outro culto e encerrei a reunião.

Enquanto a congregação se retirava, notei uma senhora apoiada nos braços de algumas amigas. Fui ver o que se passava com ela, supondo que se tratava de um desmaio. Não demorei a descobrir que não se tratava de desmaio. Seu rosto expressava a maior angústia e ela deu-me a entender que não conseguia falar. Aconselhei aquelas senhoras a levá-la para casa e orar com ela, para ver o que o Senhor faria por ela. Elas informaram-me que a senhora era irmã do grande missionário William Goodell, de Constantinopla. Era bem conceituada na igreja.

Naquela noite, em vez de ir para meu aposento, aceitei o convite para pernoitar na casa de uma família com a qual nunca havia estado. Na manhã seguinte, descobri que, durante aquela noite, várias pessoas haviam-me procurado no endereço onde eu costumava ficar para que eu fosse visitar famílias que estavam em terrível aflição mental. Aquilo levou-me a sair para estar entre o povo e, em todos os lugares por onde passava, percebia que uma poderosa e admirável convicção de pecado e ansiedade de alma tomava conta das pessoas.

Depois de ter permanecido deitada em mutismo durante cerca de 16 dias, a srta. Goodell finalmente abriu a boca e um cântico novo foi colocado em seus lábios. Foi tirada da horrível poça de lama e seus pés colocados numa rocha firme. Muitos, ao presenciar a cena, ficaram com medo. Esse fato levou os membros da igreja a um exame da própria consciência. A srta. Goodell declarou que vivera totalmente enganada durante dezoito anos em que fora membro da igreja. Pensava que era crente, mas, quando ouviu o sermão pregado na noite anterior, percebeu que jamais vira o Deus verdadeiro. E, quando o caráter divino lhe foi apresentado daquela maneira, sua esperança "desapareceu como fumaça", conforme ela mesma declarou. Disse que, diante de semelhante conceito de santidade, sentiu-se arrastada por uma onda gigante. Por isso havia ficado muda.

Identifiquei vários deístas entre os presentes, alguns de alta posição na comunidade. Um deles era hoteleiro e os outros eram homens respeitáveis e de cultura acima da média. Mas, pareciam formar uma quadrilha para resistir ao avivamento. Aos domingos, assistiam à minha pregação. E, quando descobri exatamente o ponto de vista que defendiam, procurei pregar um sermão sobre o assunto. Baseei-me no seguinte texto: "Peço-lhe que seja um pouco mais paciente comigo e lhe mostrarei que se pode dizer mais verdades em defesa de Deus. Vem de longe o meu conhecimento; atribuirei justiça ao meu Criador" (Jó 36.2,3). Repassei toda a questão, com base no que eu conhecia a respeito daquela doutrina e Deus capacitou-me para colocá-la em pratos limpos.

Tão logo a reunião foi encerrada, o hoteleiro, que era o líder deles, aproximou-se de mim, tomou minha mão e disse com toda a franqueza: "Sr. Finney, estou convencido. O irmão foi incisivo e deu resposta a todas as minhas dúvidas. Agora quero que me acompanhe até minha casa, a fim de conversarmos". Nada mais ouvi falar das heresias defendidas por aqueles homens e, se estou corretamente lembrado, o grupo inteiro converteu-se entregando-se ao evangelho.

Certo homem idoso, de quem já não recordo o nome, vivia naquele local e, embora não fosse ímpio, passou a combater com muita fúria o avivamento. Eu ouvia falar de seus xingamentos e blasfêmias todos os dias, mas, não fazia menção disso publicamente. Ele recusava a freqüentar os cultos. Certa manhã, porém, quando sua raiva estava no auge, caiu repentinamente da cadeira em que estava sentado, num ataque de nervos. Parecia uma crise de apoplexia. De imediato, um médico foi chamado e este, após um rápido exame, disse-lhe que só lhe restavam poucos momentos de vida: se tinha algo a dizer, que o fizesse imediatamente. Sobraram-lhe apenas as forças e o tempo necessários para gaguejar: "Não deixe Finney orar sobre o meu cadáver". Esse foi seu último ato de protesto.

Certo dia, falaram-me de uma mulher enferma na comunidade. Ela havia sido membro de uma igreja batista e era bem conhecida ali, mas ninguém acreditava que ela fosse de fato piedosa. A tuberculose estava tomando conta de seu corpo rapidamente. Pediram-me, então, que fosse visitá-la, para ver se conseguiria abrir-lhe os olhos. Conversamos longamente e ela contou-me a respeito de um sonho que tivera na mocidade, que a levou a pensar que seus pecados haviam sido perdoados. Firmara-se nesse sonho e nenhum argumento conseguia demovê-la daquela falsa certeza. Procurei convencê-la de que, naquele sonho, não havia nenhuma evidência de que ela passara pela conversão. Disse-lhe claramente que as senhoras que a conheciam afirmavam que ela nunca vivera uma vida cristã e que nunca dera sinais de uma personalidade transformada. Revelei-lhe, também, que eu tinha ido visitá-la para tentar convencê-la a abrir mão de sua falsa convicção e convidá-la a aceitar a Cristo, a fim de que fosse salva.

Tratei-a com a maior gentileza possível, mas, não deixei de explicar o real objetivo de minha visita. Ela, porém, ficou muito ofendida e, depois de minha saída, queixou-se de que eu procurara tirar sua esperança e confundir sua mente; que eu fora cruel ao incomodar daquela maneira uma pobre mulher doente; que eu tentara perturbar sua paz de espírito. Ela morreu não muito tempo depois. Ao pensar em sua morte, lembrei-me do livro do dr. Nelson, intitulado A causa e a cura da incredulidade. Quando o momento da morte chegou para aquela mulher, seus olhos foram abertos. E, antes de partir deste mundo, pareceu ter recebido grande revelação do caráter de Deus, do que era o céu e da santidade exigida para habitar ali que gritou em agonia, exclamando que estava indo para o inferno. E nessa condição, segundo me informaram, ela morreu.

Certa tarde, um irmão procurou-me e pediu que visitasse sua irmã. Ela estava morrendo de tuberculose. Informou-me que ela fora levada pelo marido ao universalismo. Pediu-me que não a visitasse quando o marido estivesse em casa. Temia que ele me agredisse. Tinha certeza de que isso aconteceria e que aquele homem cria firmemente que sua mulher não tinha dúvidas quanto à salvação universal e queria que ela morresse crendo no universalismo.

Sabendo que o marido da irmã estava ausente naquela hora, o homem implorou para que eu fosse visitá-la. Assim fiz e descobri que ela não se sentia nada à vontade com as crenças universalistas. Depois de conversarmos um pouco, ela abandonou de vez aqueles conceitos. Conforme entendi, nunca se firmara realmente neles. De qualquer forma, abriu mão deles e demonstrou ter abraçado o evangelho de Cristo. Creio que se manteve firme até a morte.

Ao anoitecer, o marido retomou e ficou sabendo por ela mesma o que havia acontecido. Ele ficou enfurecido e jurou que "mataria Finney". Fiquei sabendo, depois, que ele, levando uma pistola carregada consigo, dirigiu-se naquela noite a um culto onde eu pregaria. Disso, é claro, eu nada sabia na ocasião.

O culto seria realizado no prédio de uma escola fora da aldeia. A casa estava superlotada, chegando quase à sufocação. Passei a pregar com todo entusiasmo e, a certa altura do sermão, vi no meio do povo um homem — que parecia forte e pesado — cair da cadeira. Ele começou a gritar que estava afundando, indo para o inferno. Repetiu aquilo várias vezes. As pessoas sabiam quem ele era, mas, eu não o conhecia. Penso que nunca o tinha visto até então. É claro que o incidente gerou grande confusão e interrompeu a mensagem. A angústia daquele homem era tão grande que passamos o restante do culto orando por ele. Quando a reunião foi encerrada, os amigos levaram-no para casa.

Na manhã seguinte, pedi notícias daquele homem. Soube que passara a noite sem dormir, em grande angústia e que saíra de casa ao amanhecer, não se sabia para onde. Não houve nenhum sinal dele a não ser às dez da manhã. Subi a rua e, então, o avistei vindo na direção da aldeia. Segundo me pareceu, havia saído de um bosque que ficava a alguma distância dali. Ele estava do outro lado da rua e, ao reconhecer-me, atravessou a rua para encontrar-se comigo. Quando chegou suficientemente perto, vi que seu rosto estava radiante. Cumprimentei-o:

— Bom dia, sr. Comstock.

— Bom dia — ele respondeu.

— Como está se sentindo agora? — perguntei.

— Oh, não sei! — respondeu ele. — Passei a noite em grande aflição. Mas, não consegui orar em casa e pensei que, se pudesse ficar sozinho em um lugar onde pudesse soltar a voz e abrir meu coração, poderia fazê-lo. De manhã cedo fui para o bosque, mas, quando cheguei ali, não tive condições de orar como desejava. Achava que poderia me entregar a Deus, mas descobri que não podia fazê-lo. Tentei várias vezes, até ficar desanimado. Finalmente, vi que tudo que fazia era em vão. Declarei ao Senhor que me considerava perdido; que não tinha ânimo para orar nem para arrepender-me; que me endurecera tanto que não conseguia entregar meu coração a ele. Assim, resolvi deixar a questão inteiramente nas mãos dele. Estava à disposição de Deus e não podia ir contra nada que ele achasse bem fazer comigo, porque eu não tinha nenhum argumento para reivindicar seu favor. Deixei a questão inteiramente nas mãos do Senhor.

— E o que aconteceu? — perguntei.

— Ora, descobri que perdera toda a minha convicção. Levantei-me e vim-me embora. Minha mente estava tão tranqüila que cheguei a pensar que o Espírito de Deus se entristecera e se afastara de mim. Era a única explicação. Mas, quando o vi, irmão Finney, meu coração começou a arder e, em vez de querer evitá-lo, senti-me tão atraído que atravessei a rua para vir vê-lo.

Eu já devia ter dito que o sr. Comstock, ao aproximar-se de mim, pulou e ergueu-me nos braços, fazendo-me girar uma ou duas vezes, antes de colocar-me no chão. Isso antecedeu a conversa que acabo de narrar. Depois de mais algum tempo conversando, despedi-me dele sem expressar nenhuma opinião sobre a sua condição espiritual. No entanto, pareceu-me que ele passou a acalentar alguma esperança. Não houve mais oposição da parte dele.

No mesmo local, encontrei Pai Nash outra vez, o homem que orava com os olhos abertos (fez isso na reunião do presbitério em que recebi licença para pregar). Depois daquela reunião, contraiu uma inflamação nos olhos, sendo obrigado a permanecer várias semanas fechado num quarto escuro. Não podia ler nem escrever e, por isso, conforme fiquei sabendo, passou a dedicar-se quase inteiramente à oração. Fez, então, uma profunda reavaliação de sua experiência cristã e, tão logo voltou a enxergar, ainda que usando um pano negro sobre o rosto, colocou mãos à obra na conquista de almas para o Senhor. Quando chegou a Evans Mills, estava cheio de poder. Descobri que tinha "uma lista de oração", conforme a chamava, com o nome daqueles por quem orava todos os dias, diversas vezes ao dia. Ao orar com ele e ouvindo-o orar num culto, descobri que seu dom para a oração era maravilhoso, e sua fé, quase milagrosa.

Havia um homem chamado Dresser, dono de uma taberna que ficava em uma esquina, onde se reuniam todos os que se opunham ao avivamento.

O salão do bar era um lugar de blasfêmias e ele próprio era um homem ímpio e grosseiro. Andava pelas ruas insultando o avivamento e xingando qualquer crente que encontrasse. Um jovem que se havia convertido morava quase defronte à taberna e disse-me que pretendia vender a casa e sair dali, porque todas as vezes que saía de casa e era visto por Dresser, este também saía para ofendê-lo moralmente. Acho que Dresser nunca havia participado de nossos cultos. Logicamente, ignorava as grandes verdades espirituais e desprezava a obra cristã em sua totalidade.

Pai Nash ouviu que falávamos desse homem como "um caso difícil". Imediatamente, acrescentou o nome dele à sua lista de oração. Nash permaneceu ali um ou dois dias, viajando logo depois, pois tinha em vista outro campo de trabalho evangelístico. Poucos dias depois, quando estávamos realizando um culto vespertino, com a casa cheia, vimos entrar aquele homem de má fama, o sr. Dresser. Sua chegada provocou considerável alvoroço. O povo temia que ele estivesse ali para causar distúrbios. Acredito que o medo e a aversão por ele era generalizada entre os crentes. Quando ele entrou, alguns levantaram-se e saíram.

Eu conhecia sua fisionomia e mantive o olhar nele. Não demorei a ter certeza de que ele não viera perturbar, mas, percebi que sofria grande angústia. Contorcia-se na cadeira, muito inquieto. Logo ficou de pé. Tremendo dos pés à cabeça, pediu licença para dizer algumas palavras. Concedi-lhe a licença. Fez, então, uma das confissões mais comoventes que já ouvi, que parecia abranger todas as áreas — o modo de tratar as coisas de Deus e a maneira de agir contra os crentes, contra o avivamento e contra tudo que era bom.

Sua confissão arou a terra ociosa de muitos corações. Dificilmente encontraríamos meio mais eficaz, na ocasião, para impulsionar a obra do evangelho. Dresser não demorou a professar publicamente sua esperança em Cristo. Aboliu as farras e profanidades de seu estabelecimento. E, a partir daquele dia, enquanto estive ali e depois de minha saída, por muito mais tempo do que tenho conhecimento, quase todas as noites eram realizadas reuniões de oração na taberna.

 

 

CAPÍTULO VI

MAIS SOBRE O AVIVAMENTO E SEUS RESULTADOS

Perto de Evans Mills, existia uma colônia alemã. Ali se instalara uma igreja formada desses imigrantes com um número considerável de membros e vários presbíteros, mas, nenhum ministro. Os cultos não eram realizados com regularidade. Uma vez por ano, a igreja costumava trazer um ministro holandês do vale do Mohawk, a fim de administrar as ordenanças — o batismo e a ceia do Senhor. Ensinavam ali o catecismo às crianças que freqüentavam os cultos e recebiam na igreja as que alcançavam o nível de conhecimentos exigido por eles. Assim, as crianças iam-se tornando cristãs. Para que fossem admitidas à comunhão da igreja, precisavam decorar o catecismo e responder a certas perguntas doutrinárias. Depois de participarem da ceia, passavam a ser consideradas cristãs. Assim havia sido organizada aquela igreja e assim ela procedia.

Quando tomaram conhecimento do que se passava na aldeia, aqueles crentes pediram que eu fosse pregar em sua igreja. Consenti em fazer-lhes a visita. Para o primeiro sermão, escolhi este texto: "Sem santidade ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14). A colônia compareceu em peso e a escola onde eram realizados os cultos estava superlotada. Comecei mostrando o que a santidade não era. Sob esse título, classifiquei tudo quanto eles consideravam religião, mostrando-lhes que aquilo de modo algum era santidade. A congregação entendia bem o inglês. Mostrei-lhes, também, o que era realmente santidade e em seguida expliquei o real sentido de "ver o Senhor", acrescentando que quem não buscasse a santidade jamais veria ao Senhor — não poderiam ser admitidos à sua presença nem ser aceitos por ele. Concluí com algumas aplicações bem diretas à vida daquelas pessoas.

E, realmente, mediante o poder do Espírito Santo, a mensagem alcançou aqueles corações. A espada do Senhor passava por eles, cortando-os para a direita e para a esquerda. Dentro de poucos dias notava-se que o povoado inteiro havia passado a ter consciência de seu estado espiritual — os presbíteros e todos os membros da igreja mostravam-se profundamente abatidos e sentiam que não haviam ainda alcançado a santidade.

A pedido deles, marcamos uma reunião para discutir o assunto com mais profundidade, tirar dúvidas e instruir os interessados. Realizamos o encontro à uma da tarde e vi que a escola estava literalmente lotada. Estávamos no período da colheita e o povo, deixando as ferramentas de lado, compareceu à reunião. Estavam ali tantas pessoas quantas cabiam no edifício. Não era possível circular entre tanta gente. Posicionei-me, então, no centro daquele grande grupo e encorajei-os a fazer perguntas. Interessados no assunto, sentiam muita liberdade para perguntar e também para responder às perguntas que eu lhes fazia. Poucas vezes participei de um encontro mais interessante e proveitoso que aquele. Lembro-me de certa mulher que chegou atrasada e sentou-se perto da porta. Dirigindo-me a ela, disse-lhe:

— Você parece estar doente.

— Sim, estou muito doente — ela respondeu. — E, como não sei ler e tinha muita vontade de ouvir a Palavra de Deus, saí da cama e vim para cá.

— Como chegou até aqui? — perguntei-lhe. A mulher respondeu:

— Vim a pé. Continuei a perguntar:

— Qual a distância que precisou andar? Ela respondeu:

— Quase cinco quilômetros.

A caminhada fora demais para ela. Buscando mais informações, descobri que ela sentia convicção de pecado e tinha plena consciência do próprio caráter e de sua condição diante de Deus. Converteu-se pouco depois e passou a ser uma cristã notável. Minha mulher informou-me mais tarde que ela estava realizando um extraordinário trabalho de oração e que, quando orava, repetia mais trechos das Escrituras que qualquer outra pessoa.

Dirigindo-me a outra mulher, alta e elegante, perguntei-lhe qual era o estado de sua alma. Ela respondeu que entregara seu coração a Deus e acrescentou que o Senhor a ensinara a ler depois de ela ter aprendido a orar. Perguntei-lhe o que queria dizer com aquilo. Explicou-me que nunca soubera ler, que não aprendera nem mesmo o alfabeto. No entanto, quando entregou seu coração a Deus, sentia-se muito aflita por não poder ler a Palavra de Deus. "Mas, eu achava que Jesus podia ensinar-me a ler", disse ela, "e pedi a ele que me ensinasse a ler a Palavra. Depois dessa oração, fiquei com a impressão de que conseguiria ler. Meus filhos tinham um Novo Testamento. Fui buscá-lo e parecia que eu estava conseguindo ler aquilo que os ouvira ler. Procurei uma professora da escola primária e perguntei-lhe se eu realmente estava lendo e ela confirmou. Desde esse dia que consigo ler a Palavra de Deus por conta própria".

Não falei mais nada, achando que havia algum mal-entendido naquilo, embora a mulher me parecesse bastante inteligente e sincera. Procurei informar-me a respeito dela com suas vizinhas. Disseram que era de excelente caráter e todas confirmaram o fato de ela só ter passado a ler depois da conversão. Deixo que o caso fale por si mesmo. Não haveria proveito em levantar teorias sobre ele. Penso que os fatos são indubitáveis.

Com certeza, aquele avivamento resultou na conversão de toda a igreja e de quase todos na comunidade. Foi um dos avivamentos mais notáveis que já testemunhei. Enquanto eu ministrava naquele local, o presbitério foi convocado e procedeu à minha ordenação. As duas igrejas foram tão fortalecidas e o número de membros tão aumentado que logo foi comprovado seu progresso: cada uma construiu um espaçoso templo de pedra e acredito que a situação espiritual de cada uma tenha continuado saudável a partir de então. Há muitos anos não retorno àquela colônia.

Narrei, apenas, alguns dos fatos principais de que me lembro em relação àquele avivamento. Teria, porém, muito mais a dizer a respeito dele. Um espírito maravilhoso de oração e muita unidade de pensamento passaram a prevalecer entre aqueles cristãos. Quanto ao pequeno grupo congregacional, tão logo viram os resultados da pregação da segunda noite, recuperaram-se dos efeitos da primeira. Haviam ficado desanimados e confusos na noite anterior, mas, juntaram os esforços e passaram a dedicar-se à obra tão firmemente quanto podiam. E, embora fossem um grupo fraco e ineficiente, com algumas exceções, não deixaram de crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo durante aquele avivamento.

A mulher doente que viera à reunião era alemã. Ela afiliou-se à igreja congregacional. Eu mesmo estava ali para recebê-la como membro. Lembro-me de que, no momento em que ela narrava sua experiência, ocorreu um incidente marcante. Havia naquela igreja uma anciã muito piedosa — uma "mãe em Israel". Chamava-se Schofield. Estávamos sentados havia longo tempo, ouvindo, um após o outro, os candidatos à afiliação narrarem sua experiência. Então a mulher alemã levantou-se e contou sua experiência. Foi um dos testemunhos mais comoventes, interessantes e singelos que já escutei.

Enquanto ela falava, observei que a sra. Schofield saía de seu lugar e, mesmo com a casa superlotada, foi abrindo caminho da melhor maneira que podia. Supus que anciã se dirigia à saída. Atento ao relato da outra mulher, não percebi que a sra. Schofield caminhava em direção a ela. Tão logo chegou perto da senhora que contava sua experiência, lançou os braços ao redor do pescoço dela, irrompeu em lágrimas e disse: "Deus a abençoe, minha querida irmã! Deus a abençoe!" A mulher correspondeu ao abraço com sinceridade e pudemos assistir a uma cena tão espontânea, natural e transbordante de amor que a congregação se desfez em lágrimas. Todos começaram a chorar abraçados uns aos outros. Foi uma cena comovente demais para ser descrita em palavras.

O pastor batista e eu tínhamos raros contatos, embora às vezes estivéssemos no mesmo culto. Dividíamos o tempo no púlpito. Assim, no dia em que eu pregava ele estava ausente e vice-versa. Por isso, pouco nos encontrávamos na escola. Ele era um homem bom e esforçava-se ao máximo para promover o avivamento.

As doutrinas pregadas eram as que sempre apresentei como sendo as do evangelho de Cristo. Eu insistia em defender meu ponto de vista sobre a depravação moral, total e voluntária dos que não se haviam regenerado e a necessidade inalterável de uma mudança radical no coração, operada pelo Espírito Santo e por meio da verdade. Ressaltava a oração como condição indispensável para o avivamento. Procurava esclarecer, do modo mais completo possível, as doutrinas pertinentes à expiação por Jesus Cristo, sua divindade, sua missão divina, sua morte vicária, sua ressurreição e o arrependimento, a fé, a justificação pela fé e todos os temas a elas relacionados. Procurava aplicá-las com insistência, buscando, pelo poder do Espírito Santo, torná-las eficazes na vida dos crentes.

Os meios utilizados eram simplesmente a pregação, a oração e as conferências, além de muita oração em particular, muita conversa pessoal e reuniões para a instrução dos que estivessem realmente interessados. Esses meios e nenhum outro, eram usados para realizar a obra. Não havia fanatismo, ressentimentos nem divisões. Não houve ali, nem na época nem durante o tempo de que tenho conhecimento, nenhum resultado daquele avivamento que pudéssemos lamentar ou de validade questionável.

Já descrevi alguns casos de intensa oposição ao avivamento. Descobri, certa vez, que numa parte do condado que na linguagem do Oeste podia ser chamada "distrito queimado", um grupo de pessoas estava planejando protestar contra aquela obra. Poucos anos antes, a região passara por uma comoção geral. O movimento definia-se como avivamento espiritual, mas, logo ficou comprovado que não era genuíno. Segundo entendi, a pregação era feita por irmãos metodistas. Nada posso comentar sobre o fato a não ser o que fiquei sabendo pelos próprios crentes e por outras pessoas do lugar.

As notícias davam ciência de que houvera um grande abalo emocional, resultando numa reação tão extensa e profunda que deixou em muitas mentes a impressão de que a religião era uma fraude. Muitos pareciam convencidos disso. Entendendo que haviam experimentado apenas uma amostra de avivamento, sentiam-se no direito de fazer oposição ao avivamento pleno. Descobri que aquele falso avivamento espalhara entre os crentes alguns hábitos reprováveis que mais ridicularizavam o evangelho que trazer convicção das verdades espirituais.

Por exemplo, em suas reuniões de oração, prevalecia a idéia de que era dever de cada um dar testemunho de Cristo. Todos tinham de "tomar a cruz" e dizer alguma coisa. Então, alguém se levantava e dizia: "Tenho um dever para cumprir e ninguém pode cumpri-lo por mim. Levanto-me para testificar que a religião é boa, embora deva confessar que não sinta isso. Nada tenho a dizer em especial, a não ser dar este testemunho. Orem por mim". Quando a pessoa se sentava, outro se levantava e dizia algo parecido: "A religião é boa, mas não tenho prazer nela. Nada mais tenho a dizer, mas, preciso cumprir minha obrigação. Orem por mim".

Assim se passava o tempo todo da reunião, sem que ninguém dissesse alguma coisa mais interessante. Naturalmente, os descrentes achavam ridícula essa prática — e realmente era. Mais que isso, era repugnante. No entanto, o costume fixara-se de tal maneira na mente do povo que todas as reuniões de oração e conferências eram realizadas nesses moldes. Todos achavam que tinham o dever de "dar testemunho".

A situação chegou a tal ponto que senti-me obrigado a cancelar aquelas reuniões, a fim de evitar os "testemunhos". Passei a reuni-los apenas quando havia pregação. Depois que todos estavam reunidos, eu iniciava o culto cantando e eu mesmo orava. Em seguida, lia um texto bíblico e o explicava. Quando percebia algum efeito da mensagem sobre eles, eu parava e pedia que uma ou duas pessoas orassem pedindo ao Senhor que fixasse a mensagem na mente do povo. E continuava o sermão, até que outra pausa e outra oração fossem necessárias. Assim, transcorria o culto inteiro sem que fosse dada oportunidade para os tais testemunhos. Os crentes então voltavam para casa sem sentir o fardo de imaginar que não haviam cumprido o dever de dar testemunho público de Cristo.

Nem todas as reuniões eram chamadas "reuniões de oração". Eram dedicadas à pregação, por isso, ninguém esperava que fosse franqueada a palavra a quem quisesse falar. Dessa maneira, foi interrompida aquela prática que produzira tantos comentários maldosos e zombarias por parte dos descrentes. Depois de o avivamento propagar-se naquela localidade, tendo ocorrido os fatos que acabo de citar, a oposição contra a igreja, segundo me parece, cessou por completo naquela comunidade. Passei mais de seis meses trabalhando em Evans Mills e em Antwerp, dividindo meu tempo entre as duas localidades. No final desse período, nada mais se ouvia falar sobre a oposição que se fazia aos crentes.

Já comentei a respeito das doutrinas pregadas ali. Devo acrescentar que fui obrigado a tomar muito cuidado ao oferecer instrução aos interessados. O costume ali desenvolvido — que acredito ser generalizado — era induzir os pecadores ansiosos a orar por um novo coração, empregando meios próprios para chegar à conversão. De acordo com essa orientação, quem quisesse ser cristão tinha de esforçar-se muito para convencer o Senhor a convertê-lo.

Eu procurava convencê-los de que os meios não eram humanos, eram meios divinos usados por eles e que Deus estava disposto a agir mesmo quando se mostravam relutantes. Resumindo: eu procurava convencê-los e apresentar a fé e o arrependimento como algo que Deus exigia deles — a efetiva e imediata aceitação de Cristo e a submissão à sua vontade. Procurava mostrar-lhes que adiar essa decisão não passava de uma tentativa de fugir ao dever, que orar por um novo coração era querer lançar a responsabilidade sobre Deus e que qualquer esforço empreendido no sentido de cumprir o dever cristão sem entregar o coração a Deus era inútil, além de ser hipocrisia.

Durante os seis meses em que me dediquei ao trabalho naquela região, ia a cavalo de cidade em cidade, de povoado em povoado e pregava o evangelho conforme surgisse oportunidade. Quando saí de Adams, minha saúde estava bastante abalada. Tossia sangue e, na ocasião em que fui licenciado, meus amigos estavam convencidos de que eu teria pouco tempo de vida. O irmão Gale aconselhou-me a não falar em público mais que uma vez por semana, mesmo assim tomando cuidado para não falar mais que meia hora. Porém, contrariando todas as recomendações, eu fazia visitas de casa em casa, freqüentava as reuniões de oração e pregava, trabalhando todos os dias e quase todas as noites, durante o semestre inteiro.

Antes de se completarem os seis meses, minha saúde foi inteiramente restabelecida. Meus pulmões estavam sadios, eu já não tossia sangue e conseguia pregar duas horas ou duas horas e meia por vez, sem sentir a mínima fadiga.

Acho que meus sermões duravam, em média, duas horas. Eu pregava ao ar livre, nos celeiros e nas escolas. Então, um glorioso avivamento propagou-se por toda aquela região.

Especialmente na fase inicial de meu ministério, eu era alvo de muitas criticas por parte dos ministros, sobretudo no tocante à minha maneira de pregar. Já mencionei que, quando preguei a convite do sr. Gale, imediatamente após receber licença para exercer o ministério, ele disse-me que se sentiria envergonhado se alguém soubesse que eu havia sido aluno dele. A verdade é que a formação daqueles ministros fora totalmente diferente da minha, por isso, desaprovavam minha maneira de pregar.

Muitas vezes repreendiam-me por eu ter o hábito de ilustrar meus sermões com referências às atividades comuns das pessoas de minha convivência, que trabalhavam em diversas áreas profissionais. Minhas ilustrações eram retiradas do trabalho dos agricultores, mecânicos e pessoas de outras classes sociais. Esforçava-me, também, para empregar um vocabulário que pudesse ser compreendido por qualquer pessoa. Dirigia-me a elas na linguagem do povo. Procurava expressar minhas idéias com o mínimo de palavras possível, utilizando sempre as mais comuns. Procurava, muito diligentemente, evitar o emprego de termos que não pudessem ser compreendidos por aqueles de menor instrução sem o auxílio de dicionário.

Antes de minha conversão, minha tendência, ao falar ou escrever, era usar linguagem rebuscada. Mas, quando passei a pregar o evangelho, meu desejo era que minhas mensagens fossem entendidas, esforçando-me, de um lado, para evitar linguagem grosseira e, de outro, para usar de simplicidade e assim expressar meus pensamentos com a maior clareza possível. Isso não ia de encontro à opinião difundida na época — e ainda hoje — entre a maioria dos ministros.

No tocante às ilustrações usadas por mim, perguntavam: "Por que você não ilustra seus sermões com eventos da história antiga, ou expõe suas idéias de maneira mais elegante?" Eu respondia com naturalidade, argumentando que, se as ilustrações usadas num sermão apresentassem algo de novo e marcante, elas passariam a despertar mais a atenção dos ouvintes que a verdade que eu desejava ilustrar. Expliquei-lhes que meu desejo era ilustrar as verdades por meio de figuras tão familiares aos ouvintes que não ocupassem a mente deles, mas fossem apenas meios de destacar a verdade. Quanto a julgarem minha linguagem simples, eu defendia-me dizendo que meu objetivo era cultivar uma retórica que não se elevasse acima da cabeça dos ouvintes, que tornasse a mensagem totalmente compreensível por meio de uma linguagem simples, porém, sem descer ao nível da vulgaridade.

Próximo à minha saída de Evans Mills, o presbitério foi convocado. A pedido de alguns irmãos, interrompi o trabalho que vinha realizando e compareci na reunião. Os irmãos que ainda não me tinham ouvido pregar pelo menos estavam informados de meu estilo de pregação. O presbitério reuniu-se pela manhã e procedeu aos trabalhos habituais. Após o almoço, enquanto nos reuníamos para a sessão da tarde, o povo encheu a casa. Eu não fazia a mais remota idéia do que os irmãos do presbitério tinham em mente. Sentei-me no meio do povo e esperei o início da reunião.

Tão logo a congregação se reuniu, um dos irmãos colocou-se de pé e observou: "Com certeza, estamos reunidos aqui para ouvir uma pregação. Proponho então que o sermão seja pregado pelo sr. Finney". A proposta foi aprovada por unanimidade. Percebi, de imediato, que a intenção do presbitério era pôr-me à prova, para ver se eu era capaz de pregar de improviso, sem nenhum preparo prévio, conforme haviam sido informados. Não apresentei nenhum pedido de desculpa nem fiz objeção alguma àquela proposta. Meu coração transbordava de vontade de pregar. Na realidade, eu queria pregar.

Coloquei-me de pé e comecei a caminhar entre os bancos. Ao levantar os olhos procurando o púlpito, vi que ficava num lugar alto e que era pequeno e encaixado na parede. Assim, permaneci no corredor, e fiz a leitura do texto em que basearia o sermão: "Sem santidade ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14). Enquanto eu ia e vinha pelo amplo corredor, senti que o Senhor me inspirava a mensagem e que a congregação se mostrava interessada e muito comovida. Depois da reunião, um dos irmãos procurou-me, dizendo: "Irmão Finney, se passar pela nossa região, quero que pregue em alguns de nossos distritos escolares. Não desejo que pregue em nossa igreja. Temos instalações apropriadas em lugares mais distantes da aldeia e gostaria que pregasse em alguns deles".

Menciono esse fato para mostrar os conceitos que aqueles irmãos mantinham a respeito de meu estilo de pregação. Ignoravam totalmente os resultados alcançados com meus métodos! Queixavam-se de que eu rebaixava a dignidade do púlpito; que era uma vergonha para o ministério pastoral; que me expressava como um advogado no tribunal; que conversava com o povo de modo coloquial; que me dirigia diretamente aos ouvintes, em vez de usar a terceira pessoa como era o costume de quem pregava sobre pecado e pecadores; que eu dava muita ênfase à palavra "inferno", deixando a congregação chocada. Além disso, diziam que eu exortava os ouvintes com exagerada veemência, como se a vida deles estivesse para acabar. Queixavam-se, também, de que eu atribuía muita culpa aos que me ouviam. Certo estudioso da Bíblia revelou-me que sua tendência era chorar pelos pecadores, em vez de culpá-los. Respondi-lhe que não me admirava disso, pois ele acreditava que os pecadores tinham uma natureza pecaminosa, que pecado estava vinculado a eles e que eles não podiam evitar o pecado. Depois de eu haver pregado em muitas ocasiões e de o Senhor ter derramado sua bênção em muitos lugares, sempre que encontrava entre os ministros resistência à minha maneira de pregar e sentia que desejavam que eu adotasse as idéias deles e pregasse como eles, eu confessava não estar disposto a mudar. Declarei-lhes: "Mostrem-me um caminho mais excelente. Mostrem-me os frutos do ministério de vocês. Se forem mais significativos que os alcançados por mim, a ponto de provar-me que vocês descobriram um caminho mais excelente que o meu, adotarei os conceitos defendidos por vocês. Mas, como esperam que eu abandone meus métodos e adote os vossos, se vocês mesmos não podem negar que, a despeito dos erros que eu tenha cometido, das imperfeições de estilo de minha pregação e de todos os outros defeitos, os resultados alcançados por mim são incomparavelmente maiores que os vossos?"

Eu sempre lhes dizia: "Quero melhorar o quanto for possível. Mas não poderei adotar vossos métodos sem provas definitivas de que vocês estão com a razão e que eu estou errado". Eles, no entanto, continuavam a insistir comigo e teriam-me levado ao desespero se eu não estivesse plenamente convicto de que eles é que haviam sido estragados pelo treinamento que receberam. Eles queixavam-se, também, de que eu usava de muitas repetições em meus sermões, pois escolhia um pensamento, repetia-o, revirava-o e ilustrava-o de várias maneiras. Assegurava-lhes que achava necessário fazer isso a fim de ser compreendido e que nenhum argumento deles me faria abrir mão dessa prática.

Diante disso, protestavam: "Você não conseguirá despertar o interesse dos irmãos mais instruídos". Quanto a isso, porém, os fatos não demoraram a fazer com que silenciassem. Descobriram que, por meio de minhas pregações, juízes, advogados e outros homens cultos eram levados às dezenas à conversão, ao passo que, com os métodos empregados por eles, isso raramente ocorria.

 

 

CAPÍTULO VII

MAIS OBSERVAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO MINISTERIAL

 

Espero que não seja atribuído ao que vou declarar agora outro motivo senão uma benevolente consideração que visa ao máximo proveito dos irmãos. Sempre aceitei bem as críticas que me faziam, acreditando que eram com boas intenções. Agora, que já sou já idoso, os resultados de meus métodos são conhecidos de todos. Por isso, seria impróprio eu falar livremente aos ministros sobre o assunto?

Respondendo às objeções que me são feitas, às vezes repito o que um juiz da Suprema Corte observou: "Os pastores não demonstram bom senso ao dirigirem-se aos ouvintes. Receiam a repetição. Suas ilustrações não são retiradas do cotidiano. Seus sermões são demasiadamente rebuscados e lidos sem repetição, o que faz com que o povo não os entenda. Se os advogados adotassem os mesmos métodos, arruinariam a causa e a própria carreira. Quando eu advogava, sabia que tinha de repetir as idéias principais de minhas teses quase tantas vezes quanto o número de jurados que tinha diante de mim. Aprendi que, a não ser que procedesse assim — ilustrando, repetindo e revirando as questões principais, em conformidade com as leis e com as evidências — perderia a causa que estava defendendo. Nosso objetivo, quando nos dirigimos a um júri, é levá-lo a chegar a uma decisão antes de ele sair para deliberar. Não é fazer um discurso em linguagem que os jurados só possam entender parcialmente; não é apresentar ilustrações acima da compreensão deles; não é mera retórica. Nosso propósito é receber um veredicto. Era essencial que nos entendessem. Precisamos convencer os jurados e, sem preconceitos, vencer esses preconceitos; se tiverem dúvidas quanto à lei, fazer com que a entendam. Resumindo: diante do júri, os advogados esperam receber um veredicto — naquele momento. Esperam que, quando os jurados se retirarem para a sala fechada a fim de chegarem a um consenso, notem ter compreendido e estar convencidos pelos fatos e argumentos apresentados. Esperam que todos tenham sido convencidos. Se os advogados não insistirem em cada ponto de sua argumentação até convencer os jurados, certamente perderão a causa. Devem vencer os preconceitos; devem vencer a ignorância; devem vencer até mesmo o interesse próprio — caso o tenham — contra o interesse do cliente".

Ele disse também: "Se os pastores agissem assim, os resultados de sua pregação seriam indizivelmente diferentes daqueles que obtêm agora. A maioria deles entra no gabinete, escreve um sermão, sobe ao púlpito e lê o sermão que escreveu. Mas, os ouvintes não o entendem muito bem. Geralmente, o pastor emprega em seu sermão palavras que o público só irá entender depois que chegar a casa e consultar o dicionário. Não é intenção desses pastores convencer os ouvintes a decidirem-se por Cristo. Eles não têm esse objetivo. A contrário, parece que o propósito é apresentar magníficas peças de oratória e demonstrar grande eloqüência com linguagem pomposa".

É claro que, passado tanto tempo, não estou reproduzindo com exatidão as declarações do juiz, porém meu intuito é apresentar em essência suas observações a mim dirigidas. Já relatei as palavras dele a muitos pastores.

Não guardo o mínimo ressentimento contra meus irmãos pela severidade com que me tratavam. Eu sabia que eles eram zelosos e visavam o meu bem, acreditando realmente que eu faria melhor se adotasse os métodos que defendiam. Meu modo de pensar, no entanto, era diferente.

Poderia mencionar muitos fatos que ilustram as opiniões mantidas pelos pastores e o modo como me desprezavam e maltratavam. Quando eu pregava na Filadélfia, por exemplo, o dr. Nathaniel Hewitt, o célebre agente do movimento da temperança em Connecticut, ouviu-me pregar. Sentiu-se ofendido com meu estilo de pregação, que parecia rebaixar a dignidade do púlpito. Ele conversou com o irmão Patterson, na época meu colega na obra de evangelização. O dr. Hewitt insistia em dizer que eu não deveria ter recebido autorização para pregar sem haver-me submetido a uma formação ministerial. Dizia que eu devia parar de pregar e ir para Princeton aprender teologia e receber melhor orientação quanto aos métodos de pregação do evangelho. No entanto, conforme contou o irmão Patterson, o dr. Hewitt não recebeu muito apoio de sua parte, já que, tendo comparado os resultados das pregações feitas por outros pastores com os frutos obtidos por meus sermões, Patterson passou a criticar a formação e os pontos de vista defendidos pelos outros pastores.

Não quero dar a impressão de que considero perfeitos os métodos que eu utilizava e os pontos de vista que defendia. Tinha consciência de que era, na época, apenas uma criança na arte de pregar. Não tivera o privilégio de cursar uma faculdade de teologia. Tinha consciência de que me faltava um certo preparo que tornasse meu estilo aceitável, principalmente por parte dos pastores, tanto que tinha receio de pregar em lugares populosos e nunca tive a ambição de pregar em lugares onde o evangelho era ainda conhecido.

Realmente, em meus primeiros anos como pregador, muitas vezes me surpreendi ao descobrir que minhas pregações também eram consideradas edificantes pelas pessoas de maior preparo intelectual. Isso estava além de minhas expectativas — era muito mais do que meus irmãos imaginavam e mais do que eu mesmo esperava. Eu procurava melhorar em todos os aspectos nos quais percebia alguma deficiência. Quanto mais eu pregava, porém, menos motivos encontrava para pensar que os pastores tinham razão ao apontar erros em meus sermões.

Quanto mais experiência acumulava, quanto mais via os resultados do método que usava em minhas pregações, quanto mais conversava com pessoas das várias classes sociais — alta, baixa, culta e inculta — tanto mais me convencia de que Deus me havia orientado, ensinado e levado a elaborar conceitos corretos no tocante à melhor maneira de conquistar almas para Cristo. Digo que Deus me ensinava e sei que era assim, pois certamente nunca recebera essas noções da parte dos homens. Se eu disser, como Paulo, que o evangelho não me foi ensinado pelos homens, mas pelo próprio Espírito de Cristo, será a mais pura verdade. E o Espírito do Senhor apoiou-me de maneira tão clara e convincente que todos aqueles argumentos levantados por meus irmãos do ministério durante tanto tempo não tiveram a menor influência sobre mim.

Faço menção a esse fato sentindo ser isso uma questão de dever. Continuo igualmente impressionado, tendo a certeza de que algumas escolas teológicas foram, em grande parte, prejudicando a formação dos pastores. Nos dias de hoje os ministros têm grande facilidade em conseguir informações sobre todas as questões teológicas. Suponho que, em toda a história universal, eles sejam os mais instruídos no tocante ao conhecimento teológico, histórico e bíblico. Outros não tiveram as mesmas oportunidades de preparo. Apesar disso, com todo o seu nível de escolaridade, não sabem aplicá-la. Sob vários aspectos, parecem-se com Davi dentro da armadura de Saul.

Ninguém pode, em hipótese alguma, aprender a pregar a não ser pregando. Mas, acima de tudo, os pastores precisam cultivar a simplicidade. Sem isso, ainda que lutem por conquistar reputação e zelar por ela, seus esforços terão pouca utilidade. Há muitos anos, certo pastor, amigo meu, precisou viajar por motivo de saúde e deixou em seu lugar um jovem recém-formado no seminário, que ocuparia o púlpito da igreja enquanto estivesse ausente. O jovem escreveu e pregou um sermão tão esplêndido quanto podia. A esposa do pastor arriscou comentar:

— Seus sermões estão além da capacidade de nossa gente. O povo não compreende sua linguagem nem suas ilustrações. Você está usando erudição demais no púlpito.

Ele respondeu:

— Sou jovem. Estou cultivando um estilo. Meu propósito é preparar-me para ocupar um púlpito e me fazer cercar de uma congregação culta. Não posso descer até o nível dos membros da igreja de vocês. Preciso cultivar um estilo elevado.

A partir de então, fiquei acompanhando o ministério daquele jovem. Sei que ainda vive, mas nunca vi seu nome ligado a qualquer avivamento, em todos esses anos. Não creio que isso venha a acontecer, a não ser que aquele jovem pastor passe a dirigir-se à congregação tendo diante de si perspectiva e motivos inteiramente diferentes.

O fato é que, se cultivarem a simplicidade e tiverem por objetivo alcançar e salvar o povo, os ministros sentirão a necessidade de tornar suas mensagens inteligíveis. Não se satisfarão simplesmente com encantar a multidão com sua eloqüência e com sua esplêndida cultura. Em vez disso, descerão ao nível do povo, esforçando-se para entender a linguagem dos ouvintes e adequando seus discursos à realidade deles. Posso citar o nome de pastores — ainda vivos e idosos como eu — que sentiam vergonha de mim quando comecei a pregar porque, diziam, faltava-me postura e elegância no púlpito.

Declaravam que eu empregava linguagem de uso muito comum, que me dirigia aos ouvintes de modo muito direto, usando o pronome de tratamento "vocês"; que não me preocupava em fazer uso de floreios na linguagem; que não mantinha uma pose adequada no púlpito.

Essas críticas não eram todas feitas diretamente a mim: eu ouvia a maior parte delas da boca de terceiros. Quero deixar bem claro, no entanto, que estou certo de que aqueles ministros estavam quase todos — ou todos eles — sendo honestos consigo mesmos e que seu interesse principal era que eu realmente me tornasse um obreiro mais produtivo. E claro que acreditavam, com toda a sinceridade, que os pontos de vista e métodos que defendiam eram os mais corretos e que minhas opiniões e meu estilo eram equivocados. Não se tratava de implicância comigo, como homem ou como crente, era apenas sinal de que lastimavam minha falta de formação ministerial, o que, segundo eles, ia de encontro à dignidade do púlpito e do ministério.

Todos eles eram irmãos queridos e eu sentia-me muito bem entre eles. Não me lembro de uma única vez em que eu me tenha sentido ofendido ou zangado com o que diziam. Não me surpreendia com o que pensavam. Desde o início de meu ministério, tinha plena consciência de que enfrentaria oposição e que encontraria esse vasto abismo entre mim e outros pastores. Sabia que nossas opiniões divergiriam e que haveria muita discordância quanto aos métodos por nós adotados. Raramente sentia-me parte do grupo. Fui criado como advogado. Saíra diretamente de um gabinete de advocacia para o púlpito e falava à congregação exatamente como se estivesse diante de um júri. Isso era totalmente contrário ao que eles haviam aprendido. Meus pontos de vista e meus sentimentos eram opostos aos deles. Naturalmente, eu era para eles uma ovelha negra, um estrangeiro, um intrometido, um homem que entrara para o ministério sem ter passado por um curso regular de teologia.

Tomei conhecimento de que, em meus primeiros anos de ministério, era muito comum os pastores comentarem que, se eu obtivesse êxito no ministério, levaria as escolas teológicas ao descrédito. A idéia corrente era, se isso viesse a acontecer, os seminários desapareceriam porque o povo passaria a julgar que não valia a pena contribuir para o sustento das escolas teológicas, já que um homem podia ser aceito como pregador e ser bem-sucedido no ministério sem ter formação teológica. Mas, nunca imaginei que pudesse lançar para a sombra qualquer seminário, embora sustente até hoje a opinião de que as escolas teológicas estejam equivocadas quanto a certos métodos utilizados na formação dos alunos.

Os alunos não são encorajados a falar de improviso ao povo que vive ao redor da escola. Ninguém pode aprender a pregar sem colocar em prática o que está estudando. Os seminaristas devem ser encorajados a exercer, comprovar e desenvolver seus dons e o chamado que receberam da parte de Deus, saindo para locais que estejam ao seu alcance e, ali, enaltecer a Cristo por meio de preleções sinceras. É assim que devem aprender a pregar. No entanto, em vez disso, são obrigados a escrever o que chamam sermões e submetê-los à crítica. São obrigados a pregar, ou seja, a ler os sermões diante dos colegas e do professor. Assim, brincam de pregar.

E a quem devem pregar? Não a colegas e professores numa sala de aula, mas, a uma congregação de santos e pecadores — de salvos e de perdidos. Ninguém pode pregar de outra maneira. Sob a influência da crítica que recebem, esses pseudo-sermões irão, naturalmente, degenerar em ensaios literários. Por isso, não conquistam o respeito do povo. A leitura de elegantes ensaios literários não é a pregação que o povo precisa ouvir. É simples leitura — gratificante para o gosto literário, mas não edificante no tocante ao espírito. Não satisfaz as necessidades da alma nem tem o propósito de conquistar almas para Cristo. Os estudantes de teologia são ensinados a cultivar um estilo refinado de escrita. Mas, desprezam ou não têm o interesse despertado para a eloqüência, para a retórica fluente, impressionante, persuasiva, que brotaria naturalmente do homem culto cuja alma estivesse inflamada pela sua pregação e que fosse capaz de derramar o coração, falando de improviso a uma platéia cheia de expectativa e de sinceridade.

A mente reflexiva perceberá que é impróprio exibir erudição no púlpito diante de almas imortais suspensas à beira do precipício da morte eterna. Sabe-se que essa não é a atitude a ser tomada diante de qualquer assunto realmente sério. Quando uma cidade está em chamas, o capitão do corpo de bombeiros não se põe a ler um ensaio diante do batalhão nem escolhe belas palavras quando grita as ordens aos seus comandados. É questão de urgência e ele deseja que cada palavra sua seja entendida. Orienta os soldados com total seriedade e, sem dúvida, nenhum deles duvida de que uma análise da retórica do comandante é inteiramente despropositada nessas horas. A situação é importante e urgente demais para pensar-se em retoques na linguagem ou em pomposos termos de oratória.

É isso que acontece toda vez que se age com sinceridade diante de alguma situação. A linguagem empregada é direta, singela e inteligível. As frases são curtas, coerentes, poderosas. Os ouvintes são conclamados diretamente à ação e, por causa disso, os discursos surtem o efeito desejado. É por esse motivo que os pregadores metodistas, sem grande cultura e, antes deles, os zelosos pregadores batistas produziram maior efeito que nossos teólogos mais eruditos e nossos mais brilhantes mestres em teologia. E assim continuam a fazer. Esforços mais singelos empreendidos por um exortador comum convencem com mais facilidade que esplêndidas exibições de retórica. Sermões grandiosos levam a congregação a louvar o pregador. A pregação genuína leva o povo a louvar o Salvador.

Nossas escolas teológicas teriam mais valor se desenvolvessem mais os aspectos práticos. Ouvi um professor de teologia ler um sermão sobre a importância da pregação improvisada. Suas opiniões sobre o assunto eram corretas, mas, sua prática as contradizia totalmente. Parecia ter estudado o assunto e chegado a conclusões práticas da máxima importância. No entanto, nunca tomei conhecimento de que algum de seus alunos as tenham colocado em prática. E, certamente, ele mesmo não as pratica. Hoje, ele declara que, se pudesse recomeçar a vida como pregador, faria tudo de acordo com as opiniões que mantém atualmente. Lamenta a formação errada que lhe deram, motivo de sua prática errônea também. Em nossa escola, os alunos são levados — não por mim, apresso-me a dizer — a pensar que devem escrever seus sermões. E bem poucos deles, a despeito de tudo que lhes tenho dito, ousam aventurar-se a pregar sem terem o sermão escrito. Costumam dizer-lhes: "Não tentem imitar o sr. Finney. Vocês não poderão ser o sr. Finney".

Os pastores não gostam de ficar no meio da congregação conversando com o povo, não apreciam essa proximidade. Insistem em pregar e, sentindo que são obrigados a fazê-lo de acordo com os conceitos que aprenderam, acham necessário escrever o sermão. Portanto, nunca preguei de acordo com essas regras. A verdade é que, freqüentemente, me dizem: "Afinal de contas, você não prega. Você conversa com a congregação".

Certa vez, em Londres, um homem voltou para casa sentindo forte convicção espiritual depois de participar de um culto em nossa igreja. Até então sempre fora cético e a mulher, vendo-o muito agitado, perguntou-lhe:

— Você foi ouvir Finney pregar? Ele respondeu:

— Finney não prega, apenas explica o que outras pessoas pregam.

É isto, basicamente, o que tenho ouvido repetidas vezes: "Ora, qualquer um pode pregar como você prega. Você apenas conversa com a congregação, tão à vontade como se estivesse sentado em sua sala de visitas". Outros têm dito: "Realmente, o que o sr. Finney faz não parece pregação. Dá a impressão de que fala com cada um pessoalmente".

Os pastores evitam, ao pregar, dar a impressão de que estão-se dirigindo diretamente aos ouvintes. Pregam a respeito de outras pessoas e dos pecados de outras pessoas, em vez de se dirigirem diretamente ao público e declarar: "Vocês são culpados desses pecados" e: "O Senhor requererá isso de vocês". Preferem falar a respeito do evangelho, em vez de pregar o próprio evangelho. Escolhem pregar a respeito dos pecadores, em vez de falar diretamente a eles. Evitam ao máximo as aplicações pessoais, para não parecer que a pregação refere alguém na platéia. Eu, porém, estive sempre consciente de que meu dever era seguir um caminho diferente — e o seguia mesmo.

Em minhas pregações, minha intenção foi sempre fazer com que cada pessoa que me ouvia sentisse que eu me estava referindo a ela, pessoalmente. Várias vezes adverti: "Não pense o ouvinte que estou falando a respeito de outras pessoas: eu me refiro a você, a você e a você. E várias vezes fui advertido de que o povo não suportaria linguagem tão direta, que todos se levantariam, sairiam e nunca mais voltariam para ouvir-me pregar. Nada mais equivocado. Tudo depende do espírito com que se fala. Se a congregação perceber que tudo é dito no espírito de amor, com o desejo ardente de fazer o bem; se ninguém puder dizer que não há ressentimento pessoal envolvido; se perceberem que, em vez disso, aquilo trata-se de revelação da verdade em amor; se sentirem que as palavras ouvidas têm o objetivo de salvá-las individualmente — poucos se ressentirão da mensagem que lhes é transmitida. Se sentirem que estão sendo repreendidos, logo serão convencidos de que precisavam dessa repreensão. Em última análise, saberão que a pregação é para seu bem.

Quando vejo que alguns se sentem ofendidos, costumo dizer: "Agora vocês se ressentem disso e irão embora, afirmando que não voltarão mais. Mas, tenho a certeza de que voltarão. A convicção que sentem fala a meu favor. Vocês sabem que vos digo a verdade e que a estou colocando diante de vocês para vosso próprio bem. Portanto, não ficarão ressentidos por muito tempo". E eu sempre descobria que isso era verdade. Pouquíssimas vezes alguém deixou de vir aos cultos por haver-se sentido ofendido com a franqueza de minhas palavras.

Sei, por experiência, que mesmo levando em conta o valor da popularidade, a honestidade é sempre a melhor opção para o pastor. Ou seja, se ele pretende manter a confiança, o respeito e o afeto da congregação, precisa ser fiel às almas que assiste. Precisa deixar que os membros da igreja percebam que ele não está interessado em bajular ninguém para conseguir popularidade, mas que, em vez disso, tenta salvar-lhes a alma. As pessoas não são tolas. Não sentem respeito por quem sobe ao púlpito apenas para dizer palavras agradáveis. No íntimo da alma, elas desprezam-nos. Que ninguém imagine que conquistará o respeito permanente do povo sem cuidar da alma deles, como embaixador de Cristo.

0 grande argumento apresentado pelos que se opunham ao meu estilo de pregação era que, sem escrever os sermões, eu estaria oferecendo menos instrução ao povo. Eles costumavam dizer que eu não estudava e que, por isso, embora eu pudesse ser bem-sucedido como evangelista, trabalhando poucas semanas ou alguns meses num mesmo local, meu exemplo não se aplicava ao pastor, que teria de pregar ao estilo deles.

Tenho, no entanto, excelentes razões para acreditar que os pregadores que escrevem seus sermões não oferecem à congregação tanta instrução quanto imaginam. Em muitas ocasiões, ouvi pessoas queixarem-se: "Não consigo levar para casa coisa alguma do que ouvi do púlpito". Também me disseram imensas de vezes: "Sempre nos lembramos daquilo que ouvimos o irmão pregar. Lembramo-nos do texto bíblico e da análise que fez dele, mas não conseguimos lembrar-nos do conteúdo dos sermões lidos no púlpito".

Sou pastor desde 1832 — há quarenta anos, portanto. Contudo, nunca ouvi alguém queixar-se de eu não haver transmitido instrução ao povo em minhas pregações. Não acredito que os membros de minha igreja recebam menos instrução do púlpito que as igrejas que ouvem apenas os sermões transmitidos por leitura. A verdade é que é possível escrever um sermão sem estudar muito e, também, que se pode pregar de improviso sem preparação ou com pouco tempo para meditar no assunto. E já ouvi sermões escritos que apresentavam tudo, menos um pensamento profundo e exato.

Mantenho o hábito de estudar o evangelho e procuro fazer dele a melhor aplicação possível, em qualquer ocasião. Não me limito a programar determinadas horas ou dias para escrever meus sermões. Minha mente está sempre meditando nas verdades do evangelho e na melhor maneira de aplicá-las. Circulo entre o povo e procuro tomar conhecimento de suas necessidades. Depois, à luz do Espírito Santo, escolho um assunto que, na minha concepção, satisfaça essas carências. Medito intensamente a respeito do assunto, oro muito a respeito na manhã do domingo, por exemplo, até sentir a mente transbordar do tema. Então, vou à igreja e derramo o que acumulei diante da congregação.

Uma das grandes dificuldades no tocante ao sermão escrito é que, depois de escrevê-lo, o pregador quase não precisa pensar mais nele. Precisa orar bem pouco. Talvez chegue até a reler o manuscrito no sábado à tarde ou na manhã do domingo. Mas, não sente a necessidade de ser poderosamente ungido, a fim de que sua boca seja aberta para receber fartura de argumentos e que ele seja capacitado a fazer sua pregação partir de um coração transbordante. O pregador que escreve seus sermões se sente bem à vontade. É só empregar os olhos e a voz: ler um sermão escrito não lhe custa nada.

Sermões desse tipo às vezes são escritos muitos anos antes de serem apresentados ou são lidos várias vezes, durante muito tempo. Ainda que o sermão seja escrito inteiramente, palavra por palavra, na mesma semana, no domingo já não há nele nenhum frescor. Ele não parece novo nem demonstra ter em si uma mensagem ungida da parte de Deus para o coração do povo — nem mesmo há sinal de ter passado pelo coração do pastor antes de chegar ao púlpito. Com a máxima convicção, estou pronto a declarar que penso ter estudado muito mais pelo fato de não apresentar meus sermões por escrito.

Quanto aos temas que eu pregava, sentia-me obrigado a torná-los familiares aos meus pensamentos até que minha cabeça estivesse repleta deles para, então, apresentá-los à congregação. Costumava simplesmente anotar, da maneira mais resumida possível, os assuntos que desejo pregar. Em relação à linguagem, não anotava nenhuma palavra que porventura fosse usar na pregação. Simplesmente rabiscava a ordem das proposições e, com poucas palavras, fazia um esboço das observações e inferências que iria utilizar.

Se os pregadores insistirem em não falar diretamente ao povo e se não tiverem o coração cheio da verdade e do Espírito Santo, jamais chegarão a ser pregadores autênticos e espontâneos. Creio que meia hora de conversa destituída de formalidade, natural e sincera com a congregação, uma vez por semana, instruirá mais os ouvintes que dois sermões bem escritos. Eles se lembrarão do que lhes for falado, acharão a pregação mais interessante e irão absorver melhor os ensinamentos, muito mais que pela leitura de um texto elaborado.

Há pouco, descrevi o método usado por mim mais recentemente na preparação da mensagem. Quando preguei pela primeira vez e nos doze primeiros anos de meu ministério, não escrevia uma única palavra de meus sermões. Quase sempre era obrigado a pregar sem qualquer arranjo exceto a inspiração recebida por meio da oração. Subia ao púlpito sem saber nem mesmo o texto sobre o qual falaria. Tudo dependia da ocasião e da unção do Espírito Santo, que me encaminhava para o texto e descortinava o assunto em minha mente. E a verdade é que em nenhum outro momento de meu ministério preguei com maior sucesso e poder. E, se não pregasse por inspiração, não sei como seria. Era uma experiência comum para mim e assim tem sido durante toda a minha vida ministerial — o assunto descortina-se e abre-se em minha mente de modo surpreendente até para mim mesmo. Parecia que eu podia ver, com clareza intuitiva, exatamente o que deveria dizer e regimentos inteiros de pensamentos, palavras e ilustrações vinham a mim tão rapidamente quanto eu os podia pronunciar.

Quando comecei a fazer esboços de sermões, fazia-os depois e não antes de pregar. Fazia isso para conservar as idéias principais que me haviam sido dadas, pois percebia que, quando o Espírito Santo me concedia a visão clara de um assunto, eu não conseguia conservá-la a não ser que anotasse os ensinamentos em resumo, após a pregação, a fim de poder usá-los em outra ocasião. Apesar disso, nunca me senti à vontade para usar esboços antigos em minhas pregações sem antes remodelá-los e sem ter recebido do Espírito Santo uma nova e original visão do assunto.

Quase sempre recebo de joelhos, em oração, a inspiração para a escolha do assunto sobre o qual vou pregar. Em geral, a experiência consiste em receber do Espírito Santo a inspiração de um assunto através de uma forte impressão em minha mente, tão forte que me provoca tremor, a ponto de eu sentir-me impedido de escrever. Quando recebo a inspiração dessa maneira, os assuntos parecem traspassar-me corpo e alma e, em poucos momentos, consigo elaborar um esboço que me capacita a manter a visão apresentada pelo Espírito. E o que tenho constatado é que esses sermões têm causado forte impacto sobre os ouvintes.

Os sermões mais eficazes que preguei em Oberlin foram recebidos dessa forma, depois de o sino ter anunciado o início do culto. Então, eu era obrigado a derramá-los sobre a congregação a partir de meu coração transbordante, sem ter anotado nada além de um pequeno esboço que, em geral, não abrangia nem metade do que eu iria falar.

Refiro-me a esse fato não para gloriar-me, mas, por ser a pura verdade e para atribuir o louvor a Deus, não a qualquer talento que eu possa ter. Que ninguém imagine que meus sermões, que têm sido classificados como poderosos, foram produto de meu cérebro ou de meu coração, sem a ajuda do Espírito Santo. Eles não provinham de mim: eram dados pelo Espírito que em mim habita.

Que ninguém diga que me estou vangloriando de uma inspiração superior à que é prometida aos pastores ou à que têm o direito de receber. Acredito que todos os ministros chamados por Cristo para pregar o evangelho devem ter a mesma inspiração para pregar o evangelho. O que mais poderia querer dizer o Senhor Jesus quando ordenou: "Vão e façam discípulos de todas as nações [...] E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos" (Mt 28.19,20)? Qual seria a sua intenção ao referir-se ao Espírito Santo: "Ele [...] receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês" (Jo 16.14)? Ou: "O Consolador [...] lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse" (Jo 14.26)? E qual seria o sentido destas palavras: "Quem crer em mim [...] do seu interior fluirão rios de água viva" (Jo 7.38)? Ele estava-se referindo ao Espírito que, mais tarde, seria recebido pelos que nele cressem. Todos os pastores podem — e devem — estar cheios do Espírito Santo, a ponto de seus ouvintes ficarem impressionados e convencidos de que "certamente, Deus está com eles".

 

 

CAPÍTULO VIII

AVIVAMENTO EM ANTWERP

 

Desejo, agora, relatar os resultados alcançados em Antwerp, aldeia localizada ao norte de Evans Mills. Cheguei ali pela primeira vez em Abril e descobri que, naquela localidade, não era celebrado culto de igreja ou religião alguma. As terras daquele município pertenciam a um certo homem rico, o sr. Parish, que residia em Ogdensburgh. Para encorajar a chegada de colonos à região, Parish construiu para eles uma casa de tijolos onde poderiam realizar seus cultos religiosos. Mas, o povo não tinha a mínima disposição para a adoração pública. Por isso, a casa ficou trancada e a chave era guardada pelo sr. Copeland, dono do hotel local.

Não demorou e eu soube que havia na aldeia uns poucos presbiterianos. Durante alguns anos, procuraram manter reuniões dominicais. Mas, o responsável pelos cultos morava a uns oito quilômetros dali e era obrigado a passar por um povoado universalista para ir à aldeia. Os universalistas impediam as reuniões proibindo que o diácono Randall, conforme o chamavam, passasse pelo seu povoado. Chegavam a arrancar as rodas da carruagem que ele utilizava. Assim, Randall deixou de ir à aldeia e os cultos não foram mais realizados.

Descobri que a sra. Copeland, proprietária do hotel, era uma mulher piedosa. Havia outras mulheres piedosas na aldeia: a sra. Howe, esposa de um comerciante; a sra. Randall, casada com um médico. Se não me falha a memória, foi numa sexta-feira que cheguei ali. Visitei aquelas mulheres e perguntei-lhes se gostariam de reunir-se. Disseram que sim, mas não sabiam se isso seria possível. A sra. Howe concordou em ceder sua sala de estar para uma reunião, se eu conseguisse que alguém comparecesse. Percorri a Aldeia, convidando o povo. Treze pessoas estavam presentes na reunião na sala da sra. Howe. Preguei para o grupo e prometi que, se me fosse permitido usar as instalações da escola local, eu pregaria no domingo. Os responsáveis pela sala deram-me licença para usar as instalações. Então, no dia seguinte, fiz circular entre o povo o convite para que se reunissem naquela escola, no domingo de manhã.

Caminhando pela aldeia, constatei que usavam linguagem profana. Imaginei nunca ter visto tanta falta de respeito. Onde quer que eu chegasse — no gramado onde jogavam bola ou em cada estabelecimento comercial — todos xingavam, blasfemavam e amaldiçoavam-se uns aos outros. Sentia-me como se estivesse na ante-sala do inferno. Lembro-me da sensação horrível que senti ao caminhar pela aldeia no sábado. Até a atmosfera me parecia puro veneno e uma espécie de terror dominou-me. Naquele dia, dediquei-me à oração, apresentando insistentemente minha petição ao Senhor, até que finalmente recebi a seguinte resposta: "Não tenha medo, continue falando e não fique calado, pois estou com você e ninguém vai lhe fazer mal ou feri-lo, porque tenho muita gente nesta cidade" (At 18.9,10). A resposta divina libertou-me daquele medo. No entanto, descobri que os cristãos receavam que algo de grave acontecesse caso os cultos fossem restabelecidos na aldeia.

Passei o sábado em oração, mas também circulei pela aldeia o suficiente para perceber que o convite para a reunião na escola estava provocando bastante agitação. No domingo de manhã, levantei-me da cama e saí de meu alojamento no hotel. Querendo ficar sozinho num lugar onde pudesse soltar minha voz e não somente meu coração, dirigi-me a um bosque, a certa distância da aldeia e continuei em oração por um tempo considerável. No entanto, não recebi nenhum alívio, de modo que voltei ao bosque segunda vez. Mas o fardo que me pressionava a mente havia aumentado, não conseguia sentir alívio. Fui ao bosque pela terceira vez e, então, veio a resposta.

Descobri que já era hora do culto e fui imediatamente para a escola. Vi que o local estava superlotado. Eu trazia minha Bíblia de bolso e li para a congregação o seguinte texto: "Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigénito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16). Não consigo lembrar muita coisa do que falei naquele dia, mas sei que o assunto era o tratamento que Deus recebeu em troca de seu amor. Esse tema afetava profundamente meu espírito e eu derramava minha alma e minhas lágrimas enquanto pregava.

Notei que se encontravam ali vários homens dos quais escutara, no dia anterior, as mais pavorosas blasfêmias. Durante o culto, apontei para eles, revelando aos presentes o que haviam falado — como cada um rogava a Deus que enviasse seus companheiros para a perdição. Realmente, disse contra eles tudo que tinha no coração, enquanto minhas lágrimas fluíam copiosamente. Falei-lhes que pareciam "uivar blasfêmias pelas ruas, como cães do inferno" e que me faziam sentir como se tivesse chegado "à ante-sala do inferno". Todos sabiam que eu estava falando a verdade e estremeciam diante de minhas palavras. Não pareciam ofendidos, mas, o povo chorava quase tanto quanto eu. Acho que dificilmente se encontrariam olhos secos naquele auditório.

O sr. Copeland, proprietário do hotel, que guardava a chave da casa de cultos, recusara-se a abri-la naquela manhã. Entretanto, tão logo os primeiros cultos dominicais foram encerrados, ele levantou-se e disse aos presentes que abriria a casa de cultos naquela tarde. O povo foi-se espalhando em todas as direções levando a informação e à tarde a casa de reuniões ficou quase tão cheia quanto a escola ficara de manhã. Todos compareceram ao culto e o Senhor me fez lançar as palavras sobre eles de maneira maravilhosa. Minha pregação parecia-lhes algo totalmente novo.

Para mim, era como se fosse possível chover granizo e amor sobre eles ao mesmo tempo. Em outras palavras, era possível derramar sobre eles uma amorosa chuva de pedras. Parecia que meu amor a Deus, tendo em vista os impropérios que ouvira contra o Senhor, havia deixado minha mente em agonia. Sentia como seu eu quisesse repreendê-los com todo o meu amor, com uma compaixão que não podia deixar de ser reconhecida por eles. Nunca soube que me houvessem acusado de severidade. Sabia, porém, que nunca havia falado com mais rigor em toda a minha vida. No entanto, os esforços daquele dia foram coroados com a conversão da maior parte dos habitantes da cidade. A partir de então, era só eu marcar uma reunião, a qualquer hora e lugar que o povo se aglomerava para escutar a pregação.

O trabalho começou imediatamente e progrediu com grande poder. Aos domingos, eu pregava três vezes na igreja da aldeia, freqüentava uma reunião de oração no intervalo dos cultos e às 17 horas pregava numa escola situada na vizinhança. No terceiro domingo que preguei ali, um homem muito idoso veio ao meu encontro quando desci do púlpito e convidou-me a pregar numa escola perto de sua casa. Disse que lá nunca fora realizado um culto. Informou-me a localização da escola, que ficava a uns cinco quilômetros da aldeia e pediu-me que eu visitasse o lugar tão logo fosse possível. Combinei que iria no dia seguinte, segunda-feira, às cinco da tarde.

Deixei meu cavalo na aldeia e resolvi ir a pé, para não ter dificuldade em convidar o povo por onde passasse. No entanto, devido ao esforço do dia anterior, antes mesmo de chegar ao local já estava exausto. Sentei-me à beira da estrada, achando que dificilmente poderia continuar a caminhada. Culpava-me por não ter ido a cavalo. No entanto, cheguei ao local no horário combinado e vi que a escola já estava lotada.

Só consegui um lugar em pé, perto da porta, que estava aberta, assim como todas as janelas. Escolhi um hino — e não posso dizer que o povo o cantou, porque pareceu-me que aquelas pessoas nunca haviam tido oportunidade de entoar uma música sacra. Contudo, tentavam cantar. Mas, cada um gritava em um tom diferente. Meus ouvidos aprimorados pelo ensino da música sacra sofriam tanto com aquela horrível desarmonia de vozes que quase fui embora. Tapei os ouvidos com ambas as mãos, apertando-os com toda a força. Mas, nem assim conseguia deixar de ouvir os gritos desafinados. Coloquei a cabeça entre os joelhos, ainda com as mãos tapando os ouvidos, tentando livrar-me daquele som horrível, que quase me enlouquecia. Assim, agüentei o hino até o fim. Depois disso, lancei-me de joelhos, quase em estado de desespero e comecei a orar. Então, o Senhor abriu as janelas do céu, o Espírito desceu sobre nós e pude derramar toda a minha alma em oração.

Não escolhera previamente o texto bíblico que seria a base do sermão. Como era meu hábito na época, esperei até que pudesse observar de perto a congregação para selecionar um texto da Bíblia. Tão logo acabei de orar, levantei-me da oração e disse: "Saiam imediatamente deste lugar, porque o Senhor está para destruir a cidade!" Falei-lhes que não me lembrava onde se achava exatamente esse texto na Bíblia, mas disse-lhes mais ou menos onde o encontrariam. Então, passei a explicá-lo. Contei-lhes que existiu um homem chamado Abraão e expliquei quem ele era. Falei-lhes também de Ló. Destaquei o parentesco e o relacionamento entre os dois homens e a separação por causa de desentendimentos entre os pastores de seus rebanhos. Informei-os de que Abraão foi para as terras altas, ao passo que Ló se

estabeleceu no vale de Sodoma. Em seguida, mostrei-lhes como a cidade de Sodoma se tornara corrompida, por causa das práticas abomináveis que passara a cometer e apontei-lhes essas práticas. Contei-lhes que, ao resolver destruir Sodoma, o Senhor visitou Abraão para informá-lo do que estava para fazer e que Abraão orou ao Senhor, pedindo-lhe que poupasse Sodoma se achasse certo número de justos ali, tendo o Senhor prometido que assim faria por amor a eles. Continuei a narrativa, dizendo que Abraão implorou ao Senhor que poupasse a cidade, caso ali houvesse um número ainda menor de justos e que o Senhor prometeu que a pouparia por amor a esses justos. Continuei, dizendo que Abraão reduziu o número até chegar a dez justos, obtendo a mesma promessa de Deus e que, por fim, Abraão não prosseguiu com sua intercessão e o Senhor saiu de sua presença.

No entanto, havia em Sodoma apenas um justo: Ló, o sobrinho de Abraão. "Os dois homens perguntaram a Ló: 'Você tem mais alguém na cidade — genros, filhos ou filhas, ou qualquer outro parente? Tire-os daqui, porque estamos para destruir este lugar. As acusações feitas ao Senhor contra este povo são tantas que ele nos enviou para destruir a cidade'. Então, Ló foi falar com seus genros, os quais iam casar-se com suas filhas e disse-lhes: 'Saiam imediatamente deste lugar, porque o Senhor está para destruir a cidade!' Mas eles pensaram que ele estava brincando" (Gn 19.12-14).

Enquanto eu relatava esses fatos, notei que todos olhavam para mim como se estivessem zangados. Muitos homens estavam em mangas de camisa. Olhavam uns para os outros e depois para mim, como se estivessem a ponto de agredir-me ali mesmo, por alguma razão. Vi aqueles olhares estranhos, sem saber o que os havia deixado tão zangados. Parecia-me, no entanto, que sua ira aumentava à medida que eu continuava com a narrativa. Tão logo terminei de relatar os fatos, revelei à congregação que eu havia sido informado de que nunca fora realizado um culto religioso naquele local e que eu tinha o direito de concluir que seus habitantes eram um povo ímpio. Apliquei essa verdade a eles, cada vez com mais energia e com o coração sobre-carregado.

Depois de falar-lhes nesse tom de autoridade por não mais que quinze minutos, uma terrível impressão de solenidade fixou-se neles e alguma coisa cintilava sobre a congregação — um tipo de luz difusa, como se a própria atmosfera se agitasse. As pessoas começaram a cair dos assentos, clamando por misericórdia. Se eu tivesse uma espada em cada mão, não poderia tê-los abatido tão rapidamente. Quase a totalidade da congregação estava de joelhos ou prostrada e penso que tudo isso aconteceu em menos de dois minutos. Os que conseguiam dizer alguma coisa oravam por si próprios.

Naturalmente que fui obrigado a interromper a pregação, porque já não prestavam atenção às minhas palavras. Avistei o senhor que me convidara para pregar ali. Estava sentado no meio da congregação e olhava atônito ao redor. Levantei a voz, quase aos gritos, para que ele pudesse ouvir-me e, apontando para ele, perguntei: "Você não pode orar?" Ele caiu imediatamente de joelhos e derramou a alma diante de Deus.

Eu não conseguia a atenção do povo. Então, falando o mais alto possível, disse-lhes: "Vocês ainda não estão no inferno. Agora, deixem-me dirigi-los a Cristo". Durante uns poucos momentos, procurei apresentar-lhes o evangelho. Quase ninguém, no entanto, parecia prestar a mínima atenção ao que eu falava. Meu coração transbordava com tamanho júbilo diante daquela cena que era difícil controlar-me. A pouca distância de onde eu estava, havia uma lareira aberta. Lembro-me muito bem de que minha alegria era tão grande que eu não conseguia controlar o riso. Ajoelhei-me e coloquei a cabeça — depois de cobri-la com um lenço — na lareira, para que eles não me vissem rindo. Sabia que não entenderiam que meu riso era fruto de uma alegria santa e irreprimível. Com muita dificuldade, controlei-me para não gritar glórias a Deus.

Tão logo consegui controlar minhas emoções, voltei-me para um jovem que estava orando perto de mim, coloquei a mão em seu ombro a fim de conseguir sua atenção e falei-lhe ao ouvido sobre Jesus. Logo percebi que ele aceitara a cruz de Cristo e nela passara a crer, mostrando-se tranqüilo por um ou dois minutos, até que começou a derramar-se em oração pelos outros. Voltei-me para outro jovem, agi da mesma forma e vi o mesmo resultado. Continuei a buscar os jovens e tomei a mesma atitude com outras pessoas, até perceber que precisava ir embora, pois havia assumido um compromisso na aldeia.

Informei o povo de que precisava ir. Pedi ao homem que me convidara que permanecesse ali e passasse a dirigir a reunião. Assim ele fez. No entanto, o interesse do povo era demasiado e havia ali muitas almas feridas, de sorte que a reunião não pôde ser encerrada naquela hora, continuando pela noite inteira. Ao amanhecer, ainda havia gente ali, pois não haviam conseguido ir embora. Eles foram levados para uma residência na vizinhança, deixando a escola livre para a realização das aulas. Ao meio-dia, recebi um recado, pedindo-me que voltasse, pois não conseguiam encerrar a reunião.

Quando retornei, tentaram justificar a ira provocada pelo meu primeiro sermão. Contaram-me que o nome do lugar era Sodoma — eu não sabia disso — e que no local havia apenas um homem considerado piedoso, a quem chamavam de Ló! Tratava-se do senhor idoso que me convidara para pregar ali. O povo supunha que eu escolhera de propósito o tema da pregação, a fim de atingi-los — pois de fato eram ímpios, a ponto de ter sido dado o nome de Sodoma ao lugar. No entanto, tudo não passou de uma notável coincidência.

Poucos anos depois, empenhava-me no trabalho em Syracuse, no estado de Nova York, quando certo dia recebi a visita de dois cavalheiros, um deles bastante idoso e o outro devia ter pouco menos de 50 anos. O mais jovem apresentou-me o mais idoso como o diácono White, ancião de sua igreja e explicou que a visita tinha o objetivo de entregar-me cem dólares como oferta para a Faculdade de Oberlin. O mais idoso, por sua vez, apresentou o mais jovem, dizendo: "Este é o meu pastor, o rev. Cross. Converteu-se durante o ministério desenvolvido pelo irmão". Diante disso, o rev. Cross disse-me:

— O irmão lembra-se da tarde em que pregou numa escola em Antwerp e do que se passou ali? — E descreveu o que acontecera naquela tarde.

— Lembro-me muito bem e enquanto minha memória for ativa não poderei esquecer o que se deu naquela ocasião — respondi.

Cross continuou:

— Pois bem. Na época, eu era bem jovem e converti-me naquele encontro. Cross é um pastor bem-sucedido e está no ministério há muitos anos. Uns de seus filhos receberam educação em Oberlin. Pelo que sei, embora aquele avivamento tenha chegado sobre aquele povo de modo tão repentino e poderoso, as conversões foram profundas e, a obra, permanente e genuína. Nunca ouvi falar de nenhum incidente que desabonasse aquele avivamento.

Já fiz menção aos universalistas que impediam o diácono Randall de comparecer às reuniões na aldeia de Antwerp e que chegaram a arrancar as rodas de sua carruagem. Quando o avivamento chegou ao auge, o diácono Randall expressou seu desejo de ver-me pregar no território dos universalistas. Marquei a reunião para a tarde de determinado dia, nas instalações da escola local. Quando cheguei, vi que a escola estava bem cheia e que o diácono Randall estava sentado perto de uma janela, ao lado de uma Bíblia e de um hinário. Sentei-me ao lado dele. Depois, levantei-me e anunciei o cântico de um hino, que todos cantaram em total desarmonia. Depois, passei à oração, sentindo que havia alcançado o trono da graça.

Coloquei-me em pé e em seguida li o seguinte texto: "Serpentes! Raça de víboras! Como vocês escaparão da condenação ao inferno?" (Mt 23.33). Percebi que o diácono Randall estava muito inquieto. Pouco depois, saiu de seu lugar e ficou em pé, junto da porta. Fazia calor e também havia alguns rapazes na porta. Imaginei que o diácono fora para lá a fim de mantê-los quietos. No entanto, fiquei sabendo depois que ele havia ido para perto da saída por causa do medo que estava sentindo. Queria estar num lugar de onde pudesse fugir, caso eu fosse atacado. Pelo texto que escolhi, ele concluíra que eu pretendia usar de muita franqueza com os ouvintes e, como já sofrera bastante na mão dos universalistas, queria estar fora do alcance deles caso houvesse uma reação negativa ao meu sermão.

De fato, despejei sobre eles as minhas convicções religiosas, usando para isso todas as minhas forças. Antes que acabasse de falar, pude notar que estava acontecendo uma reviravolta nos alicerces do universalismo naquela localidade. A cena foi quase idêntica à que se dera em Sodoma. O avivamento penetrou em todas as partes da cidade e algumas das cidades vizinhas compartilharam da bênção. O avivamento na região foi poderoso.

Depois de acolhermos os convertidos e de numerosos candidatos terem sido examinados, descobri, quando se aproximava o dia em que seriam admitidos na igreja, que vários deles haviam sido criados em famílias batistas. Perguntei-lhes, então, se não preferiam ser batizados por imersão. Responderam-me que eles, pessoalmente, não tinham preferência, mas que seus pais gostariam que fosse assim. Expliquei-lhes que eu não fazia a mínima objeção a essa forma de batismo, se eles achassem que isso agradaria mais a seus amigos e a eles também.

Quando chegou o domingo, combinei que os batizaria por imersão no intervalo dos cultos. Descemos a um córrego que passa pelo local e ali batizei, por imersão, se me lembro bem, uma dúzia de pessoas ou mais. Apesar de meus esforços, porém, não pude garantir muita solenidade à celebração. Notei que os descrentes, em pé nas ribanceiras, estavam rindo. Achavam o quadro bastante divertido, principalmente quando moças e mulheres eram batizadas.

Chegada a hora dos cultos da tarde, fomos até o local das reuniões e ali batizei por aspersão inúmeras pessoas, aplicando-lhes água na testa. A administração dessa ordenança foi tão abençoada por Deus que contribuiu para convencer que aquela forma de batismo era aceitável ao Senhor, mais que qualquer argumento que eu tivesse utilizado. Durante a administração desse batismo, a congregação portava-se de modo reverente e houve choro por todos os lados. Parecia que Deus havia colocado seu selo naquela forma de batismo. Era marcante o contraste entre o batismo realizado à beira do riacho e aquela celebração na casa de reuniões. Entre os convertidos, havia um número considerável de pessoas que tinham amigos metodistas.

No sábado, fiquei sabendo que alguns metodistas estavam dizendo aos convertidos: "O sr. Finney é presbiteriano. Crê nas doutrinas da eleição e da predestinação, mas não as tem pregado aqui. Ele não se atreve a pregá-las porque, se o fizesse, os convertidos não se afiliariam à sua igreja". Assim, resolvi pregar sobre a doutrina da eleição na manhã do domingo, antes que os batizados se afiliassem à igreja. Escolhi o texto e passei a explicar, primeiramente, o que não é a doutrina da eleição; em segundo lugar, o que ela é; em terceiro lugar, que ela é uma doutrina bíblica; em quarto lugar, que ela é a doutrina da razão; em quinto lugar, que negá-la é negar os próprios atributos de Deus; em sexto lugar, que essa doutrina não punha obstáculo à salvação dos não-eleitos; em sétimo lugar, que todos podiam ser salvos se o quisessem; em último lugar, que essa era a única esperança para quem quisesse ser salvo. E concluí o sermão.

O Senhor fez com que tudo isso ficasse muitíssimo claro em minha mente e tão claro aos ouvintes que acredito que os próprios metodistas se convenceram da doutrina. Nunca ouvi nenhuma palavra contrária aos argumentos apresentados naquele dia.

Lembro-me de que, enquanto pregava, observei uma irmã metodista, a quem eu conhecia e a quem considerava uma excelente cristã, chorando, sentada perto da escada do púlpito. Imaginei que ferira seus sentimentos. Depois de encerrada a reunião, ela permaneceu ali sentada, chorando. Fui até ela e disse-lhe:

— Irmã, espero não tê-la magoado em nada. Ela respondeu:

— Não, sr. Finney, não me magoou. Mas, cometi um pecado. Na noite passada, eu e meu marido, que é um homem impenitente, debatíamos sobre essa mesma questão. Ele sustentava, da melhor maneira que podia, a doutrina da eleição. Não concordei, afirmando que aquela não era a verdade. Mas, agora o irmão convenceu-me de que realmente essa é a realidade. Vejo que, em vez de discutir com meu marido, devo reconhecer que essa doutrina é a minha única esperança de que ele seja salvo, bem como qualquer outra pessoa.

Não ouvi falar em nenhuma outra objeção levantada contra a afiliação dos convertidos a uma igreja que acreditasse na doutrina da eleição. Muitos casos interessantes de conversão deram-se naquele lugar. Em especial, dois casos notáveis de recuperação imediata de loucura.

Certo domingo à tarde, quando cheguei para o culto, notei várias senhoras sentadas num dos bancos da igreja, juntamente com uma mulher vestida de preto, que parecia muito perturbada. Algumas daquelas senhoras a seguravam, tentando impedi-la de sair. Vendo-me entrar, uma das senhoras chegou até mim e contou-me que a mulher era louca, uma ex-metodista. Parece que havia caído da graça, chegando ao desespero e, finalmente, à loucura. O marido bebia muito e morava a vários quilômetros da aldeia. Havia deixado a mulher no local da reunião e ido para o hotel beber. Tentei falar com ela, mas, sua resposta foi que precisava ir embora, pois não suportava escutar orações, pregações nem hinos. Estava certa de que seu lugar era no inferno e que por isso não suportava coisa alguma que a levasse a pensar no céu. Em particular, aconselhei às senhoras que a acompanhavam a mantê-la onde estava, sem que perturbasse o culto. Subi, então, ao púlpito e anunciei o cântico de um hino.

Tão logo a congregação começou a cantar o hino, aquela senhora fez um grande esforço para sair. Mas, suas companheiras a impediram e, com gentileza, porém de modo firme, não a deixaram escapar. Momentos depois, ela aquietou-se, mas parecia evitar escutar os hinos, não prestava a mínima atenção a eles. Passei então a orar. Dava para escutá-la tentando sair, mas, antes de eu terminar, ela aquietou-se e a congregação permaneceu imóvel. O Senhor conduziu-me a um espírito de oração — e um texto bíblico foi-se estabelecendo em minha mente, já que não selecionara nenhum para aquele momento.

Era um texto da carta aos Hebreus: "Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade" (Hb 4.16). Meu objetivo era encorajar a fé no coração daquela senhora — e em nosso coração também — a favor dela. Quando comecei a pregar, ela fez um esforço considerável para sair da igreja. Suas companheiras, porém, resistiram com ternura e ela, finalmente, acomodou-se mas, manteve a cabeça bem baixa. Parecia resolvida a não prestar atenção ao que eu falava.

À medida que a pregação continuava, notei que ela ia aos poucos levantando a cabeça e agora olhava para mim através do longo véu preto. Olhava cada vez mais para cima e acabou por aprumar-se no assento, fitando meu rosto com intensa sinceridade. Quando passei a conclamar os ouvintes a ser corajosos na fé e a entregarem-se confiantes aos cuidados de Deus, mediante o sacrifício expiatório de nosso grande Sumo Sacerdote, ela assustou a congregação com um grito forte e estridente. Ela praticamente atirou-se ao chão, com a cabeça abaixada e o corpo inteiro a tremer.

As senhoras que a acompanhavam continuavam a segurá-la, vigiando-a com zelo e simpatia, em oração. Continuei pregando e ela começou a levantar os olhos de novo, aprumando-se outra vez na cadeira, com as feições maravilhosamente transformadas, denotando alegria triunfante e paz. Havia um grande brilho cobrindo seu rosto. Raras vezes presenciei num ser humano coisa igual àquela. Seu júbilo era tão grande que foi difícil ela controlar-se até o fim do culto, quando deixou que todos ao seu redor percebessem que ela fora libertada. Ela glorificava a Deus, dando total vazão à sua alegria. Cerca de dois anos depois, encontrando-a outra vez, conversei com ela e descobri que continuava transbordando de júbilo.

Outro caso de recuperação de insanidade mental foi o de uma senhora na cidade que também caíra no desespero e na loucura. Eu não estava presente quando ocorreu sua restauração. Mas, contaram-me que foi quase simultaneamente ao recebimento do batismo com o Espírito Santo. Às vezes, os avivamentos espirituais são acusados de levar pessoas à loucura. Mas, o fato é que essas pessoas são, por natureza, desequilibradas no tocante a assuntos espirituais e que os avivamentos as restauram da loucura, em vez de fazê-las enlouquecer.

Nessa época, recebemos notícias de que uma forte oposição se levantara contra o avivamento em Gouverneur, cidade que ficava uns vinte quilômetros mais para o norte. Ouvíamos dizer que os ímpios desceriam de lá em massa para atacar-nos e dar fim às nossas reuniões. É lógico que não dávamos atenção a tais comentários e cito aqui o fato apenas porque, mais adiante, registrarei o avivamento ocorrido naquela cidade. Depois de receber os convertidos na igreja e de ter atuado grandemente naquele local e ao mesmo tempo em Evans Mills, até o Outono daquele ano, apresentei aos crentes de Antwerp um jovem chamado Denning, a quem estabeleceram como pastor. Foi então que interrompi ali minhas atividades ministeriais.

 

 

CAPÍTULO IX

RETORNO A EVANS MILLS

Por essa época, recebi insistentes convites para permanecer em Evans Mills. Atendi a esses apelos, prometendo que ficaria ali, dando assistência espiritual aos irmãos, por pelo menos mais um ano. Em Outubro, por estar de casamento marcado, viajei para Whitestown, condado de Oneida, onde foi realizada a cerimônia. Minha mulher estava preparada para assumir seu papel de dona de casa e, um ou dois dias depois de nosso casamento, deixei-a ali e voltei a Evans Mills, a fim de conseguir um meio de transporte para fazer nossa mudança. Disse-lhe que estaria de volta a Whitestown em cerca de uma semana.

No outono anterior, eu pregara várias noites num lugar chamado Perch River, vinte quilômetros a noroeste de Evans Mills. Passei um domingo em Evans Mills e pretendia retornar para buscar minha mulher a meio da semana. Mas, naquele dia chegou um mensageiro de Perch River, dizendo que, desde quando eu ali pregara, o avivamento lentamente crescia entre o povo. Ele rogou então que eu pregasse pelo menos mais uma vez naquela localidade. Enviei um recado, acertando minha presença ali na terça-feira à noite. Ao chegar, no entanto, descobri que o interesse pelo avivamento era tão profundo que fiquei ali para pregar também nas noites de quarta e quinta-feira. Acabei ficando na região, abandonando a idéia de retornar a Whitestown naquela semana.

O avivamento não demorou a propagar-se em direção a Brownville, aldeia de tamanho considerável que ficava vários a quilômetros a sudoeste de Whitestown. Diante do convite insistente do ministro e da igreja em Brownville, fui para lá e ali passei o inverno. Escrevi à minha mulher, dizendo-lhe que precisaria adiar minha ida para buscá-la, até que Deus abrisse uma porta. Eu não podia abandonar uma obra de tanto valor espiritual para atender a interesses pessoais.

Em Brownville, a obra era muito interessante. Mesmo assim, tive dificuldades para envolver a igreja no trabalho. Entre os membros mais antigos, encontrei presbiterianos, batistas, metodistas e outros. Conforme descobri, alguns membros da igreja eram universalistas. Não consegui encontrar entre eles muitos corações sinceros e piedosos. A política do pastor era proibir qualquer coisa que pudesse impulsionar um avivamento. Envidei ali muitos esforços durante aquele inverno, o que trouxe para mim dolorosas conseqüências, já que muitos e graves obstáculos tinham de ser enfrentados. Às vezes, notava a ausência do pastor e de sua mulher em nossas reuniões e, mais tarde, ficava sabendo que tinham ido a uma festa. Eu estava hospedado na casa do sr. Ballard, um dos anciões da igreja, o amigo mais íntimo e influente do pastor.

Certo dia, enquanto descia do quarto e estava para sair, a fim de visitar alguns interessados, encontrei o sr. Ballard no corredor e ele colocou diante de mim a seguinte questão:

— Sr. Finney, o que o irmão acha de um homem que permaneceu em oração, semana após semana, pedindo o Espírito Santo sem obter resposta?

Respondi que o homem devia estar orando pelos motivos errados e ele inquiriu:

— Mas, por que motivos um homem deve orar? Se ele estiver em busca de felicidade, seria essa uma motivação errada?

— Satanás poderia orar com uma motivação tão boa como essa — respondi. Então passei a citar as palavras do salmista: "Sustenta-me com um espírito pronto a obedecer. Então ensinarei os teus caminhos aos transgressores, para que os pecadores se voltem para ti" (SI 51.12,13). E continuei: — Está vendo? O salmista não orou pedindo o Espírito Santo a fim de que se sentisse feliz, mas para tornar-se útil e para que os pecadores se convertessem.

Falei assim e fui saindo, mas notei que ele corria para seu quarto. Fiquei fora de casa até a hora do jantar e, quando voltei, Ballard veio ao meu encontro e fez-me uma revelação.

— Sr. Finney, preciso confessar-lhe uma coisa — foi logo dizendo. — Fiquei zangado quando o irmão me disse aquilo e confesso que meu desejo era não tornar a vê-lo nunca mais. O que o irmão disse convenceu-me de que eu nunca me convertera e de que jamais tivera outra motivação senão o desejo egoísta de alcançar a própria felicidade. Depois que o irmão saiu, orei, pedindo a Deus que me tirasse a vida. Não podia suportar a realidade de ter vivido de maneira tão enganosa. Tenho grande amizade com nosso pastor. Sempre viajamos juntos e desenvolvi com ele mais intimidade que com qualquer outro membro da igreja. Mas, descobri agora que sempre fui hipócrita, enganando-me a mim mesmo. O sofrimento era intolerável e eu queria morrer. Por isso, orei ao Senhor para que ele me tirasse a vida.

No entanto, após a conversa daquela manhã, o irmão Ballard fora totalmente quebrantado e, a partir de então, passou a ser um homem renovado. Aquele encontro fez-lhe muito bem.

Poderia relatar muitos outros fatos interessantes relacionados a esse avivamento. Mas, para mim são tão dolorosos os aspectos desse movimento espiritual relacionados àquele pastor, especialmente no que se refere à mulher dele, que me limitarei ao episódio que acabo de descrever.

No começo da primavera do novo ano, parti de Brownville, a cavalo, com um trenó, para buscar minha mulher. Estava ausente havia seis meses, isso logo após nosso casamento e, como dependíamos dos serviços do correio, bastante precários na região, raras vezes havíamos conseguido trocar correspondência. Continuei viagem cerca de 24 quilômetros e as estradas eram muito escorregadias. Meu cavalo estava com as ferraduras gastas e vi que teria de trocá-las. Parei em LeRaysville, pequena aldeia situada uns quatro quilômetros ao sul de Evans Mills. Enquanto meu cavalo recebia as novas ferraduras, os moradores do lugar, descobrindo que eu estava ali, vieram até onde eu me encontrava querendo saber se eu aceitaria pregar. Insistiram tanto que concordei em pregar à uma da tarde nas instalações da escola, já que ali não havia salão de cultos.

À hora marcada, a escola estava superlotada e durante a pregação o Espírito de Deus desceu com grande poder sobre o povo. O derramamento do Espírito foi tão grande e tão evidente que, atendendo aos sinceros pedidos daqueles irmãos, concordei em pernoitar ali para pregar de novo ao entardecer daquele dia. Mas, o avivamento foi tão grande que, naquela noite, marquei outra reunião para a manhã seguinte. E, na manhã seguinte, marquei outra, para a noite. Logo percebi que não poderia prosseguir caminho para buscar minha esposa. Procurei um irmão, pedindo-lhe que, se pegasse meu cavalo e o trenó e fosse buscar minha mulher, eu permaneceria ali. Assim ele fez e continuei pregando, dia após dia e noite após noite naquele lugar. E experimentamos ali um poderoso avivamento.

Eu deveria ter mencionado que, enquanto estava em Brownville, Deus revelou-me de modo inesperado, que ele estava para derramar seu Espírito em Gouverneur e que eu precisava ir para lá, a fim de pregar. Eu não sabia absolutamente nada a respeito do local, a não ser que houvera naquela cidade uma grande manifestação contra o avivamento em Antwerp, no ano anterior. Jamais consegui saber como ou por que o Espírito de Deus me fez aquela revelação. Mas, eu sabia que se tratava de uma revelação direta de Deus. Pelo que me lembre, em nenhum momento, durante meses, pensara em Gouverneur, mas enquanto me dedicava à oração foi-me mostrado, claro como a luz, que eu devia ir pregar naquela cidade e que Deus ali derramaria seu Espírito.

Logo depois, um dos membros da igreja em Gouverneur passou por Brownville. Contei-lhe o que Deus me revelara. Ele olhou para mim fixamente, talvez pensando que eu estivesse louco. Recomendei, porém, que ele voltasse para casa e contasse aos irmãos o que eu dissera, a fim de que se preparassem para minha chegada e para o derramamento do Espírito na cidade. Por meio desse irmão, descobri que a igreja dele não tinha pastor. Descobri, também, que havia duas denominações e dois salões de culto na cidade, que ficavam perto um do outro. Soube que os batistas tinham um pastor, mas, que os presbiterianos não contavam com a assistência de qualquer ministro. Fiquei sabendo, ainda, que naquela cidade morava um homem idoso que fora pastor ali, mas o haviam demitido e que na igreja presbiteriana não havia cultos dominicais regulares. Concluí, pelas palavras daquele irmão, que o estado espiritual dos cristãos de sua cidade era lamentável e que ele mesmo estava tão frio quanto uma geladeira.

Volto agora a descrever os esforços empreendidos em LeRaysville. Depois de trabalhar ali umas poucas semanas, a grande maioria dos habitantes converteu-se, entre eles o juiz Kanady [Samuel C. Kanady], o homem de maior influência na região. Minha mulher chegou alguns dias depois de eu ter mandado buscá-la. Aceitamos o convite do juiz Kanady e de sua esposa para nos hospedarmos em sua casa. Depois de poucas semanas, porém, o povo insistia em que eu fosse pregar numa igreja batista de Rutland, no local onde a cidade faz divisa com LeRaysville. Prometi pregar ali uma tarde.

O clima era ameno. Atravessei a pé um pinheiral, percorrendo uma distância de quatro quilômetros até o salão de cultos. Cheguei cedo, achei a casa aberta, mas ninguém estava ali. Depois de ter andado tanto, senti calor. Entrei e sentei-me perto de um corredor amplo, entre os bancos, mais ou menos no centro do salão. Não demorou muito até que as pessoas começassem a entrar e sentarem-se, espalhando-se pelo salão. Era tanta gente que o afluxo para o templo era contínuo. Permaneci sentado ali, quieto. E, sendo totalmente desconhecido na localidade, não vi ninguém que eu conhecesse e nem fui reconhecido por alguém.

Depois de algum tempo, entrou uma jovem usando um chapéu de plumas altas. Estava vestida de modo elegante. Era alta, esbelta, de porte clássico e decididamente bela. Desde que chegou ao salão, observei que ela meneava a cabeça de modo que as plumas se movimentavam com muita graça e imaginei que ela, com certeza, havia praticado aqueles movimentos diante do espelho. Andava como se estivesse velejando e andou pelo corredor até onde eu estava sentado. A cada passo, abanava as plumas de modo muito gracioso, correndo os olhos pelo povo, preocupada em registrar a impressão causada nos que a observavam. Considerando o ambiente em que estávamos, sua atitude impressionou-me muito. E foi da vontade de Deus que ela passasse pelo corredor e tomasse assento exatamente atrás do lugar onde me encontrava.

Ela e eu estávamos sentados bem perto um do outro, mas em filas diferentes. Afastei-me um pouco, a fim de voltar-me e, apoiando o cotovelo no encosto do assento, observei a aparência daquela jovem e os movimentos que fazia. Ela mantinha ainda a graça nos meneios da cabeça, bem como movimentos do corpo que faziam abanar as plumas. Ficou claro para mim que ela estava cheia de soberba e egoísmo. Suas roupas indicavam extrema vaidade. Virei-me parcialmente para trás e examinei-a dos pés até o chapéu, depois de cima para baixo, de baixo para cima e de cima para baixo outra vez.

Ela percebeu que eu a observava de modo crítico e mostrou-se um tanto envergonhada. Em voz baixa, eu lhe disse: "Você entrou aqui para dividir a adoração na casa de Deus? Quer que as pessoas a adorem, desviando a atenção de Deus para você e transferindo para você a adoração que devem a ele?" Isso fez com que ela se contorcesse, mas continuei a falar-lhe claramente, numa voz tão baixa que ninguém mais podia escutar. Diante disso, ela não conseguiu manter a cabeça erguida. Começou a tremer e as plumas não paravam de movimentar-se. Depois de falar-lhe o suficiente para atingir sua consciência, levantei-me e subi ao púlpito. Tão logo ela me viu subir ao púlpito, percebeu que eu era o pregador convidado e ficou ainda mais agitada, atraindo a atenção das pessoas ao seu redor. O salão não demorou a encher-se. Então escolhi um texto e comecei a pregar.

O Espírito do Senhor foi derramado de modo incontestável na congregação. E, no fim do sermão, fiz algo que não me lembro de ter feito antes: convidei a vir à frente e sentarem-se na primeira fila todos os que queriam entregar seu coração a Jesus. Não me lembro de ter repetido essa prática outra vez, exceto em Rochester, NY. No instante em que fiz o convite, aquela moça foi a primeira a colocar-se em pé. Irrompeu pelo corredor e correu para a frente, como que desesperada. Parecia não ter consciência da presença de qualquer outra pessoa ali, a não ser a de Deus. Precipitou-se em direção a um dos assentos indicados, mas caiu no corredor, gritando de agonia. De várias partes do salão, muitos saíram do lugar e vieram à frente. E muitos deles pareciam estar entregando o coração a Jesus ali mesmo, inclusive aquela jovem. Informaram-me, depois, que ela era considerada a maior beldade do lugar. Diziam que era simpática, mas, todos a consideravam muito orgulhosa e exagerada no vestir.

Muitos anos depois de eu ter visitado aquele local, encontrei o homem que me havia convidado a pregar naquele culto. Perguntei pela moça e ele informou-me que a conhecia bem. Ela ainda residia na cidade. Casara-se e era uma mulher virtuosa. Desde aquela reunião, tornara-se uma crente sincera.

Preguei mais algumas vezes em Rutland, até que a questão de Gouverneur voltou a ocupar minha mente. Deus parecia dizer-me: "Vá a Gouverneur — chegou a hora!" Poucos dias antes, o irmão Nash viera visitar-me e passou algum tempo comigo em Rutland. Quando senti esse último chamado para Gouverneur, faltava-me cumprir dois ou três compromissos na cidade. Por essa razão, falei ao irmão Nash: "O irmão precisa ir a Gouverneur e ver qual é a situação ali, trazendo-me um relatório".

Ele iniciou a viagem na manhã seguinte e, após dois ou três dias, regressou, dizendo que encontrara ali muitos cristãos professos, que estavam com consciência bastante sensível e que com certeza haveria ali grande operação do Espírito do Senhor entre o povo. No entanto, o povo não tinha consciência disso. Foi então que informei a congregação onde estava pregando que havia recebido um chamado para pregar em Gouverneur e que por isso não podia aceitar mais convites em Rutland. Pedi ao irmão Nash que voltasse imediatamente a Gouverneur e informasse aos crentes que eu chegaria naquela semana.

 

CAPÍTULO X

AVIVAMENTO EM GOUVERNEUR

 

O irmão Nash voltou a Gouverneur no dia seguinte e combinou um horário para eu reunir-me com a igreja no dia marcado. Teria de cavalgar quase cinqüenta quilômetros para chegar ao local combinado. Pela manhã, chovia muito, mas, a chuva diminuiu, permitindo-me cavalgar até Antwerp. Ali, enquanto almoçava, a chuva aumentou novamente e continuou chovendo até o fim da tarde. Parecia que não conseguiria chegar a tempo de cumprir o compromisso marcado. No entanto, a chuva diminuiu o suficiente para que eu pudesse cavalgar rapidamente até Gouverneur. Descobri que os crentes ali haviam desistido de esperar-me naquele dia, por causa das chuvas intensas.

Antes de minha chegada à aldeia, encontrei o sr. Smith, um dos membros de maior destaque na igreja, que voltava para casa pelo caminho por onde eu havia passado antes de nos encontrarmos. Ele estava voltando da igreja. Parou a carruagem e perguntou-me: "É o sr. Finney?" Depois de minha resposta afirmativa, ele disse: "Por favor, venha para minha casa. Insisto em que o irmão seja meu hóspede. Percorreu uma distância muito grande e deve estar fatigado por causa da má condição das estradas. Por isso, cancelamos o culto que seria realizado hoje à noite". Respondi que cumpriria meu compromisso. Perguntei-lhe se a reunião já havia sido encerrada. Respondeu-me que a reunião ainda não havia chegado ao fim à hora em que se retirou e que era possível eu chegar à aldeia antes que fosse encerrada.

Cavalguei rapidamente até a igreja. Ali, desci do cavalo e entrei às pressas no salão de cultos. O irmão Nash acabara de colocar-se em pé diante do púlpito para encerrar a reunião. Ao ver-me entrar, levantou as mãos, esperou minha chegada à frente do salão e abraçou-me fortemente. Depois, apresentou-me à congregação. Informei-lhes que viera para cumprir meu compromisso e, se o Senhor permitisse, pregaria em um horário anunciado.

Na hora marcada, o salão encheu-se. As pessoas tinham ouvido falar de mim — a favor ou contra — o suficiente para despertar-lhes a curiosidade. Por isso, compareceram em peso àquele culto. O Senhor mostrou-me um texto e subi ao púlpito, onde derramei diante dos ouvintes o que havia em meu coração. A Palavra foi maravilhosamente eficaz. Acho que isso foi manifesto a todos os presentes. Encerrei a reunião e naquela noite consegui dormir bem.

O hotel da aldeia era dirigido pelo dr. Spencer, unitarista de sentimento e universalista confesso. Na manhã seguinte, percebi que a aldeia estava em alvoroço. Saí, como de costume, para fazer visitas e conversar com as pessoas sobre sua vida espiritual. Depois de umas poucas visitas, passei por uma alfaiataria onde várias pessoas estavam reunidas. Imaginei que estivessem debatendo sobre o sermão que eu pregara na noite anterior. Descobri que era isso que estava acontecendo. Até aquele dia, eu não ouvira falar no dr. Spencer, mas, ali estava ele na alfaiataria, defendendo seus conceitos universalistas.

Quando entrei, as observações que eram feitas abriram imediatamente a conversa. O dr. Spencer adiantou-se, claramente apoiado por todos os companheiros, para contestar os conceitos por mim expressos na noite anterior e para sustentar a doutrina da salvação universal. Alguém o apresentou a mim. Então eu disse-lhe: "Doutor, terei prazer em conversar com o senhor a respeito de suas opiniões, mas, se quisermos manter um diálogo, precisamos concordar quanto ao método do debate". Já estava bem acostumado a debater com universalistas para esperar qualquer resultado positivo da discussão, a não ser que fossem combinadas e obedecidas determinadas condições.

Propus, em primeiro lugar, que tratássemos de um tema por vez e o debatêssemos até que chegássemos a uma conclusão ou não tivéssemos mais nada para dizer a respeito, para depois debater sobre outra questão dentro do tema do debate; em segundo lugar, que não interrompêssemos um ao outro, mas que cada um tivesse liberdade para expor suas opiniões a respeito do assunto, sem nenhuma interrupção; em terceiro lugar, que não houvesse objeções capciosas nem qualquer sinal de zombaria, mas que usássemos de franqueza e cortesia e atribuíssemos o devido valor a cada argumento, fosse ele a favor ou contra nossos conceitos. Sabia que todos ali eram do mesmo parecer, unidos para sustentar suas opiniões.

Tendo concordado quanto ao comportamento no debate, começamos a discutir o assunto. Não demorei a derrubar os conceitos defendidos pelo dr. Spencer, fazendo-o recuar passo a passo em sua posição. Na realidade, ele conhecia bem pouco da Bíblia. A forma em que dispunha as principais passagens bíblicas, conforme delas se lembrava, geralmente fazia com que fossem empregadas contra a doutrina universalista. Mas, como fazem os universalistas, insistia principalmente na total injustiça das penas eternas. Logo pude demonstrar a ele e aos que estavam ao seu redor, que seu embasamento bíblico era bem frágil. E, quase de imediato, ele foi forçado a tomar a seguinte posição: independentemente do que a Bíblia dizia a respeito do assunto, as penas eternas eram injustas e, se a Bíblia ameaçava as pessoas com elas, então não podia ser a verdade. Assim, ficou decidida a posição do grupo no tocante à Bíblia.

Não era difícil reconhecer que todos eram céticos e que não cederiam, de modo algum, se apenas lhes fosse mostrado que a Bíblia contradizia as opiniões deles. Passei, então, a debater com o dr. Spencer a respeito da justiça das penas eternas. Vi que seus amigos ficavam agitados, sentindo os alicerces de suas opiniões desabarem sob eles. Não demorou para que um deles fosse embora e, quando meus argumentos ficaram mais fortes, outro membro do grupo foi embora. Por fim, todos abandonaram o dr. Spencer, pois perceberam, um após outro, que ele estava totalmente equivocado. Ele era o líder do grupo, mas, Deus concedeu-me a oportunidade de desmenti-lo na presença de seus seguidores. Quando ele nada mais tinha para dizer, exortei-o, com muito carinho e delicadeza, que pensasse na salvação. Assim, desejei-lhe um bom dia e saí. Tinha a certeza de que logo ouviria comentários sobre aquela conversa.

A esposa do médico era uma mulher crente, membro da igreja. Pouco depois, ela contou-me que o dr. Spencer voltara para casa após o debate. Estava muito agitado, embora ela não soubesse onde ele estivera. Ele andava pela sala, sentava-se, mas não conseguia manter-se sentado. Assim, ora andava, ora se sentava e ela via em suas feições que ele estava profundamente perturbado. Então perguntou-lhe:

— O que o está afligindo?

— Nada — ele respondeu.

Mas, a agitação do marido aumentava e ela insistiu:

— Conte-me o motivo de sua perturbação!

Desconfiada de que o marido se tivesse encontrado comigo, ela perguntou:

— Você conversou com o sr. Finney esta manhã?

Com isso, ele sentiu-se forçado a falar. Irrompeu em lágrimas e exclamou:

— Sim e ele voltou minhas armas contra minha própria cabeça!

Sua agonia tornou-se intensa e, tão logo se sentiu disposto a falar abertamente, renunciou às suas convicções errôneas e, pouco depois, expressou sua esperança em Cristo. Os companheiros que eram da mesma opinião também foram sendo atraídos pela igreja, um após outro, até que, por meio do avivamento, o problema foi totalmente solucionado.

Já mencionei que em Gouverneur havia uma igreja batista e uma presbiteriana, cada uma proprietária de um salão de cultos à volta do gramado da aldeia, com uma pequena distância entre eles. Como também já informei, os batistas contavam com a assistência de um pastor, mas os presbiterianos não. Tão logo o avivamento irrompeu e começou a atrair a atenção do povo, os irmãos batistas passaram a fazer oposição a ele. Falavam contra o movimento e empregavam meios censuráveis para deter seu progresso. Seus filhos freqüentavam nossos encontros e muitos deles convertiam-se. Levavam a tal ponto seu antagonismo que alguns deles chegaram a entrar no salão enquanto estávamos ajoelhados, orando e arrancaram os filhos dali, proibindo-os de voltar. Esse fato encorajou alguns jovens a formar um grupo para se oporem à obra.

A igreja batista era bastante influente no local e sua tomada de posição ajudou a intensificar a oposição e a contribuir para aumentar o rancor dos amigos do avivamento. Os jovens que formaram o grupo de resistência ao avivamento — e havia muitos deles — pareciam uma muralha diante do progresso da obra. Eram notoriamente apoiados pela igreja batista, alguns irmãos pelos próprios pais, membros da igreja. Nessa situação, o irmão Nash e eu chegamos à conclusão de que o problema só poderia ser solucionado por muita oração. Nenhum outro caminho nos levaria à solução. Por isso, juntamo-nos em um bosque e dedicamo-nos à oração até alcançar a vitória, em inteira certeza de que nenhum poder que a terra ou o inferno lançasse contra a obra conseguiria impedir o avivamento de modo permanente.

No domingo seguinte, depois de ter pregado pela manhã e à tarde, estávamos na igreja às cinco da tarde para uma reunião de oração — a pregação ficava sob minha responsabilidade e o irmão Nash dedicava-se quase continuamente à oração. O salão de cultos estava repleto. Perto do fim da reunião, o irmão Nash colocou-se em pé para dirigir-se aos jovens que haviam formado o grupo de resistência ao avivamento. Acredito que todos estavam presentes e, sentados, pareciam fazer oposição ao Espírito de Deus. A atmosfera era demasiadamente solene para que se sentissem com liberdade para ridicularizar o que ouviam e viam, mas sua fisionomia de deboche e seu coração endurecido não passavam despercebidos a ninguém.

O irmão Nash dirigiu-se a eles de modo veemente, a fim de mostrar-lhes que, com aquela atitude, incorriam em culpa e perigo. Ao finalizar sua exortação, intensificou excessivamente o tom de voz e disse-lhes: "Agora, prestem atenção às minhas palavras, jovens! Deus irá romper vossas fileiras em menos de uma semana, quer levando alguns de vocês à conversão, quer enviando alguns para o inferno. Ele assim fará. Estou tão certo disso quanto estou certo de que o Senhor é o meu Deus. Dito isso, desferiu um forte soco no púlpito e sentou-se de imediato, com a cabeça baixa, gemendo de dor.

No salão, fez-se um silêncio de morte e a maior parte das pessoas estava de cabeça baixa. Mas, dava para perceber que os jovens estavam agitados. Eu, porém, lamentava que o irmão Nash tivesse ido tão longe. Declarara que Deus tiraria a vida de alguns daqueles jovens, enviando-os para o inferno e converteria outros. Eu temia que ele, demasiadamente emocionado, tivesse dito algo que acabaria por não realizar-se e que isso viesse a incentivar ainda mais aqueles jovens a resistir ao avivamento. No entanto, penso que na manhã da terça-feira da mesma semana, o líder do grupo chegou a mim demonstrando grande aflição. Estava pronto a desistir de fazer oposição e quando o desafiei a decidir-se por Cristo, abateu-se como uma criança, confessou seus pecados e entregou-se a Jesus.

— O que faço agora, sr. Finney? — perguntou.

— Procure agora mesmo todos os seus companheiros, ore com eles e exorte-os a voltarem-se imediatamente para o Senhor! — respondi.

Assim ele fez. E, antes de terminar a semana, quase todo o grupo havia entregado a vida a Cristo.

Morava naquela aldeia um comerciante chamado Hervey D. Smith. Era um homem muito amável, um cavalheiro, porém deísta. Sua mulher era filha de um pastor presbiteriano. Era a segunda mulher do sr. Smith. A primeira era também filha de um pastor presbiteriano, partidário da Escola Antiga. Portanto, por casamento, ele era membro de duas famílias presbiterianas. Seus dois sogros haviam-se esforçado ao máximo para levá-lo à conversão. Smith era um homem estudioso e reflexivo. Ambos os sogros eram da Escola Antiga do presbiterianismo e tinham-lhe colocado nas mãos livros que ensinavam as doutrinas daquela escola. Isso foi um grande tropeço à sua conversão, pois quanto mais lia, tanto mais se convencia de que a Bíblia consistia de fábulas. A sra. Smith pediu-me que visitasse o marido com urgência e conversasse com ele. Ela informou-me a respeito das opiniões que ele sustentava e dos esforços feitos para levá-lo a aceitar as doutrinas cristãs. Disse-me que eram opiniões tão arraigadas que não conseguia imaginá-lo convertido. Apesar disso, prometi que o visitaria e conversaria com ele. E assim fiz.

A loja do sr. Smith ficava na parte da frente da casa onde ele residia. Quando cheguei, a sra. Smith foi até a loja chamar o marido. Ele recusou-se, alegando que de nada aproveitaria a conversa. Já havia conversado suficientemente com outros pastores. Afirmou que sabia de antemão o que eu diria e que não tinha tempo para desperdiçar com isso. Além disso, minha visita não lhe agradava. A sra. Smith replicou: "Você nunca tratou assim os pastores que vieram visitá-lo. Fui eu que convidei o sr. Finney para vir aqui conversar a respeito das doutrinas cristãs e ficarei muito magoada e ofendida se recusar essa visita". Hervey a amava e respeitava muito, pois era uma mulher de valor. Para agradá-la, consentiu em falar comigo. A sra. Smith apresentou-me a ele e saiu da sala. Disse-lhe então:

— Sr. Smith, não vim aqui para ter qualquer discussão com o senhor, mas, se estiver disposto a conversar, é possível que eu lhe sugira alguma coisa que venha ajudá-lo a vencer as dificuldades que parece ter a respeito das doutrinas cristãs, pois é provável que eu mesmo tenha passado pelas mesmas dificuldades.

Dirigi-me a ele bondosamente e isso o fez sentir-se à vontade comigo. Sentou-se perto de mim e disse:

— Ora, sr. Finney, não há motivo para prolongar esta conversa. Nós dois estamos tão certos de nossos argumentos que lhe asseguro que em poucos minutos sou capaz de apresentar objeções impossíveis de serem superadas às doutrinas cristãs. Também creio que sei de antemão as respostas que o senhor dará a cada uma dessas contestações, mas, estou certo de que nenhuma delas me irá satisfazer. Ainda assim, se desejar, posso declará-las ao senhor.

Pedi-lhe, então, que o fizesse e, pelo que me lembro, ele começou assim:

— Tanto o senhor quanto eu cremos na existência de Deus.

— Sim — confirmei.

— Concordamos, também, em que ele é infinitamente sábio, bom e poderoso.

— Sim — assenti.

— Concordamos em que, no momento da criação, ele dotou-nos de atributos que nos capacitam para decidir entre o certo e o errado, entre a justiça e a injustiça.

— Sim — confirmei mais uma vez.

— Pois bem, concordamos, então, em que tudo que vai contra nosso conceito de justiça não pode vir da parte de Deus.

Disse estar de acordo.

— Pois bem! — continuou o sr. Smith. — A Bíblia ensina que Deus criou-nos com uma natureza pecaminosa ou que nos tornamos suscetíveis ao pecado e incapazes de qualquer bem. Isso está em concordância com certas leis preestabelecidas, das quais Deus é o autor. Ela também ensina que, apesar dessa natureza pecaminosa, incapaz de qualquer bem e de corresponder ao que Deus espera de nós, ele requer nossa obediência e retidão, sob ameaça de condenação eterna.

— Sr. Smith, o senhor tem uma Bíblia? — perguntei. — Não gostaria de abri-la na passagem que ensina isso que acabou de dizer?

— Ora, não há necessidade! — ele retrucou. — O senhor mesmo admite que a Bíblia ensina isso.

— Não, não creio em semelhante coisa — repliquei. Mas ele continuou:

— A Bíblia ensina que Deus imputou o pecado de Adão a toda a sua posteridade e que herdamos, por natureza, a culpa daquele pecado e que somos passíveis de condenação eterna por causa do pecado de Adão. Ora, não me importo em saber quem disse isso ou que livro transmite esse ensinamento. Sei, apenas, que essa doutrina não pode ser de Deus. Acreditar nisso seria contradizer minhas inabaláveis convicções sobre direito e justiça.

— Sim — respondi. — Estaria também em contradição direta com minhas convicções. Mas onde isso é ensinado na Bíblia?

O sr. Smith começou a citar o catecismo, conforme fizera até então. Objetei:

— Mas isso é o que diz o catecismo, não a Bíblia!

— Ora, você é pastor presbiteriano, não é? — ele retrucou. — Pensei que o catecismo representasse uma autoridade para você.

— Não — repliquei. — Agora estamos nos referindo às verdades bíblicas. A Bíblia é ou não é a verdade? Você pode afirmar que essa é uma doutrina bíblica?

Smith revelou estar decepcionado com minha negação diante do que ele afirmava ser verdade. Disse nunca ter imaginado ser possível um ministro presbiteriano defender meus pontos de vista. Passou, em seguida, a dizer que a Bíblia ordenava que os homens se arrependessem, mas ensinava também que eles não se podiam arrepender. Contudo, ordenava-lhes que obedecessem e cressem, ao mesmo tempo em que ensinava que isso era impossível. Logo me vi argumentando com ele outra vez e perguntei-lhe onde aquelas coisas eram ensinadas na Bíblia. Ele continuava a citar o catecismo, mas eu não aceitava suas ponderações. Smith insistia em dizer que a Bíblia ensinava também que Cristo morreu somente pelos eleitos e, mesmo assim, exigia que todas as pessoas em todos os lugares, cressem, quer fossem eleitas, quer não, sob pena da morte eterna. E continuou:

— A verdade é que a Bíblia, com seus mandamentos e ensinos, contraria tudo que penso sobre justiça. Não posso aceitar isso! Não vou aceitar isso! — Seu tom de voz começava a ficar exaltado.

— Sr. Smith, há um engano em tudo isso — retruquei. — Essas não são doutrinas bíblicas. São mais tradições dos homens que ensinamentos bíblicos.

Ele contestou, demonstrando alto grau de impaciência:

— Pois bem, sr. Finney! Fale-me daquilo em que o senhor acredita! E voltei a falar:

— Se o senhor quiser escutar-me por alguns poucos momentos, eu direi em que acredito.

Comecei a mostrar, de maneira sucinta, meus conceitos sobre Lei e o Evangelho. Ele era inteligente e entendia-me com facilidade. Penso que, no decurso de uma hora, consegui repassar diante dele tudo que pudesse fundamentar os pontos de vista que lhe apresentara e aos quais ele fizera objeção. Começou a demonstrar interesse e percebi que os conceitos que eu lhe apresentava eram novidade para ele. Quando entrei em pormenores a respeito da expiação, provando que ela alcançava todas as pessoas e explicando sua natureza, seu desígnio e a gratuidade da salvação em Cristo, percebi que mexia com seus sentimentos. Finalmente, ele colocou as mãos sobre o rosto, abaixou a cabeça até os joelhos e começou a tremer de emoção. Vi que o sangue lhe subia à cabeça e que as lágrimas fluíam livres. Levantei-me e saí da sala sem dizer mais nada. Vi que uma flecha o atravessara e esperava que se convertesse. Ficou claro que o sr. Smith já estava convertido antes de sair daquela sala.

Logo depois de eu sair da sala, o sino do salão de cultos soou, convocando para a oração que seria seguida de uma conferência. Fui para a reunião e, pouco depois de ela começar, o sr. e a sra. Smith entraram no salão. As feições do sr. Smith demonstravam que ele estava profundamente comovido. As pessoas olhavam para trás e pareciam surpreendidas ao vê-lo entrar ali. Acho que ele freqüentava os cultos de domingo, mas, sua presença numa reunião de oração era novidade. Pensando em ajudá-lo espiritualmente, ocupei boa parte do tempo da reunião discorrendo sobre assuntos do interesse dele.

Conforme soube mais tarde, enquanto voltavam para casa a pé, ele disse à sra. Smith: "Querida, para onde se foi toda a minha heresia? Não consigo lembrar-me dela! Não consigo perceber que sentido eu encontrava nela. Parece-me que tudo aquilo não passava de bobagem. Não consigo imaginar como fui defender aquelas idéias nem como levava a sério meus argumentos. Minha sensação é de ter sido convidado para apreciar uma peça esplêndida de arquitetura, um templo magnífico, mas, logo que deparei com um detalhe da obra que me desagradou, virei-lhe as costas e recusei-me a continuar apreciando o monumento. Condenei a obra como um todo, sem prestar atenção a todos os seus detalhes. Foi exatamente assim que lidei com as coisas de Deus".

A sra. Smith disse-me que o marido fora sempre muito cáustico em relação à doutrina das penas eternas. Mas, naquele dia, enquanto voltavam a pé para casa, ele disse que, pela maneira como tratara Deus e as coisas espirituais, merecia a condenação eterna. Sua conversão foi muito evidente e determinada. Passou a defender fervorosamente a causa de Cristo e a participar, de todo o coração, na obra do avivamento. Afiliou-se à igreja e, pouco depois, tornou-se diácono. Foi um obreiro dedicado até a morte.

Depois da conversão do sr. Smith e do grupo de jovens ao qual me referi anteriormente, pensei que chegara a hora de fazer cessar a oposição movida pela igreja batista e seu pastor. Primeiro, tive uma entrevista com o diácono da igreja batista que se havia mostrado um ferrenho inimigo da obra. Disse-lhe: "É hora de o irmão acabar com essa oposição ao avivamento. Creio que já foi longe demais, pois não deve mais ter dúvida de que esta obra é de Deus. Nunca mencionei em público a resistência promovida pelo irmão, por algum membro de sua igreja ou pelo seu pastor. Não quero ser obrigado a fazê-lo, nem mesmo sugerir que estejam trabalhando contra o avivamento. Mas, como o irmão já ultrapassou os limites, caso não mude de atitude vou considerar meu dever enfrentar a situação e desmascarar do púlpito sua oposição". A situação chegara a tal ponto que eu tinha certeza de que tanto Deus quanto o público me apoiariam naquela decisão, caso os batistas continuassem a demonstrar seu antagonismo.

O diácono então confessou seu erro, pediu desculpas, prometeu que se retrataria publicamente e que não mais se oporia ao avivamento. Disse que cometera grande erro e que fora enganado, mas declarou que agira com muita maldade. Em seguida, foi buscar o pastor e conversei longamente com ambos. O pastor também confessou que agira de maneira errada, que havia sido enganado e que fizera papel de ímpio, levado pelo preconceito. Esperava que eu o perdoasse e iria orar para que Deus o perdoasse também. Prometi-lhe que não faria nenhuma alusão à oposição que recebera da parte da igreja batista, contanto que fizessem cessar aquela resistência. E eles prometeram fazer isso.

Em seguida, declarei: "Um número considerável de jovens, cujos pais pertencem à sua igreja, converteram-se". Se não estou enganado, até aquele momento quarenta jovens já se haviam convertido por obra do avivamento. Continuei: "Agora, se vocês, batistas, persistirem em fazer proselitismo, estarão ofendendo profundamente os presbiterianos, fazendo nascer entre as duas igrejas um sentimento de sectarismo, que será pior que qualquer oposição que já tenham feito. A despeito de sua resistência, a obra tem continuado porque os irmãos presbiterianos têm-se mantido livres do espírito sectário e demonstram possuir espírito de oração. Se vocês, no entanto, continuarem com o proselitismo, isso afastará das igrejas o espírito de oração e fará cessar imediatamente o avivamento". O pastor respondeu que sabia disso, prometendo que nada falaria a respeito do acolhimento daqueles convertidos. Não abriria as portas de sua igreja para eles enquanto durasse o avivamento, mas, deixaria que se afiliassem à igreja que quisessem. Respondi-lhe que era exatamente isso o que eu desejava.

Isso foi combinado na sexta-feira e sábado era dia da assembléia mensal da igreja batista. Depois de reunidos, o pastor, em vez de cumprir sua palavra, abriu as portas da igreja, chamou os novos convertidos e convidou-os a dar testemunho público de sua experiência, levando-os a afiliarem-se à igreja. Todos os que foram persuadidos a fazer isso narraram sua experiência e no dia seguinte foi realizado um grande desfile para levá-los ao batismo. O pastor contou com a ajuda de um dos ministros batistas mais sectários que já conheci, o qual começou a pregar e ensinar sobre o batismo por imersão. Percorreram toda a cidade à procura de novos convertidos e sempre que encontravam algum que resolvesse acompanhá-los organizavam uma procissão, cantavam e marchavam até um lugar onde houvesse água para batizá-los. Isso ofendeu tanto a igreja presbiteriana que seu espírito de oração extinguiu-se e a obra parou de crescer. Durante seis semanas, não houve uma única conversão. Agora todos, cristãos e não-cristãos, debatiam a questão do batismo, porque esse era o assunto das preleções daquele ministro sectário, o qual era um homem idoso.

Um número considerável de destacados homens da aldeia demonstraram estar possuídos de forte convicção espiritual e pareciam prestes a converterem-se, porém sua atenção foi desviada para a discussão a respeito do batismo. Esse parecia ser o efeito causado por aquela polêmica sobre toda a cidade. As pessoas podiam perceber que o avivamento fora interrompido e que os batistas, embora tivessem feito oposição ao avivamento desde o início, queriam agora que todos os convertidos se afiliassem à igreja deles. No entanto, penso que a maioria dos convertidos não concordavam em ser batizados por imersão, embora, de nossa parte, não houvesse nenhuma restrição a essa forma de batismo.

Finalmente, falei à congregação no domingo: "Os irmãos estão vendo a situação. O trabalho em busca de conversões foi interrompido e, pelo que sabemos, não tem havido mais conversão alguma nessas últimas seis semanas. E os irmãos sabem a razão disso". Não lhes contei que o pastor da igreja batista deixara de cumprir sua palavra, pois isso não seria de nenhum proveito. Pelo contrário, seria muito prejudicial deixar o povo ciente de que o pastor era o culpado por toda aquela situação. Em vez disso, propus à congregação: "Não quero usar o tempo reservado à pregação dominical para falar desse assunto. Se vocês quiserem estar aqui na quarta-feira, à uma da tarde, trazendo Bíblia e lápis para marcar as passagens que vamos estudar, lerei para vocês os textos bíblicos que se relacionam com as formas de batismo, de acordo com o que entendo. Apresentarei, também, os pontos de vista defendidos por nossos irmãos batistas a respeito dessas passagens, comparando-os com meu modo de pensar. Assim, poderão julgar por vós mesmos para saberem com quem está a verdade".

Na quarta-feira, o salão estava lotado. Notei que havia entre os presentes muitos irmãos batistas. Li todas as passagens que faziam alguma referência a formas de batismo, começando pelo Antigo Testamento e depois indo para o Novo. Apresentei a interpretação que os batistas faziam daqueles textos e os motivos que davam para isso. Em seguida, coloquei diante da congregação minha interpretação pessoal e as razões para defendê-la. Vi que causara boa impressão nos ouvintes. Não percebi nenhum espírito desfavorável entre eles e pareciam satisfeitos com minhas explicações. Descobri que havia levado exatamente três horas e meia para ler e explicar aquelas passagens das Escrituras. Pelo que fiquei sabendo, os irmãos batistas ficaram, também, satisfeitos por eu ter apresentado com imparcialidade e firmeza aquilo que eles mesmos colocariam como sua interpretação doutrinária, bem como as razões que tinham para isso. Antes de encerrar a reunião, comuniquei: "Se os irmãos quiserem estar aqui amanhã, no mesmo horário, à uma da tarde, lerei para vocês as passagens bíblicas que dizem respeito às pessoas que devem ser batizadas e tratarei o assunto da mesma forma em que tratei o de hoje".

No dia seguinte, o salão ficou mais lotado que na véspera — se é que isso era possível. Um número considerável dos mais destacados irmãos batistas estava presente e vi sentado na congregação aquele ministro idoso, o grande líder do proselitismo. Após a parte introdutória do culto, coloquei-me em pé e comecei a ler as passagens bíblicas que havia selecionado. Nesse momento, o pastor batista levantou-se e falou:

— Sr. Finney, tenho um compromisso assumido para agora e não posso permanecer aqui e ouvir o que o irmão vai ler. Mas, desejo responder às suas considerações. Poderia saber quais argumentos serão apresentados pelo irmão?

— Pastor, tenho diante de mim um pequeno esboço com todas as passagens que pretendo ler e com os assuntos que pretendo debater, colocados em ordem. Pode ficar com o esboço, se assim desejar e responder aos conceitos que anotei.

Em seguida, ele saiu — supus que para cumprir seu compromisso. Comecei, então, em Gênesis, abordando o assunto da aliança feita com Abraão e li tudo que o Antigo Testamento dizia sobre a relação das famílias e seus filhos com aquela aliança. Apresentei o conceito batista das passagens que lera lado a lado com minhas opiniões, com todos os prós e contras, conforme fizera no dia anterior. Em seguida, abri a Bíblia no Novo Testamento e passei a ler todas as passagens relacionadas com o assunto. Os ouvintes começaram a ser tocados e as lágrimas fluíram muito copiosamente quando exaltei aquela aliança, comparando-a com a aliança que Deus faz com os pais e seus familiares hoje. A congregação mostrou-se muito comovida.

Descobri que gastara, também, exatamente três horas e meia na leitura e exposição das passagens que diziam respeito às pessoas que devem ser batizadas. Pouco antes de eu terminar, um dos diáconos da igreja presbiteriana precisou sair do salão, levando consigo uma criança que ali havia ficado sentada durante toda a reunião. Ele contou-me, posteriormente, que, ao sair para o saguão do templo, vira aquele pastor idoso sentado ali, escutando o que eu dizia pela porta semi-aberta e chorando copiosamente.

Terminada a palestra, as pessoas aglomeraram-se ao meu redor e agradeceram-me, com lágrimas, por aquela exposição tão clara e satisfatória do assunto. Devo dizer que estavam presentes à reunião não somente os cristãos, mas, também membros da comunidade em geral. As duas palestras deixaram decidida a questão do batismo. Fiquei sabendo que, enquanto o povo se retirava, um dos principais homens da aldeia, que fora espiritualmente convencido, mas, tivera a atenção desviada pelo debate a respeito do batismo, disse ao idoso ministro: "Pastor, o irmão deve estar envergonhado de si mesmo. Veio para cá como um mestre da religião, mas, sempre nos ensinou que a aliança feita com Abraão era uma aliança de obras, não de graça. Provocou toda essa agitação com sua ignorância a respeito dos ensinos bíblicos sobre o batismo. Como batista professo, o irmão demonstrou que não entende do assunto. Já tinha ouvido o irmão e agora ouvi o sr. Finney e ficou claro que o irmão está errado e que ele está com a razão".

Creio que aquele pastor saiu da região imediatamente. Que eu saiba, nenhum outro convertido foi afiliar-se à igreja batista. A questão foi solucionada com a devida compreensão de todos e logo ninguém mais falava no assunto. Poucos dias depois, a congregação voltou a viver em espírito de oração e o avivamento continuou avançando com grande poder. Não muito tempo depois, as ordenanças foram administradas e muitos dos convertidos afiliaram-se à igreja. Várias famílias batistas que haviam acompanhado meus estudos bíblicos vieram unir-se à igreja presbiteriana e batizei seus filhos menores.

Já dei a entender que estava hospedado na casa do sr. Benjamin Smith. Esse irmão tinha uma família muito interessante. Com a esposa, que todos chamavam Tia Lucy, ele não tinha filhos. No entanto, pelo desejo ardente que mantinham no coração, de tempos em tempos adotavam uma criança, até completar o número de dez. As crianças eram quase todas da mesma idade. Quando o avivamento começou, a família era formada pelo sr. Smith, por Tia Lucy e por dez jovens, penso que igualmente divididos entre moças e rapazes. Todos se converteram em pouco tempo, sendo que sua conversão foi notável.

Aqueles jovens tinham uma fé admirável e eram muito inteligentes. Depois que todos se converteram, passaram a ser a família mais feliz e adorável que conheci. Tia Lucy, no entanto, aceitara a Cristo antes do avivamento. Nunca experimentara o frescor, a força e a alegria dos que se converteram durante aquele período de grande poder. A fé, o amor, a alegria e a paz daqueles jovens colocaram-na num grande embaraço. Ela começou a pensar que nunca se convertera de fato e, embora se dedicasse de todo o coração àquela obra, nasceu em seu íntimo um sentimento de desespero que resistia a tudo que pudéssemos dizer ou fazer.

Esse fato trouxe muita dor e preocupação à família. O marido temia que ela enlouquecesse. Os jovens, que a tratavam como mãe, ficaram muito preocupados com ela e a casa encheu-se de tristeza. O irmão Smith passava muito tempo conversando e orando com ela na tentativa de reacender-lhe a esperança. Conversei com Tia Lucy em várias ocasiões. Contudo, diante da brilhante luz lançada ao seu redor pela experiência de conversão daqueles jovens e do que diariamente ouvia deles, ela não conseguia acreditar que já era convertida ou que pudesse converter-se. A situação continuou dia após dia, até eu mesmo achar que ela enlouqueceria.

A rua em que os Smiths moravam era cheia de casas, quase como uma aldeia de quatro quilômetros de comprimento. A obra do avivamento espalhara-se de tal maneira ali que, de toda a vizinhança, apenas uma pessoa não se convertera: um jovem chamado Bela Hough, que se opunha de modo insano ao avivamento. Quase todos estavam orando por ele e seu caso era comentado por praticamente todas as pessoas do lugar. Certo dia, entrei em casa e encontrei Tia Lucy muito preocupada com aquele jovem, falando ao sr. Smith:

— Que pena! Qual será o destino desse jovem? Ele certamente perderá sua alma!

Refleti sobre as palavras de Tia Lucy alguns momentos, depois olhei para ela com seriedade e falei:

— Quando você e Bela Hough morrerem, Deus terá de fazer um compartimento no inferno para que você fique separada dele.

Ela arregalou os grandes olhos azuis e dirigiu-me um olhar de reprovação:

— Que está dizendo, sr. Finney?!

— É isso mesmo — confirmei. — Você acha que Deus cometeria a grande injustiça de colocar você e Bela Hough no mesmo lugar? Aí está ele, enfurecido com Deus, enquanto você quase enlouquece de desgosto pelas blasfêmias que ele profere contra o Senhor e de preocupação com a alma dele. Ora, você acha que duas pessoas em situações tão opostas podem ser enviadas para o mesmo lugar?

Enfrentei com calma o olhar de reprovação da sra. Smith e encarei-a com firmeza. Momentos depois, suas feições relaxaram e ela conseguiu sorrir, pela primeira vez em muitos dias.

— É isso mesmo, querida — interferiu o sr. Smith. — Como você e Bela Hough podem ir para o mesmo lugar?

Ela riu e respondeu:

— Não podemos.

A partir daquele momento, seu desespero dissipou-se e ela passou a mostrar-se tão segura da salvação e feliz quanto os jovens ao redor dela. Mais tarde, Bela Hough converteu-se a Cristo.

A pouco mais de um quilômetro da casa do sr. Smith, morava um certo sr. Martin, universalista de tradição que mantinha distância de nossas reuniões. Certa manhã, o irmão Nash, que na ocasião estava hospedado comigo na casa do sr. Smith, levantou-se bem cedo, como sempre fazia e foi orar num bosque a uns 250 metros fora da estrada. O sol ainda não nascera e o irmão Nash, como de costume, estava profundamente concentrado na oração. Era uma daquelas manhãs de céu claro, em que os sons podem ser ouvidos a uma distância considerável. O sr. Martin, que bem no começo da manhã também se achava fora de casa, ouviu a voz do irmão Nash. Conforme declarou mais tarde, sabia que se tratava de oração, embora não percebesse nitidamente o que era falado. Mas, sabia o que era e quem era e foi como se uma flecha se alojasse em seu coração. Veio sobre ele a consciência de sua realidade espiritual, como até então nunca experimentara. Aquela flecha cravara-se em sua alma e ele não encontrou alívio até abraçar a fé em Jesus.

Não sei exatamente quantos se converteram durante aquele avivamento. Tratava-se de uma grande cidade agrícola, cujos habitantes desfrutavam de boas condições de vida. Estou certo de que a maioria deles converteu-se a Cristo na época. Conforme fui informado, os batistas demitiram seu pastor após minha partida, pois ele tornara-se mal visto por causa de sua postura diante do avivamento. Abriram mão das reuniões que eram feitas separadamente e passaram a realizar os cultos com os presbiterianos na mesma casa. Assim permaneceram, se não estou enganado, cerca de dois anos, até que voltaram a realizar os cultos em separado. Faz muitos anos que não visito aquela aldeia. Mas, recebo notícias freqüentes de lá e elas dão conta de que a situação espiritual se mantém saudável e que nunca mais houve debate a respeito do batismo.

As doutrinas ensinadas na promoção do avivamento eram as mesmas pregadas por mim em todos os lugares por onde eu passava: a total depravação moral e voluntária do homem não regenerado; a necessidade de uma mudança radical de mentalidade por meio da verdade e da operação do Espírito Santo; a divindade e humanidade de nosso Senhor Jesus Cristo; sua expiação vicária, suficiente para satisfazer todas as necessidades do ser humano; o dom, a divindade e a operação do Espírito Santo; o arrependimento, a fé, a justificação pela fé e a santificação pela fé; a persistência na santidade como condição para a salvação — na verdade, todas as doutrinas distintivas do evangelho foram apresentadas com tanta clareza, aplicação e poder quanto me era possível apresentá-las.

Prevalecia um espírito de oração. E, depois do debate sobre o batismo, passou a dominar, também, um espírito de unidade, amor fraternal e comunhão cristã. Finalmente, posso dizer que nunca censurei publicamente os irmãos batistas pela oposição que fizeram ao avivamento. Nas palestras que fiz a respeito do batismo, o Senhor capacitou-me a manter um ambiente espiritual, onde nenhum espírito de controvérsia prevaleceu. O debate não produziu nenhum mau resultado. Penso que dele só colhemos bons frutos.

 

José Mateus
zemateus@msn.com

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