MEMÓRIAS DE CHARLES FINNEY

CAPÍTULO XXI

O AVIVAMENTO EM ROCHESTER, NOVA YORK 1830

Saí de Nova York e passei umas poucas semanas em Whitestown. Havia recebido convites para voltar a Filadélfia e também a Nova York. Era comum as pessoas instarem comigo para que eu fosse a muitos lugares e eu ficava bastante constrangido, procurando descobrir o que fazer. Entre outros convites, recebi um insistente pedido da Terceira Igreja Presbiteriana em Rochester, da qual o irmão Parker havia sido pastor: queriam que eu preenchesse, por algum tempo, a vaga deixada por ele. Procurei obter informações sobre a situação daquela igreja e descobri que, por várias razões, seria um campo de trabalho pouco promissor.

Havia somente três igrejas presbiterianas em Rochester. A Terceira Igreja, que me fizera o convite, estava sem pastor e seu estado espiritual era de desânimo. A Segunda Igreja Presbiteriana, ou a "Igreja de Tijolos", como era chamada, tinha um pastor — homem excelente, mas havia considerável divisão de opiniões na igreja quanto às suas pregações. Isso o desgostava e ele estava para deixar o pastorado. Existia uma controvérsia entre um presbítero da Terceira Igreja e o pastor da Primeira Igreja, que estava para ser julgada diante do presbitério. Essa questão e outras tantas haviam criado um estado de ânimo pouco cristão nas duas igrejas, em grau considerável e, por isso, aquele campo de trabalho pareceu-me proibitivo.

Meus amigos que moravam em Rochester estavam muito desejosos de levar-me para lá — refiro-me aos membros da Terceira Igreja. Por estar sem pastor, sentiam que corriam o risco de dispersar-se, até mesmo de serem extintos como igreja, se algo não acontecesse para reavivar a espiritualidade entre eles. Tendo diante de mim tantos convites urgentes provenientes de tantos lugares, sentia-me, como acontecia freqüentemente, profundamente desconcertado.

Permaneci na casa de meu sogro e considerei o assunto até sentir que precisava decidir-me por algum lugar. Assim, fizemos nossas malas e fomos a Utica, que distava cerca de 12 quilômetros da casa de meu sogro. Ali, eu tinha muitos amigos que se dedicavam à oração. Chegamos à tarde e, ao anoitecer, um número considerável de irmãos da liderança em cujas orações e sabedoria eu sentia bastante confiança, reuniu-se, a meu pedido, para sondagem e oração sobre o meu próximo campo de trabalho. Coloquei diante deles todos os fatos referentes a Rochester e, com base nas informações que eu tinha, expus a situação dos campos mais importantes, para os quais estava sendo convidado. Rochester parecia ser o menos convidativo de todos.

Depois de examinar a questão inteira e após vários períodos de oração alternados com troca de idéias, cada um emitiu sua opinião a respeito do rumo que deveria tomar. Foram unânimes na opinião de que Rochester era um campo pouco convidativo comparado com Nova York ou Filadélfia ou com outros campos pelos quais eu estava sendo convidado. Eram firmes na convicção de que, de Utica, eu deveria ir para o Leste e não para o Oeste. Na ocasião, esse também era o meu parecer. Quando saí da reunião, entendi que estava decidido que eu não iria para Rochester e sim para Nova York ou Filadélfia.

Isso aconteceu antes de existirem as estradas de ferro. E, quando nos despedimos naquela noite, eu planejava fazer a viagem de barco pelo canal — meio de transporte mais conveniente para uma família — e partir de manhã para Nova York. Depois de me recolher ao meu aposento, porém, a questão veio a minha mente de outra maneira. Algo parecia questionar-me: "Que razões te impedem de ir a Rochester?" Não tive dificuldade nenhuma em enumerá-las, mas então veio a pergunta: "Mas essas são boas razões? Sem dúvida, sua presença é necessária em Rochester, mais ainda por causa dessas dificuldades. Estaria você evitando esse campo por existirem ali muitas coisas a serem corrigidas, por haver ali tanta coisa errada? Ora, se tudo estivesse correndo bem, seu trabalho não seria necessário naquela cidade".

Não demorei a chegar à conclusão de que todos nós estávamos errados e que as razões apresentadas contra minha ida a Rochester eram na realidade as que mais a favoreciam. Cheguei à conclusão de que eu faria mais falta em Rochester que em qualquer outro dos campos que se abriam diante de mim. Senti vergonha de me ter esquivado de trabalhar naquela cidade por causa das dificuldades. O Senhor infundiu em minha mente a certeza de que estaria comigo e que aquele deveria ser meu campo de trabalho.

Antes de me acomodar para dormir, estava totalmente convencido de que Rochester era o lugar para onde o Senhor queria que eu fosse. Informei minha mulher a respeito da decisão que eu tomara e, assim, de manhã cedo, quando ainda pouca gente circulava nas ruas, embarcamos no navio do canal e fomos para o Oeste, ao invés de ir para o Leste. Chegamos então a Rochester. Fiquei sabendo depois que os irmãos de Utica ficaram grandemente surpreendidos ao tomar conhecimento dessa mudança de rumo e aguardavam com muita solicitude o resultado de minha decisão.

Chegamos a Rochester de manhã cedo e fomos convidados a alojar-nos, a princípio, na casa do irmão Josiah Bissell, presbítero principal da Terceira Igreja, que levara ao presbitério uma queixa contra seu pastor, o dr. Penny. Ao chegar ali, encontrei-me na rua com meu primo, Frederick Starr, que me ofereceu hospedagem em sua casa. Era um dos presbíteros na Primeira Igreja e, ao ficar sabendo que me esperavam na cidade, ficou muito desejoso de que seu pastor, o dr. Penny, se encontrasse comigo a fim de combinarmos como ele poderia cooperar nas atividades que eu desenvolveria na cidade.

Recusei o bondoso convite para nos hospedarmos em sua casa, informando-lhe que seria hóspede do sr. Bissell. Logo depois do café da manhã, Frederick veio avisar-me que combinara uma entrevista entre mim e o dr. Penny na casa deste e que o pastor estava me esperando. Apressei-me em encontrar-me com o doutor e tivemos um encontro animador. Quando comecei a trabalhar, o dr. Penny compareceu às nossas reuniões e logo convidou-me para pregar em sua igreja. O sr. Starr esforçou-se para levar a efeito um bom entendimento entre os pastores e as igrejas e logo se manifestou uma boa mudança na atitude e no estado espiritual do povo.

Em pouco tempo, houve algumas conversões notáveis. A mulher de um advogado de destaque na cidade foi uma das primeiras conversões a causar admiração. Era uma dama de alta posição, bem conhecida, culta e de ampla influência. Na primeira vez que a vi, uma de suas amigas acompanhou-a até onde eu estava e a apresentou a mim. A senhora que a apresentou era cristã e descobrira que a outra estava com a consciência muito atormentada e a persuadira a vir falar comigo.

A sra. Matthews era uma mulher mundana, muito festeira, freqüentadora e apreciadora dos eventos sociais. Contou-me, posteriormente, que se lamentara grandemente quando soube que eu havia chegado à cidade, pois um avivamento ali iria prejudicar os prazeres e as diversões prometidas para aquele inverno. Ao conversar com ela, descobri que o Espírito do Senhor estava lidando com ela sem poupá-la. Sentia o peso de uma forte convicção de pecado. Depois de falar bastante com ela, insisti em que se entregasse a Cristo ali mesmo, renunciando ao pecado, ao mundo, a si mesma e a tudo o mais, a favor de Cristo. Percebi que ela era uma mulher muito orgulhosa e tive a impressão de ser essa a característica mais marcante do seu caráter.

Ao encerrar a conversa, ajoelhamo-nos para orar. Pensando no orgulho que ela denotava ter no coração, recitei o texto bíblico: "... a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus", (Mt 18.3). Parecia que o espírito de oração me levava irresistivelmente a essa passagem. Revirei o assunto durante a oração e quase de imediato ouvi a sra. Matthews, ajoelhada ao meu lado, repetindo aquele texto: "... a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças... como crianças... a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças..!".

Notei que a mente dela estava tomada pela mensagem do texto e que o Espírito de Deus o aplicava ao seu coração. Por isso, continuei a orar e a manter esse assunto diante da sra. Matthews, apresentando a Deus a necessidade que aquela senhora tinha de tornar-se como criança, deixando de lado a soberba. E eu sentia que Deus estava atendendo à minha oração. Tinha certeza disso — em minha mente não existia nenhuma dúvida de que o Senhor estava realizando a obra que eu lhe pedira. E o coração da sra. Matthews quebrantou-se. Suas emoções eram lançadas com ímpeto para fora e, antes que nos levantássemos, ela havia-se tornado realmente como uma criança.

Quando acabei de orar, abri os olhos e olhei para ela. Seu rosto estava virado para o céu e as lágrimas desciam pela face. Permanecia em atitude de oração. Quando se levantou, demonstrou estar em perfeita paz, firme numa fé jubilosa. Então ela retirou-se. Dali em diante, era sincera em suas convicções religiosas e zelosa pela conversão das amigas. É lógico que a sua conversão produziu grande alvoroço nos círculos aos quais ela pertencia.

A não ser em raras ocasiões, antes de ir para Rochester eu nunca usara o chamado "banco dos aflitos". Às vezes, pedia às pessoas interessadas em mudança espiritual que se colocassem de pé, mas colocá-las num banco especial, à frente da congregação, raramente eu fazia. No entanto, ao pensar no assunto sentia a necessidade de alguma medida que levasse os pecadores a tomar uma posição. Com base em minha experiência e observação, sabia que, principalmente entre a classe alta da sociedade, o maior obstáculo a ser vencido era o receio de serem reconhecidos como pessoas espiritualmente necessitadas. O orgulho impedia-as de adotar qualquer atitude que revelasse a ansiedade de sua alma.

Descobrira ainda que era necessário algo além do que eu já fazia para conscientizar aquelas pessoas da necessidade de entregarem, ali mesmo, o coração a Jesus; algo que as levasse a confessar seus pecados da mesma forma em que os haviam praticado: diante de todos; algo que mostrasse abertamente que estavam comprometidas com Cristo; algo que as levasse a declarar publicamente que estavam abandonando sua vida pecaminosa e dedicando-se a Jesus Cristo. Quando as conclamava simplesmente a ficar de pé no meio da congregação, isso surtia bom efeito e, dentro de suas limitações, serviria o propósito. Mesmo assim, durante algum tempo, senti que algo mais era necessário para tirá-las do meio dos ímpios e fazê-las renunciar a seus caminhos pecaminosos para se dedicarem inteiramente a Deus.

Se estou bem lembrado, foi em Rochester, muitos anos depois de ter sido levantado o grito contra os "Novos Métodos", que adotei essa prática pela primeira vez. Poucos dias depois da conversão da sra. Matthews, fiz um apelo — penso que pela primeira vez — a todas as pessoas cujas convicções eram maduras a ponto de renunciarem de imediato os seus pecados e entregarem-se a Deus para que viessem à frente, ocupassem os assentos que a meu pedido haviam sido esvaziados e se entregassem a Deus enquanto orávamos por elas. Veio à frente um número de pessoas bem maior do que eu esperava, entre elas outra senhora de considerável destaque na sociedade e várias de suas amigas, as quais pertenciam ao mesmo círculo social.

Esse fato aumentou a emoção e interesse entre aquela classe de pessoas e rapidamente se percebia que o Senhor estava visando à conversão dos membros da alta sociedade. As reuniões de avivamento não demoraram a encherem-se de pessoas daquela classe social. Advogados, médicos, comerciantes — todos passaram a interessarem-se cada vez mais pelo avivamento e eram facilmente convencidos a entregar o coração a Deus. Em pouco tempo, a obra passou a produzir efeito entre os advogados da cidade — boa parte dos principais advogados do estado residiam em Rochester. A obra alcançou muitos deles com rapidez. Mostravam-se ansiosos e participavam abertamente em nossas reuniões. Muitos deles sentavam-se no "banco dos aflitos" — como passou a ser chamado — e publicamente entregavam o coração a Deus.

Lembro-me de que, certa noite depois da pregação, três deles seguiram-me até meu quarto, todos demonstrando profunda convicção de pecado. Creio que os três se haviam sentado no "banco dos aflitos", porém não tinham entendido todos os aspectos da mensagem e achavam que não podiam voltar para casa sem a certeza de que estavam em paz com Deus. Conversei e orei com eles e creio que, antes de voltar para casa, todos receberam a paz e creram no Senhor Jesus Cristo.

Preciso mencionar que, bem pouco tempo depois do início da obra, foram sanadas as dificuldades que havia entre o irmão Bissell e o dr. Penny. Todos os desentendimentos e conflitos foram resolvidos, de modo que um espírito de bondade e fraternidade permeava todas as igrejas. Digo isso, é claro, com base do que eu tinha conhecimento.

A obra continuava a progredir. Certo dia, fiquei de pregar na Primeira Igreja. Naquele dia, tinha havido um desfile militar. Os militares foram convocados e eu receava que a emoção do desfile desviasse a atenção do povo e prejudicasse a obra do Senhor. O recinto estava bem cheio de gente, excedendo a sua capacidade. O dr. Penny fez a introdução do culto e dirigia a primeira oração quando ouvi algo que parecia um tiro de fuzil e o tilintar de vidro, como se uma janela tivesse sido quebrada. Imaginei que algum dos recrutas havia atirado do lado de fora, tão perto da janela que quebrou o vidro. E, antes que eu tivesse tempo para pensar em mais alguma coisa, o dr. Penny deu um salto, passando por cima de mim — eu estava ajoelhado junto ao sofá atrás dele.

O púlpito ficava na parte dianteira do salão de cultos, entre as duas portas de entrada. Os fundos da igreja chegavam até a beira do canal. A congregação entrou em pânico e todos corriam como loucos para alcançar as portas e as janelas. Uma senhora idosa manteve levantada uma janela nos fundos e, por ali, segundo fui informado, várias pessoas pularam no canal. A correria foi generalizada. Alguns pularam das galerias para os corredores do primeiro piso. Outros correram de fileira em fileira, pulando sobre os corrimões e tropeçando uns nos outros nos corredores. Fiquei em pé no púlpito, um tanto confuso. Levantei as mãos e gritei o mais alto que pude: "Acalmem-se! Acalmem-se!". Foi quando duas senhoras subiram correndo a plataforma e se agarraram em mim, cada uma de um lado, totalmente transtornadas. O dr. Penny correu para a rua e as pessoas corriam para todas as direções.

Não percebendo nenhum perigo, a cena pareceu-me tão cômica que só com muito esforço eu conseguia reprimir o riso. Corriam por cima uns dos outros nos corredores e alguns, ao levantarem-se, derrubavam outros, mais fracos, que tropeçavam neles. Todos saíram apavorados do recinto numa correria desenfreada. Vários machucaram-se consideravelmente, mas ninguém morreu. No salão de cultos, espalhavam-se restos de roupas de todos os tipos, especialmente femininas. Algumas mulheres tiveram pedaços dos vestidos arrancados perto das bainhas. Chapéus, xales, luvas, lencinhos e pequenos pedaços de saia estavam espalhados no chão. Fiquei sabendo que grande quantidade de acessórios femininos fora deixada também nos corredores e em várias partes do templo. Parece-me que a maior parte dos homens havia saído sem pegar o chapéu. Muitas pessoas sofreram contusões no terrível tumulto.

Fui informado mais tarde de que, havia tempo, as paredes do templo estavam cedendo por causa da umidade do terreno próximo do canal. O templo era construído em pedra, por isso, suas paredes eram muito pesadas. O chão era de barro e o edifício estava ruindo. A congregação fora avisada de que o templo não se encontrava em boas condições e alguns temiam que a torre ou o telhado caísse ou que as paredes entrassem em colapso. Eu, porém, nada sabia desse perigo. O barulho que escutara do púlpito fora produzido por uma viga que caíra do telhado com a ponta para baixo e irrompera pelo estuque, bem acima da lâmpada que ficava diante do órgão. O estuque quebrou a lâmpada e foi esse o barulho de vidro quebrado que ouvi.

O povo, temendo o pior, ficou alarmado e precipitou-se para fora da maneira que acabo de descrever. O dr. Penny disse que, quando a viga caiu, abriu os olhos e, pensando que o telhado iria cair, pulou do púlpito e correu tão rápido quanto pôde. Um exame pericial mostrou que as paredes do templo haviam-se afastado de tal maneira do prumo que realmente havia perigo de o telhado implodir. A pressão na galeria, noite após noite, era tão grande que as paredes estavam sendo empurradas para fora. Se isso acontecesse, haveria muitos feridos.

Por causa do acidente, fiquei apreensivo — e creio que outras pessoas também — temendo que a obra fosse prejudicada. O tumulto fora muito grande. Além disso, tornou-se impossível a realização de cultos naquele templo. No entanto, parece que o trabalho nada sofreu com isso. O Espírito do Senhor assumira com seriedade a obra e nada parecia impedi-la.

A "Igreja de Tijolos" foi imediatamente franqueada e seu pastor, por esse tempo, demitiu-se e foi para outro campo. A partir de então, os nossos cultos alternavam-se entre a Segunda e a Terceira Igreja Presbiteriana, sendo que os membros da Primeira Igreja e de suas congregações freqüentavam os cultos, dentro das possibilidades de acomodação. Assim, as três igrejas presbiterianas e, na realidade, os crentes de todas as denominações pareciam apoiar a causa unidos em seus esforços, pondo mãos à obra com o máximo de entusiasmo para arrancar os pecadores do fogo eterno. Éramos obrigados a realizar cultos quase que ininterruptamente. Eu pregava quase todas as noites e três vezes aos domingos. Depois de a obra avançar poderosamente, passamos a realizar reuniões para os interessados em avivamento espiritual.

Lembro-me de certa manhã, em uma dessas reuniões, em que se converteu o genro de uma mulher piedosa e de muita oração, a qual pertencia à Terceira Igreja. Ela sentia-se muito aflita a respeito dele e passava muito tempo orando por sua salvação. Quando ele voltou da reunião, estava cheio de alegria, paz e esperança. Ela estava orando na hora da reunião, rogando a Deus que o levasse à conversão naquela manhã. Logo que ele chegou em casa e lhe revelou que se havia convertido, ela viu em seu rosto que realmente ele fora transformado. A emoção foi tanta que ela desmaiou, vindo a falecer imediatamente. Esse foi um fato notável que acabou por despertar nos membros da igreja o respeito pelas coisas espirituais.

Outro homem, que morava no lado oeste do rio quase dois quilômetros abaixo da cidade, ficou sob forte convicção de pecado durante vários dias e acabou por converter-se de modo repentino e poderoso. Foi tão forte a reação em sua mente e tão transbordante sua alegria que ele também caiu morto.

Havia na época uma escola secundária em Rochester, presidida pelo sr. Benedict, filho de Abner Benedict, pastor da igreja em Brighton, que ficava nas proximidades de Rochester. O sr. Benedict era cético, mas dirigia uma escola secundária muito grande e bem-sucedida, para rapazes e moças. A srta. Allen, uma mulher cristã, era assistente e sócia do sr. Benedict. Os alunos freqüentavam os cultos, e muitos deles não demoraram a sentirem-se preocupados com a situação da própria alma. Certa manhã, o sr. Benedict verificou que os alunos não conseguiam recitar a lição. Quando chamava um aluno à frente, este mostrava-se tão ansioso que chorava. Era evidente que estavam abalados com a própria situação espiritual. Aquilo deixou o sr. Benedict confuso. Ele chamou sua assistente, a srta. Allen, e contou-lhe que as moças e os rapazes estavam tão fragilizados espiritualmente que não conseguiam recitar a lição e perguntou-lhe se não seria melhor chamar o sr. Finney para falar com eles.

A srta. Allen informou-me da situação e disse ter ficado muito contente com a consulta que o sr. Benedict lhe fizera. Muito cordialmente, ela aconselhou-o a mandar-me chamar. Assim ele fez e o avivamento espalhou-se poderosamente por toda a escola. O próprio sr. Benedict não demorou a converter-se a Cristo e quase todos os alunos também. Há alguns anos, a srta. Allen informou-me de que mais de quarenta pessoas que se converteram naquela escola se tornaram ministros — ou missionários no exterior — não lembro bem. Eu não tinha conhecimento desse fato, mas quando ela me revelou os nomes dos convertidos, reconheci grande parte deles. Eram obreiros que trabalhavam em missões no exterior.

Depois de permanecer umas poucas semanas na casa de Josiah Bissell, hospedamo-nos na casa do sr. Beach, advogado e cristão professo, o qual morava no centro da cidade. Sua cunhada também morava ali e não era convertida. Tinha belíssima aparência, cantava primorosamente e era mulher culta. Ficamos sabendo que era noiva do juiz Addison Gardiner, que atuava na Suprema Corte do estado, um homem muito orgulhoso que recusava sentar-se no "banco dos aflitos" e até o criticava. No entanto, ausentava-se muito da cidade a serviço e não se converteu naquele inverno. Muitos dos advogados, no entanto, se converteram e com eles sua jovem noiva. Cito aqui esse fato porque os dois casaram-se. Sem dúvida, isso o levou à conversão, cerca de dez anos após o casamento. Os pormenores desse acontecimento serão narrados por mim em outra parte deste livro, segundo sua ordem cronológica.

O avivamento produziu grande transformação no estado moral e na história de Rochester. A maioria dos homens e mulheres de destaque na sociedade converteu-se. Ocorreram muitíssimos fatos notáveis, dos quais não me esquecerei tão cedo.

Certo dia, aquela senhora que me visitou — cuja conversão já mencionei — voltou com uma amiga com quem desejava que eu conversasse. Falei com ela, porém tive a nítida impressão de que seu coração era endurecido e que ela tratava os assuntos espirituais com leviandade. O marido era comerciante e eram pessoas de alta posição na comunidade. Insisti em que considerasse a questão espiritual com seriedade, mas ela respondeu que não o faria porque o marido não se importava com isso e ela não iria agir separadamente dele. Perguntei-lhe se estava disposta a ir para a perdição eterna só porque o marido rejeitava a fé, se não era tolice negligenciar a própria alma só porque ele também agia dessa forma com a dele. Ela respondeu, sem a mínima hesitação: "Se ele for para o inferno, quero ir também. Quero ir para onde ele for. Não quero ficar separada dele em hipótese alguma".

Pareceu-me que eu não conseguira causar nenhuma impressão nela. Estava decidida a seguir o marido — se ele não aceitasse a salvação de sua alma, ela também não aceitaria. No entanto, noite após noite, fazia meus apelos à congregação, convidando para ir à frente os que estavam dispostos a entregar o coração a Deus e muitíssimas pessoas convertiam-se todas as noites. Fiquei sabendo que, quando aquela senhora chegou em casa, o marido disse-lhe:

— Querida, pretendo ir à frente hoje à noite e entregar meu coração a Deus.

— O quê?! — ela espantou-se. — Eu disse hoje ao sr. Finney que não me tornaria cristã e que não queria mais saber do assunto, que você não se tornaria crente nem eu tampouco e que, se você fosse para o inferno, eu o acompanharia.

— Pois bem! — exclamou ele. — Eu não pretendo ir para o inferno e já resolvi ir à frente esta noite entregar meu coração a Cristo.

Ela contestou:

— Nesse caso, nem sequer irei ao culto. Não quero ver isso acontecer. E se você, afinal de contas, resolveu tornar-se crente, pode ir. Eu não vou!

Ele chegou sozinho ao culto. O púlpito ficava entre as portas, na parte da frente do salão. O templo estava superlotado, mas ele encontrou um assento perto de um dos corredores, bem no fundo. No final do culto, como era meu costume, convoquei os que estavam preocupados com a própria alma e tinham tomado a decisão de ocupar os assentos ao redor do púlpito onde poderíamos apresentá-los a Deus em oração. Posteriormente, fiquei sabendo que, depois de o comerciante ter saído para ir ao culto, a mulher também foi, mas, não sabendo onde ele estava, subiu por outro corredor e tomou assento quase em frente ao lugar ocupado por ele.

Quando fiz o apelo, ele levantou-se de imediato. Ela, que procurava ver onde ele estava, viu-o levantar-se. Assim que o viu em pé, abrindo caminho pelo corredor apinhado para chegar ao lugar onde devia sentar-se, ela saiu andando pelo outro corredor, em direção ao púlpito. Encontraram-se diante do púlpito e ajoelharam-se para que orássemos por eles! Muitas pessoas, ali mesmo, alcançaram a esperança em Cristo — mas o casal não. Os dois voltaram para casa, sendo que cada um deles sentia-se orgulhoso demais para revelar ao outro sua decisão e não conseguiram dormir direito naquela noite.

No dia seguinte, acho que pelas dez da manhã, ele pediu para ver-me e foi ao meu quarto. Minha mulher ocupava um quarto de frente no segundo andar e eu, um quarto nos fundos, no mesmo andar, perto da escadaria. Enquanto eu conversava com ele, o empregado informou-me que uma senhora esperava para ver-me no quarto da sra. Finney. Pedi licença, pedindo ao visitante que me esperasse enquanto eu ia atendê-la. Descobri que se tratava da senhora que, na véspera, se mostrara tão teimosa, exatamente a mulher do cavalheiro que estava em meu quarto. Um não sabia que o outro viera visitar-me. Conversei com ela e descobri que estava a ponto de se entregar a Cristo. Fiquei sabendo, também, que ele, pelo que tudo indicava, estava na mesma condição.

Voltei, então, ao meu quarto e disse-lhe: "Vou orar com uma senhora que se encontra no quarto da sra. Finney. Se você quiser, poderemos ir juntos para orar com ela". Ele seguiu-me e viu que se tratava de sua mulher! Olharam um para o outro, surpresos, mas cada um ficou emocionado por ver o outro ali. Ajoelhamo-nos para orar e, pouco depois, ela começou a chorar e a orar em voz alta pelo marido. Parei de orar, para poder ouvi-la e percebi que ela perdera toda a preocupação consigo mesma e lutava pela conversão dele. O coração do marido parecia quebrantar-se e ceder, mas justamente naquele momento o sino tocou, chamando-nos para o almoço. Julguei que seria melhor deixá-los a sós. Por isso, fiz um sinal à minha mulher e levantamo-nos em silêncio. Descemos para o almoço, deixando os os dois ali. Almoçamos rapidamente e voltamos — e encontramo-los bem-humorados, amorosos e humildes, tanto quanto gostaríamos que estivessem.

Ainda não falei muita coisa a respeito do espírito de oração que prevalecia naquele avivamento e não quero deixar de mencioná-lo. Enquanto eu viajava para Rochester, ao passar por uma aldeia que ficava uns 48 quilômetros a leste de lá, um pastor, meu colega de ministério, vendo-me a bordo do barco que percorria o canal, pulou para dentro dele e veio conversar comigo. Ele tinha a intenção de viajar uma pouca distância e, depois, descer e retornar para onde estava. No entanto, interessou-se muito pela conversa e, ao saber para onde eu ia, resolveu acompanhar-me até Rochester. Tínhamos passado bem poucos dias ali e esse pastor foi tomado por tamanha convicção que, certo dia, andando na rua, não conseguiu evitar o choro em voz alta. O Senhor concedeu-lhe um espírito poderoso de oração e seu coração mostrou-se quebrantado.

Ele e eu orávamos muitas vezes juntos. Considerava notável sua fé quanto ao que o Senhor estava para fazer ali. Lembro-me de que ele dizia em sua oração: "Senhor, não sei como vai ser, mas vejo que vais realizar uma grande obra nesta cidade". O espírito de oração foi derramado poderosamente naquela cidade, tanto que algumas pessoas deixaram de vir aos cultos para permanecer em oração, por não conseguirem refrear seus sentimentos ao ouvir a pregação.

A esta altura da narrativa, preciso apresentar um homem, cujo nome ainda terei oportunidade de mencionar várias vezes: sr. Abel Clary. Era filho de um homem excelente, presbítero da igreja onde me converti. Converteu-se durante o mesmo avivamento em que fui levado à conversão. Fora licenciado para pregar, mas seu espírito de oração era tão forte e ele sentia tanto o peso espiritual pelas almas perdidas que não conseguia dedicar muito tempo nem empregar muito de suas forças à pregação da Palavra — gastava-os na oração. O peso que sentia sobre sua alma quase sempre era tão grande que ele não conseguia manter-se em pé, contorcia-se e gemia de aflição, de maneira espantosa. Eu o conhecia muito bem e sabia do maravilhoso espírito de oração que pairava sobre ele. Era homem muito calmo, como são quase todos os que têm esse poderoso espírito.

A primeira notícia que recebi de sua presença em Rochester foi por meio de um senhor que morava cerca de um quilômetro a oeste da cidade e que, ao visitar-me certo dia, perguntou se eu conhecia um pastor de nome Abel Clary. Respondi-lhe que o conhecia bem.

— Pois o sr. Clary está em minha casa há bastante tempo — disse ele. Não me lembro quanto tempo fazia, mas ele estava ali desde minha chegada a Rochester. Ele declarou:

— Não sei o que pensar a respeito dele.

— Não o vi em nenhum de nossos cultos — comentei.

— Ele diz que não dá para ir aos cultos. Fica em oração quase o tempo todo, de dia e de noite e em tamanha agonia que não dá para entender — explicou. — Às vezes, nem consegue manter-se firme nos joelhos e fica prostrado no chão, gemendo. Depois joga-se na cama, rolando de um lado para outro e geme e ora de uma forma que me deixa totalmente atônito.

Perguntei o que ele dizia. E ele respondeu:

— Não fala muita coisa. Diz não poder ir aos cultos, mas todo seu tempo é inteiramente dedicado à oração.

Então eu disse:

— Entendo isso, não se preocupe. Tudo dará em bem para ele. Naquele tempo, eu conhecia um número considerável de homens que tinham uma preocupação espiritual do mesmo tipo: o diácono Pond, de Camden, no condado de Oneida; o diácono Truman, de Rodman, no condado de Jefferson; o diácono Baker, de Adams, no mesmo condado; o sr. Clary. Muitos outros homens e mulheres compartilhavam o mesmo espírito e passavam boa parte de seu tempo em oração. O irmão Nash — ou Pai Nash, como o chamávamos — ministro que me visitou em muitos campos de trabalho e me ajudava, era outro que tinha o poderoso espírito de oração. O sr. Clary continuou em Rochester enquanto permaneci ali e não foi embora a não ser depois de minha partida. Nunca, pelo que consegui descobrir, apareceu em público, mas dedicava-se totalmente à oração.

Em Rochester, muitas pessoas apresentavam esse espírito agonizante de alma. Já mencionei que o aspecto moral das pessoas ali foi grandemente transformado pelo avivamento. Rochester era uma cidade nova, cheia de vigor e de empreendimentos — e também cheia de pecado. Seu povo era inteligente e bastante criativo, mas, à medida que o avivamento varria a cidade e convertia a maioria das pessoas mais influentes, homens e mulheres, era notável a transformação na ordem, na temperança e na moralidade dos cidadãos.

Num período subseqüente, que mencionarei no devido lugar desta narrativa, estava conversando com um advogado que se convertera nesse avivamento e que, posteriormente, foi nomeado procurador do distrito. Seu trabalho era fiscalizar os processos contra os criminosos. A posição que ocupava fez com que ele conhecesse toda a história do crime na cidade. Ao falar do avivamento durante o qual se convertera, ele contou-me, muitos anos depois: "Examinando os registros penais, descobri este fato notável: embora a população da cidade tenha triplicado desde o avivamento, o número de processos criminais não chega nem a um terço dos que existiam antes de ele ter começado. Portanto, a criminalidade diminuiu em dois terços, enquanto a população aumentou três vezes. É essa a influência maravilhosa que o avivamento operou na comunidade".

Realmente, pelo poder daquele avivamento, a consciência do povo foi reformulada. Os negócios públicos da cidade estão, em grande medida, nas mãos de homens cristãos. O caráter do povo tem sido moldado sob a graça de Cristo. E os negócios públicos são tratados de acordo com os princípios cristãos.

Entre outras conversões, não posso esquecer-me da de Samuel D. Porter, cidadão de destaque naquele local. Na época, ele mantinha uma livraria, em sociedade com o sr. Everard Peck, pai de nosso falecido professor Peck. O sr. Porter era um herege — não ateu, mas descrente da autoridade divina da Bíblia. Era homem de leitura, um pensador de mente aguçada e perspicaz e de caráter muito resoluto. Era, segundo meu julgamento, homem de boa moralidade exterior e um cavalheiro respeitado. Ele veio ao meu quarto certa manhã bem cedo e disse-me:

— Sr. Finney, existe muita agitação aqui no tocante à religião, mas sou cético e quero que o senhor me comprove a veracidade da Bíblia.

O Senhor capacitou-me, fazendo-me discernir imediatamente os pensamentos do sr. Porter, mostrando-me como lidar com ele. Perguntei-lhe:

— O senhor acredita na existência de Deus?

— Oh, sim! — ele respondeu. — Não sou ateu.

— Pois bem. E o senhor tem dado a Deus o tratamento devido? Tem respeitado sua autoridade? O senhor o tem amado? Tem feito o que acha que lhe agrada, com o propósito de realmente agradar-lhe? Reconhece que deve amá-lo e obedecer-lhe, à altura de seus melhores conhecimentos?

— Certamente — confirmou ele. — Reconheço tudo isso.

— Mas o senhor tem posto tudo isso em prática? — perguntei.

— Bem, realmente, não — ele admitiu. — Não posso dizer que tenho feito isso.

— Pois bem — respondi. — Por que eu lhe daria mais informações e mais iluminação, se o senhor não está querendo cumprir seu dever, que é andar na luz que já possui? Agora, quando o senhor resolver viver à altura de suas convicções e obedecer a Deus de acordo com a iluminação que possui; quando resolver arrepender-se da negligência que tem demonstrado até o presente e procurar agradar a Deus o melhor que puder pelo restante da sua vida, procurarei mostrar-lhe que a Bíblia provém de Deus. Até lá, nada disso terá a mínima utilidade para a sua vida.

Falei tudo isso de pé e acho que nem o convidei para sentar-se.

— Penso que isso é muito justo — disse ele. E saiu.

Não ouvi mais nada de sua parte, a não ser bem cedo, na manhã seguinte, quando ele chegou de novo ao meu quarto, pouco depois de eu haver-me levantado. Mal entrou, bateu palmas e exclamou:

— Sr. Finney, Deus operou um milagre! Desci à loja depois de sair daqui, pensando no que o senhor dissera e resolvi que me arrependeria do que sabia estar errado em meu relacionamento com Deus. Decidi viver à altura de meus conhecimentos. E, quando tomei essa firme decisão, minhas emoções me dominaram, tanto que caí. Talvez tivesse morrido se o sr. Peck, que estava comigo na loja, não me tivesse socorrido.

A partir de então, ele tem sido, conforme sabem todos quantos o conhecem, um crente sincero e de oração. Menciono esse caso em especial porque esse mesmo sr. Porter tem sido, durante muitos anos, um dos membros do conselho diretor da Faculdade de Oberlin, apoiando-nos em todas as nossas provações e ajudando-nos com toda a sua influência e com suas ofertas.

Os métodos utilizados na promoção daquele avivamento foram exatamente os mesmos dos avivamentos anteriores, excetuando-se, conforme já disse, o "banco dos aflitos", nome com que passou a ser conhecido posteriormente. Descobri que esse método, da maneira como previra, era uma poderosa influência para o bem. Se os que sentiam convicção de pecado não quisessem vir à frente para renunciar a sua situação pecaminosa e entregarem-se a Deus, esse fato revelaria o orgulho de seu coração. Se, porém, vencessem os obstáculos que se levantavam contra isso, dariam um grande passe no processo de sua própria conversão. E, conforme descobria continuamente, aquele era exatamente o passo que necessitavam dar. Quando a verdade lhes era revelada a ponto de se conscientizarem dela e o dever a ser cumprido era colocado diante deles antes de serem exortados a vir à frente, na grande maioria dos casos e conforme ficou constatado depois, eles realmente mantinham seu compromisso com Cristo.

Esse foi um dos meios usados pelo Espírito Santo para levá-los à submissão e à imediata aceitação de Cristo. Há muito tempo, minha opinião era de que a razão principal por que tão poucos se convertiam ao ouvir o pregador de viva voz, era que não se exigia deles submissão imediata. Os pastores tinham o hábito de pregar sermões que indicavam aos pecadores o seu dever, mas, no fim do sermão, revelavam-lhes que nada poderiam fazer sem que sua natureza fosse transformada pelo Espírito de Deus. Tinham tanto receio de desonrar a Deus que pensavam ser seu dever ressaltar diante do pecador sua dependência total do Espírito no final de cada sermão e de cada exortação ao arrependimento.

A doutrina da constitucionalidade do pecado, de o pecado fazer parte da natureza humana e da necessidade de essa natureza ser transformada pela influência física direta do Espírito Santo, compelia os pastores a lembrar aos pecadores a incapacidade destes em corresponder ao que Deus exigia deles e ao que os sermões os exortavam a fazer. Portanto, exatamente no momento em que o pecador precisava pensar em Cristo e no que precisava ser feito, sua atenção era desviada para a necessidade de sentir a influência divina a mudar a sua natureza e de esperar o Espírito de Deus agir sobre ela, como um choque elétrico, enquanto o pecador permanecia passivo. Dessa maneira, a mente da pessoa era obscurecida. E, diante de semelhante pregação, não era de admirar que tão poucas almas se convertessem.

O Senhor convenceu-me de que essa não era a maneira certa de lidar com os pecadores. Mostrou-me claramente que a depravação moral era forçosamente voluntária e que a ação divina na regeneração consistia em educar a alma com argumentos, persuasão e súplicas. Portanto, o caminho era colocar o dever do pecador nitidamente diante dele, para que o Espírito Santo o conclamasse a cumprir esse mesmo dever. Era também colocar Cristo diante dele e esperar que o Espírito Santo apresentasse ao pecador as coisas que podiam levá-lo a Jesus. Era ainda colocar diante do pecador os seus pecados e esperar que o Espírito Santo lhe mostrasse quão terrível era sua iniqüidade e o levasse voluntariamente a renunciar aos seus erros. Percebi com clareza que, para cooperar com o Espírito de Deus como agente inteligente nessa obra, eu precisava apresentar as verdades em que se devia crer, os deveres a serem cumpridos e as razões desses deveres.

É exatamente isto o que o Espírito está fazendo: levando o pecador a ver e entender a força dos argumentos apresentados pelo ministro e a veracidade dos fatos demonstrados por meio da pregação e deixando que o pecador tome consciência das verdades que lhe são apresentadas, a fim de induzi-lo a agir. Para mim, portanto, ficou claro que, justamente por essa altura, ressaltar diante do pecador que ele dependia inteiramente do Espírito de Deus era prejudicar a obra do Espírito e não promovê-la. O dever do ministro é exortar o pecador e o papel do Espírito é tornar eficaz essa exortação, a fim de levá-lo a vencer a sua oposição natural.

Para mim era totalmente irracional e absurdo conclamar o pecador a cumprir seu dever e revelar-lhe sua impossibilidade de fazê-lo, lembrar-lhe sua dependência do Espírito de Deus e demonstrar-lhe a necessidade de sua natureza ser primeiramente transformada e apontar as demais coisas que o impediam de dar o passo a que o Espírito de Deus o conclamava. Esse tipo de ensino leva o pecador a resistir ao Espírito de Deus, a aguardar passivamente que Deus faça alguma coisa para transformar todo o seu coração antes de se voltar para Deus. O erro fundamental está em supor que uma mudança de coração seja uma transformação física, em vez de uma transformação moral. Ou seja, uma mudança da natureza humana, em vez de um compromisso e preferência voluntários da mente.

Diante desse tipo de ensino, os pecadores sofriam tropeços constantes e quase nunca se convertiam ao ouvir um sermão. Se experimentassem convicção de pecado e se convertessem, forçosamente teriam de esquecer a teoria segundo a qual haviam sido instruídos, deixar fora de vista sua incapacidade e, por alguns momentos, sua dependência do Espírito de Deus para agir segundo as próprias convicções e em obediência à exortação do Espírito. A tarefa do Espírito é, em primeiro lugar, convencer o pecador do pecado, da justiça e do juízo vindouro e depois esclarecê-lo da necessidade do Salvador, apresentar-lhe o Salvador em sua natureza divina, atuação, relacionamento, expiação, misericórdia, disposição, prontidão e capacidade de salvar até o limite extremo. Dessa maneira, Cristo promete o Espírito Santo como mestre capaz de levar os homens, mediante persuasão moral e divina, a renunciar aos seus pecados e entregar-se a Deus.

Sob a atuação do Espírito, o pecador não está consciente da realidade da atuação divina em sua mente. Mas enxerga a verdade com clareza e de tal maneira que ela causa nele profunda impressão. Suas dificuldades são esclarecidas, seus erros são corrigidos e sua mente é esclarecida. A verdade atua sobre sua consciência e ele sente em seu espírito a urgência de se submeter imediatamente a Deus. A verdade ocupa toda a sua atenção. Se for leitor da Bíblia, inferirá, obviamente, que essa urgência que está sobre ele provém do Espírito de Deus.

É vantajoso que o pecador seja informado de que é assim que o Espírito de Deus opera nele; que, ao resistir às verdades que lhe são apresentadas, ele estará resistindo ao Espírito Santo; que, ao aceitar de coração essas verdades, ele estará se submetendo aos ensinamentos divinos. Ele deve, no entanto, entender que a obra do Espírito não é levá-lo à conversão enquanto ele se mostra passivo, enquanto está esperando algo para o futuro, supostamente determinado por Deus. Pelo contrário, o Espírito de Deus leva-o à conversão, à transformação, induzindo-o a produzir ele mesmo, pecador, uma reviravolta em sua vida.

O pecador deve entender que a submissão tem de ser iniciativa humana e que o Espírito o persuade a agir assim; que a fé também é iniciativa do ser humano; que o Espírito de Deus lhe outorga essa fé somente pelo fato de apresentar as verdades em que ele deve crer, sendo estas apresentadas com tal clareza e persuasão divinas que ele, o pecador, é levado a confiar em Cristo; que o Espírito Santo lhe outorga a fé, induzindo-o a crer; que ele o leva a cumprir os deveres, a arrepender-se, a crer, a submeter-se e a amar, através das verdades apresentadas numa luz tão clara que é capaz de dissipar qualquer relutância e induzi-lo a voltar-se para Deus, a confiar nele, a amá-lo e a obedecer-lhe voluntariamente com sinceridade e de todo o coração.

Por defender esses conceitos, percebi que, em determinado ponto, o pecador precisa ser instruído pelo pregador, sob a forte pressão da verdade que lhe é aplicada pelo Espírito Santo, a pôr em prática suas convicções, sem quaisquer demora. Cheguei, portanto, à conclusão de que devia chamar o pecador do meio da multidão e convidá-lo a assumir uma posição diante de Deus, mostrando-se tão franco e aberto na renúncia do pecado diante do público, quanto o fora a cometê-lo; que era meu dever conclamá-lo a mudar de partido, a renunciar ao mundo e passar para o lado de Cristo, renunciando à justiça própria e aceitando a de Cristo. Resumindo: fazer exatamente o que se constitui mudança de opinião. Era o que se tornava necessário fazer.

Não fiquei decepcionado com o emprego desse método. Sempre o considerei muito necessário e posso relatar inúmeras ocasiões em que homens orgulhosos, depois de resistir ao Espírito durante algum tempo, perceberam que ele era apropriado e necessário e acabaram ocupando o "banco dos aflitos" e se entregando a Deus. Muitas pessoas já me confessaram que, se não tivessem sido conclamadas a dar aquele passo — ou não tivessem feito algo equivalente — jamais se teriam convertido. Se estou me empenhando a favor da conversão do pecador, preciso dizer-lhe as coisas que o Espírito de Deus quer que ele entenda e creia. Preciso colocar diante dele as verdades que devem levá-lo à ação imediata. Dessa maneira, estarei cooperando com o Espírito de Deus, pois é exatamente isto que o Espírito luta para conseguir do pecador: ação imediata em conformidade com as exigências divinas. Não considero meu dever cumprido até aplicar à mente do pecador todas as considerações que me parecem essenciais para que ele entenda corretamente seu dever e se disponha a cumpri-lo.

Mais adiante, neste meu relato, quando me referir a outro avivamento em Rochester no qual estive presente, o leitor perceberá que as verdades que agora estou declarando foram exemplificadas na conversão daquele juiz que mencionei em outra parte deste capítulo. Não tenho notícia de que no avivamento em Rochester tenha surgido a mínima queixa de fanatismo ou de qualquer coisa considerada deplorável em seus resultados. O avivamento foi tão poderoso, abrangeu tantos membros da classe mais influente da sociedade e fez uma limpeza tão ampla que causou impacto até nas redondezas. Alguns moradores de Rochester escreveram cartas a seus amigos, descrevendo a obra. Essas cartas foram lidas em várias igrejas, em diferentes partes de vários estados e acabaram produzindo outros grandes avivamentos.

Muitas pessoas vinham de longe para ver a grande obra de Deus e eram levadas à conversão. Lembro-me de um médico que se sentiu tão atraído pelo que ouviu falar da obra que veio de Newark, NJ, a Rochester com o propósito de ver o que o Senhor estava fazendo e acabou convertendo-se ali. É homem talentoso e de cultura superior e há muitos anos tornou-se um dedicado obreiro cristão. Lembro-me de que, certa noite, quando fiz o apelo, um homem da máxima influência de uma cidade vizinha veio à frente com vários membros de sua família e todos se entregaram a Deus. A obra realmente propagou-se como ondas em todas as direções. Conforme o tempo e energia que sentia estarem à minha disposição, ia pregando em muitos locais à volta da cidade, embora meus esforços principais fossem empreendidos em Rochester.

Preguei várias vezes em Canandaigua. A obra foi frutífera ali e muitos converteram-se. O pastor, o rev. Ansel Eddy, entregou-se com ânimo à obra. Um pastor inglês que atuara ali anteriormente, homem idoso, fez também o que podia a favor do avivamento. Percorri vários lugares das redondezas para pregar, mas não recordo os nomes. No entanto, lembro-me com clareza de que em todos esses lugares a Palavra de Deus surtiu efeito imediato. Parecia que bastava apresentar, na medida apropriada, a lei de Deus e as exigências feitas por Cristo para obter inúmeras conversões.

O grande vulto da obra em Rochester atraía tanto a atenção dos ministros e crentes de todo o estado de Nova York, de toda a Nova Inglaterra e de várias partes do país que a própria fama do trabalho ali realizado foi um instrumento eficiente nas mãos do Espírito de Deus para a promoção do maior avivamento ocorrido até então. Muitos anos depois, numa conversa com o dr. Beecher a respeito desse poderoso avivamento e de seus resultados, ele fez a seguinte observação: "Aquela foi a maior obra de Deus, o maior avivamento espiritual que o mundo já viu num período de tempo tão curto. Segundo relatórios, cem mil pessoas afiliaram-se às igrejas como resultado direto dessa obra grandiosa. Isso não tem paralelo na história da Igreja e do progresso da religião". Mencionou, ainda, que tudo ocorrera num único ano e acrescentou que, em toda a era cristã, não há registro de um avivamento espiritual tão grandioso ocorrido em tão pouco tempo. Desde os tempos da convenção em New Lebanon, à qual já me referi, a oposição aberta e pública aos avivamentos era cada vez mais rara. Eu, pessoalmente, passei a sofrer menos oposição, a qual foi-se desfazendo de modo natural, porém constante. Em Rochester, não senti nada nesse sentido. E, verdadeiramente, a salvação era tão propagada, o avivamento era tão poderoso e abrangente e o povo estava tão inteirado de seus propósitos e de seus resultados que as pessoas passaram a ter medo de lhe fazer oposição como antes faziam. Os pastores agora o compreendiam melhor e os pecadores, mais ainda os ímpios, estavam convencidos de que a obra realmente era de Deus.

Ficou claro que as conversões eram autênticas, que todos aqueles convertidos foram, de fato, regenerados e se tornaram novas criaturas. Era tão profunda a transformação dos indivíduos e das comunidades e os resultados tão permanentes e inquestionáveis que tornou-se quase universal a convicção de que tudo aquilo era obra de Deus. Houve muitos casos de conversões notáveis, muitas personagens diferentes convertidas e todas as classes sociais foram afetadas pelo avivamento. Assim, a oposição aberta foi quase totalmente subjugada. Se eu tivesse tempo, poderia encher um volume inteiro com o relato dos casos de conversão mais notáveis que ocorreram diante de meus olhos, durante muitíssimos anos e em muitos lugares.

 

CAPÍTULO XXII

O AVIVAMENTO EM AUBURN, BUFFALO, PROVIDENCE E BOSTON

Durante a última parte de minha estada em Rochester, minha saúde estava bem fragilizada. Sentia-me esgotado e, conforme descobri depois, alguns dos melhores médicos tinham chegado à conclusão de que eu nunca mais pregaria. Perto da época em que encerrei meu trabalho em Rochester, no primeiro avivamento ali realizado, o rev. Wisner, de Ithaca, veio passar algum tempo ali, observando a obra e ajudando a promovê-la. Nesse meio-tempo, fui convidado a pregar em muitos campos. Entre os convites, estava o do dr. Nott, reitor da Faculdade Union. Ele insistia em que eu fosse ajudá-lo naquela obra, com o objetivo de levar seus alunos à conversão. Resolvi atender ao seu apelo.

Acompanhado pelo dr. Wisner e por Josiah Bissell, de quem já fiz menção nesta narrativa, embarquei numa diligência na primavera, quando era muitíssimo penoso viajar. Deixei minha mulher e filhos em Rochester, pois as estradas eram muito perigosas e, a viagem, cansativa demais para eles. Quando chegamos a Geneva, o dr. Wisner pediu que eu o acompanhasse até sua casa e repousasse um pouco. Recusei seu oferecimento, declarando-lhe que tinha urgência em levar a obra adiante. Ele insistiu muito em que eu o acompanhasse, alegando que os médicos em Rochester lhe haviam pedido que me levasse para sua casa, pois eu estava a ponto de morrer e corria o risco de nunca mais atuar em avivamento algum: segundo eles, eu estava tuberculoso e teria pouco tempo de vida. Respondi que já ouvira aquele diagnóstico, mas, que era puro engano. Disse-lhe que os médicos não entendiam meu problema, que minha doença não passava de pura fadiga e que eu me recuperaria com um pouco de repouso.

O dr. Wisner, finalmente, deixou de me importunar e continuei a viagem na diligência até Auburn. A condição das estradas era tão ruim que, às vezes, não conseguíamos viajar mais que dois ou três quilômetros por hora e levamos dois ou três dias para chegar a Auburn. Em Aubum, eu tinha muitos amigos queridos e, como estava muito cansado, resolvi parar ali e descansar até que a diligência do dia seguinte passasse. Já pagara minha passagem até Schenectady, mas, se desejasse, poderia interromper a viagem por um ou dois dias, embarcando depois em outra diligência. Hospedei-me na casa do irmão Theodore Spencer, filho do presidente Spencer, da Suprema Corte estadual. Era um crente sincero e meu amigo muito querido. Conseqüentemente, pernoitei em sua casa, em vez de passar a noite no hotel e resolvi repousar enquanto aguardava a diligência do dia seguinte.

Dormi muito bem na casa do irmão Spencer. Levantei-me no outro dia e estava-me aprontando para embarcar na diligência, que passaria ali ainda na parte da manhã, quando chegou um senhor trazendo um documento: era um pedido formal para que eu permanecesse em Auburn, assinado por vários homens influentes, os quais haviam resistido ao avivamento realiza­do ali em 1826! Esse convite havia-me sido feito na primavera de 1831. Em 1826, quando o dr. Lansing ainda estava ali, aqueles homens haviam levado tão longe sua oposição ao avivamento a ponto de deixarem a igreja do dr. Lansing e organizarem outra congregação. Por essa época, o dr. Lansing foi chamado para trabalhar em outro campo e o rev. Josiah Hopkins, de Vermont, foi nomeado pastor da Primeira Igreja, no lugar do dr. Lansing. O pedido, assinado por uma longa lista de não-crentes, apelava de modo veemente para que eu permanecesse na cidade e trabalhasse pela salvação de seus cidadãos mais destacados. Achei aquilo extraordinário. No documento, eles faziam referência à oposição que haviam liderado contra meu trabalho e suplicavam que eu os perdoasse e ficasse ali para pregar o evangelho.

O pedido não provinha do pastor nem de sua igreja, mas do grupo que comandara a resistência ao avivamento de 1826. Mas, o pastor e os membros da igreja também insistiram comigo, usando toda a sua influência para persuadir-me a ficar na cidade, conforme queriam os cidadãos que assinaram o documento. Eles pareciam tão surpreendidos quanto eu com a mudança de atitude daqueles homens. Fui para meu quarto e apresentei o assunto a Deus, chegando logo a uma decisão. Contei ao pastor e aos presbíteros que eu estava muitíssimo fatigado, quase esgotado, mas que permaneceria na cidade sob certas condições. Pregaria duas vezes por domingo e duas noites durante a semana, enquanto eles assumiriam o restante do trabalho. Não deveriam contar com minha presença em qualquer outra reunião além daquelas em que eu tivesse de pregar. Também seria deles, entre outras coisas, a tarefa de instruir os interessados e dirigir as reuniões de oração.

Eu estava certo de que eles saberiam como lidar com os pecadores e que podia confiar neles para o desempenho das outras funções. Estipulei ainda que nem eles nem os demais membros da igreja deveriam visitar-me em meus aposentos, excetuando-se os casos extremos — isso porque, com exceção dos domingos, eu precisava de repouso. Também não podia atender ninguém à noite, excluindo-se, é claro, as noites em que eu pregasse. Aos domingos, havia três cultos de pregação, sendo que o irmão Hopkins pregava em um deles. Penso que eu pregava pela manhã e à noite, todos os domingos e, ele, à tarde.

A Palavra surtiu efeito imediato. Na primeira ou na segunda noite de domingo em que preguei, vi que a mensagem bíblica produzia um resultado tão poderoso que, no encerramento do sermão, fiz um apelo para que os decididos viessem imediatamente à frente declarar diante de todos que estavam renunciando aos seus pecados e entregando-se a Cristo. Para minha surpresa, bem como do pastor e de muitos membros da igreja, o primeiro homem que veio à frente, abrindo caminho para que outros o acompanhassem, foi aquele que exercera a máxima influência na oposição ao avivamento de 1826. Veio prontamente, seguido por boa parte dos que haviam assinado o pedido. Aquela demonstração tão marcante de mudança de vida causou verdadeira comoção na cidade.

Já me referi ao rev. Abel Clary, homem de oração que estivera em Rochester. O rev. Clary tinha um irmão médico que morava em Auburn. Acho que foi no segundo domingo que passei ali, durante o novo avivamento, que observei na congregação o rosto sério do rev. Abel Clary. Parecia estar sob o peso de tremenda responsabilidade na oração. Por conhecê-lo bem e por saber do grande dom que Deus lhe concedera — o espírito de oração — fiquei muito contente de vê-lo ali. Estava sentado junto de seu irmão, médico que professava a fé, mas que nada sabia, penso, do grande poder que a oração de seu irmão Abel exercia diante de Deus. No período entre os cultos, logo que desci do púlpito, o irmão Clary e seu irmão me esperavam ao pé da escada e o médico convidou-me para ir à sua casa durante o intervalo e acompanhá-lo num lanche. Aceitei o convite.

Pouco depois de chegarmos à sua casa, fomos chamados para almoçar. Quando estávamos à volta da mesa, o dr. Clary voltou-se para seu irmão e perguntou: "Irmão Abel, quer agradecer ao Senhor pela refeição?". O irmão Abel inclinou a cabeça e começou a orar em voz alta. Mal pronunciou uma ou duas frases, porém, teve uma crise emocional, afastou-se repentinamente da mesa e correu para seu quarto. O médico supôs que o irmão estava passando mal e foi atrás dele. Pouco depois, retornou e disse-me:

— Sr. Finney, meu irmão Abel quer vê-lo.

— O que ele está sentindo? — perguntei.

— Não sei, mas ele disse que o irmão sabe — ele respondeu. — Ele parece estar em grande aflição.

Num momento, entendi o que se passava e saí da mesa para subir ao quarto dele. O rev. Clary enfrentava grande sofrimento de alma. Estava deitado, gemendo na cama e rolando de um lado para outro. O Espírito intercedia por ele, dentro dele, com gemidos inexprimíveis. Ou seja, seus desejos eram grandiosos demais para serem expressos em palavras e seus gemidos podiam ser ouvidos pela casa inteira. Nem bem entrara no quarto, eu o ouvi falar, com esforço: "Ore, irmão Finney!". Ajoelhei-me e o ajudei, em oração, encorajando sua alma na tarefa de levar à conversão os pecadores. Continuei a orar até que sua aflição passou e voltei para a mesa. Acho que o irmão Clary não almoçou naquele dia, durante o qual, se não me falha a memória, nem voltei a falar com ele. Entendi, porém, que se tratava da voz de Deus. Percebi que o espírito de oração estava sobre ele, senti sua influência sobre mim mesmo e tomei por certo que a obra entraria numa fase poderosa. E assim aconteceu.

Não tenho absoluta certeza disso, mas, acredito que todos os que assinaram aquele pedido — uma longa lista de nomes — converteram-se durante aquele avivamento. No entanto, há alguns anos, o dr. Steel, de Aubin escreveu-me para saber se eu guardara aquele documento, pois queria vê-lo e verificar se todos os que o haviam assinado se converteram na época. Eu não lembrava onde o havia guardado. Provavelmente estava entre meus numerosos papéis e cartas, mas, não o encontrei e por isso não consegui atenda de forma satisfatória à solicitação do dr. Steel. Contudo, tenho certeza de que quase todos — se não todos — aqueles homens foram levados à conversão, tornando-se a partir de então os crentes mais sinceros e atuantes naquela cidade.

Permaneci em Auburn seis domingos, pregando, como já mencionei, duas vezes por domingo e duas vezes durante a semana, deixando o restante das atividades com o pastor e os membros da igreja. À semelhança de Rochester, quase nenhuma oposição se levantou abertamente. Os pastores e os membros da igreja atuaram firmemente na obra e todos os que estavam dispostos a trabalhar receberam muitos encargos e alcançaram bom resultado nessas atividades. Depois de fazer a devida verificação, o pastor informou-me que, nas seis semanas que passei ali, quinhentas almas foram levadas a Cristo. Os métodos foram os mesmos empregados em Rochester. Pelo que eu saiba, nesse avivamento não houve sinal de fanatismo nem foi constatado nada que pudesse ser lastimado. Parecia que uma onda de influência divina partira de Rochester, alcançando toda a região com sua influência poderosa.

Perto do final de meu trabalho em Auburn, chegou ali um mensageiro de Buffalo, solicitando que eu fosse com urgência àquela cidade. Penso que Auburn fica a leste de Rochester mais ou menos a mesma distância que Buffalo está a oeste dessa cidade. O avivamento desenvolvido em Rochester preparou o caminho para o avivamento que viria a acontecer em Auburn, nos lugares à sua volta e em Buffalo. Segundo aquele mensageiro me informou, a obra já havia começado em Buffalo e umas poucas almas haviam-se convertido a Cristo. Mas, os crentes ali tinham a impressão de que outros métodos, que não os empregados ali, precisavam ser usados. Insistiram tanto comigo que parti de Auburn, passei de volta por Rochester até chegar a Buffalo. Penso que não passei mais que um mês em Buffalo. E, durante esse período, grande número de pessoas converteu-se a Cristo.

O trabalho em Buffalo, assim como em Auburn e em Rochester, surtia bastante efeito entre as classes mais privilegiadas. Entre os convertidos de buffalo, creio que estava o rev. Lord, que era advogado. Além dele, o sr. Heacock, pai do rev. Heacock, que atualmente é pastor em Buffalo, foi levado à conversão em circunstâncias das quais nunca me esqueci.

O sr. Heacock era um dos homens mais ricos e influentes de Buffalo. Apesar do excelente caráter, do bom comportamento e da alta reputação como cidadão, era um pecador impenitente. Sua mulher era cristã e havia muito tempo estava orando por ele, para que se convertesse. Quando, porém, comecei a pregar ali e passei a insistir em mostrar que o "não posso" do pecador correspondia a um "não quero" e que a dificuldade a ser vencida era a impiedade voluntária de pecadores que não estavam prontos para tornarem-se cristãos, o sr. Heacock rebelou-se contra meu ponto de vista. Insistia em afirmar que, no seu caso, essa era uma visão equivocada — porque havia muito tempo ele tinha consciência de que estava disposto a tornar-se cristão.

Sua mulher informara-me sobre a opinião que ele defendia, mesmo assim não o poupei. Noite após noite, dia após dia, procurava-o em seus esconderijos, respondia a todas as suas objeções e punha por terra todas as suas desculpas. Ele mostrava-se cada vez mais perturbado. Era homem de força de vontade e declarou que não aceitava nem queria crer em semelhante doutrina. De tanto falar contra a doutrina, atraiu para si homens com os quais não tinha a mínima simpatia a não ser nessa questão em particular. Quanto a mim, não hesitava em pressioná-lo, em cada sermão, de uma forma ou de outra, no tocante à sua falta de disposição em aceitar a Cristo.

Depois de sua conversão, ele contou-me que ficara chocado e envergonhado ao descobrir que, alguns dos que zombavam da obra, faziam dele um escudo. Certa noite, no salão de cultos, estava de um lado do corredor e um dos homens que mais ridicularizavam o trabalho ficou bem perto dele, do outro lado do corredor. E, repetidas vezes, enquanto eu estava pregando, esse homem, com o qual o sr. Heacock não tinha absolutamente nada em comum no que se referia a qualquer outro assunto, olhava o pai dele e sorria, dando fortes indícios de ser companheiro dele na oposição ao avivamento. Ao descobrir isso, ficou profundamente indignado e disse para si mesmo: "Não vou ser parceiro de homens desse tipo! Não quero mais nada com eles!".

Naquela mesma noite, na conclusão do sermão, fiz tanta pressão sobre a consciência dos pecadores e um apelo tão forte a que abrissem mão da oposição ao avivamento e viessem a Cristo que o sr. Heacock não se conseguiu dominar. Assim que o culto foi encerrado, ele, de modo totalmente contrario ao seu costume, começou a criticar tudo que fora dito, antes mesmo de deixar o salão de cultos. Os corredores estavam cheios e as pessoas se comprimiam ao seu redor. Realmente, conforme sua mulher me informou, usou expressões profanas, o que a perturbou muito, pois ela achava que com semelhante comportamento ele tinha muita probabilidade de entristecer e afastar de si o Espírito de Deus e perder a sua alma.

No entanto, naquela noite, ele não conseguiu pegar no sono. Contou-me, depois, que quase não dormiu. Sua mente estava tão atormentada que ele levantou-se ao primeiro sinal da luz da manhã, saiu de casa e andou uma distância considerável até um bosque próximo, que ficava perto de um conjunto de instalações chamado "os hidráulicos". Ali, naquele bosque, ajoelhou-se para orar. Durante a noite, sentira que devia ir sozinho para algum lugar onde pudesse soltar a voz e o coração, pois sofria a pressão intolerável da consciência de seus pecados e a necessidade de buscar e achar imediatamente paz com Deus. No entanto, quando chegou ao bosque e ajoelhou-se, descobriu que seu coração não queria orar. Não tinha palavras. Não sentia nenhum desejo que pudesse expressar verbalmente. Parecia que seu coração estava duro como mármore e não conseguia despertar em si a mínima emoção pelo assunto. Permaneceu de joelhos, decepcionado e confuso e descobriu que, mesmo quando abria a boca para orar, não conseguia pronunciar uma palavra.

Nesse estado de espírito, ocorreu-lhe que talvez pudesse repetir o pai-nosso. E assim, começou: "Pai nosso, que estás nos céus...". Tão logo pronunciou essas palavras, tornou-se convicto de sua hipocrisia ao chamar Deus de Pai. Quando pronunciou a frase "santificado seja o teu nome", quase teve um choque. Percebeu que não estava sendo sincero, que suas palavras não expressavam em nada seu real estado de espírito. Não se importava que o nome de Deus fosse santificado. Depois, pronunciou a petição seguinte: "Venha o teu Reino...". Com isso, quase engasgou. Não estava querendo a chegada do Reino de Deus. Era hipocrisia orar assim, pois não era uma expressão genuína do desejo de seu coração. E então veio a petição: "Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu". E seu coração rebelou-se: não conseguia repetir essa parte da oração.

A essa altura, viu-se face a face com a vontade de Deus. Fora-lhe revelado, dia após dia, que ele se opunha à vontade divina, pois não estava disposto a aceitá-la e que sua oposição a Deus, às suas leis e à sua vontade era o único obstáculo à sua conversão. Ele sempre resistira a essa idéia e lutara como um tigre contra ela. Mas, ali de joelhos, com o pai-nosso nos lábios, teve de ponderar a questão e viu, com perfeita clareza, que tudo que lhe fora revelado era verdade: ele não estava querendo que a vontade de Deus fosse cumprida. E ele mesmo, Heacock, não a cumpria porque não desejava fazer isso.

A natureza e a abrangência de sua rebelião tornaram-se tão patentes diante de seus olhos que ele percebeu que abrir mão dela lhe custaria um esforço enorme. Então, reuniu toda sua força de vontade e exclamou em voz alta: "Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu!". Dessa vez, estava perfeitamente convencido de que sua vontade condizia com suas palavras. Aceitava agora a vontade de Deus em sua totalidade. Rendia-se totalmente a ele e aceitava a Cristo exatamente como apresentado no evangelho. Abriu mão de seus pecados e abraçou a vontade de Deus como sua regra de vida. A linguagem de seu coração passou a ser: "Senhor, faze comigo o que é bom aos teus olhos. Que tua vontade seja feita em mim e em todas as criaturas na terra, assim como é feita no céu".

Logo que sua vontade se rendeu, pôde orar livremente e seu coração derramou-se como uma inundação. A rebelião da sua mente foi extinta, seus sentimentos se aquietaram e uma doce paz transbordou em sua alma. Levantou-se e foi contar à sua ansiosa mulher, que orava por ele com tanta sinceridade, o que o Senhor fizera por sua alma. Confessou-lhe que estivera totalmente errado ao fazer oposição ao avivamento e ao rejeitar a idéia de tornar-se cristão. A partir de então, tornou-se um obreiro zeloso na obra de Deus e toa a sua vida passou a dar testemunho da mudança que ocorreu nele. Ele viveu e morreu como crente frutífero.

Se não estou enganado, o juiz Wilkinson [Samuel Wilkeson] também se converteu na ocasião, bem como muitos outros homens de destaque e não poucas mulheres. Quando deixei Buffalo, penso que em Junho, fui para a casa de meu sogro, em Whitestown. Passei parte do verão em passeios, visando à restauração de minha saúde e de minhas forças.

No começo do outono de 1831, aceitei o convite para realizar o que então se chamava "uma reunião prolongada", que consistia em uma série de reuniões, em Providence, Rhode Island. Atuava principalmente na igreja então pastoreada pelo rev. Wilson. Penso que fiquei ali cerca de três semanas. Havia reuniões todas as noites e três cultos de pregação todos os domingos. O Senhor derramou seu Espírito imediatamente sobre a congregação e a obra da graça progrediu de modo irresistível durante aquele breve período que passei na cidade. Minha permanência ali, no entanto, foi breve demais para que fossem obtidos resultados semelhantes aos do avivamento ocorrido ali em 1842, quando passei cerca de dois meses na cidade. No devido contexto cronológico, narrarei os pormenores desse segundo avivamento.

Nessa época, pudemos assistir a muitas conversões inspiradoras. Foi nesse período que se converteram vários homens que exerceram e exercem até hoje forte influência cristã na cidade. O mesmo se pode dizer das senhoras: ocorreram entre elas muitos casos notáveis de conversão. Lembro-me com muita clareza da conversão de certa jovem, que passo a relatar de modo sucinto.

No domingo, observei no meio do povo uma jovem de grande beleza, sentada ao lado de um cavalheiro que, posteriormente, soube ser seu irmão. A jovem tinha olhar inteligente e sincero e parecia escutar com a máxima atenção e seriedade cada palavra que eu dizia. Sendo hóspede do irmão Josiah Chapin, eu estava indo com ele para sua casa quando notei que o casal subia pela mesma rua. O irmão Chapin informou-me de que se tratava do senhor e da senhorita Ainsworth e que ela era considerada a mais bela moça em Providence. Perguntei-lhe se ela já professara a fé e ele respondeu que não. Contei-lhe que ela parecera fortemente tocada pela mensagem e perguntei-lhe se não seria bom eu fazer-lhe uma visita. Ele desencorajou-me. Achava que era desperdício de tempo e que eu não seria bem recebido, pois a moça era tão mimada que provavelmente nunca pensara a respeito da sua salvação. Porém, ele estava enganado e eu tinha razão em supor que o Espírito do Senhor estava lutando com aquela jovem.

Não fui visitá-la, mas, poucos dias depois, ela procurou-me. Reconheci-a de imediato, convidei-a a sentar-se e perguntei-lhe sobre o estado de sua alma. Espiritualmente, ela estava bem vigilante, mas sua convicção de pecado não tinha amadurecido a ponto de chegar ao estado que eu julgava necessário para que ela fosse levada de modo consciente a aceitar Cristo. Por isso, durante uma ou duas horas — a visita foi realmente prolongada — tentei mostrar-lhe a depravação de seu coração. Perguntei-lhe se não era orgulhosa, vaidosa, considerando-se justa aos próprios olhos. Ela achava que não. Fiz-lhe várias perguntas incisivas como essa.

Perguntei-lhe se já havia sentido inveja de alguém. Respondeu que não tinha consciência disso. Perguntei-lhe, também, se conhecia alguma moça a quem considerasse mais bonita que ela própria. De início, ofereceu resistência a essa pergunta, mas sua franqueza levou-a a reconhecer que não conhecia nenhuma. Perguntei-lhe em seguida se não sentiria inveja ou ciúmes se encontrasse uma jovem mais bonita que ela. Respondeu que achava que não. Perguntei-lhe, ainda, se conhecia alguma jovem que considerava mais amável que ela. Declarou haver pelo menos uma, porém, conscientemente, não sabia se sentia alguma inveja ou ciúmes por causa disso. Fiz-lhe muitas perguntas semelhantes, visando obrigá-la a pensar e refletir nessa direção. Suas convicções pareciam amadurecer à medida que a conversa progredia e se tornava cada vez mais séria. Quando lhe revelei o que considerava necessário para que ela alcançasse uma convicção espiritual madura e profunda sob a influência do Espírito de Deus, ela levantou-se, sentindo uma visível insatisfação e despediu-se. Mas, eu já tinha certeza de que o Espírito de Deus se encarregaria do caso dela e que minhas palavras não seriam esquecidas. Pelo contrário, operariam a convicção que eu tentava produzir.

Dois ou três dias depois, ela veio-me visitar outra vez. Percebi de imediato que estava grandemente humilhada no espírito. Assim que entrou, sentou-se e abriu o coração. Com a maior sinceridade possível, confessou: "Sr. Finney, da outra vez que estive aqui, considerei suas perguntas e seu modo de tratar-me bastante severos. Mas, percebo agora que sou tudo aquilo que o senhor me apresentou. Realmente, não fosse meu orgulho e o cuidado com a minha reputação, eu seria uma das moças mais depravadas de Providence. Posso ver claramente que minha vida tem sido refreada apenas pelo orgulho e pelo zelo de minha reputação, não por consideração a Deus, à sua lei ou ao evangelho. Percebo que Deus fez uso de meu orgulho e de minha ambição para refrear vergonhosas iniquidades em mim. Sempre fui mimada e bajulada, sempre me impus e mantive minha reputação por motivos puramente egoístas".

Ela prosseguiu, confessando de tal modo seus erros que não deixava nenhuma dúvida de suas convicções. Não estava no calor da emoção. Mostrava-se calma e racional. Ficou claro, no entanto, que tinha uma natureza fervorosa, uma vontade forte e um intelecto equilibrado e cultivado de maneira incomum. Realmente, creio nunca ter visto um caso de convicção muito inspirador. Depois de conversarmos durante algum tempo e de eu tê-la orientado da melhor maneira possível, curvamo-nos diante do Senhor e oramos. Humanamente falando, deu todas as demonstrações de haver-se entregue sem reservas a Cristo. Atingiu um estado de espírito que a levou a renunciar ao mundo. A partir daí, tornou-se uma crente de um grande testemunho.

Poucos anos depois de sua conversão, casou-se com um homem rico de Nova York. Fiquei vários anos sem manter correspondência com ela. O marido introduziu-a num círculo da sociedade com o qual eu não tinha nenhum contato. Só depois da morte dele restabelecemos contato. A partir de então, trocávamos correspondência sobre assuntos cristãos, pois tinha grande interesse em acompanhar sua vida espiritual. Menciono esse caso porque sempre o considerei um triunfo maravilhoso da graça de Deus sobre os fascínios do mundo. Talvez não houvesse na região jovem mais bajulada, respeitada e idolatrada pela sociedade. Mas, a graça de Deus revelou-se muito mais forte que as coisas do mundo. E, mesmo cercada por todos os fascínios mundanos, nunca ouvi dizer que ela tivesse, em algum momento, titubeado em sua carreira cristã.

Enquanto eu estava em Providence, a questão de minha ida a Boston foi levantada pelos ministros e diáconos das várias igrejas congregacionais dessa cidade, mas, eu mesmo não tinha a menor idéia do que estavam fazendo. No entanto, o dr. Wisner, então pastor da Igreja Antiga do Sul, chegou a Providence e assistiu às nossas reuniões. Fiquei sabendo mais tarde que ele fora enviado pelos ministros "em missão de reconhecimento", com o compromisso de apresentar um relatório. Conversamos várias vezes e ele manifestou um interesse que beirava o entusiasmo por tudo que viu e ouviu em Providence. No período em que esteve ali, ocorreram algumas conversões notáveis.

A obra em Providence era de caráter notavelmente perscrutador, pois operava entre os que já professavam a fé. Esperanças antigas eram terrivelmente abaladas e os ossos secos nas várias igrejas eram fortemente sacudidos. Na ocasião, um diácono de uma das igrejas sentiu-se tão profundamente mudado que me disse quando desci do púlpito: "Sr. Finney, não acredito haja dez crentes verdadeiros em Providence. Estamos todos errados! Fomos enganados!".

O sr. Josiah Chapin foi muito abençoado naquele avivamento. Converteu-se na mesma época, mas não lembro se sua conversão ocorreu logo na minha chegada ou imediatamente antes. Entre outros convertidos, lembro-me do sr. Barstow, que se tornou um crente exemplar na cidade. Lembro-me, também, do sr. Green, que era tesoureiro de um banco. Acredito que o dr. Wisner tenha-se convencido totalmente de que a obra era genuína e de grande alcance para os padrões da época e que naquele trabalho não existia nada que pudesse ser tachado de não-cristão ou digno de reprovação.

Depois que o dr. Wisner retornou a Boston, recebi quase de seguida um pedido de ministros e igrejas congregacionais para realizar naquela cidade a obra que estava acostumado a fazer. O dr. Lyman Beecher era então o pastor da igreja da rua Bowdoin e seu filho, Edward Beecher, era o pastor ou o pastor substituto oficial na igreja da rua Park. O pastor da igreja da rua Essex era o sr. Green, mas este fora à Europa por motivos de saúde e, na ocasião, a igreja estava sem um substituto oficial. O dr. Fay era o pastor da Igreja Congregacional em Charlestown e o dr. Jenks era pastor da igreja da rua Green, em Boston. Não lembro o nome dos pastores das demais igrejas.

Comecei meu trabalho pregando de igreja em igreja, aos domingos e, durante a semana, à noite, na igreja da rua Park. Logo percebi que a Palavra de Deus estava surtindo efeito e que o interesse aumentava dia após dia. No entanto, percebi, também, que seria necessária uma profunda operação entre os cristãos professos. Soube que não existia entre eles nada semelhante ao espírito da oração que prevalecera nos avivamentos do Oeste e da cidade de Nova York. Parecia haver em Boston um tipo estranho de religião, que não denotava aquela liberdade nem o poder presentes em outros avivamentos Por isso, comecei a pregar aos crentes alguns sermões profundos. Num domingo, avisei que em certas noites da semana pregaria uma série de sermões direcionados aos cristãos, na igreja da rua Park. Descobri, no entanto, que tais sermões não agradavam em nada aos crentes de Boston. Não estavam acostumados a esse tipo de mensagem, por isso, a freqüência à igreja da rui Park era cada vez menor, principalmente quando eu pregava aos cristão professos. Aquela reação era novidade para mim.

Nunca vira, como em Boston, um crente professo recusar-se ouvir os sermões que penetravam fundo no coração. No entanto, ouvi ali, repetidas vezes, comentários como: "O que dirão os unitaristas se semelhantes coisas forem aplicadas a nós, que somos ortodoxos?"; "Com o sr. Finney se dirigindo a nós dessa maneira, os unitaristas dirão que os ortodoxos não são melhores cristãos do que eles". Era evidente que se ressentiam um pouco da minha franqueza ao falar com eles. O dr. Wisner informou-me que a igreja em que eu lidava com os que professavam a fé era totalmente oposta ao dr. Beecher. O padrão religioso adotado por ele era muito inferior. O dr. Beecher rebaixava os parâmetros da piedade e da pregação ortodoxas a tal ponto que as portas de entrada da igreja estavam escancaradas, largas demais.

O dr. Wisner revelou-me que achava — e também muitos crentes de Boston, durante algum tempo — que aceitar as pessoas como membros da igreja mediante um padrão tão baixo de pregação fatalmente lhes seria prejudicial. Era o que sentia o dr. Wisner na época e acredito que esse era o sentimento dos crentes ortodoxos. Suponho ter sido essa a causa de meus penetrantes sermões deixarem atônitas e até mesmo ofendidas multidões de crentes professos. No entanto, à medida que a obra progredia, a situação foi mudando grandemente. E, poucas semanas depois, os crentes passaram a aceitar mensagens mais penetrantes, chegando a ter por elas alta apreciação.

Descobri que em Boston, assim como nos demais lugares, era praticado um tipo de abordagem aos pecadores que muito me irritava. Às vezes, eu realizava as reuniões na presença do dr. Beecher, no subsolo da igreja dele. Certa noite, numa reunião com muitos presentes, percebia-se que o sentimento de introspecção e a solenidade do ambiente eram muito fortes. No final, conforme era meu costume, procurei explicar-lhes exatamente o que o Senhor desejava deles. Meu objetivo era levá-los a renunciar a si mesmos e entregar-se a Cristo, imediatamente, com tudo que possuíam. Procurei mostrar-lhes que não pertenciam a si mesmos, mas que haviam sido comprados por alto preço e que se esperava que abandonassem tudo que possuíam e entregassem a Cristo. Deixei a questão tão clara quanto podia e vi que a impressão sobre eles foi bastante profunda.

Quando eu estava a ponto de convidá-los a ajoelharem-se para apresentá-los a Deus em oração, o dr. Beecher colocou-se em pé e disse: "Vocês não precisam recear entregar tudo a Cristo, vossos bens e tudo o mais, pois ele devolverá tudo a vocês, de imediato". Sem apresentar a mínima explicação sobre o real sentido do ato de abrir mão de suas posses, simplesmente os exortou a não temer aquela entrega. Não era o que eu lhes havia pedido que fizessem. Vi que ele estava passando ao povo uma falsa impressão e senti-me muito aflito. A idéia que ele apresentara era oposta à verdade!

Depois que ele acabou de falar, eu, com tanta sabedoria e cuidado quanto me foram possíveis, procurei fazê-los entender que, no sentido em que Deus exigia deles que abrissem mão de suas posses, ele nunca as devolveria e que eles não deveriam contar com essa devolução. Esforcei-me para explicar a situação de modo que não parecesse uma contradição às afirmativas do dr. Beecher, mas sem deixar de corrigir a falsa impressão que eu havia percebido em suas palavras. Expliquei-lhes que o Senhor não exigia que deixassem de lado suas posses, que abandonassem o emprego, a casa e os outros bens para nunca mais recebê-los de volta, mas que o Senhor esperava deles a renúncia ao domínio dessas coisas sobre eles e o reconhecimento de que as coisas que possuíam não pertenciam a eles e sim a Deus.

Não deviam pensar naquelas coisas como se, diante de Deus, elas pertencessem a eles. Diante dos homens, eram de fato deles, não pertenciam a outros, mas diante de Deus não podiam tratá-las como se lhes pertencessem. Do ponto de vista do relacionamento com Deus, tinham de renunciar a qualquer direito sobre elas. As exigências divinas eram absolutas e o direito de Deus sobre o homem e todas as demais coisas estava acima do direito de todo ser humano. O Senhor exigia deles o uso do que eram e do que possuíam, a favor dele e para sua glória. Exigia, também, que não pensassem que tinham o direito de empregar seu tempo, suas forças, sua influência ou qualquer outra coisa que possuíssem como se lhes pertencessem, como se não fossem propriedade do Senhor.

O dr. Beecher não levantou objeções às minhas palavras — nem naquela hora nem depois, pelo que eu saiba. Portanto, é provável que não tivesse a intenção de me contradizer com aquelas declarações. Mesmo assim, o que ele disse forçosamente traria a impressão de que Deus devolveria todas as coisas, na mesma medida em que eles abrissem mão delas e as entregassem a ele.

Acredito que os membros das igrejas ortodoxas de Boston recebiam sem questionamento os conceitos doutrinários que eu lhes transmitia. Sei que o dr. Beecher concordava com eles, pois certa vez ele me declarou que nunca vira um homem com cujas opiniões teológicas ele concordasse tão inteiramente quanto eu. Havia, porém, um ponto defendido por mim contra o qual muitos levantavam objeções. O sr. Rand, por exemplo, que editava um periódico em Boston, creio eu, escreveu um artigo sério contra minhas opiniões e jeito do agir divino na regeneração. Eu costumava pregar que a atuação de Deus era a do ensino e da persuasão e que a era bíblica. O presidente Edwards sustentara o inverso dessa doutrina. Da mesma forma, o sr. Rand sustentava que a agência divina exercida na regeneração era física, uma mudança na natureza, em vez de uma mudança na atitude voluntária e na preferência da alma.

O sr. Rand considerava heterodoxa minha opinião sobre esse assunto. Escreveu e publicou um artigo bastante severo quando eu ali estava, criticando minha posição. Havia outros pontos doutrinários defendidos por mim que ele tratava de modo crítico, tais como a natureza voluntária da depravação moral e a atividade do pecador na regeneração. O dr. Wisner escreveu uma réplica e justificou minhas opiniões, excetuando-se as que eu mantinha no tocante à influência persuasiva ou moral do Espírito Santo. Não estava disposto, portanto, a tomar posição contra o presidente Edwards nem contra o conceito corrente na Nova Inglaterra de que a atuação do Espírito não era física, mas apenas moral.

O dr. Woods, de Andover, publicou também um artigo em um periódico, acredito que em Andover, intitulado: "O Espírito Santo, o autor da regeneração" — penso que era esse o título. De qualquer forma, a intenção era comprovar que a regeneração era obra exclusiva de Deus. Obviamente, ele citou os textos bíblicos que asseveram a ação divina na obra de transformar o coração. Não apresentei nenhuma resposta por escrito a esse artigo, mas em uma de minhas pregações afirmei que aquilo era apenas meia verdade. A Bíblia asseverava com igual clareza que a regeneração tinha participação humana e citei as passagens que afirmam isso. Paulo declarou a determinada igreja que ele os regenerara — e utiliza a mesma palavra referente à regeneração atribuída a Deus.

Era fácil, portanto, demonstrar que Deus tinha atuação na regeneração e que esta consistia em ensinar ou persuadir o pecador. Era fácil, também, demonstrar que o homem tinha parte nesse processo: os atos do arrependimento, da fé e do amor partiam dele. E o Espírito o persuadia a produzir esses atos quando lhe apresentava a verdade. Assim, como a verdade era o instrumento, o Espírito Santo era um dos agentes. O pregador, ou qualquer agente humano e inteligente — geralmente com esse objetivo — também cooperava na obra da regeneração. Que me recorde, nada havia de anticristão em qualquer dos debates realizados na época, nada que viesse a entristecer o Espírito ou produzir ressentimentos entre os irmãos.

Depois de pregar algumas semanas entre as várias congregações daquele circuito, consenti em ocupar com regularidade o púlpito da igreja do sr. Green, na rua Essex. Passei a concentrar meu trabalho naquele campo. Assistimos a uma bendita obra da graça e muitas pessoas converteram-se em várias partes da cidade. Na realidade, a obra se estendia pela cidade inteira, em maior ou menor grau. Naquele inverno, nasceu meu terceiro filho. Eu estava muito cansado, pois atuara durante mais de dez anos como evangelista, sem ter tido mais que alguns dias ou semanas seguidos de repouso durante todo aquele período. Os irmãos de ministério eram homens sinceros, tinham assumido a obra da melhor maneira que podiam e atuavam com fidelidade e eficiência, alcançando bons resultados.

Àquela altura, uma segunda igreja presbiteriana fora formada na cidade de Nova York. A Primeira Igreja Independente, do irmão Joel Parker, tornara-se tão grande que um grupo resolveu formar a Segunda Igreja, onde o rev. Barrows, ex-professor de Andover, estivera pregando. Alguns irmãos dedicados escreveram-me de Nova York, com a proposta de alugarem um teatro e equipá-lo como igreja — com a condição de que fosse eu o pregador. Propunham-se a conseguir o teatro da rua Chatham, onde se concentrava o maior número de incrédulos de Nova York. Não ficava longe dos Cinco Pontos e era lugar de convívio altamente vergonhoso para a cidade. Os donos estavam dispostos a permitir que o lugar fosse transformado em igreja. Minha família já se tornara tão grande que era difícil levá-la comigo a cada lugar aonde fosse exercer a obra de evangelista e minhas forças estavam-se esgotando. Depois de muito orar e pensar, resolvi aceitar o convite da Segunda Igreja Independente: iria trabalhar algum tempo em Nova York.

 

CAPÍTULO XXIII

AS OBRAS NA CIDADE DE NOVA IORQUE, DE 1832 EM DIANTE

O sr. Lewis Tappan e outros irmãos alugaram o teatro da rua Chatham e o equiparam para servir de templo, tornando-o também um local apropriado para acomodar as várias sociedades filantrópicas em suas celebrações de aniversário. Convidaram-me para pastorear a Segunda Igreja Presbiteriana Independente. Parti de Boston em Abril e comecei de imediato o trabalho. O Espírito de Deus foi imediatamente derramado sobre nós e tivemos um grande avivamento naquela primavera e verão.

Em meados do verão de 1832, a cólera apareceu em Nova York pela primeira vez. Muitos crentes retiraram-se para o campo. Espalhou-se um grande pânico entre os moradores da cidade. A cólera propagou-se com mais severidade naquele verão que em qualquer período posterior e era especialmente fatal na parte da cidade onde eu residia. Lembro-me de ter olhado, certa vez, pela porta de nossa casa e ter contado dentro do que minha visão alcançava, cinco carros fúnebres parados ao mesmo tempo em diferentes endereços para a remoção de mortos. Permaneci em Nova York até o final do verão, pois não queria deixar a cidade enquanto a mortalidade fosse tão grande. No entanto, percebi que o contato com o povo estava gradualmente abalando minha saúde e, assim, fui passar duas ou três semanas no interior.

Ao voltar, fui empossado como pastor da igreja. Durante o culto de posse, tive um mal-estar e quando cheguei em casa ficou claro que eu havia contraído a cólera. O dono da casa ao lado fora acometido da doença quase à mesma hora naquela noite e, antes que o dia amanhecesse, estava morto. Eu, porém, consegui recuperar-me. Mas os meios usados para minha recuperação abalaram terrivelmente meu físico, e demorei muito tempo a recuperar a saúde. Antes da primavera, porém, consegui voltar a pregar. Convidei dois colegas pastores para me ajudarem a realizar uma série de cultos. Durante duas ou três semanas, alternávamos o púlpito. Um de nós pregava em determinada noite e, o outro, na noite seguinte. Mas alcançamos bem poucos resultados. Vi que aquela não era a melhor maneira de promover um avivamento e suspendi as reuniões.

No domingo seguinte, combinei que pregaria todas as noites durante a semana. Assim fiz, e o avivamento começou e tornou-se muito poderoso. Preguei vinte noites consecutivas, fora as pregações de domingo. Um dos presbíteros que se dedicava a visitar os interessados, mantinha um caderno no qual registrava o nome dos que pareciam claramente haver-se convertido a Cristo. Eu não havia ainda recuperado a saúde o suficiente para pregar todas as noites. Assim, depois de pregar vinte noites seguidas, mudei meu método de trabalho. Tivemos conhecimento — pelo Pai Smith, cognome com que tratávamos um dos presbíteros — de que quinhentas pessoas se haviam convertido. Assim, nossa igreja cresceu tanto que logo um grupo de irmãos se separou, formando outra igreja. Um novo templo foi construído na esquina das ruas Madison e Catharine.

A obra progredia de maneira muito proveitosa. Mantínhamos reuniões para os interessados uma ou duas vezes por semana — às vezes com mais freqüência — e um bom número de conversões era verificado todas as semanas. Os membros da igreja oravam e trabalhavam. Estavam sempre reunidos em sua totalidade e, depois de bem instruídos no tocante aos esforços para a conversão dos pecadores, tornaram-se uma igreja mais dedicada e operosa. Empenhavam-se no trabalho e, quando lhes era pedido, saíam pelas estradas e campos a fim de trazer pessoas para ouvir a mensagem. Tanto os homens quanto as mulheres dedicavam-se a esse trabalho.

Quando queríamos promover uma reunião, convites eram impressos e distribuídos de casa em casa pelos membros da igreja, principalmente naquela parte da cidade onde se localizava a "Capela da Rua Chatham", conforme a chamávamos. Por meio da distribuição dos convites, que eram acompanhados por convites verbais quando os crentes tinham a oportunidade de falar, era possível encher o templo em qualquer noite da semana. As pessoas da igreja não tinham medo de buscar pessoas de todos os tipos na esperança de trazê-las aos cultos. Cultos religiosos no teatro eram novidade naquela parte da cidade. Ao vê-lo transformado em igreja, tendo sido as peças teatrais substituídas por cultos, passaram a chamá-lo "Capela da Rua Chatham".

Havia três salões, um acima do outro, ligados por escadarias externas na parte de frente do teatro. Eram salões compridos e espaçosos, mobiliados para reuniões de oração e para preleções. Dizia-se que, enquanto o prédio principal fora ocupado pelo teatro, esses salões eram usados para propósitos obscenos. Entretanto, esses mesmos salões, depois de mobiliados por nós, mostraram-se excepcionalmente apropriados aos nossos objetivos. Havia três galerias ligadas aos salões, cada salão com sua respectiva galeria, uma em cima da outra.

Instruí os membros da igreja no sentido de que se espalhassem por todo o recinto e mantivessem os olhos abertos para detectar qualquer pessoa que fosse seriamente tocada pela pregação e, se possível, convidá-la para uma palestra e uma oração depois do culto. Eles cumpriam fielmente minhas instruções e ficavam atentos no culto, procurando pessoas sobre as quais a Palavra de Deus parecia estar surtindo efeito. Tinham fé para deixar de lado o temor e falar com elas antes de se retirarem. Dessa maneira, obteve-se um grande número de conversões.

Os membros da igreja convidavam ainda as pessoas que se mostravam influenciadas pela Palavra a acompanhá-los a um dos salões que haviam equipado para oração, para a escola bíblica dominical e para preleções. Nós podíamos conversar e orar com elas e, assim, colher os resultados de cada sermão. Os membros da igreja tornaram-se muito eficientes na aplicação desse método. Eu dificilmente poderia desejar melhores ajudantes — com tanta sabedoria e sinceridade — para alcançar os pecadores.

Um fato que acabo de lembrar ilustrará esse método de trabalho. A firma de Naylor & Co., na época grande fabricante de talheres em Shefield, Inglaterra, tinha uma loja em Nova York e um sócio que se chamava Hutchinson. O sr. Hutchinson era um homem do mundo: viajara bastante e havia morado em várias das principais cidades da Europa. Um dos vendedores daquele estabelecimento aparecera em um de nossos cultos, convertera-se e estava ansioso pela conversão do sr. Hutchinson. Por algum tempo o jovem sentiu-se acanhado para convidar o chefe a participar de um culto nosso. Finalmente, tomou coragem e o sr. Hutchinson, atendendo ao pedido pressuroso de seu subalterno, compareceu a um culto vespertino.

Acontece que ele se havia sentado na extremidade de um banco no mesmo corredor onde o sr. Tappan estava sentado, na extremidade de outro banco. Os dois estavam separados somente pelo corredor. O sr. Tappan percebeu que o sr. Hutchinson manifestara bastante interesse durante o sermão e que às vezes sentia-se tão inquieto que parecia estar a ponto de retirar-se. (Posteriormente, o próprio sr. Hutchinson confessou-me que várias vezes sentira vontade de ir embora, porque o sermão o deixava muito comovido). Apesar disso, ficou sentado até ser dada a bênção. O sr. Tappan manteve-o à vista e, tão logo foi dada a bênção, atravessou o corredor e apresentou-se como sr. Tappan, sócio de Arthur Tappan & Co., firma que então era bem conhecida em Nova York.

O próprio sr. Hutchinson relatou-me, com grande emoção, o que se seguiu. Disse que o sr. Tappan aproximou-se dele, segurou-o delicadamente pelo botão do casaco e falou-lhe com muita gentileza, convidando-o a permanecer para uma oração e uma conversa. Hutchinson tentou pedir licença para se afastar, mas o sr. Tappan portava-se de modo tão amável, que foi impossível escapar. Sentiu-se importunado e, conforme o sr. Hutchinson descreveu o fato, "ele segurou-me com firmeza, de forma que um botão de trinta gramas foi o instrumento usado para salvar minha alma". Os membros da congregação retiraram-se e o sr. Hutchinson, entre outros, foi convencido a permanecer. Segundo nosso costume, tivemos uma conversa bem profunda e o sr. Hutchinson, na ocasião ou logo depois, converteu-se a Cristo.

Quando cheguei para ajudar no trabalho realizado na "Capela da Rua Chatham", deixei claro que não gostaria de encher os salões com cristãos de outras igrejas, pois meu objetivo era trazer as almas do mundo. Queria alcançar o máximo possível de conversões. Por isso, empenhamo-nos na busca desta classe de pessoas e, pela bênção de Deus, obtivemos bons resultados. As conversões multiplicavam-se tanto que tivemos de separar um grupo para plantar outra igreja. Quando fui para Nova York, nossa igreja era a Segunda Igreja Independente. Quando saí de lá, acho que eram sete as igrejas, cujos membros empenhavam todas as suas forças na salvação das almas. Essas igrejas eram sustentadas principalmente por contribuições levantadas domingo a domingo, quando circulavam entre a congregação as caixas de coleta e quando o dinheiro era insuficiente para pagar as despesas, os irmãos de boa condição econômica cobriam imediatamente o défice, de modo que nunca tivemos a mínima dificuldade para suprir as necessidades financeiras da congregação.

Jamais conheci pessoas mais conciliadoras, aplicadas à oração e operosas na fé que os membros daquelas igrejas. Não eram tidos como ricos, embora alguns homens de posses integrassem essas igrejas. De modo geral, os membros pertenciam às classes média e inferior de Nova York. Nosso alvo era apresentar o evangelho aos pobres, especialmente. Quando trabalhei em Nova York pela primeira vez, tinha já opinião formada sobre a escravatura e estava desejoso de despertar a atenção do público a esse respeito. Não pretendia, no entanto, fazer disso uma bandeira nem desviar a atenção dos crentes da obra de evangelização. Mesmo assim, em minhas orações e na minha pregação, fazia freqüentes alusões à escravatura, condenando-a publicamente, de modo a despertar bastante emoção entre o povo com esse assunto.

Enquanto me empenhava na obra da rua Chatham, ocorreram alguns fatos no presbitério que levaram à formação de uma igreja congregacional e a meu chamado para ser seu pastor. Veio por transferência para nossa igreja um membro de uma das antigas igrejas. Logo chegou até nós a informação de que, antes de unir-se à nossa igreja, esse homem cometera um crime e era necessário puni-lo. Embora tivéssemos sido enganados, já que viera recomendado como membro em plena comunhão, imaginei que o crime fora cometido antes de ele transferir-se. Julgava que o dever de discipliná-lo era da igreja de origem e que o crime não era da competência de nossa jurisdição. A questão foi levantada diante do Terceiro Presbitério de Nova York, ao qual eu então pertencia e a conclusão foi que o crime era, sim, da competência de nossa jurisdição e que cabia a nós disciplinar aquele homem. E assim fizemos. Entretanto, logo surgiu um caso semelhante.

Afiliou-se à nossa igreja, também por transferência, uma senhora. Descobrimos que ela também cometera um crime e precisava ser disciplinada. Levando em consideração a decisão do presbitério no caso anterior, fomos adiante e a excomungamos. Ela recorreu da decisão da igreja e levou o assunto ao presbitério. Este chegou à conclusão de que o crime não fora cometido em nossa jurisdição e sua decisão foi exatamente oposta à anterior. Protestei, declarando que não sabia como agir, já que os dois casos eram exatamente iguais e as decisões do presbitério haviam sido incoerentes. O dr. Cox replicou, dizendo que o presbitério não era obrigado a obedecer a nenhum precedente. Defendeu com tanta veemência seu argumento que o presbirério o apoiou. Expliquei-lhes que não podíamos trabalhar assim, pois eles não obedeciam às decisões que eles próprios tomavam, por isso não sabíamos como agir.

Pouco tempo depois, surgiu a questão da construção do Tabernáculo, na Broadway. A intenção dos que haviam financiado a construção e dos líderes da igreja ali era que eu fosse o pastor e que aquela fosse uma igreja congregacional. Então, demiti-me do presbitério e tornei-me pastor congregacional.

Eu já deveria ter mencionado que, no segundo ou terceiro ano depois de minha ida para a "Capela da Rua Chatham", fui obrigado a fazer uma viagem marítima. Circulei pelo Mediterrâneo num navio pequeno no meio do inverno. Enfrentamos muitas tempestades. Meu camarote era pequeno e, de modo geral, meu estado de saúde não era bom e a viagem em nada o melhorou. Passei algumas semanas em Malta e na Sicília. Fiquei fora uns seis meses e, ao retornar, deparei com uma grande comoção em Nova York. Os membros de minha igreja e outros abolicionistas haviam realizado um comício no dia 4 de julho (dia da Independência dos Estados Unidos) e foi feita uma preleção sobre a escravatura. A manifestação provocara grande alvoroço, marcando o início de uma série de tumultos que se espalhavam em muitas direções, onde quer que houvesse um comício contra esse abominável regime.

Não deixei, por isso, de levar adiante meu trabalho na rua Chatham. Por ocasião de meu retorno, a obra de Deus foi imediatamente reavivada e progrediu com grandes resultados, sendo que em todos os cultos várias pessoas eram levadas à conversão.

Continuei atuando na rua Chatham. A igreja crescia e estendia sua influência e suas atividades em todas as direções, até ser concluído o Tabernáculo. A planta interior do edifício foi desenhada por mim. Eu havia observado as deficiências na acústica de outros templos e estava convicto de poder apresentar a planta de uma igreja em que se pudesse falar facilmente a uma platéia muito maior que a de qualquer recinto em que eu já tivesse estado. Consultei um arquiteto e apresentei-lhe minha planta. No entanto, este fez objeções ao projeto. Construir uma igreja com a parte interna descrita na planta por mim apresentada não resultaria numa boa aparência e poderia prejudicar sua reputação. Insisti, porém, na idéia e disse-lhe que, se ele não quisesse construir o templo seguindo aquela planta, então não era o homem certo para supervisionar a construção. Por fim, o templo foi construído conforme eu queria e ficou sendo o lugar mais amplo e confortável para pregar que eu já vira com aquelas dimensões.

Relacionado a isso, devo relatar a origem do jornal New York Evangelist. Antes de eu ir pela primeira vez à cidade de Nova York, o jornal New York Observer, dirigido pelo sr. Morse, já se havia empenhado na polêmica que o sr. Nettleton levantou contra os avivamentos na região central do estado de Nova York. O jornal apoiava as ações do sr. Nettleton e recusava publicar qualquer coisa escrita contra ele. Tudo que fosse escrito pelo sr. Nettleton ou por seus amigos, o sr. Morse publicava no New York Observer; mas, se algum de meus amigos ou alguém que apoiasse os avivamentos escrevesse uma resposta, não havia nenhuma chance de publicação. Assim, os defensores dos avivamentos não tinham o apoio de nenhum periódico no qual pudessem apresentar seus pontos de vista e corrigir mal-entendidos.

O juiz Jonas Platt, da Suprema Corte, morava em Nova York e era meu amigo. Seu filho e sua filha haviam-se convertido a Cristo no avivamento de Utica. Esforços consideráveis eram empreendidos pelos defensores dos avivamentos a fim de manifestar seus pontos de vista no debate. Mas tudo em vão: o New York Observer não publicava nada a não ser matéria favorável ao outro lado. Certo dia, o juiz Platt encontrou, colada na capa interna de um de seus antigos livros de Direito, uma carta escrita por um dos pastores de Nova York contra o trabalho de Whitefield, na ocasião em que este se encontrava nos Estados Unidos. Ele ficou impressionado ao ver que o conteúdo da carta assemelhava-se em muito às acusações do sr. Nettleton. Enviou-a ao New York Observer, pedindo que fosse publicada como curiosidade, pois, fora escrita quase cem anos antes. O sr. Morse, porém, recusou publicá-la, porque, como dizia, os leitores fariam um paralelo com as acusações do sr. Nettleton.

Depois de esperar certo tempo, alguns dos que apoiavam os avivamentos em Nova York reuniram-se e conversaram sobre a possibilidade de ser lançado um novo jornal que tratasse com eqüidade as questões levantadas pelo New York Observer. Decidiram publicar o jornal. Colaborei com a primeira publicação, na qual eu convidava os ministros e leigos a considerar e debater várias questões teológicas, bem como assuntos relacionados com os melhores meios de promover avivamentos espirituais.

O primeiro editor desse jornal foi o sr. Saxton, jovem que havia trabalhado um bom tempo com o sr. Nettleton, mas que desaprovava as medidas que este tomara em relação aos "Avivamentos do Oeste", conforme os chamava. Esse jovem ocupou o cargo de editor durante cerca de um ano e apresentou com muita competência as questões levantadas no debate. No curso de muitos anos, talvez o jornal tenha mudado de editor duas ou três vezes e, finalmente, o rev. Joshua Leavitt foi convidado a ocupar a cadeira editorial e aceitou o convite. O jornal logo alcançou ampla circulação e revelou-se um instrumento por meio do qual os defensores dos avivamentos podiam expressar suas idéias.

Já fiz menção da construção do Tabernáculo e da comoção que envolveu a cidade de Nova York na questão da escravatura. Quando o edifício estava recebendo os retoques finais, foi publicada uma matéria que dizia ser aquele templo "a igreja da amalgamação", porque nela brancos e negros sentariam-se juntos, de maneira promíscua. Na época, os ânimos em Nova York estavam tão exaltados que alguém ateou fogo à construção. Os bombeiros recusaram apagar o incêndio, permitindo que as chamas consumissem o interior e o telhado. Apesar disso, os homens que financiavam a obra deram prosseguimento a seus planos e a concluíram.

À medida que aumentavam os tumultos diante dos movimentos contra e a favor da escravatura, o irmão Leavitt abraçava com interesse a causa dos escravos e a defendia no New York Evangelist. Passei a observar os debates com bastante atenção e ansiedade. Mas, foi nesse período que minha saúde ficou abalada, de modo que, como já relatei, fui obrigado a fazer uma viagem marítima. Quando me despedi, admoestei o irmão Leavitt a tomar cuidado para não se envolver nos debates anti-escravatura, a fim de não prejudicar o jornal.

Retornei de viagem cerca de seis meses depois, mas não apresentava grandes melhoras em minha saúde. Durante a viagem de volta, senti-me milito preocupado com a questão dos avivamentos. Receava que entrassem em declínio no país inteiro. Temia que a oposição levantada contra eles entristecesse o Espírito Santo. Minha saúde estava muito prejudicada e eu não conhecia nenhum evangelista que pudesse assumir o campo e ajudar os pastores naquela obra. Achava que minha aflição jamais iria acabar. Minha alma estava em agonia total. Passei quase um dia inteiro orando em meu camarote ou caminhando pelo convés. Contorcia as mãos e quase mordia a língua, por causa do sofrimento que a situação me causava. Realmente, sentia-me esmagado pelo fardo que pesava sobre minha alma. Não havia ninguém a bordo com quem eu pudesse abrir o coração e contar o que estava sentindo.

Era o espírito de oração que repousava sobre mim. Já tivera experiências daquele tipo muitas vezes, mas talvez nunca em tal grau e nem durante tanto tempo. Roguei ao Senhor que continuasse sua obra e convocasse os instrumentos necessários à sua realização. Era um dos prolongados dias de verão do início de julho. Depois daquele dia de lutas e agonia indizíveis, foi exatamente ao anoitecer que a questão pareceu desanuviar-se em minha mente. O Espírito levou-me a acreditar que tudo daria bem e que eu ainda tinha um trabalho a fazer. Eu podia confiar, pois o Senhor continuaria sua obra e me daria forças para nela desempenhar qualquer papel que ele quisesse. No entanto, eu não tinha a mínima idéia do caminho que a Providencia tomaria.

Quando cheguei a Nova York, descobri, conforme já disse, que uma intensa e tumultuada comoção tomava conta da cidade por causa da questão da escravatura. Fiquei apenas um ou dois dias em Nova York e fui para interior, onde minha família estava passando o verão. Quando retornei a Nova York, no outono, o irmão Leavitt procurou-me e disse: "Irmão Finney arruinei o Evangelist! Não fui prudente como o irmão me aconselhou e ultrapassei tanto a compreensão e os sentimentos públicos a respeito do assunto que o número de assinantes do jornal está reduzindo rapidamente. Não poderemos continuar a publicá-lo depois do dia 1.° de Janeiro, a não ser que o irmão faça algo para restaurá-lo diante do público".

Informei-lhe que minha saúde estava abalada e que não sabia que providências tomar, mas faria daquilo assunto de minhas orações. Ele me sugeriu que, se eu escrevesse uma série de artigos a respeito dos avivamentos, o jornal com certeza recuperaria a popularidade. Depois de passar uns dois dias considerando o assunto, coloquei diante dele a seguinte proposta: eu faria uma série de preleções em nossa congregação a respeito de avivamentos e ele as transformaria em matérias do jornal. O irmão Leavitt aprovou imediatamente a idéia: "É disso que preciso!". Na edição seguinte, fez propaganda das preleções. Isso surtiu o efeito que ele desejava e, pouco depois, contou-me que a lista de assinantes estava aumentando muito rapidamente e, abrindo ao máximo seus braços compridos, exclamou: "A cada dia, são tantas as novas assinaturas que os jornais ocupariam todo este espaço para que eu pudesse fornecer a cada pessoa um único exemplar!". Antes, a média fora reduzindo 60 assinaturas por dia. Mas, agora, a velocidade com que aumentavam era maior que a da redução.

Comecei de imediato a série de preleções e preguei durante todo o inverno, uma vez por semana. O irmão Leavitt não era taquígrafo, mas anotava tudo que eu dizia, abreviando as palavras de modo a entender o que anotara. No dia seguinte, sentava-se e reescrevia as anotações e enviava o texto para o prelo. Eu não via as matérias até serem publicadas no jornal. Eu não escrevia as preleções, eram feitas totalmente de improviso. Mas, não escolhia o assunto da mensagem seguinte sem ter lido a última matéria publicada. Lendo o texto do irmão Leavitt, tornava-se claro para mim o assunto que, pela ordem natural, devia ser considerado a seguir. Os textos apresentavam em resumo o conteúdo das preleções, cuja duração média era de uma hora e 45 minutos. Mas o que o irmão Leavitt colocava no papel podia ser lido em trinta minutos.

Mais tarde, as preleções foram publicadas em forma de livro com o título Finney's Lectures on Revivals [Leituras de Finney sobre Avivamentos]. Doze mil exemplares foram vendidos tão rapidamente quanto podiam ser impressos. E, agora, para a glória de Cristo, quero registrar que essas preleções foram reimpressas em Inglaterra e em França. Foram traduzidas para o galês e, na Europa continental, para o francês e, acredito, para o alemão. Circularam por toda a Europa e pelas colônias da Grã-Bretanha. Suponho que possam ser achadas em todos os lugares de língua inglesa e francesa. Depois de serem impressas em galês, os ministros congregacionais do País de Gales, em uma nas convenções, nomearam um comitê para informar-me do grande avivamento que resultara da tradução daquelas preleções para o idioma deles. O relatório veio por carta. Certo editor, em Londres, informou-me que o pai publicara 80 mil volumes. Acredito que tenham servido de padrão de impressão na Inglaterra e na Europa continental.

Não sei para quantos idiomas foram traduzidas aquelas preleções. Considero tudo isso resposta à oração no barco. Minhas preleções sobre avivamentos, mesmo escritas de forma abreviada e por fracas que tenham sido em si mesmas, foram usadas por Deus para a promoção de avivamentos na Inglaterra, na Escócia, em vários lugares da Europa continental, no Oeste e no Leste do Canadá, na Nova Escócia, em algumas das ilhas — na realidade, em todas as colônias britânicas.

Quando visitei a Inglaterra e a Escócia, tive o prazer de encontrar-me com um grande número de ministros e leigos que se haviam convertido, direta ou indiretamente, por meio de minhas preleções sobre avivamento. Lembro-me de que, da última vez em que estive ali, certa noite, depois de meu sermão, três ministros de grande destaque apresentaram-se a mim e declararam que, quando eram estudantes, conseguiram adquirir exemplares daquelas preleções e que a leitura delas havia resultado em sua vocação ministerial. Conheci pessoas de todas as denominações na Inglaterra que não somente haviam lido minhas preleções, como também tinham sido grandemente abençoadas por sua leitura.

Quando foram publicadas pela primeira vez no New York Evangelist, a leitura delas resultou em avivamentos em inúmeros lugares dos Estados Unidos. Pode ser que, ao relatar estes fatos, eu esteja dando a impressão de ser presunçoso. Mas, o leitor deve lembrar-se de minha agonia em alto mar, do longo dia de viagem vivido em oração, rogando a Deus que fizesse algo a favor do avivamento e me capacitasse, se fosse seu desejo, para ajudar ainda naquela obra. Foi então que tive a certeza de que minhas orações seriam atendidas e, a partir de então, tenho considerado tudo isso como a resposta à oração daquele dia — inclusive os resultados da pregação e da publicação daquelas preleções a favor da Sião de Deus.

Essa tem sido minha experiência, quando passo um dia ou um período de tempo em agonia de alma por algum objetivo e quando persigo meu alvo e continuo a defender minhas intenções, até sentir que minha alma alcançou repouso. Em resposta às minhas orações, Deus não somente me deu tudo que lhe pedi: concedeu-me muitíssimo mais do que eu tinha consciência de estar pedindo. Deus continua atendendo às orações que fiz naquele dia, a bordo do navio, há mais de trinta anos.

Ninguém senão eu mesmo pode dar o devido valor à maneira maravilhosa como Deus atendeu àquelas agonizantes pontadas em minha alma. Realmente, tratava-se de Deus, o Espírito Santo, intercedendo dentro de mim. A oração não era propriamente minha, era do Espírito. Não advinha, absolutamente, de nenhuma justiça ou merecimento próprio. O espírito de oração veio sobre mim como graça soberana, que me foi outorgada sem o mínimo mérito meu e a despeito de minha pecaminosidade. Ele pressionou minha alma à oração, até eu ser capacitado a prevalecer e, mediante as riquezas infinitas da graça de Cristo Jesus, já passei muitos anos testemunhando os resultados maravilhosos daquele dia em que pude contender com Deus em oração. Como resposta àquela agonia, que durou um dia inteiro, ele tem continuado a conceder-me o espírito de oração.

Pouco depois de voltar a Nova York, comecei a empenhar-me no trabalho do Tabernáculo. O Espírito do Senhor foi derramado sobre nós e, enquanto fui pastor daquela igreja, experimentamos ali um precioso e contínuo avivamento. No período que passei em Nova York, muitos jovens me procuraram, pedindo que eu lhes desse algumas aulas e lhes transmitisse meus conceitos teológicos. Mas, eu estava demasiadamente sobrecarregado de responsabilidades para me poder dedicar a mais essa tarefa. Mesmo assim, os irmãos que haviam construído o Tabernáculo, já tinham um plano semelhante. Por isso, nos retoques finais da obra, prepararam uma sala localizada abaixo do lugar da orquestra. A sala seria usada para reuniões de oração, mas especialmente como sala de preleções teológicas. O número de interessados era tão grande que resolvi oferecer um curso teológico anual, usando aquela sala e permitindo que os estudantes o freqüentassem gratuitamente.

Antes de eu começar as preleções em Nova York, porém, o Seminário Lane suspendeu suas atividades. Os pormenores desse fato são demasiadamente conhecidos para serem narrados aqui. Quando isso aconteceu, o irmão Arthur Tappan propôs que eu fosse para algum lugar do Oeste por um período suficiente para introduzir no ministério os jovens que haviam saído do seminário. Fez-me a seguinte proposta: se eu fosse para o Oeste e alugasse cômodos onde pudesse fazer minhas palestras e transmitir àqueles jovens meus conceitos teológicos, preparando-os para o ministério naquela região, ele pagaria todos os custos do empreendimento. Estava sendo muito sincero nesse pedido. Mas eu não via como sair de Nova York nem como atender ao pedido do sr. Tappan, embora simpatizasse grandemente com a idéia de ajudar aqueles jovens. A maioria deles, talvez quase todos, haviam-se convertido nos avivamentos dos quais eu participara com maior ou menor envolvimento.

Enquanto essa proposta estava sendo considerada, o rev. J. J. Shiphenl e o rev. Asa Mahan, de Cincinnati, chegaram a Nova York com o propósito de convencer-me a lecionar teologia em Oberlin. O irmão Mahan fora um dos membros da junta do seminário teológico que suspendera as atividades perto de Cincinnati. O irmão Shipherd organizara uma filial, sendo que alguns dos membros da junta já moravam em Oberlin. Obtivera licença para criar um universidade, mas, na ocasião, a razão social da instituição era ser Instituto para Oberlin. O irmão Mahan nunca estivera naquela cidade. As árvores haviam sido removidas da praça, algumas cabanas de toras tinham sido levantadas, as quais, na estação anterior, abrigaram uns poucos alunos e já funcionava ali o departamento preparatório ou acadêmico da instituição.

A proposta colocada diante de mim era que eu assumisse a tarefa de ensinar teologia aos alunos que haviam deixado o Seminário Lane. Eles se propuseram a vir buscar-me, caso eu aceitasse o convite. Essa proposta satisfazia, também, os desejos dos irmãos Arthur e Lewis Tappan e o anseio de muitos amigos dos escravos que simpatizavam com o desejo do sr. Tappan que aqueles jovens recebessem instrução teológica e fossem introduzidos no ministério tão logo quanto possível. Recebemos várias consultas a respeito do assunto. Os irmãos em Nova York ofereceram-se, caso eu concordaram em passar metade do ano em Oberlin, para instituir de imediato um financeiro a fim de sustentar os docentes.

Pelo que entendi, os membros da junta do Seminário Lane haviam agido à revelia do corpo docente e, na ausência de vários professores, aprovaram a resolução que provocara a saída dos alunos. Respondi, portanto, ao irmão Shipherd, por ser ele quem trataria do assunto, que não iria em hipótese alguma, a não ser que os membros da junta do seminário concordassem com duas proposições colocadas por mim. Uma delas era que os membros da junta jamais interferissem nos regulamentos internos da escola: teriam de deixar o assunto inteiramente a critério do corpo docente. A outra era que tivéssemos permissão para aceitar alunos negros, da mesma forma que recebíamos os alunos brancos e que não houvesse nenhuma discriminação racial — essa questão também tinha de ser deixada inteiramente por conta do corpo docente.

Quando minhas condições foram transmitidas a Oberlin, os membros da junta do seminário foram convocados e, para eles, foi uma grande luta vencer os próprios preconceitos — e os da comunidade — e aprovar as resoluções que garantiam a minha ida para sua instituição. Removida essa dificuldade, os amigos em Nova York foram convocados para ver o que poderiam fazer a favor do seminário. Em uma ou duas horas, haviam assumido o compromisso de cobrir o salário de oito docentes — que se supunha ser tudo quanto a instituição precisaria receber durante alguns anos para o sustento dos professores. No entanto, com a grande recessão de 1837, quase todos os que haviam assinado o compromisso foram à falência. Assim, caiu por terra todo o nosso fundo de sustento.

Depois de levantadas as assinaturas para o fundo financeiro, senti grande pesar diante da idéia de abrir mão daquele local admirável para a proclamação do evangelho, que ficava superlotado quando eu pregava. Além disso, tive a certeza de que em Oberlin sofreríamos grande oposição, vinda de muitas fontes. Revelei então ao irmão Arthur Tappan minha intranqüilidade. Enfrentaríamos, no país inteiro, forte oposição por causa de nossos princípios anti-escravatura. As verbas com certeza seriam bastante minguadas, insuficientes para levantar os edifícios e adquirir o equipamento e toda a mobília para implantação de um curso superior. Precisávamos, também, de uma biblioteca e de outras instalações e, por enquanto, não tínhamos nada. Além disso, eramos chamados de Escola Nova da Teologia. Éramos homens de avivamentos e defendiamos a aplicação de métodos desconhecidos sempre que possível. Por isso, diante de mim o caminho não parecia desimpedido para levar adiante aquele compromisso, a não ser que algo fosse feito para nos garantir a verba indispensável.

O coração do irmão Arthur Tappan era tão grande quanto Nova York inteira, posso até mesmo dizer tão grande quanto o globo terrestre. Era homem de pequena estatura, mas, tinha um coração imenso. Quando coloquei o caso diante dele, nos termos que utilizei aqui, ele respondeu:

— Irmão Finney, só o irmão saberá disto: meu salário anual atualmente está na média de 100 mil dólares. Ora, se o irmão quiser ir para Oberlin e assumir aquela obra, supervisionar a construção dos edifícios, criar uma biblioteca e providenciar todas as outras coisas que forem necessárias, eu me comprometo a entregar-lhe toda a minha renda, descontadas as despesas necessárias ao sustento de minha família, até que o irmão não tenha mais dívidas.

Tendo total confiança no irmão Tappan, respondi: — Isso me basta. Nesse caso, todas as dificuldades estão fora do caminho. Mesmo assim, encontrei grande dificuldade em deixar minha igreja em Nova York. Nunca imaginara que minhas atividades em Oberlin fossem interferir na obra de avivamento e na pregação que ali realizava. Eu e minha igreja, portanto, fizemos um acordo: eu passaria o inverno em Nova York e o verão em Oberlin. A igreja pagaria as despesas de viagem. Eu chegaria a Oberlin em Abril e voltaria para Nova York em Novembro, todos os anos.

Mediante esse acordo, cheguei a Oberlin em Maio, levando comigo minha família.

 

 

CAPÍTULO XXIV

O INÍCIO DO TRABALHO EM OBERLIN

Os alunos do Seminário Lane vieram para Oberlin e os membros da junta do seminário armaram barracas para se alojarem. Quando foi anunciado que o seminário restabeleceria as suas atividades, os alunos acorreram, vindo de todas as direções. Depois de ser combinada minha vinda para Oberlin, os irmãos escreveram-me pedindo que eu levasse uma tenda de tamanho grande para abrigar reuniões de avivamento, visto não haver na cidade nenhum salão suficientemente espaçoso para abrigar a congregação. Repassei o pedido a alguns dos irmãos e eles falaram que eu poderia mandar fabricar a tenda, pois pagariam a despesa. Assim, encomendei-a e os amigos entregaram-me o dinheiro para pagá-la. No entanto, os irmãos de Oberlin ficaram receosos. Temiam que a tenda se tornasse uma cilada, pois seríamos forçados a sair por toda a região para pregar. Isso significava abandonar nossa obra principal para que pudéssemos realizar os trabalhos evangelísticos nas cidades e condados ao nosso redor.

Enviaram-me, então, uma carta na qual declaravam que era melhor eu abandonar a idéia de conseguir a tenda. Informei os irmãos de quem eu recebera o dinheiro para a compra da tenda sobre aquela decisão e perguntei-lhes o que fazer com ele. Disseram-me que não o aceitariam de volta. Aconselharam-me a doá-lo ao fundo financeiro da faculdade ou a outra empreendimento beneficente — não lembro qual. De qualquer forma, apliquei o dinheiro conforme o desejo daqueles irmãos e não pensei mais sobre o assunto. Pouco tempo antes da data marcada para minha viagem a Oberlin chegou outro pedido dos irmãos dessa cidade, declarando que não seria possível ficar sem a tenda e que, por isso, desejavam que eu conseguisse uma. Senti-me humilhado, mas, sabedor de que o coração e o bolso dos meus amigos em Nova York estavam inteiramente abertos e que eles haviam assumido o compromisso de levar adiante aquele empreendimento, informei-os a respeito desse último pedido. Sem a mínima hesitação, responderam: "Mande fazer a tenda e nós lhe daremos o dinheiro".

Fiz então nova encomenda: uma tenda circular com 30 metros de diâmetro, acompanhada de todas as peças necessárias para ser armada. No topo do mastro central que sustentava a tenda, havia uma flâmula onde estava escrito em grandes letras: "Santidade ao Senhor". Essa tenda foi-nos de grande utilidade. Quando o tempo permitia, nós a armávamos na praça pública todos os domingos e nela celebrávamos os cultos públicos. Realizamos ali vários cultos de formatura. Era usada para reuniões evangelísticas, mas nunca a ponto de interferir nos trabalhos do seminário.

Já mencionei a promessa do irmão Arthur Tappan, de fornecer-nos os recursos necessários, dentro do que era possível com a sua renda até que tivéssemos vencido as nossas deficiências financeiras. O entendimento entre mim e o irmão Tappan era particular — uma promessa que me fora feita pessoalmente, com a condição de que eu fosse para Oberlin. Ele disse-me: "Quero que sua instituição seja bem conhecida; que os membros da junta enviem representantes por todo o interior e cidades, divulgando os objetivos e as necessidades da instituição; que levantem tanto dinheiro quanto puderem e tornem conhecido seu empreendimento por meio desse trabalho, até onde puderem. Não quero que vocês levantem a bandeira abolicionista, mas levem adiante o propósito de receber alunos negros assim como recebem brancos. E tomem cuidado para que a obra não seja tirada das mãos do corpo docente e destruída pelos membros da junta, como aconteceu em Cincinnati. Basta que divulguem estar aceitando esses alunos e prossigam com o trabalho da melhor maneira possível. Sigam adiante e levantem os edifícios tão rapidamente quanto puderem. Seja qual for a deficiência de verba, depois de envidados todos os esforços, podem sacar o dinheiro de minha conta e eu cobrirei os saques até o limite de minha renda anual".

Cheguei a Oberlin com isso em mente. Mas havia ficado entendido entre mim e o irmão Tappan que a promessa dele não deveria chegar ao conhecimento dos membros da junta, para que não deixassem de se esforçar não só para coletar fundos, mas, também, para tornar conhecidas as necessidades e objetivos da instituição pela região inteira. De conformidade com esse entendimento, a obra foi levada adiante tão rapidamente quanto possível, levando-se em conta as nossas condições, pois o local ficava no coração de uma grande floresta, num buraco lamacento. Era ali que vivíamos. A localização da instituição era definitivamente inadequada. A escolha do terreno fora feita com precipitação. E, não fosse a boa mão divina que nos ajudava a cada passo, o projeto teria sido um fracasso. Tivemos uma despesa de vários milhares de dólares apenas para vencer os obstáculos naturais à construção do seminário.

Mal havíamos colocado a obra em andamento, começando a levantar os prédios e assumindo despesas de grande vulto, quando o desastre financeiro derrubou o irmão Tappan e quase todos os irmãos que haviam assinado o compromisso de levantar fundos para o sustento do corpo docente. A recessão afetou o país inteiro e destruiu economicamente a grande massa dos homens ricos, deixando-nos não somente sem condições de sustentar o corpo docente mas, também, com 50 mil dólares de dívidas, sem nenhuma perspectiva de obter fundos da parte dos amigos no país. O irmão Tappan escreveu-me, reconhecendo expressamente a promessa que me fizera e expressando sua mais profunda tristeza por estar aniquilado e totalmente incapacitado de cumprir com seu compromisso. Nossas necessidades eram muito grandes e, do ponto de vista humano, parecia que o empreendimento seria um fracasso.

No tocante à política, o estado democrático opunha-se totalmente ao nosso empreendimento por causa de seu caráter abolicionista. As cidades ao redor mostravam-se tão hostis ao nosso movimento que chegaram a ameaçar deitar a abaixo os prédios que já havíamos erguido. Enquanto isso, certa legislatura estava-se esforçando para encontrar na obra algum aspecto que justificasse o cancelamento do alvará. Nessa situação, é lógico que todos nos clamávamos muito a Deus.

O livro com minhas preleções havia circulado amplamente em Inglaterra e tínhamos consciência de que o público britânico simpatizaria calorosamente conosco se viesse a conhecer os nossos objetivos, nossas perspectivas e nossa situação. Por isso, preparamos uma representação composta pelo sr. John Keep e pelo sr. Wm. Dawes. Conseguimos cartas de recomendação para eles, bem como o aval de alguns dos homens mais importantes dos Estados Unidos para nosso empreendimento. Eles foram, então, para Inglaterra e apresentaram nossos objetivos e necessidades ao povo britânico. O apoio foi atendido com generosidade e recebemos 10 mil libras esterlinas. Assim, a nossa dívida foi quase totalmente paga.

Nossos amigos abolicionistas, que apoiavam os avivamentos, estavam espalhados por todos os estados do Norte e ajudaram-nos com generosidade, dentro de suas possibilidades. Tivemos, porém, de lutar contra a escassez de recursos e passamos muitas provações durante vários anos. Às vezes, de um dia para o outro, não sabíamos como seríamos sustentados. Minha situação, em especial, era essa. Falhara o fundo financeiro e não havia como sustentar o corpo docente. Mas, com a bênção de Deus, demos conta da melhor maneira possível. Certa ocasião, encontrei-me sem meios de sustentar minha família no decurso do inverno. Estávamos tão pobres que fui obrigado a vender a mala que usava em minhas viagens evangelísticas, a fim de substituir uma vaca que eu havia perdido. Um dia de Ação de Graças fora decretado pelo governante do estado; levantei-me na manhã desse dia e apresentei ao Senhor as nossas necessidades. Terminei, dizendo que, se a ajuda não viesse, eu tomaria por certo que aquilo era o melhor para nós e procuraria sentir-me inteiramente satisfeito com o que o Senhor desejava para mim.

Subi ao púlpito para pregar e penso que, durante o sermão, senti muita alegria. Foi um momento de bênçãos para minha alma. Percebi que o auditório havia gostado muitíssimo da mensagem. Encerrado o culto, ocupei-me por algum tempo em conversas com os irmãos, enquanto minha mulher voltava para casa. Quando cheguei em casa, ela estava na porta com uma carta aberta na mão. Quando me aproximei, ela disse-me, sorrindo: "A resposta chegou, querido!". E passou-me a carta que continha um cheque do irmão Josiah Chapin, de Providence, num montante de 200 dólares! Ele estivera ali no verão anterior com a mulher. Eu não dissera uma única palavra a respeito de nossas necessidades. Nunca tive o hábito de mencionar nossas dificuldades a quem quer que fosse. Na carta que acompanhava o cheque, porém, o irmão Chapin dizia que ficara sabendo que o fundo financeiro falhara e que eu precisava de ajuda. Dava a entender que eu poderia esperar mais ofertas, de tempos em tempos. Ele passou a enviar-me 600 dólares por ano, durante anos. E com essa soma consegui sustentar-me.

Eu devia ter dito que, pelo acordo feito em Nova York, eu passava os verões em Oberlin e os invernos em Nova York, isso durante dois ou três anos. Um avivamento abençoado acontecia sempre que eu voltava a pregar ali. Em Oberlin, experimentávamos um avivamento ininterrupto. Nenhum dos alunos ficava sem se converter. Minha saúde, porém, ficou tão enfraquecida que me vi obrigado a deixar um dos dois campos de trabalho e os interesses da instituição pareciam impedir totalmente que eu deixasse a obra em Oberlin. Por isso, demiti-me da igreja de Nova York e, os seis meses que seriam passados em Nova York, passei-os no estrangeiro, levando para lá o avivamento.

As preleções sobre avivamento foram feitas enquanto eu ainda era pastor da Igreja Presbiteriana na "Capela da Rua Chatham". Nos dois invernos seguintes, minhas palestras visavam os crentes do Tabernáculo na Broadway e estas foram anotadas pelo irmão Leavitt e publicadas no New York Evangelist. Foram impressas depois em um só volume, neste país e na Europa. Esses sermões, dirigidos aos crentes, eram decididamente o resultado de cuidadosa busca interior. Com isso, quero dizer que o Espírito de Deus mostrou-me muitas coisas no tocante à santificação e, assim, fui levado a pregar aquelas mensagens. Muitos consideravam tais preleções mais uma exposição da Lei que do Evangelho. Mas, eu não as considerava assim e ainda não as considero. Para mim, a Lei e o Evangelho têm uma única e mesma regra para a vida e cada violação do espírito da Lei é, também, uma violação do espírito do Evangelho. Há muito tempo me convenci de que as experiências cristãs mais sublimes são o resultado de um profundo processo de aplicação da lei de Deus à consciência humana.

O resultado do meu trabalho até então mostrou-me com maior clareza a grande debilidade dos crentes. Os membros mais antigos da igreja, de modo geral, faziam muito pouco progresso na graça. Descobri que eles recuavam do estado de avivamento muito mais rapidamente que os recém-convertidos. Fora assim no avivamento em que eu mesmo me convertera. Notava que os crentes antigos voltavam com muito mais rapidez ao estado de apatia. Percebi claramente que isso devia-se aos ensinos que lhes foram ministrados no início da fé. Eu também fora levado a um estado de grande insatisfação com minha falta de estabilidade na fé e no amor. Para ser sincero, preciso dizer, para o louvor da graça divina, que Deus não me deixou cair em apostasia como aconteceu com muitos crentes. Mesmo assim, sentia-me fraco quando enfrentava alguma tentação e, muitas vezes, tive de passar dias em jejum e oração e dedicar muito tempo à manutenção de minha vida espiritual. Assim, pude manter a comunhão com Deus e o vínculo com o poder que me capacitava a trabalhar com eficiência nos avivamentos.

Ao examinar o estado espiritual das igrejas, que hoje me é revelado em minhas atividades reavivalistas, fui levado a informar-me se não havia algo mais sublime e durável que aquilo de que o povo cristão tinha consciência, se não existiam promessas e meios de elevar os crentes a um nível mais sublime na vida cristã. Tomei conhecimento das idéias de nossos irmãos metodistas sobre a santificação. Considerando, porém, o estreito relacionamento que lhe atribuem com a emoção, não pude aceitar seus ensinos. No entanto, dediquei-me a estudar com sinceridade as Escrituras e a ler tudo que caía em minhas mãos a respeito do assunto, até ter certeza de que era possível alcançar um nível mais sublime e estável na vida cristã e que esse era um privilégio de todos os cristãos.

Assim, fui levado a pregar no Tabernáculo dois sermões sobre a perfeição cristã, que agora fazem parte do referido livro de preleções. Neles, defini a perfeição cristã, esforçando-me para demonstrar que essa perfeição é alcançável nesta vida e em que sentido ela pode ser alcançada. Já mencionei que esses sermões foram publicados no New York Evangelist. Pelo que sei, eles não chocaram a igreja. Seus conceitos, em momento algum, foram considerados heréticos. Só bem depois de mudar-me para Oberlin vim a saber de alguma contestação. Mas, nesse tempo, a questão da perfeição cristã, no sentido antinomiano do termo, passou a ser bastante debatida em New Haven, em Albany e em parte da cidade de Nova York. Examinei os conceitos emitidos e li atentamente o jornal The Perfectionist; porém, aquelas opiniões não me eram aceitáveis. No entanto, eu estava convicto de que a doutrina da santificação nesta vida — a inteira santificação — no sentido de ser privilégio dos cristãos viver sem pecado consciente, era ensinada na Bíblia e que inúmeros meios haviam sido providenciados para que alcançassem essa condição.

No último inverno que passei em Nova York, o Senhor agradou-se de visitar minha alma com grande refrigério. Depois de um período de grande busca, levou-me a um lugar espaçoso, como tem feito freqüentemente e envolveu minha alma com uma boa dose daquela doçura divina à qual se refere o presidente Edwards. Naquele inverno, passei por um quebrantamento total, tanto que, por um tempo considerável, não podia refrear o choro em voz alta diante de meus pecados e do amor de Deus em Cristo. Semelhantes períodos foram freqüentes naquele inverno e resultaram na renovação das minhas forças espirituais e na ampliação de meus conceitos quanto aos privilégios do crente e à abundância da graça de Deus. É bem sabido que as minhas opiniões a respeito da santificação têm sido motivo de bastante crítica.

A fidelidade à história obriga-me a dizer algumas coisas que, em outras circunstâncias, teria deixado passar em silêncio. A Faculdade de Oberlin foi estabelecida pelo sr. Shipherd, contrariando fortemente os sentimentos e desejos dos envolvidos na construção da Faculdade de Hudson. O sr. Shipherd informou-me, certa vez, que o irmão Coe, na época o representante principal dessa universidade, asseverou-lhe que faria o possível para encerrar a nossa faculdade. Logo que os membros da junta de Hudson ficaram sabendo que eu recebera um chamado para ser professor de teologia em Oberlin, selecionaram-me, também, para lecionar a mesma disciplina em sua universidade, de modo que recebi os dois convites ao mesmo tempo. Não assumi compromisso por escrito com nenhuma das duas faculdades, mas examinei a situação a fim de decidir o caminho do dever.

Naquela primavera, a assembléia geral anual da Igreja Presbiteriana foi realizada no mês de Maio, em Pittsburgh. Quando cheguei a Cleveland, fui informado de que dois professores de Hudson estavam aguardando minha chegada com o propósito de me persuadir, no mínimo, a ir primeiramente a Hudson. Eu, no entanto, atrasara-me na viagem pelo lago, por causa dos ventos contrários e as pessoas que estavam à minha espera haviam partido para participar da assembléia, deixando um irmão encarregado de me procurar imediatamente após minha chegada e tentar convencer-me a ir a Hudson.

Em Cleveland, porém, aguardava-me uma carta de Nova York da parte do irmão Arthur Tappan. De alguma forma, ele ficara sabendo que esforços consideráveis estavam sendo feitos para levar-me a Hudson, em vez de Oberlin. Hudson estava com os prédios e instalações prontos e já era uma faculdade bem estabelecida. Tinha, também, reputação e influência. Já em Oberlin não havia nada. A cidade não tinha edifícios e era composta de uma pequena colônia estabelecida no meio da floresta. Estavam começando a construir casas de moradia e a abrir uma clareira na imensa floresta a fim de obter um espaço para montar a faculdade. Tinham, sem dúvida, a escritura de concessão e alguns alunos moravam no local. Comparado com Hudson, porém, tudo isso era nada.

A carta escrita pelo irmão Tappan tinha como propósito desfazer a idéia de que eu conseguiria em Hudson os meios para realizar o que pretendíamos em Oberlin. Deixei minha família em Cleveland, aluguei uma charrete com um cavalo e fui para Oberlin, sem ir a Hudson. Quando passei por Elyria, achei ali uns velhos conhecidos dos tempos em que estávamos na região central do estado de Nova York. Eles informaram-me que os membros da junta da Faculdade de Hudson pensavam que, se me levassem para Hudson, teriam chance de derrotar Oberlin. E em Hudson havia poderosa influência da Escola Antiga, capaz de obrigar-me a acomodar-me às opiniões e métodos deles. Essas coisas eles ficaram sabendo por um representante de Hudson que estivera em Elyria, o que estava plenamente de acordo com as informações que eu recebera do irmão Tappan.

Fui para Oberlin e vi que nada existia que impedisse a edificação de uma faculdade segundo os princípios que determinavam o sucesso de um colégio no Oeste e, também, no que dizia respeito aos princípios reformistas que eu sabia serem preciosos para as pessoas envolvidas naquele empreendimento. Os irmãos que já moravam no terreno eram totalmente a favor de que fosse levantada uma escola segundo os princípios radicais da reforma. Por isso, escrevi aos curadores de Hudson e recusei, com agradecimentos, o convite que me fora feito por eles. Passei, então, a residir em Oberlin. Nada tinha para falar contra Hudson e nada sabia contra aquela instituição. No entanto, parecia que a política do irmão Coe era rebaixar a Faculdade de Oberlin ou mantê-la em condição de declínio.

Em pouco tempo, ouvia-se o clamor contra o perfeccionismo antinomiano — e essa acusação foi levantada contra nós. Cartas foram escritas, grupos eclesiásticos foram visitados e muitos esforços foram empreendidos para mostrar que os nossos conceitos eram heréticos. Foram ditos diante de agremiações eclesiásticas e em todas as partes do país, tamanhos disparates contra a influência da teologia de Oberlin que muitas dessas entidades aprovaram resoluções contra nossa escola. Parecia que o ministério em peso havia-se unido contra nós. Sabíamos muito bem quem dera início à confusão e por que meios ela se espalhara. Nada dissemos, porém. Mantivemos silêncio sobre o assunto e não sustentamos nenhuma controvérsia contra aqueles irmãos que se esforçavam tanto para despertar aversão contra nós.

Não devo entrar em pormenores, mas, basta dizer que as armas utilizadas para rebaixar-nos voltaram-se contra nossos oponentes, causando grande estrago entre eles e o resultado foi a mudança de quase todos os membros do corpo docente em Hudson. A direção geral da universidade caiu nas mãos de outras pessoas. Praticamente nunca ouvi nada do que está sendo registrado aqui contra Hudson, nem naquela ocasião, nem em qualquer outra época. Nós mantínhamo-nos ocupados em nossas tarefas e achávamos que a melhor resistência à oposição da parte de Hudson seria manter silêncio — e não nos enganamos. Tínhamos a confiança de que não estava nos planos de Deus deixar que semelhante oposição nos destruísse. Quero deixar claro que não tenho a mínima consciência de que algum dos atuais líderes e diretores daquela faculdade tenha simpatizado com os antigos opositores ou que soubesse das atividades deles.

As pessoas perguntam-me o que despertou tantas reações à questão da santificação e o que levou tanta gente a considerar heréticas minhas opiniões sobre o assunto, justamente após minha vinda para Oberlin, já que eram conhecidas e haviam sido publicadas na cidade de Nova York, no New York Evangelist, antes de surgir o comentário sobre sermos perfeccionistas antinomianos.

Os pastores, de perto e de longe, levaram consideravelmente adiante a oposição que faziam. Na época, foi convocada uma convenção em Cleveland para discutir o assunto da educação e do sustento dos colégios do Oeste. O convite era tão insistente que saímos de Oberlin na certeza de que faríamos parte na convenção. Ao chegar, descobrimos que o dr. Beecher estava dominando o território. Logo descobrimos que estavam arquitetando um plano para excluir da convenção tanto os irmãos de Oberlin quanto os que simpatizavam com o nosso trabalho. Não tive licença para ocupar um assento como membro na convenção. Mesmo assim, assisti a várias sessões antes de voltar para casa.

Lembro-me de ter ouvido um dos ministros, o sr. Lathrop, que havia sido ou era ainda pastor da igreja em Elyria, declarar que considerava as doutrinas e a influência de Oberlin piores que as do catolicismo romano. Suas palavras eram típicas do ponto de vista mantido por aquele grupo. Não me refiro à totalidade dos presentes, de modo algum. Alguns dos alunos que haviam cursado teologia em Oberlin relacionavam-se com as igrejas e com a convenção, razão por que tinham assento naquele conclave. Eles representavam igrejas de várias partes do país e explicavam com muita franqueza os princípios e práticas de Oberlin quando surgiam questionamentos a respeito deles. Segundo parecia, o objetivo da convenção era cercar Oberlin por todos os lados e esmagar-nos mediante um sentimento público que nos recusasse qualquer apoio. Quero que o leitor entenda, porém, que não estou culpando de modo algum os que participaram daquela convenção, senão bem poucos deles. Os outros estavam sendo enganados e agiam com base numa compreensão totalmente errônea dos fatos. O dr. L. Beecher era a mente que liderava a convenção.

Em Oberlin, nossa política era deixar a oposição em paz. Dedicávamo-nos aos nossos deveres e tínhamos sempre tantos alunos quantos conseguíamos acomodar e ensinar. Nossas mãos estavam sempre ocupadas com nossa obra e sentíamo-nos grandemente entusiasmados. Poucos anos depois daquela convenção, um dos ministros de maior destaque ali presentes veio passar uns dias em nossa casa.

Esse ministro, entre outras coisas, declarou: "Irmão Finney, para nós, Oberlin é um grande milagre. Há muitos anos sou professor em uma universidade. Estou bem familiarizado com a vida e os princípios que regem o estabelecimento de uma escola. Falando em universidades, pensávamos que elas não podiam existir sem o apoio do ministério. Sabíamos que os jovens prontos a ingressar numa universidade geralmente consultavam seu pastor na hora de escolher em qual se matricular e, geralmente, seguiam a recomendação de seu líder. Agora, quase todos os pastores tomaram posição contra Oberlin. Foram enganados pela acusação de perfeccionismo antinomiano. E, no que se refere às idéias reformistas que o irmão defende, as associações eclesiásticas — de longe e de perto, congregacionais, presbiterianos e de todas as denominações — uniram-se para advertir as igrejas contra o irmão e desencorajar os jovens a virem para cá. Mesmo assim, o Senhor tem feito com que o trabalho aqui se desenvolva. Vocês são sustentados com fundos financeiros maiores que os recebidos por qualquer outra universidade no país e têm muito mais alunos que qualquer outra universidade do Oeste ou mesmo do Leste. A bênção de Deus está sobre vocês, de modo que seu sucesso é maravilhoso. Ora, essa é uma perfeita anomalia na história das faculdades. Os oponentes de Oberlin estão confusos e Deus tem apoiado e sustentado vocês em toda essa oposição, a ponto de quase não a terem sentido".

Hoje em dia, é difícil alguém dar-se conta da oposição que enfrentamos ao estabelecer a faculdade. A título de ilustração e como caso típico, vou relatar um incidente divertido que ocorreu no período do qual estou falando. Tive ocasião de ir a Akron, no condado de Summit, para pregar num domingo. Fui numa charrete puxada por um cavalo. No caminho, pouco depois de passar a aldeia de Medina, observei na estrada, à minha frente uma senhora que caminhava levando na mão uma trouxa pequena. Ao chegar mais perto, observei tratar-se de uma senhora idosa, bem vestida, a qual andava com certa dificuldade por causa da idade avançada. Cheguei perto dela, parei o meu cavalo e perguntei-lhe qual a distância que teria de percorrer ao longo daquela estrada. Ela deu-me a informação e, então, convidei-a a subir na charrete e completar a sua viagem. "Oh!", exclamou ela. "Ficaria muito grata por uma carona, pois percebo que a caminhada que fiz foi grande demais". E passou a explicar como havia conseguido fazer aquela caminhada tão grande. Ajudei-a a subir na charrete, voltei a sentar-me, agora do lado dela e toquei o cavalo adiante. Era uma senhora muito inteligente, de conversa desembaraçada e agradável. Depois de percorrermos certa distância, ela perguntou: "Posso perguntar a quem devo o favor desta carona?". Disse-lhe meu nome e ela perguntou de onde eu vinha. Contei-lhe que vinha de Oberlin. Essa informação deixou-a assustada. Fez um leve movimento para se posicionar o mais longe de mim quanto possível e, olhando-me com seriedade, exclamou: "De Oberlin! Ora! Nosso pastor disse que enviar um filho para Oberlin é a mesma coisa que enviá-lo para a penitenciária estadual". Naturalmente, sorri e acalmei os temores daquela senhora, fazendo-a entender que não corria nenhum perigo comigo. Relato isso simplesmente como ilustração do espírito que prevalecia na época em que a faculdade foi estabelecida. Deturpações e mal-entendidos multiplicavam-se por todos os lados e estendiam-se até quase todos os cantos dos Estados Unidos.

No entanto, havia um grande número de leigos e um número significativo de ministros, em várias partes do país, que não apoiavam a oposição. Eles simpatizavam com nossos propósitos, opiniões e esforços e se mantinham-se firmes do nosso lado em todas as circunstâncias. E, conhecendo a difícil situação financeira a que a oposição nos levara, contribuíam liberalmente com dinheiro e com influência, ajudando-nos a progredir. Já citei o irmão Chapin, de Providence, que durante vários anos enviava-me 600 dólares por ano para o sustento de minha família. Sentia ser esse seu dever — manteve a promessa até que as dificuldades financeiras tornaram impossível que ele continuasse a enviar a oferta. Então, o irmão Willard Sears, de Boston, assumiu o compromisso e, durante vários anos, permitiu que eu sacasse de sua conta o mesmo montante que o sr. Chapin nos doara anualmente. Os esforços para sustentar os demais membros do corpo docente eram contínuos, mas, pela graça de Deus, superamos a tempestade. Em poucos anos o pânico foi reduzido em grande medida.

O diretor Mahan, o professor Cowles, o professor Morgan e eu publicávamos artigos sobre santificação. Estabelecemos um periódico — o Oberlin Evangelist — e, posreriormente, a revista The Oberlin Quarterly, por meio da qual esclarecemos ao público nossas opiniões. Em 1846, publiquei dois volumes sobre teologia sistemática. Nessa obra, considero mais amplamente o assunto da inteira santificação. Depois de publicada, a obra recebeu uma crítica de um comitê do presbitério de Troy, NY. Respondi a essa crítica e não tive conhecimento de nenhuma outra que tivesse partido desse comitê.

O dr. Hodge, de Princeton, publicou no Biblical Repertory uma crítica de certo peso contra meus conceitos teológicos. Escreveu do ponto de vista da Escola Antiga. Dei a resposta e não ouvi mais notícias do dr. Hodge. O dr. Duffield, da Igreja Presbiteriana, morava em Detroit e fez uma resenha de minha obra — sob a concepção da Escola Nova, embora suas ideias estivessem bem distantes dessa corrente de pensamento. Mesmo assim, preparei uma resposta e, a partir de então, que me lembre, nunca mais soube de críticas à posição teológica de Oberlin, ou seja, nada que pudesse impugnar nossa ortodoxia. Minhas respostas são publicadas como apêndice da edição em inglês de minha Teologia sistemática.

Até aqui, narrei os fatos principais ligados ao estabelecimento de nossa escola e às lutas envolvidas, no que diz respeito à minha participação em tudo isso. Sendo eu o professor de teologia, obviamente, a oposição contra os princípios teológicos esposados em Oberlin visava principalmente a mim, fato que me levou a falar mais livremente que em qualquer outra circunstância. Não quero, porém, ser mal compreendido. Não estou argumentando que os irmãos que se opunham a mim eram maldosos. Sem dúvida, a maioria deles foi induzida ao erro e agia segundo o que entendia ser correto. Para glória de Deus, preciso dizer que nada do que foi feito contra nós arrefeceu nosso ânimo ou provocou em nós algum espírito de controvérsia ou maus sentimentos. Tínhamos plena consciência do que causara aqueles mal entendidos. Por isso, entendíamos por que éramos atacados.

Durante aqueles anos de fumaça e poeira que vinham de fora, o Senhor abençoava-nos ricamente por dentro. Não somente prosperávamos como igreja, mas experimentávamos também um avivamento contínuo. As medidas variavam conforme a ocasião, mas nunca nos vimos em uma condição que não fosse considerada avivamento. Nossos alunos eram levados em grande número à conversão, ano após ano e o Senhor cobria-nos continuamente com a nuvem de sua misericórdia. Fortes ventos de influência divina sopravam sobre nós e cobriam-nos abundantemente com o fruto divino de amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Sempre atribuí nosso êxito inteiramente à graça de Deus - nada foi conseguido por sabedoria ou bondade nossa. A contínua influência divina, permeando a comunidade, foi nosso único sustento durante aquelas provações e Deus capacitou-nos para o empreendimento de toda a obra.

Tínhamos a convicção de que, se o Senhor não nos acompanhasse com seu Espírito, nenhuma circunstância nos levaria a ser bem-sucedidos. Nunca lamentamos provações entre nós mesmos. Assuntos para debate surgiam mm freqüência e passávamos dias e até mesmo semanas discutindo questões importantes a respeito das quais não tínhamos o mesmo parecer. Mas, nenhuma dessas questões provocou divisão permanente entre nós, pois tínhamos por princípio dar a cada um o direito de pensar de seu modo. Em geral, chegávamos à concordância nos pontos substanciais. E, quando não encontravamos um meio de ver as coisas da mesma forma, a minoria sujeitava-se à opinião da maioria. Embora na maneira de encarar alguns assuntos não conseguíssemos unanimidade, cuidávamos para não permitir que a igreja fosse atingida por qualquer cisão. Assim, preservamos "a unidade do Espírito pelo vínculo da paz". Talvez nenhuma comunidade tenha existido por tanto tempo passando por tantas provações e mudanças quanto nós sem perder o espírito de união, de tolerância cristã e de amor fraternal.

Quando o assunto da inteira santificação surgiu pela primeira vez e começou a atrair a atenção da igreja, estávamos em meio a um poderoso avivamento. Certo dia, o diretor Mahan estava pregando um sermão. Notei que, no decurso de sua pregação, ele omitira determinada condição que me parecia de grande importância no contexto da mensagem. Conforme costumava fazer no final de cada sermão, Mahan dirigiu-se a mim e perguntou se eu tinha alguma observação a fazer. Levantei-me e ressaltei aquilo que ele omitira. Tratava-se da distinção entre desejo e vontade. Baseado na lógica dos ensinamentos por ele apresentados e no comportamento da congregação, disse que insistir naquele ponto lançaria muita luz sobre o que era realmente cristão e os ajudaria a descobrir se eles eram pessoas realmente consagradas ou meramente desejosas de se mostrarem como crentes, sem, porém, estar dispostos a cumprir a vontade de Deus.

Quando ficou clara a distinção, exatamente nesse sentido, lembro-me de que o Espírito Santo desceu sobre a congregação de modo notável. Muitos encurvaram a cabeça e alguns começaram a gemer de tal maneira que podiam ser ouvidos por todo o salão. Foram desfeitas as falsas esperanças de crentes professos que se enganavam a si mesmos. Vários deles colocaram-se de pé no mesmo instante e confessaram que até então estavam-se enganando, mas, que agora percebiam perfeitamente o equívoco. A reação do povo intensificou-se a ponto de me deixar atônito, e pairava sobre a congregação uma grande sensação de espanto. Aquela, porém, era a pura realidade e claramente uma revelação, vinda do Espírito de Deus para mostrar o estado de espírito da igreja.

A obra continuou com grande poder e os membros professos mais antigos ou tiveram a esperança em Cristo renovada ou experimentaram nova conversão. Isso ocorreu com tanta gente que a transformação foi sentida na comunidade inteira. O diretor Mahan foi grandemente abençoado, entre outros, incluindo alguns de nossos professores. Na ocasião, o irmão Mahan passou por outra experiência de conversão, agora de modo bem diferente da primeira.

Numa reunião realizada poucos dias depois, um de nossos alunos colocou-se de pé e perguntou se o evangelho não oferecia aos crentes todas as condições para desenvolverem uma fé estabelecida, com esperança e amor; se não existia algo melhor e mais sublime que todos os cristãos pudessem experimentar. Resumindo: se a santificação não podia ser alcançada nesta vida — no sentido de os cristãos poderem desfrutar contínua paz, sem serem levados à condenação, sem a sensação de culpa, sem o sentimento de estarem envolvidos com o pecado. O irmão Mahan respondeu imediatamente: "Sim!".

Naquela reunião, foi colocado diante de nós, de modo destacado e prático, o tema da santificação. Não tínhamos nenhuma teoria ou filosofia a respeito do assunto. Simplesmente tratamos a questão como matéria de estudo bíblico. Dessa forma, ela existia entre nós como verdade experimental. Não tentamos reduzi-la a uma fórmula teológica nem explicar sua filosofia, a não ser muitos anos depois. Naquela ocasião, porém, debater a questão e chegar a uma conclusão foi uma grande bênção para nós e para muitos de nossos alunos que, agora, estão espalhados pelos Estados Unidos e em campos missionários em várias partes do mundo.

 

CAPÍTULO XXV

QUESTÕES EM OBERLIN

Antes de voltar a escrever sobre os avivamentos, com informações a respeito da história de Oberlin e do trabalho que ali desempenhávamos, preciso dedicar um pouco mais de espaço ao progresso do movimento anti-escravatura ou abolicionista, não somente aqui, mas também em outros lugares. Já falei a respeito do sentimento que se via nas pessoas ao nosso redor quando chegamos a Oberlin, com relação ao abolicionismo e mencionei a oposição que sofremos na região onde nos estabelecemos. Até mesmo a legislatura do estado esforçou-se para achar alguma irregularidade que justificasse o cancelamento de nosso alvará. Tudo isso por causa de nossos sentimentos anti-escravatura. Como se pode imaginar, quando os primeiros alunos negros chegaram a Oberlin, houve bastante preocupação quanto a serem acolhidos em nossas famílias, sentarem à nossa mesa e ocuparem livremente os lugares no refeitório da escola.

Pouco depois de eu chegar a Oberlin — penso que foi no primeiro período em que alunos negros chegaram — surgiu um pedido, da parte de alguns internos brancos, para que esses alunos ocupassem uma mesa separada no refeitório. Diante disso, fiz uma proposta, apoiada por todo o corpo docente: os alunos brancos que não se dispusessem a sentar-se à mesa com os alunos negros no refeitório podiam ter uma mesa só para eles. Assim, os poucos alunos que adotaram esse posicionamento ficaram em situação constrangedora. Mas, não se podiam queixar. Assim, mantínhamo-nos firmes na seguinte decisão: se houvesse separação, não seria por colocarmos os alunos negros em mesa separada e sim pela segregação dos que não queriam sentar-se com eles. Embora a decisão do corpo docente não agradasse a todos os alunos, a solução que encontramos não lhes permitia levantarem objeção.

Vários membros do corpo docente, nesse meio termo, acolhiam alunos em sua casa e davam-lhes lugar à sua mesa. Não fazíamos distinção quanto à cor dos alunos. Acredito que o mesmo fosse feito por todas as famílias de destaque do local. Em nossas pregações e na instrução ao povo, mantínhamos o propósito de extinguir o preconceito, que era quase universal, contra as pessoas negras. De fato, logo o preconceito diminuiu. Nos últimos anos, quase não se percebia nos ajuntamentos públicos aquele sentimento de distinção. Hoje, em Oberlin, os negros sentam-se onde bem entendem e ninguém protesta, nem sequer pensa nisso, pelo que sei. No início, em todos os cantos, circulavam histórias de que pretendíamos encorajar casamentos entre alunos brancos e alunos negros, até mesmo obrigá-los a casamentos mistos e que nosso objetivo era introduzir um sistema universal de miscigenação.

Um pequeno incidente serve para ilustrar o sentimento que existia até mesmo entre lojistas mais cultos. Pouco depois de chegarmos a Oberlin, tive de andar vários quilômetros a cavalo, a fim de adquirir algumas mercearias. O lojista a quem me dirigi mostrou-se muito carrancudo e desconfiado quando descobriu quem eu era e de onde eu vinha, dando a entender que não queria nada com o povo de Oberlin. Disse ser nosso objetivo introduzir a mistura das raças e obrigar casamentos mistos entre os alunos e acusou-nos de tentar introduzir a vinculação entre Igreja e Estado. Ele considerava nossas idéias e empreendimentos revolucionários e abomináveis. Sua expressão era da maior gravidade, mas a história soou-me tão ridícula que não pude responder-lhe no mesmo tom. Por isso, não lhe dei resposta. Eu sabia que, se tentasse falar, acabaria rindo na cara dele.

Desde os primeiros tempos em Oberlin, tínhamos muitos motivos para temer o ataque de vândalos de uma cidade vizinha, os quais pretendiam destruir nossos edifícios. Entretanto, foi também pouco tempo depois de nossa chegada a Oberlin que deparamos com circunstâncias que geraram reações conflituosas entre o povo. Isso porque o lugar tornou-se um dos pontos de paragem do caminho de ferro subterrâneo, como era chamado, onde os escravos fugitivos a caminho do Canadá se refugiavam por um dia, até o caminho ficar livre para continuarem viagem. Ocorreram muitos casos de escravos perseguidos pelos donos e um grande grito de protesto foi levantado, não somente em Oberlin, mas também nas cidades vizinhas, contra a tentativa de levar os fugitivos de volta à escravatura.

Em várias ocasiões, houve escravos escondidos na região, mas só vim a saber disso quando ocorreu o tumulto. Os escravagistas chegaram para capturá-los, mas os escravos foram avisados a tempo pelos amigos — não sei exatamente quem — e começaram a atravessar os campos e os bosques em direção ao lago. Os escravagistas procuravam-nos da melhor maneira que podiam, pois não sabiam que direção os fugitivos haviam tomado. Os amigos dos escravos, no entanto, seguiam em direções diferentes, uns a pé, outros no lombo de cavalos, para dar a impressão de que eles mesmos estavam perseguindo os escravos, produzindo assim uma confusão geral. Enquanto uns chamavam por aqui e outros gritavam por ali, os escravos escapavam através dos campos de trigo bem crescido e dos bosques.

Cenas como essas, no entanto, logo atiçaram a opinião pública nas cidades vizinhas e começaram a causar agitação entre o povo. Isso levou os agricultores e os demais habitantes da região a informarem-se com mais exatidão de nossos alvos e opiniões e nossa escola passou rapidamente a ser mais conhecida e apreciada. O resultado foi um estado de confiança e bons sentimentos entre Oberlin e as cidades e condados ao redor.

No entanto, fora despertada tanta hostilidade contra nós em todo o país que os editores, de modo geral, pareciam procurar com avidez qualquer coisa que pudessem publicar para despertar rancor contra Oberlin e faziam a matéria circular tão amplamente quanto possível. Entre outros fatos curiosos que os editores usaram para dar vazão a todo o seu antagonismo, mas que acabaram sendo favoráveis a nós, relatarei o de certo jovem, penso que proveniente do Kentucky, que foi estudar em Oberlin.

Ainda no período de experiência e antes de tornar-se bem conhecido na cidade, ele arquitetou um plano para seduzir uma de nossas jovens, moça recatada e tida em alta estima. Acredito que o jovem era professor de redação e escrevia de modo magistral. Assim, escreveu à jovem uma carta, na qual fez um desenho obsceno. A linguagem utilizada tinha o propósito de despertar na moça os piores sentimentos. Ele pedia que a moça respondesse — não lembro o endereço do destinatário. Naturalmente, a jovem ficou muito chocada e passou a carta à diretora das alunas da instituição, a qual a mostrou ao marido que era membro do corpo docente. Pouco depois, o jovem escreveu outra carta, no mesmo estilo, com um desenho ainda mais repugnante — para uma mente pura, é claro. A segunda carta foi redigida em linguagem insinuante, que pretendia tentar a jovem para a má conduta. Mais uma vez, insistia em que ela enviasse a resposta para o mesmo endereço. A carta foi imediatamente passada às mãos da diretora e, assim, para o corpo docente, despertando a atenção de todos os professores, que passaram a acompanhar o caso.

Na época, havia entre o corpo docente um jovem de nossa confiança, que trabalhava como agente do correio. Depois de recebidas as duas cartas, o assunto foi colocado diante dele, que de livre e espontânea vontade ofereceu-se para averiguar de onde elas partiam. Acho que conservou consigo as cartas que a moça recebera, a fim de comparar a caligrafia. Não demorou a chegar outra carta dirigida à mesma jovem. O agente do correio reconheceu a caligrafia, abriu a carta e viu que se tratava de outra daquelas abomináveis missivas. Aquilo despertou, até o limite, sua indignação. Acredito que foi sem consultar ninguém que ele mesmo respondeu à carta, como se fosse a moça. Conhecendo o conteúdo das duas cartas anteriores, soube formular uma resposta. Foi assim que o agente do correio começou uma correspondência com aquele mal-intencionado homem. O resultado não se deixou esperar: um encontro marcado em determinado lugar e hora, para depois irem passar a noite juntos. O mal-intencionado jovem supunha estar-se correspondendo com a moça, ao passo que esta desconhecia totalmente o que o agente do correio estava combinando com o jovem.

Na ocasião, tínhamos na escola um casal de noivos muito dinâmicos que vieram completar sua educação antes de se casarem. Denotavam ter moral ilibada e conquistaram a confiança da comunidade. Esse jovem noivo, que era o agente do correio e as poucas pessoas que compartilhavam o segredo reuniram-se para desmascarar o indecoroso rapaz, que montara a armadilha para uma jovem digna de respeito. Para facilitar a identificação e a captura do jovem que escrevera as cartas, o agente do correio combinou com sua noiva que esta desempenharia o papel da jovem que recebera as desrespeitosas cartas. Ela consentiu em ajudar. Vários de nossos jovens mais estimados foram consultados, bem como um de nossos professores mais jovens e todos concordaram em ir prender o rapaz, agindo, porém, com sabedoria. Chegou a hora do encontro e era noite escura — creio que o horário combinado era dez da noite. O jovem missivista e a moça se encontrariam em determinada esquina da aldeia. Ele se identificaria por meio de um sinal e ela lhe tomaria o braço e o acompanharia até o lugar que ele preparara para passarem a noite.

O jovem hospedava-se no hotel e, na ocasião, era quase um desconhecido. Havia tirado o colchão do quarto e o levara para um lugar um pouco afastado da aldeia, colocando-o ao abrigo de uma árvore grande que fora derrubada pelo vento — as grandes raízes viradas para cima bloqueavam totalmente a visão da estrada e da aldeia. O rapaz do correio acompanhou sua noiva até uma ou duas dezenas de metros do local do encontro. Estava escuro e ele escondeu-se perto o suficiente para escutar tudo. A noiva foi um pouco adiante e ficou aguardando o sinal da aproximação do desprezível rapaz. Logo se fez ouvir o sinal e ela deu a resposta. Encontraram-se e o rapaz ofereceu-lhe o braço. Os dois, então, andaram rapidamente na direção do local onde a cama estava montada.

Os jovens que se dispuseram a prender o inescrupuloso, sabedores da trama inteira, haviam-se escondido a pouca distância de onde os dois sairiam da estrada e entrariam no bosque. O desprezível homem estava armado com uma pistola e tinha o verdadeiro espírito dos sulistas. Quando os dois chegaram ao local onde os jovens estavam escondidos, estes o cercaram. Ele tentou usar a pistola, mas esta foi arrancada dele e ninguém se machucou. Depois de bastante conversa e oração, chegaram à conclusão de que deviam açoitá-lo e escolheram para isso um de nossos jovens mais amáveis. O jovem sentiu-se constrangido em ter de açoitar o outro, mesmo assim aplicou nas costas do vilão o número de golpes determinado, com um chicote de couro cru. Depois o soltaram e creio que o próprio missivista reconheceu que o tratamento que recebera havia sido justo.

Na realidade, não existia nenhuma lei no país que determinasse aquele tipo de castigo. Estou certo de que os jovens, agindo de acordo com o próprio senso de dever, assumiram o caso por conta própria e administraram o que supunham ser um castigo moderado e merecido. Embora na escola os moços e as moças ficassem juntos durante as atividades escolares, aqueles jovens supunham — e com razão — que um ato daquela natureza tinha de receber o repúdio público. Achavam que deviam aproveitar a oportunidade e fazer daquele jovem inconveniente um exemplo, a fim de deixar claro o que aconteceria aos jovens que tentassem seduzir alguma de nossas jovens irmãs de Oberlin. No entanto, pelo que sei, haviam agido por iniciativa própria, sem consultar ninguém fora de seu círculo de amigos.

O pai do jovem que escrevera as cartas veio a saber dos fatos e isso despertou nele uma ira irreprimível. Chegou a Oberlin proferindo ameaças. Não tinha argumentos para justificar o filho, porém sentiu-se mais envergonhado que o rapaz pelos açoites recebidos. Por isso, em vez de nos agradecer por ter sido administrado o bem merecido castigo ao seu filho, tentou fazer a região inteira voltar-se contra nós. Na época, qualquer polêmica produzia na mente do povo era uma situação propícia para a depreciação da Faculdade de Oberlin. Os jornais fervilhavam com suas críticas. A imprensa mostrava-se grandemente indignada com a notícia do açoitamento, embora nenhuma palavra de reprovação tenha partido do criminoso ou de qualquer outra pessoa. Estavam convencidos de que um grande crime fora cometido ao castigarem aquele rapaz. O crime que ele cometera fora deixado de lado, apesar de exigir, com toda a justiça, castigo semelhante. Como de costume, ficamos calados e continuamos nosso trabalho.

Quando o tribunal se reuniu em Elyria, o grande júri tinha diante de si acusações formais contra os jovens envolvidos no caso. Intimaram muitos cidadãos de Oberlin como testemunhas e assim descobriram todos os envolvidos, menos um. No entanto, só fiquei sabendo do processo quando eu mesmo fui intimado como testemunha. Apresentei-me no tribunal. Ao entrar, reconheci o promotor público — um cético convicto. O relator do júri era outro cético e, ao observar os jurados, percebi que eram quase todos líderes da oposição a Oberlin e à própria religião, ou seja, eram céticos também. O juiz da comarca, que presidia a sessão, também era cético, além de ser o juiz no caso. Daí eu poder afirmar que a maioria dos que estavam naquele tribunal era formada de céticos. Acho que o mesmo se podia dizei do xerife. Pelos menos, fui informado de que o que estava de plantão com o grande júri era cético. E claro que me vi cercado por uma atmosfera moral que não era das mais agradáveis.

O relator do júri informou-me do propósito de minha intimação. Após o juramento de praxe, revelou-me o nome dos indiciados e perguntou-me se eu conhecia mais alguém envolvido no caso. Respondi que realmente conhecia um deles, que me confessara, como seu pastor, sua ligação com o fato. Declarei-lhe que ele saíra do estado — não para fugir ou  para evitar o julgamento, mas que voltara para casa com seus amigos e, pelo que eu sabia, pretendia permanecer por lá. O relator perguntou-me o nome dele. Respondi que o jovem era membro da igreja por mim pastoreada e que, na época do incidente, era membro de minha família. Depois do acontecido e ao saber dos sentimentos da população a respeito do erro cometido, sua consciência passou a perturbá-lo e ele veio-me confessar seu envolvimento no caso. Então, declarei: Não sei se tenho a obrigação de revelar o nome do jovem. Não me recusei a servir de testemunha, apenas falei o que aqui está registrado. Não insistiram em que eu citasse o nome, nada mais falaram a respeito e, com muita cortesia, dispensaram-me.

Saindo de lá, fui imediatamente ao hotel para pegar meu cavalo e voltar para casa. No entanto, enquanto esperava que me trouxessem o animal, fiquei sabendo, pela conversa das pessoas que ali estavam, que os jurados permaneceriam em sessão até terem interrogado todos os homens de Oberlin, se necessário, para descobrir todos os envolvidos no caso. Fiquei sabendo que a opinião dos moradores de Elyria e dos próprios jurados era de que os habitantes de Oberlin queriam encobrir a questão e não desejavam ver cumpridas as leis do país. Enquanto cavalgava de volta para casa, notei que havia bastante agitação entre o povo. Por isso, resolvi retornar no dia seguinte, entrar no tribunal e consultar os juízes no tocante ao meu dever — no que dizia a respeito à lei.

Por isso, na manhã seguinte, embora o tempo estivesse muito chuvoso e houvesse muita lama, pois estávamos em fins do outono, montei meu cavalo e enfrentei a chuva e a lama até Elyria. Entrei na sala do tribunal e percebi que a causa que estavam julgando despertara bastante interesse, pois a sala estava cheia de espectadores. Fui até um advogado a quem eu conhecia, chamei-o de lado e pedi-lhe que me conseguisse a oportunidade de dar uma breve palavra no tribunal, pois tinha uma questão importante a expor diante dele. Com muita deferência e de modo apropriado, o advogado transmitiu meu recado. Interromperam imediatamente os trabalhos e o juiz anunciou a presença do professor Finney. Explicou que eu tinha algo a comunicar ao tribunal e os depoimentos seriam suspensos por uns momentos para que eu pudesse ser ouvido.

Relatei o que acontecera no dia anterior e disse que gostaria de saber se a lei exigia que eu entregasse ao júri o nome daquele rapaz. Depois declarei o que entendia ser a interpretação da lei em situações semelhantes. Ressaltei que os homens têm consciência e que as pessoas podem divergir nas mais variadas questões, mas, ninguém pode duvidar de que todos, homens e mulheres, têm consciência e que, freqüentemente, surgem casos constrangedores em que orientações se fazem necessárias. Disse-lhes que em tais casos, enfrentados em todas as comunidades, o bem público exige que algumas pessoas, requisitadas por quem busca conselhos, sejam protegidas pela lei de se tornarem informantes públicos.

Revelei que sabia como os católicos romanos haviam abusado do sigilo da confissão e como a justiça decidira a respeito deles. Falei ainda que, embora a lei deste país não reconheça a união entre Igreja e Estado, ela reconhece o relacionamento pastoral e deve proteger esse relacionamento no sentido de resguardar a comunidade, bem como o pastor que foi consultado, em sua função pastoral, quanto a casos de consciência nos quais os conselhos se fazem necessários. Com discrição, desci a alguns pormenores e ocupei um tempo razoável para declarar as minhas opiniões e as razões que tinha para defendê-las. Pode dizer-se que, na prática, apresentei um sermão ao tribunal.

Considerei a ocasião propícia para apresentar-lhes os sentimentos que reinavam em Oberlin. Revelei à corte as razões de minha volta a Elyria - a conversa que ouvira no hotel, no dia anterior — e que eu tinha a certeza de que eles tinham um conceito errado do povo de Oberlin. Assegurei-lhes que os habitantes de Oberlin respeitavam as leis e que a comunidade não aprovava as medidas adotadas por aqueles jovens. Falei-lhes que não queria protegê-los da aplicação da lei contra seu crime. Estávamos inteiramente a favor de a justiça seguir seu caminho e mais dispostos a ajudar em seu cumprimento que a colocar obstáculos à sua aplicação. Resumindo: apresentei diante deles as opiniões e sentimentos de Oberlin a respeito do fato, acrescentando que apenas desejávamos que os jovens fossem julgados com justiça e que, ao serem julgados, tivessem a oportunidade de expor diante do tribunal os motivos de sua conduta.

Parecia que minhas palavras não haviam aborrecido o tribunal. Segundo me parecia, o júri estava atento, denotando respeito e solenidade. Falei bem diante dos juízes: Agora, se a opinião dos meritíssimos é que meu dever como cidadão é entregar ao grande júri o nome daquele jovem, farei imediatamente. Em seguida, sentei-me e o juiz disse que me agradecia muito por ter retornado a Elyria a fim de expor perante o tribunal não só minhas opiniões, como também o assunto por inteiro. Disse, também, que o tribunal, em sua totalidade, concordava inteiramente comigo: haviam de fato construído uma falsa impressão a respeito do posicionamento do povo de Oberlin naquela questão e estavam muito contentes pelos esclarecimentos. Disse, ainda, que minha declaração os deixara grandemente aliviados e que o conceito apresentado por mim era aquele com o qual todos concordavam.

A conclusão a que chegaram foi que aquela questão deveria ser decidida pelo júri principal e, para isso, convidavam-me a repetir aquelas declarações diante do júri na sala no andar de baixo. Respondi que o faria com prazer. Achei que era convicção do tribunal que meu pronunciamento faria bem ao grande júri.

Passei, então, à sala do grande júri. Vi que estavam presentes todos os que haviam estado ali no dia anterior — o xerife cético, em pé na porta, a serviço do grande júri; o promotor público cético, sentado à mesa com o relator do júri. Percebi, como no dia anterior, que havia entre eles um forte ambiente de ceticismo quanto a assuntos religiosos. Passei a declarar diante deles, substancialmente, o que acabara de declarar diante do tribunal, no andar superior, o que ficara sabendo no dia anterior a respeito dos sentimentos que imperavam na vizinhança e no próprio júri e que o júri estava determinado a estender a sessão até que todas as pessoas em Oberlin fossem inquiridas, se necessário, para descobrir todos os que tinham ligação com o caso. Passei, então, a declarar minhas opiniões, como fizera diante do tribunal, apresentando, com a máxima exatidão possível e do começo ao fim, os mesmos pontos de vista a respeito do caso.

Observei na sala do grande júri a mesma atenção e o mesmo efeito profundo que percebera no tribunal. Quando acabei de falar, o relator, depois de uma rápida consulta com o promotor público, respondeu substancialmente da mesma forma que o tribunal. Expressou grande satisfação por eu ter apresentado ao júri meu ponto de vista sobre o assunto, pois concordava inteiramente comigo no tocante ao meu dever. Expressou a opinião de que o júri não achava ser meu dever declarar o nome do jovem e que não estava pedindo que eu o fizesse. Quando eu ia sair da sala, o xerife seguiu-me até o portão. Segurou meu braço, visivelmente emocionado e disse: Sr. Finney, sua volta e o que o senhor disse valem mil dólares.

Enquanto voltava para o hotel a fim de buscar meu cavalo, o tribunal, no andar superior, teve um recesso para o almoço. O juiz, que até então me era desconhecido, apresentou-se a mim. Disse estar muito contente de ter-me conhecido e expressou seu pesar pelo júri ter tido um conceito tão errôneo de opinião, sentimentos e ações do povo de Oberlin. Ele declarou: Estávamos enganados a respeito de vocês e, agora, eu e os outros queremos conhecê-los melhor. E acrescentou: Quando eu voltar a presidir o tribunal aqui — e mencionou a data — posso trazer minha mulher e deixá-la em sua casa durante o julgamento, a fim de que ela possa conhecê-los e eu mesmo familiarizar-me com vocês? Convidei-o muito cordialmente a hospedar-se em minha casa e dei-lhe a certeza de que eu — ou outra pessoa — o levaria todos os dias ao tribunal e o traria de volta no fim da tarde.

Poucas semanas depois, passei alguns dias em Cleveland, pregando ao povo. Aquele juiz residia na cidade. Notei sua presença entre os ouvintes e não demorei a descobrir que estava levando a sério a questão da salvação de sua alma. Tive uma conversa prolongada com ele e descobri que revelava, não apenas interesse, mas, também, como eu imaginava, muita esperança. Vendo que seu ceticismo desaparecera inteiramente, fiz-lhe o apelo para que aceitasse imediatamente o Salvador. Ele recebeu minhas palavras com grande carinho e renovou a promessa de visitar-me na próxima ocasião em que presidisse o tribunal em Elyria. Antes de chegar aquela data, porém, ele já estava na sepultura, de modo que não o vi mais. Na ocasião, antes de partir de Elyria, fiquei sabendo que o júri suspendera o caso por tempo indeterminado. Depois de minha declaração, ficaram convencidos de que não havia motivo para continuar com o inquérito e, não havendo mais assuntos a serem tratados, suspenderam a sessão.

A partir de então, houve notável transformação nas opiniões e sentimentos dos principais opositores que viviam na região ao redor de Oberlin. No inverno seguinte, por exemplo, um dos juízes não togados, do Partido democrata, a quem eu tinha como cético e que era membro da legislatura e armara o complô para cancelar nosso alvará, levantou-se e corajosamente e assumiu a defesa de Oberlin, declarando que eram equivocadas as impressões que circulavam a respeito de nossas idéias e de nosso caráter na escola. E, pelo que entendi, suas observações tinham um importante objetivo: evitar que a legislatura cumprisse seu plano.

Por isso, vários fatos permitiram que a comunidade ao nosso redor conhecesse melhor nossa escola e nossas opiniões, até ser totalmente extinto o preconceito que tinham contra nós. Mas, qual foi o efeito do processo contra os jovens? Mais especificamente, qual o efeito dos comentários e denúncias escandalosos da imprensa — local e distante — contra nós? Impediram que moças e rapazes viessem para a nossa escola? Ficou claro que o efeito produzido foi exatamente o inverso do que esperavam.

Descobriu-se que as pessoas tinham medo — e muito havia sido feito nesse sentido — de confiar suas filhas a uma escola onde moças e rapazes estudavam na mesma sala, comiam no mesmo refeitório e estendiam essa convivência às demais atividades. Naturalmente, o método era experimental e muitos o consideravam de natureza bastante questionável. Mas, o resultado de todas as ameaças e oposição, principalmente em relação ao processo no tribunal e sua respectiva causa, foi que as pessoas passaram a raciocinar da seguinte forma: "se em Oberlin a tentativa de seduzir uma aluna provoca semelhante reação contra o culpado, esse é o lugar certo para as nossas filhas". Lá estarão em maior segurança que em qualquer outro lugar. Se os próprios jovens da escola administram semelhante castigo a qualquer rapaz que aja dessa maneira, então eles defendem a castidade e isso favorece a proteção de nossas filhas longe de casa. Houve, portanto, um aumento contínuo de alunos, especialmente do sexo feminino, de modo que o número de moças parecia crescer de ano para ano.

Pela providência divina, quase todos os ataques desfechados contra nós por meio da imprensa ou por outros meios voltaram-se a nosso favor. Mantivemo-nos calados, cuidando de nossos negócios, até que a fumaça e a poeira se tivessem dissipado, quando Deus assim permitiu.

Havia grande agitação entre os moradores das cidades do Leste, do Oeste e do Sul por causa da questão da escravatura. Nosso amigo e irmão Willard Sears, de Boston, enfrentava corajosamente uma tempestade que se levantara contra ele. Com o propósito de possibilitar o debate aberto sobre o assunto naquela cidade e para estabelecer ali o culto religioso e um púlpito em que fosse franqueado o livre debate sobre as grandes questões reformistas, Sears comprara o hotel Marlborough, na rua Washington e o interligara com uma grande capela, onde poderiam ser realizados cultos e encontros pró-reforma, o que era impensável em qualquer outro local. O projeto custou-lhe uma fortuna. Em 1842, insistiram em que eu ocupasse o púlpito da Capela de Marlborough por alguns meses. Fui para lá e preguei durante dois meses. O Espírito do Senhor foi derramado imediatamente e houve grande movimentação entre os ossos secos. Em meus aposentos, recebia visitas quase ininterruptas, todos os dias da semana, de pessoas ligadas a várias denominações de todas as partes da cidade. E muitas delas alcançaram a esperança em Cristo.

Nesse meio-tempo, o presbítero Knapp, reavivalista conhecido da Igreja Batista, estava trabalhando em Providence e enfrentava persistente oposição da parte dos próprios irmãos batistas. Quando a obra alcançou considerável progresso em Boston, ele foi convidado pelos irmãos batistas dessa cidade a trabalhar ali. Por isso, partiu de Providence em meio a uma tempestade de oposição e chegou a Boston. O irmão Josiah Chapin e muitos outros insistiram muitíssimo em que eu fosse, então, para Providence realizar ali um avivamento.

Eu sentia que tinha grande dívida para com o irmão Chapin, pelo que ele fizera a favor de Oberlin e por mim pessoalmente ao enviar-me ofertas regulares para o sustento de minha família naquela cidade durante a grande depressão financeira. Para mim, era um peso muito grande deixar Boston naquele momento. No entanto, depois de encontrar-me com o irmão Knapp e informá-lo a respeito da situação em Boston e assegurar-lhe que uma grande obra havia começado e se propagava pela cidade inteira e que o trabalho era muito promissor, parti para Providence. Isso aconteceu na época do grande avivamento em Boston, que progrediu de modo maravilhoso, especialmente entre os batistas, pela cidade inteira. Os pastores batistas e o irmão Knapp assumiram com firmeza a obra e muitos irmãos Congregacionistas foram abençoados. A obra cresceu muito.

Comecei a trabalhar em Providence e o avivamento começou quase de imediato: o interesse do povo crescia visivelmente, dia após dia. Houve muitos casos notáveis de conversão, inclusive o de um senhor de idade, cujo nome não me ocorre agora. Seu pai havia sido juiz da Suprema Corte de Massachusetts, se não me engano, muitos anos antes. Esse homem vivia em Providence e era cético. Morava não muito longe da igreja onde eram realizadas as reuniões de avivamento, na rua High. O trabalho começara havia algum tempo, quando certo dia um senhor de aspecto muito respeitável entrou no salão de cultos e, durante a pregação, mostrou-se muito atento. Meu amigo, o sr. Chapin, percebeu sua presença de imediato e informou-me quem ele era e o que pensava sobre religião. Afirmou que aquele homem nunca assistira a um culto e expressou sua curiosidade pelo fato de ele ter sido atraído à igreja. O ancião passou a freqüentar os cultos, noite após noite e percebi que sua mente estava inquieta e que seu interesse pelos assuntos espirituais, agora, era profundo.

Certa noite, quando cheguei ao fim de meu sermão, aquele homem alto e de cabelos grisalhos, com aspecto decididamente intelectual, colocou-se de pé e pediu licença para dizer algumas palavras à congregação. Dei-lhe permissão e, em resumo, ele falou o seguinte: "Meus amigos e vizinhos, provavelmente vocês estão surpresos por ver-me freqüentar estes cultos, pois sempre souberam de meu ceticismo e que não estou habituado a freqüentar cultos. Mas, ao ficar sabendo das coisas que ocorreram nesta congregação, resolvi entrar aqui. E quero que meus amigos e vizinhos saibam que acredito que a pregação que estamos ouvindo, noite após noite, é o evangelho. Portanto, mudei de opinião: creio que esta é a verdade e o verdadeiro caminho para a salvação. Digo isto para que vocês entendam o verdadeiro motivo de eu estar aqui. Não vim para criticar, mas cuidar da grande questão da salvação e encorajar outras pessoas a fazer o mesmo". Depois de falar, sentou-se, emocionado.

No subsolo do templo, havia um salão muito grande usado para a escola bíblica dominical. O número dos interessados tornara-se grande demais e a congregação estava demasiadamente cheia, impedindo-me de chamar o povo à frente, como fazia nos outros lugares. Por isso, pedi que descessem àquele salão depois da bênção. O salão tinha quase o tamanho total do auditório da igreja e oferecia assentos para quase o mesmo numero de pessoas, excluindo-se a galeria. A obra propagou-se por todas as partes da cidade. O número de interessados tornou-se muito grande e, com os novos convertidos que sempre se dispunham a descer com eles, o salão do subsolo do templo também ficou cheio. Todas as noites, depois da ação, o salão fervilhava de novos convertidos jubilosos e de pecadores não-convertidos. Essa situação continuou por dois meses. A essa altura, eu já me sentia completamente esgotado, pois trabalhava sem descanso havia quatro meses — dois em Boston e dois em Providence. Além disso, estávamos às portas do trimestre da primavera, em Oberlin. Por isso, despedi-me de Providence e comecei a viagem para casa.

Considero meu dever relatar aqui um acontecimento ligado ao trabalho desenvolvido em Boston. Converteu-se ali uma mulher unitarista, que conhecia o rev. Channing. Quando soube de sua conversão, o dr. Channing, conforme ela mesma me contou, pediu-lhe que o procurasse, uma vez que se encontrava com a saúde enfraquecida e não podia sair para visitá-la. Ela aceitou o convite. O dr. Channing queria que ela lhe revelasse as circunstâncias em que se convertera e o que pensava a respeito do assunto. Ele ficou curioso ao ver que ela mudara a maneira de pensar e perguntou-lhe se tinha alguma coisa escrita por mim que ele pudesse ler. O dr. Channing afirmou saber o que acontecia em Boston e que tinha grande interesse em compreender melhor o movimento. Queria conhecer, também, minhas opiniões e o que eu pregava, já que despertava no povo tanta curiosidade. Ela respondeu que tinha um livrinho meu que tratava do tema da salvação.

O dr. Channing tomou-o emprestado, prometendo que o leria e que, se ela voltasse dali a uma semana, ele o devolveria e ficaria contente de conversar com ela novamente. Quando ela voltou para pegar o livro, o dr. Channing disse-lhe: "Achei muito interessante este livro, bem como as opiniões aqui expostas. Pelo que entendi, os ortodoxos fazem objeção ao conceito de santificação apresentado pelo sr. Finney. Mas, se Cristo é realmente divino e o verdadeiro Deus, não posso imaginar por que razão alguém iria criticar estas opiniões. Se Cristo é realmente Deus, não vejo por que o ser humano não possa ser santificado por ele nesta vida. Não consigo ver nenhuma inconsistência no que o sr. Finney diz, ao sustentar essa idéia como parte da fé ortodoxa. Por isso, gostaria de conhecer o sr. Finney. Você poderia persuadi-lo a visitar-me, já que não tenho condições de ir até ele? Ela prometeu entregar o recado e pedir que eu fosse visitá-lo. Assim, procurou-me de imediato em meu aposento, mas eu já havia partido para Providence.

Como relatei, estive ausente durante dois meses e, ao retornar de Providence, passei por Boston a caminho de casa. A senhora a quem acabo de me referir, ao saber que eu estava outra vez em Boston, veio-me ver imediatamente para entregar o recado do dr. Channing. Contou-me, também, que ele fora para o campo, por motivos de saúde. Nunca cheguei a vê-lo. Lastimei muito não ter tido a oportunidade de encontrar-me com ele, pois aprendera a respeitá-lo por seus talentos e pelo seu zelo como líder dos unitaristas de Boston. Ouvira falar que ele estava interessado nos assuntos espirituais e disposto a reconsiderar a questão da divindade de Cristo e de seu interesse pessoal no Salvador.

Quando a mulher me contou a história, lamentei grandemente não ter tido a oportunidade de conhecê-lo. Ele, porém, morreu pouco tempo depois e nada sei do que lhe aconteceu depois de sua saída de Boston. Nem mesmo posso garantir que aquelas informações correspondiam à verdade. Ela, porém, era com certeza uma convertida genuína e, na ocasião, não tive a menor dúvida de que cada palavra que ela me dissera era verdade, nem hoje duvido disso. Além de não conhecê-la muito bem, depois de tanto tempo, não consigo lembrar-me do nome dela.

Na vez seguinte em que me encontrei com o dr. Beecher, foi mencionado o nome do dr. Channing e narrei-lhe esses fatos. De imediato, surgiram lágrimas em seus olhos e ele falou, emocionado: "Acho que foi para o céu!" - dando a entender que esperava que o dr. Channing se houvesse convertido.

 

CAPÍTULO XXVI

OUTRO GRANDE AVIVAMENTO EM ROCHESTER, NOVA YORK, EM 1842

Depois de descansar um dia ou dois em Boston, fui para casa, porque já se aproximava a data para a abertura do trimestre da primavera. Por estar muito cansado do trabalho e da viagem, visitei um amigo em Rochester, com o propósito de repousar mais um dia antes de prosseguir viagem. Logo que se soube que eu estava ali, fui chamado pelo juiz Gardiner, que com muito empenho me pediu para ficar mais tempo na cidade a fim de pregar para o povo. Alguns pastores insistiam que eu interrompesse a viagem para trabalhar em seus púlpitos. Informei-lhes que estava esgotado e que sentia ser hora de estar em casa. Entretanto, mostrando a urgência do trabalho, eles insistiam em que eu permanecesse ali. Um dos pastores em especial esforçava-se para segurar-me em Rochester. Sua mulher era uma de minhas filhas espirituais — Sara Brayton, que se convertera em Western, no condado de Oneida, conforme descrevi anteriormente.

Vendo a persistência com que solicitavam meu trabalho, consenti em ficar ali e pregar uma ou duas vezes. Mas, isso serviu apenas para despertar a atenção geral e resultar num convite ainda mais insistente para que eu continuasse na cidade e dirigisse uma série de reuniões de avivamento. Consenti em fazê-lo e, por mais cansado que estivesse, levei adiante a obra.

O rev. George Boardman pastoreava a Igreja Betel, conhecida como "Igreja da Rua Washington"; e o rev. Shaw era pastor da Segunda Igreja — a "Igreja de Tijolos". O irmão Shaw estava muito desejoso de fazer esse trabalho em conjunto com o irmão Boardman e realizar as reuniões alternadamente em suas respectivas igrejas. O irmão Boardman não apoiou a idéia, dizendo que sua congregação era fraca e que precisava de um trabalho concentrado ali. Lamentei a sua posição, mas não podia ignorar seus motivos e continuei a fazer o trabalho na Igreja Betel.

Pouco tempo depois, vendo que o templo não tinha espaço para receber o grande número de pessoas que desejavam assistir aos cultos, o dr. Shaw conseguiu levar para pregar na sua igreja o rev. Jedediah Burchard, que ali desenvolveu um prolongado trabalho. Nesse meio tempo, o juiz Gardiner e alguns advogados e juízes da cidade assinaram um pedido para que eu pregasse uma série de sermões dirigidos a essa classe e adaptados à sua realidade profissional. Naquele tempo, Gardiner era um dos juízes do Tribunal de Apelação do estado de Nova York e desfrutava a máxima estima dos colegas de profissão. Consenti em apresentar aquela série de preleções. Estava consciente do estado de ceticismo daqueles advogados — pelo menos da maioria deles, que ainda não se haviam convertido. Mas havia ali um bom número de advogados piedosos, convertidos durante o avivamento de 1830 e 1831.

Comecei minhas preleções aos advogados com a seguinte pergunta: "Devemos saber mais alguma coisa?" Ofereci uma resposta a essa pergunta e continuei a direcionar minha indagação, noite após noite, por meio das pregações. O grupo tornou-se muito seleto. As reuniões de avivamento dirigidas pelo irmão Burchard eram freqüentadas pela classe da comunidade mais propensa a emoções. Assim, no recinto onde eu pregava, havia mais espaço para os advogados e para a classe mais instruída da comunidade. Todas as noites, o salão ficava superlotado. Dessa maneira, era difícil entrar, a não ser para quem chegasse bem cedo. E, à medida que pregava, noite após noite, notava que o interesse aumentava cada vez mais.

A mulher do juiz Gardiner era uma pessoa especial, minha irmã na fé. Assim, eram muitas as oportunidades que eu tinha de encontrar-me com o juiz. Tive muita certeza de que a Palavra estava-se firmando em seu coração. Depois de ouvir algumas preleções, ele disse-me:

— Sr. Finney, até aqui o senhor esclareceu tudo de modo satisfatório para mim. Mas quando formos estudar a questão do castigo eterno dos ímpios, você escorregará: não conseguirá convencer-nos quanto a isso.

— Espere para ver, meritíssimo — respondi.

Esse alerta deixou-me mais precavido e, quando cheguei à questão, procurei expor o assunto com a maior clareza possível. No dia seguinte ao dessa preleção, encontrei-me com ele, que de imediato e por iniciativa própria, comentou:

— Sr. Finney, estou convencido! Sua maneira de apresentar o assunto foi um sucesso! Nada se pode dizer contra seus conceitos. — A forma em que se expressou indicava que ele, além de convencido intelectualmente, estava profundamente impressionado.

Continuei pregando noite após noite, sem concluir se o auditório, desacostumado comigo e muito selecionado, já estava preparado para uma decisão. Chegou o momento quando considerei apropriado puxar a rede para a praia. Vinha ensinando cuidadosamente aquele grupo de advogados, cercando-o com uma concatenação de raciocínio a que eles não pudessem resistir. Estava consciente de que tinham o costume de escutar um argumento e avaliar o peso da verdade apresentada de modo lógico. Não tinha nenhuma dúvida de que até ali conseguira convencer a grande maioria deles. Como conseqüência, preparei um sermão com o qual pretendia levar o grupo às portas da decisão e, se surtisse efeito, conclamá-los a entregarem-se ao Senhor.

O juiz Gardiner, no período em que eu passara na cidade em 1830, data em que sua mulher se converteu, opusera-se à prática de se manter o "banco dos aflitos". Eu previa que ele, de novo, levantaria objeção, já que era um homem muito orgulhoso e se comprometera fortemente a pronunciar-se contra aquele recurso.

Durante o sermão ao qual me referi, observei que o juiz Gardiner não estava sentado onde costumava ficar. Também não consegui vê-lo entre os advogados e juízes. Fiquei preocupado, principalmente porque o sermão se referia à polêmica levantada por ele. Eu sabia que sua influência era grande e que, se ele tomasse uma posição firme, poderia levar para o seu lado toda a classe de magistrados da cidade. Por isso, lastimei muito sua ausência. Entretanto, pouco depois observei que ele entrava na galeria envolvido numa capa e sentava-se perto do topo da escadaria. Continuei a pregar, mas perto da conclusão observei que o juiz Gardiner deixara seu lugar e fiquei aflito. Imaginei que ele voltara para casa porque fazia frio no lugar onde ele estava sentado ou talvez porque alguma coisa o tivesse perturbado. Tive receio de que o sermão preparado por mim — com a intenção de referir-me a ele de maneira direta — tivesse sido pregado em vão, pelo menos para ele.

No subsolo da igreja da rua Washington, havia um salão grande, quase tão grande quanto o auditório que ficava na parte superior do edifício. Desse salão, uma escada levava ao auditório, no piso superior e terminava ao lado do púlpito. Quando estava chegando ao fim do sermão e com o coração quase gelado pelo receio de fracassar em meus objetivos, senti alguém puxando a barra de meu casaco. Olhei para trás. Era o juiz Gardiner! Ele descera pelo salão até o subsolo, subira aquela escadaria estreita e, sorrateiramente, chegara até o púlpito para puxar meu paletó. Quando me voltei, surpreso, ele disse-me: "Sr. Finney, não quer orar por mim, mencionando meu nome? Posso ir até para o 'banco dos aflitos'". Eu não tinha falado uma única sílaba a respeito do "banco dos aflitos"!

A congregação ficou observando os movimentos do juiz Gardiner quando ele subiu ao púlpito. E, quando anunciei publicamente o pedido que ele fizera, o impacto foi maravilhoso. Em todas as partes do templo, via-se aquela expressão de contentamento. Muitos curvaram a cabeça e choraram, outros pareciam concentrados em uma oração muito sincera. O juiz Gardiner conseguiu contornar o púlpito até a parte da frente e ali se ajoelhou. Os advogados, quase na sua totalidade, colocaram-se de pé, enchendo o espaço aberto diante do púlpito e puseram-se de joelhos onde quer que encontrassem espaço para isso. Os que conseguiam, ajoelharam-se à volta do juiz Gardiner.

A movimentação começou sem que eu pedisse, mas aproveitei o momento e solicitei a todos quantos se dispunham a renunciar aos seus pecados, a entregar o coração a Deus e a aceitar a Cristo e sua salvação que viessem à frente e se colocassem nos corredores entre os bancos ou onde quer que conseguissem ficar e ajoelhar-se. Houve um poderoso movimento. A congregação mostrou-se profundamente comovida. Oramos e, em seguida, encerrei a reunião. Esse movimento aconteceu entre os cidadãos de maior destaque em Rochester.

Eu estava pregando todas as noites, sem poder reservar uma única noite para uma reunião de instrução aos interessados. Então marquei uma para o dia seguinte, às duas da tarde, no subsolo da igreja. Quando cheguei, fiquei surpreso ao ver o recinto quase lotado e notei que o auditório era formado pelos cidadãos de maior destaque na cidade. Continuei com as reuniões dia após dia e tive a oportunidade de conversar livremente com muitos daqueles cidadãos, que se deixavam instruir tão facilmente como se fossem crianças. Acho que nunca estive em uma reunião tão inspiradora e emocionante quanto aquela. Muitos dos advogados haviam-se convertido, e posso dizer que o juiz Gardiner era o principal deles, já que assumira a liderança do grupo ao declarar estar do lado de Cristo.

Dessa vez, permaneci dois meses em Rochester. O avivamento tornou-se maravilhosamente inspirador e poderoso e resultou na conversão de grande número dos cidadãos mais respeitáveis da cidade. O movimento instalou-se com firmeza em uma das igrejas episcopais, a de São Lucas, da qual o dr, Whitehouse, atual bispo de Illinois, era pastor. Quando eu estive em Reading, vários anos antes, o dr. Whitehouse estava pregando em uma congregação episcopal naquela cidade. Uma das irmãs mais cultas dali informou-me que recebera uma grande bênção espiritual durante aquele avivamento.

Quando cheguei a Rochester em 1830, o dr. Whitehouse já era pastor da Igreja de São Lucas e encorajava os membros a freqüentar nossas reuniões de avivamento. Segundo me informaram, muitos foram levados à conversão, e no avivamento de 1842 ele encorajava e até mesmo aconselhava os membros de sua igreja a freqüentarem nossos cultos. Ele era um pastor muito bem-sucedido e influente em Rochester. Fiquei sabendo que nesse mesmo avivamento nada menos que 70 membros de sua congregação, entre as pessoas de maior influência, se haviam convertido e foram confirmadas em sua igreja. Na ocasião, o avivamento afetou de modo geral aquela classe de pessoas. Se eu fizesse um relato detalhado dos casos especiais de conversão nesse avivamento, escreveria um volume inteiro. Assim, mencionarei apenas um fato, muito impressionante.

Quando instruía o povo, eu insistia em que a condição para ser aceito diante de Deus era a inteira consagração, a total entrega do corpo, da alma, das posses e de tudo o mais, para serem, a partir de então e para sempre, usados para a glória divina. Conforme era meu costume, destaquei o quanto pude essa questão. Certo dia, ao chegar ao culto, encontrei à minha espera, à porta da igreja, um dos advogados com os quais mantinha alguma amizade. Ele experimentava profunda ansiedade de espírito. Quando entrei, tirou um papel do bolso e entregou-o a mim, dizendo: "Entrego isso a você, servo do Senhor Jesus Cristo". Guardei-o para ler depois do culto. Ao examiná-lo, vi que se tratava de uma escritura de renúncia aos seus direitos, lavrada em conformidade com a lei, na qual renunciava diante do Senhor Jesus Cristo à posse de si mesmo e a tudo quanto era dele. Lavrara o documento na forma da lei, com todas as peculiaridades e formalidades de um título de transmissão de propriedade. Acho que ainda guardo comigo aquele título, em algum lugar entre meus documentos. Aquele advogado tratou o assunto com a maior solenidade e, pelo que percebi, estava inteiramente consciente do que fazia. Aqui, porém, não tenho espaço para narrar outros pormenores do fato.

Quanto aos meios usados nesse avivamento, devo dizer que as doutrinas eram as mesmas ensinadas em todos os lugares, com as quais eu deitava os profundos alicerces na lei de Deus, descrevendo a depravação moral total não-regenerado e a voluntariedade dessa depravação, coisas totalmente contrárias à razão e infinitamente iníquas. Destacava a necessidade de regeneração, que é a transformação total da moral e do caráter mediante o ensino e influência persuasiva do Espírito Santo; a necessidade, natureza e suficiência universal da expiação por nosso Senhor Jesus Cristo; a divindade total de Cristo; a personalidade e divindade do Espírito Santo; a autoridade divina das Escrituras como única regra de fé e prática; o governo moral de Deus, com a necessidade da aceitação universal e irrestrita da vontade de Deus como regra da vida; a aceitação incondicional, pela fé, do Senhor Jesus Cristo como Salvador do mundo, de sua obra e de todas as coisas a ela relacionadas; a santificação da alma por meio da verdade. Essas doutrinas e outras semelhantes eram tratadas pormenorizadamente conforme o horário permitia e de acordo com as necessidades perceptíveis do auditório.

Os métodos eram simplesmente a pregação do evangelho e abundantes orações em particular, nos círculos sociais e nas reuniões públicas de oração, sendo que sempre se ressaltava a prática da oração como meio essencial de promover o avivamento. Orientávamos os pecadores no sentido de que não se mantivessem passivos à espera de que o Espírito Santo os levasse à conversão, na expectativa de um momento futuro determinado por Deus. Nós os instruíamos, mostrando-lhes seu primeiro e imediato dever: a submissão a Deus, a renúncia à própria vontade, aos próprios caminhos e a si mesmos e a entrega ao Senhor Jesus Cristo — o legítimo dono de sua vida — de tudo que eram e possuíam.

Em nada abrandávamos essa orientação. Não os mandávamos orar por um coração novo ou ler a Bíblia enquanto aguardavam que Deus viesse convertê-los — nada de levá-los ao emprego de meios que os conduzissem à ação divina. Eram instruídos, nesse assunto e em todos os demais, com base no princípio de que era Deus quem agia com eles, e não eles com Deus, e que nossas reuniões eram meios usados por Deus para alcançar o consentimento deles. Eram levados a reconhecer que o único obstáculo a esse consentimento era a vontade humana obstinada. Deus estava tentando conseguir a irrestrita anuência deles e aguardando que abrissem mão de seus pecados e aceitassem ao Senhor Jesus Cristo como sua justiça e salvação. Insistíamos em que abrissem caminho para Deus, acrescentando que a única dificuldade era conseguir deles essa permissão honesta e voluntária, condição para que Cristo pudesse salvá-los, condição mínima para que pudessem ser salvos.

As reuniões com os interessados ofereciam instrução adaptada às diferentes etapas de convicção de pecado. Eu mantinha o hábito de, após cada reunião, fazer um resumo de tudo, citando alguns casos como exemplo e dissipando suas objeções, respondendo às suas perguntas, corrigindo erros, procurando destituí-los de qualquer desculpa e colocando-os frente a frente com a grande questão da total e irrestrita aceitação da vontade de Deus em Cristo Jesus. A fé em Deus e Deus em Cristo, era sempre destacada. Eles tinham de entender que a fé não é mera convicção intelectual e sim o consentimento do coração. A fé é a confiança voluntária e consciente em Deus, à medida que ele é revelado no Senhor Jesus Cristo.

Fazíamos o máximo esforço para demonstrar ao pecador que aceitar a salvação é responsabilidade humana e que Deus estará isento de culpa se o pecador for mandado para o inferno. Destacávamos, então, a doutrina do castigo eterno, demonstrando que era justo — e também inevitável — que o pecador fosse castigado eternamente se morresse em seus pecados.

Todas essas doutrinas eram apresentadas de modo a não deixar dúvidas. Esse, pelo menos, era meu alvo constante — e de todos os que ministravam instrução. Explicávamos a natureza da dependência do pecador na influência divina e reforçávamos essa doutrina, explicando que, sem a orientação e a influência divinas, eles jamais se reconciliariam com Deus devido ao estado de depravação em que viviam. No entanto, a falta de reconciliação era resultado da dureza de coração ou da teimosia em fazer imperar a própria vontade, de modo que, depender do Espírito de Deus, não era motivo para não se tornarem cristãos de imediato. Os temas mencionados e outros tantos que decorrem deles logicamente eram explicados em todos os seus aspectos, dentro dos limites do tempo.

Não ensinávamos aos pecadores que a conversão tinha de ser obtida em resposta às suas orações. Dizíamos que, se cultivassem a iniqüidade no coração, o Senhor não os atenderia e que enquanto não se arrependessem estariam em pecado. Não quero dizer com isso que eram exortados a não orar. Explicávamos que Deus exigia que orassem, mas que o fizessem com fé e com espírito de arrependimento e que, ao pedir que Deus os perdoasse, deviam entregar-se definitivamente à vontade divina. Eles aprendiam que a oração sem fé era abominação para Deus, mas, se estivessem realmente dispostos a apresentar uma oração aceitável a ele, podiam fazê-lo. Nada, a não ser a obstinação deles próprios, impedia que fizessem essa oração.

Nunca os deixamos pensar que podiam cumprir seu dever, sob qualquer aspecto, ou que pudessem realizar qualquer boa obra sem antes haverem entregue o coração a Deus. Os atos interiores — arrepender-se, crer e submeter-se — eram os primeiros deveres a ser cumpridos. Antes disso, nenhuma ação externa podia ser considerada cumprimento do dever. Orar por um coração novo antes de se entregarem a Deus era tentar ao Senhor. Orar pedindo perdão sem estar arrependido era ofender a Deus. Pedir-lhe que fizesse o que não deveria e orar na incredulidade era fazer dele um mentiroso. A incredulidade deles não passava de blasfêmia. Resumindo: nosso objetivo era não deixar ao pecador outra saída senão aceitar a Cristo, sua vontade, sua expiação — enfim toda a sua obra, irrestritamente, de todo o coração, com firme propósito de espírito e renúncia a todo o pecado, desculpas, incredulidade, dureza de coração e tudo que fosse maligno, naquele instante e para sempre.

Depois da noite em que o juiz Gardiner veio à frente, conforme já relatei, em vez de convidar os interessados a vir à frente, passamos a convocá-los à sala de preleções do andar inferior. O auditório estava sempre muito cheio e, os corredores, entupidos. Por isso, era impossível utilizar o "banco dos aflitos". Essas reuniões, realizadas todas as tardes, eram freqüentadas por multidões de novos convertidos e pessoas interessadas no evangelho. Nesse avivamento, não se verificou nenhum fanatismo, grosseria ou imprudência, ou seja, nada que pudesse desagradar ao juízo mais exigente, pelo que me lembro.

Sempre me interessei de maneira especial pela salvação dos advogados e de todos os que exerciam funções relacionadas ao Direito. Eu mesmo formei-me como advogado. Entendia muito bem seu modo de pensar e sabia o quanto eles prezavam os argumentos, as evidências e as declarações lógicas. Descobri que, em todos os lugares onde atuei, onde o evangelho era devidamente apresentado, essa era a classe mais acessível. E creio ser verdade que, proporcionalmente, convertia-se maior número deles que de quaisquer outros profissionais. Sempre me impressionei de modo especial pela facilidade com que a Lei e o Evangelho persuadiam a inteligência dos juízes — homens que têm o hábito de se assentar para escutar testemunhas e pesar na balança os argumentos de ambos os lados de uma questão. Não me lembro de nenhuma ocasião em que esses magistrados não se tenham convencido da veracidade do evangelho de Cristo ao assistir aos cultos nos avivamentos em que participei.

Sempre me emocionei ao conversar com os membros da magistratura, pois consentiam com proposições que mentes mal disciplinadas teriam repudiado. A mulher de um dos juízes do Tribunal de Apelação, que morava em Rochester, havendo-se convertido durante meu ministério, mantinha comigo uma amizade especial. Seu marido, no entanto, parecia dominado por um ceticismo crônico. Era leitor voraz e pensador, homem de grande refinamento e honestidade jurídica.

Tive algumas conversas profundas com esse homem. Era ele um verdadeiro cavalheiro, muito educado e amável. Confessava-me sempre que os argumentos eram conclusivos, que seu intelecto era cativado pela pregação ou pela conversa. Certa vez, ele disse-me: "Sr. Finney, em seus sermões, o senhor sempre me arrebata. Mas, embora concorde com tudo que o senhor diz, não atinjo o sentimento adequado — de alguma forma, meu coração não corresponde". Sendo ele um homem tão amável, era um prazer e ao mesmo tempo uma aflição conversar com ele. Sua sinceridade e inteligência tornavam prazerosas nossas conversas a respeito de assuntos religiosos, mas, sua incredulidade crônica tornava os mesmos diálogos muitíssimo dolorosos. Em mais de uma ocasião, conversei com ele até sentir a profunda agitação de sua mente. Mesmo assim, pelo que sei, ele nunca se converteu.

A mulher desse juiz, que era mulher de muita oração e por ele amada de modo especial, já está na sepultura e seu único filho afogou-se diante dos olhos dele. Depois de ele ter enfrentado essas calamidades, escrevi-lhe uma carta, fazendo referência a algumas conversas que tivera com ele e procurando mostrar-lhe a Fonte onde encontraria consolo. Respondeu de modo bem gentil, mas ressaltou a perda que sofrera. Disse não existir consolo para o caso dele. Estava realmente cego para a consolação que poderia encontrar em Cristo. Não podia conceber em aceitar o desígnio divino e sentir-se feliz. Sua mulher era uma pessoa de raras qualidades. Conheci poucas mulheres com semelhante inteligência, beleza pessoal e todas aquelas habilidades e talentos que tornam fascinante uma senhora.

Ele morou em Rochester durante todo o tempo em que ocorreram ali grandes avivamentos, um após outro. E, pelo que sei, embora não tivesse desculpas para apresentar e nenhum refúgio onde esconder-se, ele permanece, misteriosamente, na incredulidade. Citei aqui sua história para ilustrar a maneira em que o intelecto dos profissionais de Direito pode ser persuadido pela força da verdade. Quando falar do avivamento seguinte em Rochester, do qual também participei, terei ocasião de citar outros acontecimentos que ilustrarão o mesmo ponto.

Vários dos advogados que se converteram em Rochester abriram mão de sua profissão e ingressaram no ministério. Nosso irmão Charles Torrey, que visitou Rochester tantas vezes, foi um desses advogados convertidos. É estranho dizer que o filho do chanceler Walworth, que então era um jovem advogado na cidade, foi outro que deu mostras de estar convertido. Por motivo que desconheço, foi para a Europa, para Roma e tornou-se sacerdote católico romano. Já faz muitos anos que se empenha em promover avivamentos entre os católicos, promovendo reuniões com eles. E, de acordo com o que me contou quando o encontrei em Inglaterra, procurava realizar na Igreja Romana o que eu fazia na igreja protestante.

O sr. Walworth parece ser um ministro sincero de Cristo, dedicado de coração e alma à salvação dos católicos romanos. Não sei até que ponto ele concorda com todas as opiniões dos católicos. Quando eu estava em Inglaterra, ele foi-me procurar e demonstrou muito afeto para comigo. Imagino que nossa conversa tenha sido agradável, como se ambos fôssemos protestantes. Nada me disse de suas opiniões teológicas, apenas que trabalhava entre os católicos romanos a fim de promover avivamentos entre eles. Muitos outros ministros surgiram como resultado dos grandes avivamentos em Rochester.

Enquanto eu trabalhava ali, ocorria um fato muito interessante: os advogados, quando se sentiam pressionados pela consciência a humilharem-se diante de Deus, vinham ao meu aposento para conversar e esclarecer questões que não compreendiam com clareza. Repetidas vezes observei que, quando as dúvidas eram esclarecidas, eles logo se mostravam prontos a assumirem uma submissão a Cristo. A verdade é que, como regra, seu modo de analisar o plano de salvação parecia mais inteligente que o de qualquer outra classe profissional a quem já preguei ou com quem já conversei.

Grande número de médicos também se converteu nos avivamentos a que assisti e dos quais participei. Penso que seus estudos os fazem tender ao ceticismo ou a certa forma de materialismo. No entanto, são inteligentes: se o evangelho lhes for apresentado de modo eficiente, despido dos aspectos peculiares do hiper-calvinismo, eles são facilmente convencidos e convertidos, mais até que as pessoas menos cultas da sociedade. De modo geral, o curso de medicina não os leva a entender tão prontamente o governo moral de Deus, como no caso dos que optam pela carreira jurídica. Apesar disso, tenho-os achado abertos à convicção. Não são pessoas que um ministro de Cristo considere difíceis de lidar, na grande questão da salvação da alma.

Sempre achei que, em todos os lugares, o hiper-calvinismo foi pedra de tropeço, tanto para a Igreja quanto para o mundo. A natureza pecaminosa em si mesma, a total incapacidade de aceitar a Cristo e de obedecer a Deus, a condenação à morte eterna pelo pecado de Adão e pela natureza pecaminosa — todos os dogmas afins e resultantes dessa escola têm sido um embaraço para os crentes e a ruína dos pecadores. Mas, o universalismo, o unitarismo e todas as outras formas de erro fundamental têm cedido e desaparecido diante dos avivamentos. Pude comprovar repetidas vezes que, para o ser humano abandonar de uma vez por todas de livre e espontânea vontade o universalismo e o unitarismo, basta que ele seja totalmente convencido de pecado pelo Espírito Santo.

Quando relatar o outro avivamento que se deu em Rochester, terei ocasião de explicar mais detalhadamente como os céticos, se forem adotadas as técnicas corretas de abordagem, são muitas vezes forçados pelas próprias convicções a reconhecer que estão destinados à condenação e se alegram quando encontram diante deles uma porta de misericórdia, mediante as revelações contidas nas Escrituras. Mas, por ora, deixarei esse assunto, para introduzi-lo outra vez em minha narrativa de acordo com a cronologia dos avivamentos.

CAPÍTULO XXVII

De volta ao trabalho em Oberlin, na cidade de Nova York e em Boston

Após dois meses de atividades em Rochester, parti para Oberlin e, ao chegar ali, dediquei-me à função de professor e de pastor da igreja. A obra de Deus reavivou-se entre os alunos e entre o povo e experimentamos um período de contínua graça. Um número considerável de pessoas convertia-se todas as semanas e, quase diariamente durante o verão, tínhamos notícias de mais conversões — até a chegada do outono, quando parti para trabalhar na cidade de Nova York. Isso foi no final de 1842.

Um de nossos alunos, o rev. Samuel Cochran, era responsável por uma igreja na cidade de Nova York. Havia alugado um teatro na esquina das ruas Broadway e Prince, conhecido como Teatro Jardim de Niblo e ali a igreja celebrava seus cultos. Permaneci em Nova York várias semanas — não lembro exatamente quanto tempo — e houve muitas conversões. Mas, numa cidade grande é muito difícil, se não impossível, fazer qualquer estimativa do alcance de um avivamento. Pessoas procedentes de todas as partes da cidade formam uma grande massa de almas, são convencidas e convertidas e, em seguida, voltam ao convívio de uma vasta comunidade. Assim, é possível que sejam conhecidos bem poucos dentre os que foram realmente abençoados.

Nesse avivamento, o atual governador do estado converteu-se a Cristo. Na época, era um jovem de 16 ou 18 anos de idade. Certa noite, estando o auditório superlotado, convidei a vir à frente, como de costume, as pessoas que quisessem submeter-se a Deus. Enquanto o povo caminhava lentamente através da multidão, observei um jovem atravessando o auditório vindo de um dos cantos mais distantes do salão e passando por cima dos bancos. Dava a impressão de ser muito sincero e fiquei bastante impressionado com a espontaneidade com que veio para a frente. Deu excelente impressão como novo convertido e não tive dúvida de que ele se convertera a Cristo.

De fato, nunca tive dúvidas a respeito de sua vida cristã. Veio para a faculdade e completou o curso. Depois passou para o curso de teologia na ocasião em que visitei a Inglaterra pela primeira vez. Penso que a leitura do tratado do presidente Edwards a respeito do livre-arbítrio fez surgir em sua mente muitas indagações. Chegou a estudar para o ministério. Sua mãe, mulher de muita devoção, tinha a esperança sincera de que viesse a ser um obreiro atuante, pois era um jovem muito promissor. Mas, ele ficou tão confuso com suas especulações metafísicas que passou a questionar o livre-arbítrio do homem. Assim, viu claramente que não podia, de modo consciente e com esperança de sucesso, apresentar o evangelho aos homens. Por isso, abandonou os estudos teológicos e decidiu tornar-se professor primário. Antes de chegar a Oberlin, havia trabalhado num escritório de advocacia como escrevente. Por não conseguir respostas claras às suas especulações metafísicas para prosseguir na pregação do evangelho, resolveu dedicar-se à advocacia.

Aqueles que anotaram os fatos descritos nesta narrativa devem lembrar-se de que o inverno de 1843 foi uma estação em que os avivamentos prevaleciam extensivamente. Comecei a viagem para casa próximo ao primeiro dia de Março e, por todo o percurso até Oberlin, havia condições para que a viagem fosse feita de trenó. Para minha grande satisfação, descobri que um avivamento contínuo ocorria em quase todas as cidades entre Oberlin e Nova York. Dificilmente, nas paradas ao longo do caminho, não tive notícias de reuniões diárias de oração e ou de um poderoso avivamento.

Ao lembrar-me dos avivamentos já relatados por mim, posso dizer, com toda sinceridade, que nunca li nem ouvi que avivamentos semelhantes a esses tenham predominado em qualquer lugar, com tão pouca coisa a ser lamentada ou realmente censurada. Esse fato deve-se, sem dúvida, ao alto nível de cultura entre o povo norte-americano, principalmente entre o povo dos estados do Norte, onde a educação é geral.

Já falei da minha volta de Rochester, na primavera de 1842, quando tivemos um interessante avivamento, do qual eu deveria ter tomado o cuidado de anotar algumas características. Em determinado dia de Julho, uma convenção de ministros reuniu-se em Rochester para considerar a questão da santificação do dia do Senhor. Meus amigos em Rochester estavam muito desejosos de que eu participasse. Concordei em estar presente. No domingo anterior, havia pregado sobre o texto: "Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração" (Jr 29.13). Essa passagem causou profunda impressão nos presentes.

Na segunda-feira de manhã, comecei minha viagem para Rochester. No entanto, verificou-se que os estudantes haviam ficado demasiadamente impressionados com o sermão, o que os impedia de se concentrarem nas aulas — eu já havia partido e desconhecia, portanto, esse fato. Vendo a situação dos alunos, os professores suspenderam as aulas por alguns dias, os estudantes começaram a orar e foram levados a preocuparem-se com a salvação. O sentimento era intenso e, durante alguns dias, chegou a tornar-se esmagador. As conversões multiplicaram-se rapidamente. Alguns alunos, porém, ficaram muito emocionados e um deles, um jovem escocês, ficou mentalmente perturbado. Essa perturbação, no entanto, durou pouco tempo. Foi tal a situação que os membros da igreja pediram que eu voltasse imediatamente a Oberlin. Voltei, porém, nenhum mal permanente resultou do intenso estado emocional que predominara entre os estudantes nos poucos dias de minha ausência.

Os estudos haviam sido suspensos por apenas um breve período e as coisas voltaram ao normal. Os mais afetados acalmaram-se. Mas, durante o verão, continuou a imperar um profundo espírito de oração, trazendo grande progresso espiritual entre os crentes e, muitos de nossos alunos convertera-se a Cristo. Nesse avivamento, não foi demonstrada, de modo algum, nenhuma tendência herética da qual me lembre, ou algo que pudesse ser classificado como fanatismo. E, depois de meu regresso — penso que não estive ausente mais de uma semana, provavelmente só um domingo — as coisas voltaram aos caminhos normais de um avivamento sadio e poderoso.

No outono de 1843, fui chamado de volta a Boston. Se não estou enganado quanto às datas, 1842 foi um ano de grande comoção em Boston com respeito à segunda vinda de Cristo. E eu estive ali nesse ano. Notava-se tremenda agitação na opinião pública. O sr. Miller estava ali, fazendo preleções sobre o tema e ministrando estudos bíblicos diários, nas quais oferecia instrução e inculcava na mente dos ouvintes suas opiniões pessoais. Quanto me lembre, nunca estive em um lugar onde tivesse visto tanto exagero e falta de razão quanto naquela comoção em Boston.

Estive presente a uma ou duas aulas do sr. Miller. Depois disso, convidei-o a vir aos meus aposentos, onde procurei convencê-lo de que estava errado. Chamei sua atenção para a interpretação que atribuía a algumas das profecias e mostrei-lhe, dentro de minhas possibilidades, que ele estava totalmente enganado em algumas de suas opiniões fundamentais. Ele replicou que minha investigação tinha apenas o propósito de apontar os erros dele, se os tivesse. Na última vez em que assisti a uma de suas aulas, ele ensinou aos alunos sua doutrina, baseada na profecia de Daniel, de que Cristo viria e destruiria seus inimigos em 1843. Durante o que ele chamava exposição da profecia de Daniel, afirmou que a pedra cortada da montanha sem o uso de mãos que destruiu a imagem ali referida, era Cristo.

Quando o sr. Miller esteve em meus aposentos, chamei sua atenção para o fato de que o profeta afirmou expressamente que a pedra era o Reino de Deus e não Cristo e que o profeta ali representava a Igreja, ou seja, o Reino de Deus, que, ao ser estabelecido, demoliu a imagem. Esse fato ficou tão claro que o sr. Miller foi obrigado a aceitá-lo como a pura verdade. Não seria Cristo, mas o Reino de Deus que destruiria aquelas nações. Perguntei-lhe, em seguida, se ele acreditava que o Reino de Deus destruiria aquelas nações tal como ele ensinava: pela espada, isto é, por meio da guerra. Ele respondeu que não acreditava nisso. Perguntei-lhe, então:

— Não são os governos que serão derrubados, em vez de os habitantes serem destruídos? E isso não seria resultado da influência da Igreja de Deus, graças à iluminação da mente dos cristãos por meio do evangelho? E, se era esse o significado, em que você baseia o ensino de que um dia Cristo virá em pessoa destruir todos esses povos? Ora, isso é fundamental para o que o senhor ensina. E o grande argumento que ressalta em suas aulas e aqui temos um erro evidente, pois as próprias palavras do profeta revelam totalmente o contrário daquilo que o senhor ensina!

Diante disso, ele simplesmente respondeu:

— Pois bem! Se eu estiver errado, sua investigação descobrirá os erros.

Mas, na ocasião, era inútil arrazoar com ele e com seus seguidores. Por crerem que o advento de Cristo estava próximo, não era de admirar que se mostrassem profundamente agitados, por demais conturbados para tratar o assunto de maneira racional.

Quando cheguei ali, no outono de 1843, descobri uma situação muito curiosa. Aquela comoção já passara, mas, detectei entre o povo quase todas as formas de heresia. Descobri que em Boston a situação era aquela mencionada pelo dr. Beecher no primeiro inverno em que atuei nessa cidade, quando ele me disse: "Sr. Finney, o irmão não pode fazer a obra aqui como nos outros lugares. Precisa adotar um método diferente de instrução, começando pelos alicerces. Isso porque o unitarismo é um sistema de negações e o resultado de seus ensinos é a decadência dos alicerces do cristianismo. O irmão não pode tomar nada como certo, pois, tendo os alicerces destruídos, por obra dos unitaristas e universalistas, as pessoas estão à deriva. As massas não têm opinião firme sobre nada: são levadas por qualquer um que diga: "Vejam aqui!' ou 'Vejam ali!'. E quase todas as formas concebíveis de heresia conseguem prevalecer".

Descobri que tudo isso se aplicava em maior grau a Boston que a qualquer outro campo em que tivesse atuado. A despeito de toda a cultura do povo de Boston, as convicções religiosas das pessoas ali são mais duvidosas que as de qualquer outro lugar em que trabalhei. O povo tem muito conhecimento em todas as áreas, menos no que concerne à religião. É extremamente difícil inculcar na mente das pessoas as verdades religiosas, porque a influência da doutrina unitarista levou-as a questionar as doutrinas principais da Bíblia. Seu sistema é de negações. Sua teologia é negativa. Negam quase tudo e afirmam quase nada. Em semelhante campo, a heresia é acolhida pelo povo com os ouvidos bem abertos e as opiniões mais loucas e irracionais a respeito de assuntos religiosos são sustentadas por grande número de pessoas.

Já me referi à Capela de Marlborough, que naquela época pertencia ao irmão Willard Sears. Quando comecei a trabalhar ali, descobri uma situação singular. Haviam formado uma igreja composta quase exclusivamente de radicais e a maioria dos membros mantinha opiniões extremadas a respeito de vários assuntos. A igreja era formada principalmente de pessoas que haviam saído de igrejas ortodoxas. Muitas delas eram fortes e consistentes, com idéias reformistas. Eram pessoas boas, mas não posso dizer que fossem unidas. Suas opiniões extremadas pareciam constituir um elemento de rejeição mútua. Alguns eram extremados na tolerância e consideravam errado empregar qualquer castigo físico para disciplinar os filhos. Achavam que tudo deveria ser feito por persuasão moral. De modo geral, porém, era um povo cristão sério e de oração.

Não tive nenhuma dificuldade em conviver com eles, mas, naquele tempo, a comoção causada por Miller e várias outras causas contribuíram para produzir bastante confusão entre eles. Não estavam, de modo algum, desenvolvendo-se como igreja. Surgira entre eles um jovem de nome Smith, que alegava ser profeta. Mantive com ele muitas conversas, procurei convencê-lo de que estava totalmente errado e esforcei-me para livrar seus seguidores do erro. No entanto, vi que seria impossível, até que ele assumiu compromisso com referência a várias questões e predisse que certas coisas aconteceriam em determinadas datas. Uma das previsões foi que seu pai morreria num dia estabelecido e profetizou vários acontecimentos e datas.

Diante disso, propus: "Faremos agora uma prova com você, para testar a veracidade de suas declarações. Se esses fatos vierem a acontecer do modo e na hora que você previu, teremos autoridade bíblica para crer que você é profeta. Mas, se não acontecerem, isso comprovará que você está enganado". Essa prova ele não podia negar. Pela boa providência de Deus, suas predições deviam cumprir-se em poucas semanas. Arriscara sua reputação como profeta e ficou aguardando seu cumprimento. É lógico que todas elas fracassaram e ele fracassou com elas: calou-se e nunca mais ouvi falar de predições suas. No entanto, ele deixara muitas mentes confundidas, a ponto de neutralizar os esforços espirituais dessas pessoas. E não me consta que seus ex-seguidores tenham chegado a reconquistar a influência que tinham anteriormente como crentes.

Naquele inverno, o Senhor fez um completo exame em minha alma e renovou em mim o batismo com seu Espírito. Hospedei-me no hotel Marlborough e meus aposentos localizavam-se na esquina que dava para a capela. Ali estava meu gabinete, com acesso para o quarto. Minha mente ocupou-se grandemente em orar por um tempo prolongado, como acontecia sempre que eu realizava algum trabalho em Boston. Ali eu sempre recebia grande peso do espírito de oração. Mas, nesse inverno, minha alma ocupava-se grandemente com a questão da santidade pessoal, do estado da igreja como um todo, de sua falta de poder, da fraqueza das igrejas ortodoxas em Boston — fraqueza de fé e falta de poder no meio da comunidade.

O fato de as igrejas estarem fazendo pouco ou nenhum progresso para amenizar os males da cidade perturbava-me grandemente o espírito. Passei a dedicar-me a muita oração. Depois dos cultos vespertinos, acomodava-me tão cedo quanto possível e levantava-me às quatro da madrugada, porque não conseguia dormir mais. Ia imediatamente orar no gabinete. Minha alma ficou tão atormentada e tão profundamente envolvida na oração que eu orava desde a hora em que me levantava até ouvir o sinal que chamava para o café da manhã, às oito horas. Meus dias eram dedicados ao estudo das Escrituras, dentro do horário disponível, pois recebia numerosas visitas de pessoas que queriam conversar comigo.

Nada mais li durante todo aquele inverno senão a Bíblia e boa parte dela me parecia novidade. Parecia que o Senhor me conduzia outra vez, de Gênesis a Apocalipse. Ele levou-me a ver a relação entre os fatos — como as coisas preditas no Antigo Testamento aconteciam no Novo Testamento: promessas, ameaças, profecias e seu cumprimento. Realmente, as Escrituras, na sua totalidade, pareciam brilhar não somente de luz, mas, como se a Palavra do Senhor estivesse impregnada da própria vida de Deus.

Depois de eu passar em oração semanas e meses, certa manhã, enquanto orava, ocorreu-me o seguinte pensamento: "O que acontecerá se, depois de recebidos todos esses ensinos, minha vontade não for dominada por eles e eles afetarem minhas emoções, apenas? Será que minhas emoções podem ser abaladas por essas revelações encontradas na Bíblia sem que meu coração esteja realmente subjugado por elas?". Ocorreram-me então vários trechos das Escrituras, como este: "Ordem sobre ordem, ordem sobre ordem, regra e mais regra, regra e mais regra; um pouco aqui, um pouco ali', para que saiam, caiam de costas, firam-se, fiquem presos no laço e sejam capturados", (Is 28.13).

A idéia de que eu pudesse estar sendo enganado pelas minhas emoções foi como uma picada da víbora. Produziu uma dor que não consigo descrever. Os demais textos bíblicos que me ocorreram nesse sentido, durante uns momentos, aumentaram grandemente minha aflição. Logo em seguida, porém, fui capacitado a lançar-me sobre a perfeita vontade de Deus. Declarei ao Senhor que, se ele considerasse mais sábio e melhor e se sua honra exigisse que eu continuasse iludido e descesse ao inferno, eu aceitaria de bom grado sua vontade. Então, eu lhe disse: "Faze comigo o que bem te parecer".

Pouco depois de ocorrer esse fato, passei por uma grande luta interior para atingir um nível mais sublime de consagração a Deus, muito acima do que eu já sentira ser minha obrigação — e além do que me parecia ser possível. Em situações semelhantes, era meu costume colocar toda a minha família no altar de Deus, para que ele lidasse com ela segundo sua vontade. Mas, nessa ocasião, antes de aceitar em definitivo a vontade de Deus, senti forte relutância no momento de entregar a vida de minha mulher à vontade divina. Ela estava com a saúde debilitada e era certo que não viveria por muito tempo.

Por aqueles dias, tive um sonho com ela que veio abrir caminho para a luta interior a que me estou referindo. Depois do sonho, tentei colocá-la sobre o altar divino, como sempre fazia. Porém, jamais enxergara com tanta clareza o que estava subentendido com o fato de deixá-la — e tudo que eu possuía — no altar do Senhor. Durante muitas horas permaneci de joelhos, tentando entregá-la sem restrições à vontade divina. Contudo, sentia-me incapacitado de fazer essa entrega. Isso deixou-me tão chocado e surpreendido que, em minha agonia, passei a suar profusamente. Lutei e orei até sentir-me exausto e totalmente incapaz de entregá-la à vontade divina de forma a não fazer a mínima objeção a que o Senhor dispusesse dela conforme lhe agradasse.

Esse fato perturbou-me muito. Escrevi à sra. Finney e contei-lhe a respeito da luta que eu tivera e da preocupação que sentira por não conseguir entregá-la à perfeita vontade de Deus. Isso aconteceu pouco antes de eu enfrentar a tentação a que acabei de referir-me — pois foi o que me pareceu ter sido — durante a qual os textos bíblicos subiam de modo aflitivo à minha mente e uma amargura quase mortal parecia dominar-me diante da idéia de que minha experiência talvez fosse apenas resultado de minhas emoções. No entanto, como já mencionei, consegui vencer o desânimo e a amargura, o que identifiquei como setas de Satanás. Passei a confiar de maneira ainda mais profunda na infinitamente abençoada e perfeita vontade de Deus.

Em seguida, declarei ao Senhor minha total confiança nele, afirmando que me sentia perfeitamente disposto a entregar a mim mesmo, minha mulher, minha família inteira e tudo o mais, para que ele dispusesse de nós inteiramente e sem nenhuma restrição, segundo seus planos e sua vontade. E, se ele considerasse melhor e mais aconselhável mandar-me para o inferno, eu aceitaria de bom grado sua decisão.

Quanto à minha mulher, eu também me sentia inteiramente disposto a colocá-la, corpo e alma, sobre o altar da perfeita vontade de Deus sem a mínima apreensão. Passei, então, a ter um conceito mais profundo das coisas que realmente envolviam a consagração a Deus e pude ficar longas horas de joelhos, considerando a questão inteira e entregando tudo nas mãos de Deus: os interesses da igreja, o progresso da fé, a conversão do mundo e a salvação ou condenação de minha alma, conforme ele decidisse. Lembro-me de ter dito mesmo ao Senhor, de todo o coração, que ele podia fazer qualquer coisa comigo ou com os meus, conforme sua bendita vontade consentisse em fazer; que agora minha confiança em sua bondade e em seu amor era total, a ponto de eu ter certeza de que ele jamais faria comigo algo que me causasse descontentamento.

Senti a santa ousadia de dizer-lhe que fizesse comigo exatamente o que ele considerasse bom. O Senhor não pode fazer nada que não seja perfeitamente sábio e bom, por isso, eu tinha os melhores motivos para aceitar qualquer decisão da parte dele no tocante a mim e aos meus. Nunca antes tivera a experiência de um repouso tão profundo e perfeito na vontade de Deus.

O único ponto estranho era este: não consegui firmar-me na esperança que possuía anteriormente nem lembrar-me com clareza dos tempos de comunhão e certeza que experimentara em tempos passados. Posso dizer que abri mão de minha esperança e baseei tudo em um novo alicerce. Com isso, quero dizer que pus de lado a esperança baseada em alguma experiência do passado. Lembro-me de que falei ao Senhor que não sabia se ele pretendia salvar-me ou não. Não me sentia preocupado em sabê-lo. Estava disposto a aguardar o desenrolar dos fatos. Falei ao Senhor que, se eu descobrisse que ele me guardava e trabalhava em mim, pelo seu Espírito e que me preparava para o céu e fazia operar a santidade e a vida eterna em minha alma, eu tomaria isso como sinal de que ele pretendia salvar-me. Mas, se eu me achasse esvaziado das forças, da luz e do amor divinos, então concluiria que ele considerava sábio e conveniente enviar-me ao inferno e que eu, em qualquer um dos casos, aceitaria sua vontade. E minha mente firmou-se em total quietude.

Isso aconteceu de manhã bem cedo e, no decurso daquele dia, eu parecia estar num estado de perfeito repouso de corpo e de alma. Surgia com freqüência em minha mente, a seguinte pergunta: "Você continua firme em sua decisão de consagrar-se e permanecer entregue à vontade de Deus?". Eu respondia sem hesitação: "Sim! Não retiro nada do que prometi. Não tenho motivo para arrepender-me. Em nada fugi à razão em minhas confissões de lealdade a Deus. Não tenho motivo para retirar qualquer coisa do que disse — não quero desdizer-me em nada".

Pensar na possibilidade de minha perdição não me afligia. Realmente, por mais que procurasse durante aquele dia inteiro, não conseguia achar dentro de mim o mínimo temor, a mínima emoção perturbadora. Nada me preocupava. Não me sentia nem eufórico nem deprimido. Não estava alegre nem triste. Minha confiança em Deus era perfeita e minha aceitação à sua vontade era total. Minha mente estava tão calma quanto o céu. E, ao entardecer, veio-me este pensamento: "E se Deus me mandasse para o inferno? Que seria de mim?". Respondi para mim mesmo: "Ora, eu não levantaria objeções". Surgiu ainda a pergunta: "Poderia ele mandar para o inferno alguém que aceite sua vontade da maneira em que você a aceita?". Nem bem a pergunta surgiu em minha mente, já estava respondida: "Não, é impossível! O inferno não poderá ser inferno para mim, já que aceitei a perfeita vontade de Deus". Isso fez brotar em mim um estado espiritual de júbilo que continuou a crescer durante semanas, meses e — posso dizer — anos.

Por muitos anos, minha mente transbordava tanto de júbilo que se sentia livre de ansiedade no que se referia a qualquer assunto. Toda a minha oração, antes tão fervorosa e prolongada, agora resumia-se nisto: "Seja feita a tua vontade". Parecia que todos os meus desejos haviam sido atendidos. Recebi da maneira mais inesperada tudo que eu vinha pedindo para mim.

"Santidade ao Senhor" parecia estar inscrito em todas as ocupações de minha mente. Minha fé era tão forte no perfeito cumprimento da vontade de Deus que eu não conseguia andar ansioso por coisa alguma. As grandes ansiedades que haviam ocupado minha mente durante meus agonizantes períodos de oração pareciam esquecidas, de modo que, cada vez que eu recorria a Deus a fim de entrar em comunhão com ele, como era meu hábito, caía de joelhos e achava impossível pedir-lhe qualquer coisa com sinceridade, senão que sua vontade fosse feita na terra tal como no céu. Minhas orações eram voltadas para isso e, freqüentemente, eu me via sorrindo diante de Deus e dizendo que não estava pedindo coisa alguma. Tendo a plena certeza de que Deus levaria a efeito sua sábia vontade e minha alma sentia-se plenamente satisfeita.

Foi nessa ocasião que me senti livre da prolongada luta enfrentada e comecei a pregar à congregação com essa minha nova experiência. Um número considerável de pessoas acompanhava minhas pregações e compreendia-me. Ouvindo meus sermões, elas entenderam o que se passava em minha mente. Estou certo de que meus ouvintes estavam mais conscientes que eu mesmo da grande mudança operada na forma em que eu apresentava meus sermões. É lógico que minha mente estava totalmente ocupada com o tema da salvação plena e presente no Senhor Jesus Cristo. Não conseguia, portanto, pregar a respeito de outro assunto. Parecia que minha alma estava unida a Cristo de uma forma jamais sentida por mim.

A linguagem de Cântico dos Cânticos era-me tão natural quanto meu hálito. Pensava compreender bem o estado de mente do autor quando escreveu aquele cântico e cheguei à conclusão de que ele fora escrito depois de o autor haver-se recuperado de uma grande queda na infidelidade. Até hoje defendo essa idéia. Além de viver na novidade do primeiro amor, sempre tive livre acesso a ele. Realmente, o Senhor enalteceu-me acima de qualquer coisa que eu experimentara antes e me ensinou tanta coisa a respeito do significado da Bíblia, de nosso relacionamento com Cristo e de seu poder e disposição para manter esse relacionamento que, freqüentemente, eu via-me declarando: "Eu nunca soube nem imaginei que tal coisa fosse possível". Foi, então, que me dei conta do texto: "Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos" (Ef 3.20). E ele, realmente, ensinou-me infinitamente mais do que eu chegara a pedir ou pensar.

Antes disso, eu não fazia idéia da largura, do comprimento, da altura, da profundidade e da eficiência de sua graça. A afirmação "Minha graça é suficiente para você" (2Co 12.9) significava tanto que me era estranho não tê-la compreendido até então. E eu apanhava-me exclamando: "Maravilhoso! Maravilhoso! Maravilhoso!", à medida que as revelações me eram feitas. Foi então que compreendi melhor a intenção do profeta ao dizer: "... Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz" (Is 9.6).

Dediquei quase todo o restante do inverno, antes que eu fosse obrigado a voltar para casa, a instruir o povo a respeito da plenitude que se encontra em Cristo. Mas, descobri que estava pregando acima do nível de entendimento espiritual da maior parte da congregação. Havia, de fato, um número razoável de pessoas que me compreendia e desfrutava, por isso, de bênçãos maravilhosas. Tenho motivo para crer que passaram a progredir na vida cristã mais que em qualquer outra época anterior a essa experiência. Mas, nem todos os membros da pequena igreja que se formou ali eram capazes de trabalhar juntos de modo saudável e eficiente. Era grande a oposição externa contra eles. A maioria da população e, até mesmo crentes professos, antipatizavam com eles. Os membros das outras igrejas não estavam em condições de receber os conceitos que eu defendia sobre santificação. E, embora em quase todas houvesse indivíduos piedosos e grandemente abençoados, meu testemunho, em geral, não fazia sentido para eles.

Alguns, no entanto, conseguiam entender minha posição. Lembro-me de que certa noite os diáconos Proctor e Safford, depois de ouvir minha pregação e ver o efeito que causara sobre os ouvintes, esperaram-me descer do púlpito, chegaram até mim e disseram:

— O que o irmão ensina é muito avançado para nós. O irmão está muito à frente de nossos ministros. Como podemos conseguir que venham aqui escutar essas verdades?

— Não sei — respondi. — Mas, gostaria que eles enxergassem as coisas como eu as enxergo, pois realmente me parece ser de infinita importância que haja em Boston um padrão mais alto de santidade.

Os diáconos concordaram comigo e pareciam grandemente desejosos de apresentar aquelas verdades ao povo. Os crentes em Boston afirmavam que os dois eram homens bons, mas, não sei dizer que esforços realmente eles fizeram para persuadir os pastores e congregações a freqüentar minhas reuniões de avivamento.

Durante aquele inverno, empenhei-me no avivamento entre os cristãos. O Senhor preparou-me para isso por meio da grande obra que operou em minha alma. Embora antes eu tivesse muito do entusiasmo divino operando em mim, mesmo assim, a experiência por que passei naquele inverno ultrapassou tudo que eu vivera anteriormente e em tal medida que às vezes eu ficava pensando se, em outro tempo, eu tivera verdadeira comunhão com Deus.

É lógico que eu já havia experimentado comunhão com Deus e por longos períodos. Tomei plena consciência disso quando refleti sobre o assunto e lembrei-me do que, com tanta freqüência, se passara comigo. Minha idéia era que, ao chegarmos ao céu, nossas opiniões, alegrias e práticas religiosas ultrapassariam de tal maneira qualquer coisa experimentada nesta vida que dificilmente reconheceríamos o fato de termos tido alguma religião enquanto estivemos neste mundo. É verdade que, em muitas ocasiões, eu desfrutara de alegrias inexprimíveis e profunda comunhão com Deus, mas, isso fora de tal maneira encoberto pela experiência daquele inverno que eu dizia ao Senhor que, até então, não conhecia, de fato, as coisas maravilhosas reveladas em seu bendito evangelho nem a graça maravilhosa oferecida por Cristo Jesus. Claro, tudo isso era relativo. Eu falava assim porque minhas experiências anteriores pareciam lacradas, quase perdidas de vista.

Quando cessou a grande emoção daquele período, minha mente parecia estar mais calma. Enxerguei mais claramente os diferentes passos de toda a minha experiência cristã e pude reconhecer que a conexão entre todas as coisas foi operada por Deus desde o início. Mas, a partir de então, nunca mais passei por grandes embates nem por aqueles longos períodos de oração agonizante para alcançar o pleno repouso em Deus, o que era minha experiência freqüente. A partir de então, prevalecer com Deus nas experiências vividas por mim passou a ser coisa bem diferente. Posso comparecer diante de Deus com mais calma, porque me aproximo dele com a mais perfeita confiança. E, ele capacita-me, agora, a repousar nele com muito mais facilidade.

Tenho sentido, a partir de então, liberdade e alegria espirituais em Deus e em sua Palavra. Sinto, ainda, grande firmeza na fé e na liberdade cristã, uma inundação de amor que, antes de passar por essas últimas manifestações divinas, só experimentara ocasionalmente. Não quero dizer com isso que as experiências anteriores fossem raras. Ao contrário, eram freqüentes e repetidas, mas nunca tão permanentes quanto a última. Parecia que minha escravidão fora totalmente desfeita e, a partir de então, passei a desfrutar da liberdade de uma criança diante de um pai amoroso. Pareço capaz de encontrar Deus dentro de mim de tal maneira que posso descansar nele e aquietar-me, colocar meu coração em suas mãos e aninhar-me em sua perfeita vontade, enquanto minhas preocupações e minha ansiedade desaparecem.

Afirmo que essa experiência passou a ser habitual a partir de então, mas, não posso dizer que eram ininterruptas, pois, em 1860, durante uma crise de enfermidade, passei por um período de grande depressão e excepcional humilhação. Mas, o Senhor tirou-me daquele estado de desânimo e colocou-me num lugar seguro de paz e repouso.

Poucos anos depois desse período de refrigério vivido em Boston, minha amada veio a falecer. Para mim, foi uma grande aflição. No entanto, em momento algum murmurei ou opus-me à vontade de Deus. Sem oferecer a mínima resistência, entreguei-a a Deus. Para mim, no entanto, era uma grande tristeza. Na noite após sua morte, prostrei-me solitário em minha cama, enquanto alguns amigos cristãos estavam sentados na sala, numa vigília que duraria a noite inteira. Adormeci e, quando acordei, pouco depois, a realidade de estar viúvo invadiu minha mente de maneira muito forte! Minha mulher se fora! Nunca mais ouviria sua voz nem veria seu rosto! Seus filhos ficaram sem mãe! O que fazer? Meu cérebro parecia rodopiar, como se a minha mente tivesse saído do eixo. Levantei-me imediatamente da cama, exclamando: "Vou enlouquecer se não conseguir descansar em Deus!" O Senhor não demorou a acalmar minha mente, mas, mesmo assim, sobrevinham-me períodos de tristeza quase esmagadora.

Certo dia, eu estava de joelhos conversando com Deus a respeito do assunto e, de repente, senti que ele me perguntava: "Você amava sua mulher?" Respondi que sim. Ele continuou: "Pois bem! Você a amava para o bem dela mesma ou para o seu? Se a amava para o bem dela, por que está triste por ela estar comigo? A felicidade dela não deveria trazer-lhe regozijo, em vez de mágoa?" Ele parecia dizer ainda: "Você a amava por amor a mim? Se você a amava por amor a mim, certamente não deveria estar de luto por ela achar-se comigo agora. Por que pensa na perda sofrida por você, em vez de pensar na vitória conquistada por ela? Como pode estar entristecido sendo que ela está tão alegre e feliz? Se você a amasse por ela mesma, não deveria estar-se regozijando pelo júbilo que ela está vivendo, alegrando-se com a felicidade dela?" Jamais poderei descrever os sentimentos que me sobrevieram depois que Deus se dirigiu a mim desse jeito.

A palavra divina produziu uma mudança instantânea em minha atitude no tocante à perda de minha mulher. A tristeza por sua morte desapareceu para sempre. Já não pensava nela como morta, mas vivendo nas glórias do céu. Por esse tempo, minha fé era tão forte e minha mente tão iluminada que eu sentia-me capaz de penetrar no céu quase da mesma forma em que ela se encontrava lá. E, se fosse possível a comunicação com um espírito ausente ou com alguém que está no céu, eu diria que ainda tinha alguma comunhão com ela. Mas nunca supus a possibilidade de podermos dialogar. Parecia até que eu podia descrever o estado de alma em que ela se encontrava: repouso profundo e ininterrupto dentro da perfeita vontade de Deus. Consegui perceber que aquilo era o céu, experimentei-o em minha alma. Até hoje, não me esqueci da impressão que aquela experiência causou em meu coração e em minha mente. E aquela sensação retorna com freqüência à minha mente, como se eu experimentasse o mesmo estado mental dos que habitam o céu e eu consigo perceber por que razão vivenciam esse estado.

Minha mulher morreu num estado de alma celestial. Sua confiança em Deus era tão perfeita, que pareceu-me ter ela alcançado, depois de morrer, total compreensão do amor e da fidelidade de Deus, a ponto de confirmar e aperfeiçoar para sempre sua confiança nele e a submissão à sua vontade. Essas são experiências que tenho vivido em alto grau depois daquela ocasião. Descobri, porém, que não posso incluir num sermão as verdades que fazem com que minha alma se deleite, pois não seria compreendido, a não ser por um número muito reduzido de pessoas. Por mais que eu descrevesse os pormenores, penso que bem poucos dos membros de nossas igrejas apreciariam o assunto e receberiam com prazer aquelas visões e a plenitude da salvação, que continuam a alimentar e deleitar minha alma. Em todos os lugares em que prego, sinto ser necessário descer até o nível em que os ouvintes se encontram, a fim de que possam compreender-me. E tenho encontrado igrejas estacionadas em nível tão baixo que seus membros parecem totalmente incapazes de apreender e apreciar o que considero as mais preciosas verdades do evangelho.

Ao pregar aos pecadores impenitentes, vejo-me obrigado, naturalmente, a voltar aos princípios elementares. Em minha experiência, já fui muito além dos princípios elementares e de estágios mais avançados e já não consigo viver dessas verdades. Mesmo assim, preciso pregá-las aos pecadores, a fim de levá-los à conversão. Ao pregar o evangelho, posso falar sobre expiação, conversão e muitos conceitos destacados, apreciados e aceitos pelos que têm pouco tempo de vida religiosa e, também, pelos que já passaram longo tempo na igreja, mas progrediram pouco no conhecimento de Cristo.

Somente em raras ocasiões descubro ser realmente proveitoso para o povo de Deus derramar diante da congregação a plenitude que minha alma consegue ver em Cristo. Em Boston, o número de pessoas que me compreenderam e receberam com avidez essas verdades é bem maior que em qualquer outro local, mas até mesmo ali a maioria dos que professaram a fé não as abraça com todo o seu entendimento. Não levantam objeções, não se opõem a elas e, dentro do alcance de seu entendimento, deixam-se convencer. Mas, em questão de experiência, desconhecem o poder das verdades mais sublimes e preciosas do evangelho da salvação em Cristo Jesus.

Já mencionei que aquele inverno passado em Boston foi dedicado principalmente à pregação aos crentes professos e que, muitos deles, receberam grande bênção na alma. Eu estava convicto de que, a não ser que os alicerces fossem lançados de novo e os crentes de Boston passassem a viver um tipo mais sublime de vida cristã, jamais prevaleceriam contra o unitarismo. Eu sabia que eles haviam arrazoado contra os unitaristas, que os ministros conservadores havia muitos anos pregavam a ortodoxia, em contraste com os unitaristas e que tudo quanto era possível fazer por meio de debates já fora feito. No entanto, eu achava que os unitaristas precisavam ver a prática do puro evangelho de Cristo na vida dos crentes. Precisavam encontrar nas palavras e na vida dos crentes a comprovação de que Jesus Cristo era o Salvador divino, poderoso para salvá-los de todo o pecado.

Sua profissão de fé em Cristo não combinava com suas experiências. Não podiam dizer que haviam comprovado, em sua experiência, que Cristo era aquilo que pregavam. Resumindo: seu testemunho particular e público do poder da graça de Deus na própria consciência não conseguia sustentar sua ortodoxia. Pelo contrário, suas confissões constantes de escravidão ao pecado contradiziam a fé que professavam em Cristo. Percebi, com mais clareza do que nunca, que a ortodoxia em Boston tinha bem pouco poder e jamais alcançaria poder até viver uma nova experiência cristã. Os ortodoxos necessitavam das provas oferecidas pelas testemunhas vivas de Deus e da demonstração da experiência e da consciência para convencer os unitaristas. Meros raciocínios e argumentos, por mais conclusivos que fossem, não poderiam vencer os erros e preconceitos deles. E continuo crendo que é assim.

As igrejas ortodoxas de Boston são muito formais. Estão escravizadas por determinados princípios. Têm medo de lançar mão de novos métodos e de se aventurarem, com toda a liberdade, na salvação das almas. Seus membros sempre me pareceram imobilizados em suas orações, visto que o que chamo espírito da oração raras vezes encontrei em Boston. São teimosos e permanecem dentro de uma camisa de força. Se não conseguirem libertar-se de seus conceitos sobre o que é sensato e conveniente e romper a frieza e a estagnação que existe entre eles, não conseguirão salvar a cidade. Eles vivem em um estado de estagnação espiritual. Os ministros e diáconos, embora eu pense que sejam homens bons, não se aventuram a usar novos métodos para atrair os ouvintes porque temem a crítica dos unitaristas. Tudo precisa ser feito de determinado modo. E o Espírito Santo entristece-se ao vê-los entregues a semelhante escravidão.

No entanto, há em Boston pessoas virtuosas, dedicadas à oração, que comprovam sua sinceridade ao abrir o coração e as mãos ao próximo e ao ajudar a promover cada palavra e cada boa obra. Mas, há necessidade de líderes mais corajosos: ministros com nível mais elevado de experiência, com fé mais ampla e com maior coragem moral que a demonstrada até agora.

Em Boston, já empenhei meus esforços em cinco poderosos avivamentos. Quero declarar que minha convicção sincera é que a maior dificuldade para vencer o unitarismo e as demais formas de heresia que proliferam ali é a timidez dos crentes e das igrejas. Por saber que estão constantemente expostos às críticas dos unitaristas, tornaram-se cautelosos demais. Sua fé foi reprimida. E receio que a predominância do unitarismo e do universalismo os tenha impedido de pregar e demonstrar o perigo que correm os impenitentes, tal como o presidente Edwards o apresentava. As doutrinas do castigo eterno e da necessidade da inteira santificação e a prontidão em renunciar a todos os pecados como requisitos para a salvação — na realidade, todas as doutrinas que visam despertar os impenitentes e os crentes semi-mundanos a sair da letargia — lastimavelmente não são expostas com a freqüência e o poder indispensáveis à salvação da cidade.

Os poucos membros da Capela de Marlborough queriam muito que eu me tornasse seu pastor. Com esse pedido em mente, saí de Boston e cheguei em minha casa. Conforme vim a saber posteriormente, o irmão Sears seguiu-me com um convite no bolso, para persuadir-me a retornar a Boston e passar a residir ali. Mas, quando chegou a Oberlin, a fim de consultar os irmãos sobre a possibilidade de eu transferir-me para Boston, eles o desencorajaram de tal maneira que ele nem sequer me apresentou o convite.

Esse não foi o último inverno que passei em Boston. Terei muito mais para dizer, em melhor oportunidade, a respeito dos avivamentos ali. Quanto ao número de conversões naquela cidade, naquele inverno, não posso dizer outra coisa a não ser que, de modo global, devem ter sido numerosas, tendo em vista que recebia em meus aposentos, de forma quase ininterrupta, dia após dia, visitas de interessados provenientes de várias partes da cidade. No entanto, conforme já relatei, acho que naquele inverno a maioria dos interessados era de crentes professos, poderosamente despertados para buscar uma vida cristã mais sublime.

 

CAPÍTULO XXVIII

TRABALHOS EM OBERLIN, MICHIGAN, ETC

No outono seguinte, no ano de 1845, fui convidado de modo insistente, como sempre acontecia, a visitar o lugar de meu nascimento espiritual e a trabalhar ali como evangelista. Resolvi aceitar o convite. Na véspera da partida, fiz minha mala e deixei tudo pronto para começar a viagem na manhã seguinte. Deitei-me cedo e adormeci antes da chegada de minha mulher. Logo fui acordado por sua tosse. Abri os olhos e vi que ela tossia sangue. Havia entrado no quarto enquanto eu dormia e não sei se a tosse provocou a perda de sangue ou se a perda de sangue provocou a tosse. A cena, entretanto, era de dar medo. O sangue saía-lhe da boca com tanta profusão que quase a sufocava. Parecia que tinha dificuldade para expulsa-la dos pulmões com rapidez suficiente para impedir o sufocamento. A impressão era de que morreria em pouquíssimo tempo. Tomei-a nos braços segurei-lhe a cabeça sobre uma vasilha e procurei acalmá-la tanto quanto possível, evitando que alguém mais da família se assustasse.

Ela mesma, porém, não parecia muito atemorizada. Tinha a alma fortemente ancorada em Deus e demonstrava uma confiança inquestionável, por isso não ficava perturbada. Ela sabia que em sua família tinha havido vários casos de tuberculose. Portanto, provavelmente não ficou muito surpreendida com o que estava acontecendo. Depois de lhe enxaguar a boca e a garganta com água fria e de limpar o sangue tão bem quanto podia, coloquei minha preciosa mulher na cama e deitei-me ao lado dela para vigiar-lhe a respiração, o pulso e os demais sintomas que se manifestassem. Ela foi-se aquietando cada vez mais, até adormecer. Recuperou-se da crise e nunca mais sofreu nenhuma sangria nos pulmões. Após dois anos de luta contra a tuberculose, no entanto, faleceu.

Por causa daquele grande sangramento, tive de ficar em casa para cuidar dela, de modo que abandonei qualquer plano de viagem para aquele inverno. Dediquei-me a cuidar dela e continuei a pregar e a trabalhar a favor de um avivamento ali mesmo, em Oberlin. Tivemos proveitosas atividades e inspiradoras reuniões durante todo o inverno, mas, como esse tipo de trabalho já era comum na cidade, houve pouquíssimos comentários a respeito da obra. Na verdade, há muitos anos acontecem reuniões regulares para os interessados e muitos convertam-se semana após semana: cada vez que é celebrada a ceia do Senhor, dezenas de pessoas são acrescentadas à igreja. Fatos assim são comuns para o povo de Oberlin.

Não saí de casa para atuar especificamente como evangelista senão no inverno seguinte, quando insistiram em que eu fosse para Detroit. E fui para lá para ajudar o irmão Hammond, pastor da Igreja Congregacional. A maioria das igrejas ali eram presbiterianas e era assim na maior parte do estado. O dr. Duffield, pastor da Primeira Igreja Presbiteriana em Detroit, era muito radical e parecia ressentir-se de minha chegada. Ele exercia muita influência ali e toda ela a favor de nossos oponentes. Nem por isso, no entanto, deixamos de fazer uma obra preciosa ali. Houve muitas conversões notáveis, mas permaneci ali bem pouco tempo.

Era muito difícil conseguir dos congregacionais e dos obstinados presbiterianos o estado de mútuo sentimento indispensável à promoção de um avivamento geral. Era mesmo impossível. Os congregacionais eram considerados intrusos e não consegui dos dois grupos nada que se assemelhasse à união de esforços e de sentimentos. O dr. Duffield professava a teologia da Escola Nova e já na Pensilvânia fora processado pela sua posição teológica. Depois de tudo isso, porém, sua filosofia mistificara de tal maneira sua mente que ele achava ofensiva a verdade tal como eu a apresentava. Assim, posicionou-se firmemente contra minha pregação e, sem dúvida, sua influência limitou grandemente a obra realizada ali naquele inverno.

Antes de eu partir da cidade, no entanto, fui levado a orar a respeito daquela situação e isso de tal maneira que tive a confiança de que Deus transformaria as opiniões do dr. Duffield ou pelo menos reduziria grandemente a influência dele naquela cidade e no estado. Para mim, era óbvio que os esforços a favor do avivamento não deviam ser abandonados. O dr. Duffield seria obrigado a mudar seu modo de agir e então o caminho seria franqueado à obra do avivamento e ao livre desenvolvimento do congregacionalismo na região. Mais tarde, na devida ordem dos fatos, relatarei como se desenvolveu a situação. Antes, porém, de encerrar minha narrativa sobre as ocorrências em Detroit, preciso relatar um fato interessante.

Naquele tempo, havia na cidade um comerciante muito rico e influente, cujo nome era Chandler. Era crente professo, mas sua mulher, uma senhora nova-iorquina destacada pela vasta cultura e por grande beleza, não era convertida. Havia, também, na cidade um advogado de renome chamado Joy (creio que mora hoje em Chicago). O sr. Chandler, durante muitos anos, foi membro do Senado dos Estados Unidos. A sra. Joy, mulher do referido advogado, originária da Nova Inglaterra, era muito talentosa. Pelo que entendi, seu pai, quando vivo, era um dos homens de maior destaque em Massachusetts. Logo, a sra. Joy mostrou-se ansiosa pela salvação de sua alma e passou a freqüentar nossas reuniões. Depois de uma difícil luta espiritual, converteu-se a Cristo — de modo impressionante, devo acrescentar. Ela e a sra. Chandler eram amigas íntimas e a sra. Joy passou a interessar-se muito pela situação espiritual da amiga.

Certa noite, preguei sobre o texto: "Por favor, desculpe-me" (Lc.14.18). Na manhã seguinte, o sr. Chandler veio visitar-me e informou-me que sua mulher tivera a consciência poderosamente despertada pelo sermão. Passara a noite desassossegada e ele desejava que eu fosse visitá-la. Disse-me, se eu fosse diretamente à sua casa, ele iria para sua loja, contígua à casa e ficaria orando pela conversão da mulher. Fui imediatamente à casa dele. Quando toquei a campainha, a sra. Chandler abriu a porta no mesmo instante, pois naquele momento ela e a sra. Joy estavam juntas, de pé, no lado de dentro.

Naquela manhã, havia uma reunião de oração realizada pelas irmãs numa casa ali por perto e a sra. Joy, sabendo que a sra. Chandler sentia convicção espiritual, viera convidá-la para a reunião. Estavam vestidas para sair, inclusive com seus casacos de pele e iam justamente abrir a porta quando toquei a campainha. Eu já conhecia a sra. Joy, que me apresentou à sra. Chandler, pois, com esta eu nunca conversara. Peguei a mão da sra. Chandler e revelei-lhe o propósito de minha visita: conversar com ela a respeito de sua alma. Percebi que, assim que peguei sua mão, ela estremeceu. Voltou para dentro de casa e convidou-me a entrar na sala, onde havia uma acolhedora lareira. A sra. Joy não nos seguiu: passou para outro aposento.

A sra. Chandler convidou-me a sentar. Agradeci e respondi que, antes que sentasse, queria saber se ela daria seu coração a Jesus. Pela impressão que causava, vi que tinha profunda convicção de pecado. Ela, porém, hesitava muito. Insisti muito com ela a respeito do assunto, mas percebi, pelas suas palavras, que ela era uma mulher de tendências mundanas, ambiciosa e orgulhosa e que o mundo exercia terrível domínio sobre ela. Finalmente, sentei-me — e ela também — e insisti com ela de modo tão sincero e eficiente quanto me era possível no tocante à salvação de sua alma. Parecia que, para ela, a grande luta era abrir mão das coisas do mundo.

Obviamente, era uma mulher cujos caprichos eram todos atendidos. Era jovem e bela, idolatrada pelo marido, uma das grandes prediletas na sociedade, amante da ostentação, dos enfeites e das diversões mundanas. O pai era homem respeitado na cidade de Nova York e ela, filha mimada, continuou a ser mimada como esposa. Além disso, era muito orgulhosa. Era uma senhora de modos refinados — uma dama de caráter apreciável, levando-se em consideração que não era crente. Ficou claro para mim que ninguém ainda havia falado seriamente com ela a respeito da sua salvação. Portanto, o modo em lhe que falei deixava-a desconfortável.

Depois de conversar com ela um bom tempo, insisti na necessidade e no dever de ela ajoelhar-se ali mesmo, renunciar ao mundo e a seus pecados e entregar-se totalmente a Cristo. Ajoelhamo-nos, orei por ela e procurei, na oração, levar sua mente a Cristo. Escutei seu choro angustiado, porém, depois da oração ela declarou: "Não consigo humilhar-me!" Fez questão de levantar-se, mas, pedi-lhe que não o fizesse. Disse-lhe que seria um erro e que eu temia que ela apagasse o Espírito de Deus se rejeitasse sua misericórdia. Então, ela abandonou a idéia de levantar-se e voltei a orar por ela. Sua luta agonizante continuou e parecia aumentar. O conflito tornou-se mais intenso e a luta em sua mente parecia ser pavorosa. Finalmente, ela disse: "Vou-me humilhar". Acalmou-se e depois de ela ter sido consagrada a Deus em oração, levantamo-nos. Ela parecia calma e submissa.

A sra. Joy, que estava no aposento ao lado aparentemente ocupada em oração pela sra. Chandler, percebendo o que acontecera, entrou repentinamente na sala e a cena entre as duas amigas foi emocionante. Depois disso, não vi a sra. Chandler mais que uma ou duas vezes antes de sair da cidade e por muitos anos não ouvi mais falar dela. Na ocasião, parecia estar convertida. No entanto, eu tinha consciência de que as tentações de viver uma vida mundana eram muito fortes para ela e não sei se sobreviveu como crente devota. Nunca me esquecerei daquela cena. Houve muitas outras conversões inspiradoras, mas não há espaço para relatá-las aqui. Depois de passar umas poucas semanas em Detroit, recebi pedidos insistentes da parte da igreja em Pontiac e passei um período nessa cidade.

Chegando ali, encontrei uma situação muito penosa e singular. A região fora colonizada por um grupo de descrentes que zombavam bastante da fé. Havia, no entanto, várias mulheres piedosas na vizinhança. Depois de muitas lutas, elas finalmente conseguiram estabelecer cultos religiosos. Também construíram uma igreja e empossaram um ministro. Naquele tempo, morava em Pontiac o homem que fora pastor da igreja antes do irmão que a pastoreava quando cheguei. O jovem ministro que o substituíra provinha da Nova Inglaterra, mas não lembro seu nome.

Com o pastor anterior, a igreja tivera muitas dificuldades. Haviam sofrido divisão por causa dele e acabaram por demiti-lo. As circunstâncias, porém, haviam sido tão graves que ainda havia ressentimentos entre ele e a igreja — e, também, entre ele e outro ministro, um homem de idade avançada que morava perto da aldeia e que trabalhara muito para estabelecer igrejas na região. Esse ex-missionário participara ativamente da controvérsia, de modo que entre ele e o antigo pastor a antipatia era mútua. De todos os trabalhos que participei, aquele era o menos promissor e o mais difícil de administrar. Apesar disso, comecei a pregar e não demorou a tornar-se evidente que o Espírito do Senhor estava esquadrinhando profundamente a igreja.

Como era meu costume, comecei a remover as pedras de tropeço, a cuidar da mútua confissão e restituição. Resumindo: lutava para converter de novo a igreja e preparar o caminho para um avivamento entre os que eram abertamente impenitentes. O estado de moralidade em Pontiac era degradante, na época. Os habitantes eram empreendedores e o local era próspero do ponto de vista comercial, mas, as condições espirituais eram péssimas. Percebi que nada de eficaz podia ser feito antes de serem extraídas as antigas raízes de amargura. A animosidade causada pela divisão tinha de ser sanada e removida. Por isso, meus sermões eram dirigidos à igreja e aos crentes professos e preguei mensagens o mais incisivas possível.

Morava ali o vice-governador Richardson. A mulher dele era religiosa. Deixara-se envolver consideravelmente na controvérsia entre seu ex-pastor da igreja. Depois de pregar cerca de duas semanas, considerei o caminho preparado. Combinamos dedicar determinado dia ao jejum, à humilhação e à oração. Quando chegou esse dia, preguei com base no seguinte texto: "Ó Esperança de Israel, tu que o salvas na hora da adversidade, por que te comportas como um estrangeiro na terra, ou como um viajante que fica somente uma noite?" (Jr 14.8). Um sentimento muito forte envolvia-me quando apliquei esse texto à situação dos ouvintes. A tarde, tivemos uma reunião de oração para a igreja em geral. Pouco depois de se iniciar a reunião, ficou claro para mim que as almas estavam sendo esquadrinhadas.

Hospedei-me com o sr. Davis, que desempenhara um papel de destaque na controvérsia com o antigo pastor. Era homem de sentimentos fortes e sentira muita hostilidade contra aquele ministro, considerando-o desviado do caminho. O idoso pastor morava bem perto do sr. Davis. Ao voltarmos do culto matutino, vi que o sr. Davis estava profundamente comovido. Ele disse-me:

— O irmão não acha que seria bom eu fazer confissão àquele pastor? Embora ele não estivesse com a razão, minhas atitudes para com ele foram muito erradas.

— O irmão consegue ir até ele, confessar seu erro sem repreendê-lo e deixar por conta dele a confissão dos pecados dele? — perguntei.

Ele respondeu que conseguiria. Saiu imediatamente, foi até a casa daquele pastor e, pelo que entendi, confessou humildemente seus erros, sem fazer qualquer acusação contra o ministro. Revelou-lhe que abrigara sentimentos anticristãos contra ele e pediu seu perdão.

Como já mencionei, pouco depois de estarmos todos reunidos naquela tarde, ficou evidente que havia um sentimento de auto-exame na congregação. O ex-pastor estava presente e acredito que tenha comparecido a todos os encontros que realizamos. Então vi a mulher do vice-governador Richardson levantar-se, passar por trás do salão e ir até onde seu ex-pastor estava sentado. Confessou-lhe abertamente que nutrira sentimentos anticristãos contra ele. Esse gesto produziu uma explosão generalizada de sentimentos. Notei que o rosto dele estava pálido. Logo que a sra. Richardson voltou para seu lugar, houve um movimento generalizado: pessoas de várias partes do salão dirigiram-se até o lugar em que o ex-pastor estava sentado, a fim de, também, confessarem-lhe seus erros. A obra estava progredindo e eu sentia que haveria um quebrantamento geral.

Depois da atitude dos crentes para com o ex-pastor, eu esperava que a qualquer instante ele se colocasse de joelhos e fizesse também uma confissão. A pressão sobre o povo era tremenda. Fiquei imobilizado, assim como o jovem pastor a que me referi. Mas, foi exatamente nesse momento que o velho missionário, cujo nome penso que era Ruggles, colocou-se em pé e protestou. Disse que fazia objeção porque o ex-pastor — citou-o pelo nome — se sentiria vitorioso, alegando que todos o haviam justificado e, assim, condenado a si mesmos. Pessoalmente, nunca acreditei que houvesse o mínimo perigo de isso acontecer. Acho que se Pai Ruggles, conforme o chamavam, tivesse ficado calado, em menos de dez minutos o ex-pastor estaria, também, confessando todos os seus erros. No entanto, Pai Ruggles assumira uma postura tão radical contra o ex-pastor que não havia como dar qualquer justificativa à sua atitude nem como condenar o comportamento do povo. E, no mesmo instante em que Pai Ruggles adotou essa postura, houve uma reação terrível entre os presentes. Cessaram todas as confissões e todas as lágrimas foram enxugadas. Nunca em minha vida testemunhei a influência do Espírito Santo ser extinta daquela maneira.

A reação foi instantânea, terrível e decisiva. Até aquele momento, todas as animosidades estavam-se derretendo, mas, a infeliz intervenção de Pai Ruggles fez cessar os bons sentimentos e levou-os de volta às origens. Os ressentimentos tornaram a brotar com força quase total. Depois de contemplar aquela desolação por mais alguns dias, voltei para Detroit, onde fiquei doente e passei vários dias confinado ao leito. Chegando o período do trimestre da primavera, voltei para casa logo que tive condições de viajar. Em Oberlin, como de costume, retomei minhas atividades e tivemos um avivamento inspirador no decurso do verão.

Naquele verão, publiquei o segundo volume de minha Teologia sistemática. Eu a escrevi e publiquei enquanto cuidava de meus deveres pastorais e cumpria minhas responsabilidades no colégio. Escrevi a maior parte do segundo volume no ritmo de uma preleção por dia, que enviava imediatamente à editora. Eu corrigia as provas de uma preleção, escrevia outra e mandava tudo para a gráfica no mesmo dia. Mas, isso somado aos meus deveres pastorais e minhas aulas, deixou-me tão esgotado que, na noite da formatura, fui acometido de febre tifóide. Durante dois meses, a enfermidade mostrou-se muito grave e cheguei mesmo perto da morte. Enquanto isso, a tuberculose ia enfraquecendo minha preciosa mulher. Em meados de Dezembro, ela morreu. Quando isso aconteceu, eu ainda não havia recuperado minhas forças e permaneci em casa naquele inverno, sem realizar muitos trabalhos pastorais.

 

AVIVAMENTOS DE FINNEY NA GRÃ-BRETANHA

 

CAPÍTULO XXIX

 

VISITA A INGLATERRA, COMO EVANGELISTA, EM 1849

 

Depois da severa enfermidade por que passei, minhas forças foram-se recuperando lentamente. Constatei, porém, que havia retomado minhas atividades de pastor cedo demais, pois minhas energias ainda não estavam totalmente restauradas. Por essa razão, permaneci em casa durante os invernos de 1847 e 1848, sem sentir-me em condições de realizar viagens evangelísticas mais longas. Recebera muitas cartas com insistentes convites para visitar Inglaterra e atuar em avivamentos naquele país. E, no outono de 1849, minha segunda esposa e eu embarcamos para a Inglaterra, deixando as crianças por conta de minha filha mais velha.

Depois de uma travessia turbulenta no vapor Hermann, dos Correios dos Estados Unidos, chegamos a Southampton, no início de novembro. Ali encontramo-nos com o pastor da igreja de Houghton, no condado de Huntingdon, aldeia que se situava a meio caminho entre as cidades comerciais de Huntingdon e Saint Ives. O sr. Potto Brown, homem muito benevolente, a quem citarei com freqüência neste relato, enviara seu pastor, Jann Harcourt, para nos buscar em Southampton, onde chegamos na manhã do domingo. Ficamos ali o dia do Senhor e na segunda-feira passamos por Londres, viajando de trem, a caminho da casa do sr. Brown, em Huntingdon.

O sr. Potto Brown era Quaker pela parte dos pais e pela educação que recebera. Dedicava-se, com um sócio, à produção e ao comércio de farinha de trigo e era membro de uma congregação independente em Saint Ives e claro que eram dissidentes. Ficaram profundamente sentidos ao perceber a situação à sua volta. Achavam que a Igreja, como é chamada em Inglaterra, estava realizando bem pouca coisa pela salvação das almas. Fora das escolas mantidas pelas igrejas, não havia outras para atender à educação da grande massa de pobres e a maioria do povo era notoriamente negligenciada.

Depois de muita oração e consultas mútuas, concordaram em adotar medidas a favor da educação em massa das crianças da aldeia onde moravam e das aldeias ao redor e em estender essa influência tão longe quanto pudessem. Concordaram, também, em aplicar seus recursos financeiros da melhor maneira possível para implantar o culto e construir igrejas, independentemente do sistema eclesiástico. Começaram a obra em Houghton, aldeia a meia distância entre Saint Ives e Huntingdon, como já disse. Não muito tempo depois de iniciado esse empreendimento, o sócio do irmão Brown morreu. Acredito que sua mulher já tivesse morrido, pois antes de morrer ele entregara sua família, composta de vários filhos e filhas, aos cuidados fraternais do irmão Brown, que deixou a educação deles nas mãos de uma viúva de bom caráter numa aldeia vizinha. O sócio do irmão Brown rogou-lhe também que não negligenciasse a obra que haviam planejado juntos, mas que a levasse adiante com vigor e com um só propósito.

O irmão Brown prosseguiu no trabalho com todo o coração. Seu sócio deixara para os filhos um grande imóvel. O irmão Brown tinha apenas dois filhos, homens. Seus hábitos eram singelos e gastava bem pouco dinheiro com ele próprio e com a família. Contratou um professor primário para a aldeia onde residia e construiu ali uma capela para o culto público. Chamaram para atuar na igreja um ministro com opiniões hiper-calvinistas e que, conseqüentemente, pastoreou a igreja ano após ano com pouquíssimos resultados, frustrando as expectativas do irmão Brown. Ele mantinha freqüentes conversas com o ministro no tocante à deficiência de resultados. Pagava o salário do ministro e aplicava seu dinheiro de várias maneiras a fim de promover a fé por meio de escolas bíblicas dominicais, de professores e de obreiros, mas quase ninguém se convertia. O irmão Brown insistia tanto nesse ponto com o pastor que certo dia este protestou:

— Sr. Brown, porventura sou Deus, para converter as almas? Eu prego o evangelho ao povo, mas Deus não os converte! Acaso isso é culpa minha?

O irmão Brown respondeu:

— Independentemente de você ser Deus ou não, ou de não ser nenhum deus, precisamos ter conversões. O povo precisa converter-se!

E, assim, demitiu o ministro e empregou outro, o rev. James Harcourt, batista de comunhão aberta, homem talentoso, pregador animado e obreiro sincero na conquista de almas. Com a pregação do irmão Harcourt, logo as pessoas começaram a converter-se e a obra progrediu de modo promissor. A pequena congregação reunida na capela modesta aumentou em número e na fé, o trabalho expandiu-se gradualmente e a pequena porção de levedura foi estendendo a sua influência, de modo gradual, porém perceptível, por todos os lados. Logo estenderam suas atividades às aldeias circunvizinhas, alcançando ali bons resultados. Apesar disso, não tinham experiência com avivamentos.

Os filhos do sócio do irmão Brown, que haviam sido confiados aos cuidados dele, cresceram, mas não eram convertidos. Eram três filhas e três filhos, uma família excelente, possuidora de muitos bens, mas não se haviam convertido ainda. O sr. Brown mostrava-se profundamente interessado na salvação dos muitos amigos que tinha naquele condado, todos de bom caráter e de bastante influência no lugar. Além disso, sentia-se ansioso pela conversão da família Goodman — esse era o nome de seu sócio — e desejava ardentemente a salvação deles. Visando à educação dos próprios filhos, contratara um professor e um número considerável de jovens pertencentes a respeitáveis famílias das cidades vizinhas passaram a estudar junto com eles. Por causa dessa pequena escola familiar, um forte vínculo foi criado entre o irmão Brown e as famílias de seus amigos de várias partes do condado, cujos filhos haviam sido convidados a estudar ali. Por algum motivo, no entanto, o trabalho do irmão Harcourt não alcançara essas famílias nem a família Goodman.

O irmão Harcourt foi bem-sucedido entre as classes mais pobres. Era zeloso e dedicado e pregava o evangelho. Conforme disse o sr. Brown, "era poderoso ministro de Jesus Cristo". Mesmo assim, faltava-lhe experiência para alcançar a classe de pessoas que o sr. Brown carregava especialmente no coração. Ele e o irmão Harcourt, seu ministro, freqüentemente discutiam a questão e procuravam descobrir como alcançar aquela classe de pessoas e atraí-las a Cristo.

O irmão Harcourt lera minhas preleções sobre avivamentos, que haviam circulado amplamente em Inglaterra e sugeriu ao irmão Brown que me escrevesse, convidando-me para visitar aquele país e sua cidade. Assim, recebi um convite muito solícito da parte do sr. Brown. Ele conversou com muitas pessoas, inclusive alguns ministros e o resultado foi que recebi vária cartas contendo apelos pressurosos para que eu fosse visitar a Inglaterra.

De início, aquelas cartas causaram pouca impressão em mim, porque eu não via como viajar para Inglaterra. Surgiram, no entanto, circunstâncias que me levaram a ver que o caminho estava aberto para ausentar-me dos Estados Unidos, pelo menos durante certo período. Assim, como já mencionei, no outono de 1849 minha mulher e eu fomos para a Inglaterra. Chegamos ali e, depois de alguns dias de repouso, comecei a empenhar-me no trabalho, na capela da aldeia.

Logo percebi que o irmão Brown era um homem simplesmente notável. Criado como Quaker, defendia opiniões bem mais liberais. Já fazia muito tempo que ele não tinha grande convívio com a denominação e esforçava-se de modo independente pela salvação das pessoas ao seu redor. Possuía riquezas e seus bens aumentavam de modo constante e rápido. Muitas vezes, sua história fez-me lembrar do provérbio: "Há quem dê generosamente e vê aumentar suas riquezas; outros retêm o que deveriam dar e caem na pobreza" (Pv 11.24). Quando se tratava de propósitos religiosos, o irmão Brown gastava seu dinheiro como um marajá. E, quanto mais gastava, tanto mais possuía para gastar.

Como já mencionei, éramos hóspedes do irmão Potto Brown. Enquanto estávamos ali, a casa dele era franqueada a todos, de manhã, à tarde e à noite e ele convidava seus amigos, de longe e de perto, para visitá-lo. Seus amigos eram muitos, de modo que em quase todas as refeições a mesa ficava cercada de pessoas que tinham sido convidadas para que eu pudesse conversar com elas e elas pudessem assistir aos nossos cultos. Iniciou-se um avivamento que se propagou entre o povo. A família Goodman não demorou a interessar-se pela religião e converteu-se a Cristo. A obra estendeu-se entre os que vinham das aldeias vizinhas para conversar e assistir aos cultos. Escutavam e acolhiam de bom grado a Palavra. E a obra entre os amigos íntimos do irmão Brown foi tão abrangente, entre aqueles por cuja conversão ele ansiava e orava, que antes de eu partir de lá cada um deles estava convertido e, conforme disse o próprio sr. Brown, o Senhor não deixara de fora um só daqueles por quem ele sentira ansiedade e a favor de cuja conversão havia orado.

A conversão de todas essas pessoas que viviam dispersas por todo o condado causou impressão muito favorável onde elas eram conhecidas. A casa de cultos em Houghton era pequena e ficava superlotada a cada culto e a maneira em que o irmão Brown e sua mulher se dedicavam àquela obra era inspiradora e comovente. Parecia não haver limites à hospitalidade deles. O professor por eles contratado era um homem piedoso e todos os dias vinha à casa dos Browns. Participava de quase todas as refeições e conversava conosco. Os homens vinham das cidades vizinhas, a muitos quilômetros de distância e chegavam a tempo para o café da manhã. Os jovens que haviam sido educados com seus filhos também apareciam e acredito que todos eles se converteram. Assim, os maiores desejos do irmão Brown foram cumpridos e a obra realizada entre o povo foi bem maior do que ele esperava.

Naquele tempo, o irmão Harcourt mantinha vários pontos de pregação nas aldeias vizinhas a Houghton. Havia um esforço para estabelecer escolas bíblicas dominicais entre os dissidentes e os pobres e para implantar reuniões de oração e de pregação em três lugares ou mais, nas aldeias não muito distantes de Houghton. O bom resultado da obra continuou durante muitos anos. O sr. Harcourt informou-me que, enquanto permanecia em Houghton, pregava numa atmosfera de oração e corações quebrantados. Terei ocasião de contar sobre sua partida de Houghton para outro campo de serviço — e de como alcançou grande sucesso nesse campo — e sobre seu chamado para Londres, onde acabei encontrando-me com ele em minha segunda visita à Inglaterra.

Dessa vez, não permaneci muito tempo em Houghton — apenas algumas semanas. Entre os irmãos que me haviam convidado a visitar Inglaterra, estava o sr. Roe, pastor batista em Birmingham. Logo que foi informado de que eu estava em Inglaterra, ele veio até Houghton e passou vários dias ali. Participou das reuniões de avivamento e viu os resultados.

Como já mencionei, chegamos a Houghton no início de Novembro. Em meados de Dezembro, partimos para Birmingham, para trabalhar na congregação do irmão Roe. Pouco depois de nossa chegada, apresentaram-me o rev. John Angell James, principal ministro dissidente em Birmingham. Era um homem grande e bondoso e exercia ampla influência na cidade, na realidade, em todas as partes de Inglaterra. Quando minhas preleções sobre avivamento foram publicadas em Inglaterra pela primeira vez, o irmão James escreveu uma apresentação na qual as recomendava com de: que. Muitas cópias circularam extensivamente entre os dissidentes. Os leitores liam-nas em voz alta nas salas de aula de suas igrejas e as comentavam.

E em todas as partes de Inglaterra, da Escócia e do País de Gales existia, na época, um amplo movimento religioso. Quando cheguei a Birmingham, fui informado de que, depois de haver recomendado publicamente o avivamento nas reuniões de ministério e em seus escritos, o irmão James foi informado, por homens de certa expressão no lado inglês do Atlântico, de que os avivamentos, especialmente os ocorridos sob meu ministério, tiveram resultados desastrosos. As calúnias foram-lhe passadas de modo tão veemente que ele chegou a retirar publicamente o que dissera a favor de minhas preleções. No entanto, quando me viu em Birmingham, convidou os ministros independentes para um café da manha em sua casa e pediu que eu comparecesse. Esse é o modo comum de realizar as coisas em Inglaterra.

Terminado o café, ele comunicou aos seus irmãos de ministério que ficara com a impressão de que todos estavam muito aquém da finalidade de seu ministério. Ficavam mais que satisfeitos quando os membros freqüentavam os cultos e pagavam o salário do pastor, sinais de que tudo ia bem. No entanto, as conversões na maioria das igrejas eram bem poucas e, apesar de tantos esforços, o povo estava caminhando para a destruição. Fui informado pelo irmão Roe de que havia na própria congregação do sr. James nada menos que 1.500 pessoas não convertidas.

Pouco antes, ainda à mesa, o irmão Roe havia declarado que alguma coisa precisava ser feita. Finalmente, os ministros concordaram em que eu, tão logo tivesse condições, começasse as reuniões alternadamente nas várias igrejas independentes, fazendo entre elas um circuito de pregações. Durante algumas semanas, limitei minhas atividades à congregação do sr. Roe e houve ali um avivamento poderoso. O povo nunca havia presenciado nada igual. O avivamento passou pela congregação com grande ímpeto e poder e grande número de impenitentes converteu-se a Cristo.

O irmão Roe lançou-se de corpo e alma àquela obra. Descobri ser ele um homem bom e sincero. Não era sectário, nem preconceituoso em suas opiniões. Pelo contrário, abria o coração à influência divina e, como autêntico servo de Deus, gastava-se no trabalho a favor das almas perdidas. Todos os dias recebia em seu gabinete, na igreja, as pessoas que lhe eram encaminhadas e as levava a Cristo. Durante muitos dias, seu tempo foi totalmente gasto nessa tarefa.

Naquele tempo, sua igreja era uma das poucas em Inglaterra que observava a comunhão restrita, enquanto a maioria das igrejas batistas no país adotava a comunhão aberta na celebração da ceia do Senhor. Após grande número de conversões, a igreja passou a examinar os que se convertiam antes que fossem aceitos na comunhão. Preguei no culto certa manhã e a celebração da ceia do Senhor, para recebê-los, estava marcada para aquela mesma tarde. No final do culto, o irmão Roe pediu que os membros da igreja permanecessem no templo.

Eu e minha querida esposa, que se envolvera com fervor na obra e se esforçara ao máximo entre as irmãs da igreja, retiramo-nos após o término do culto e voltamos para a casa do sr. Roe, onde estávamos hospedados. Pouco depois, o irmão Roe chegou em casa e entrou sorridente em nosso quarto, perguntando: "O que vocês acham que os membros da igreja fizeram?" Respondi-lhe que não sabia, pois nem sequer me preocupara em perguntar o motivo de pedirem à congregação que ficasse mais um pouco. Ele informou: "Votaram unanimemente a favor de convidar o irmão e a sra. Finney a participar da ceia do Senhor que será celebrada esta tarde!" A comunhão restrita pesou-lhes demais numa ocasião como aquela. Depois de refletir a respeito, porém, minha mulher e eu chegamos à conclusão de que seria melhor não aceitar o convite, pois poderiam ter votado sob a pressão do momento e queríamos evitar futuras contendas. E, uma vez que estávamos realmente fatigados, pedimos desculpas e ficamos em casa. E, como eu iria pregar no culto da noite, fiquei contente em poder descansar.

Passei a aceitar os convites de vários pastores para pregar. Em todos os lugares, os templos estavam sempre superlotados. Via-se muito interesse pela obra e era grande o número de pessoas que participavam das reuniões para os interessados. As maiores salas ficavam superlotadas com eles, sempre que eram convidados a receber instrução. Os métodos eram os mesmos empregados em meu país: pregação, oração, conversão e reuniões com os interessados.

Logo descobri, porém, que o irmão James estava recebendo cartas de vários lugares, que o advertiam contra os efeitos do trabalho realizado por mim. Ele informou-me a respeito de tudo. O irmão James tinha conhecidos no lado americano do Atlântico e, segundo entendi, alguns deles eram os remetentes das cartas. Além disso, sofria pressões de várias partes de seu país. Ele tratava-me com franqueza e relatava-me toda a situação e eu era igualmente franco com ele, por isso lhe disse:

— Irmão James, sua responsabilidade é grande. Tenho consciência de quão grande é sua influência e essas cartas demonstram tanto sua influência quanto sua responsabilidade no tocante a este trabalho. O irmão está sendo levado a acreditar que meus pontos de vista são heréticos. O irmão ouve-me pregar todas as noites e sabe se prego o evangelho ou não. — Eu levara comigo para a Inglaterra os dois volumes de minha Teologia sistemática, então perguntei ao irmão James: — O irmão já me ouviu pregar alguma coisa que não fosse o puro evangelho?

— Não, absolutamente nada — respondeu ele.

— Pois bem, tenho aqui minha Teologia sistemática. Ela contém os princípios teológicos que tenho ensinado a meus alunos e pregado em todos os lugares. Quero que o irmão a leia.

Ele dedicou-se à sua leitura com muito zelo. Pouco depois, notei que um homem de aspecto respeitável passou a acompanhá-lo noite após noite aos nossos cultos. Ficavam juntos na platéia e, quando eu apelava aos interessados, entravam no local da reunião e ficavam de pé num lugar de onde pudessem conseguir escutar o que era falado. Eu não conhecia aquele homem que o acompanhava. Várias noites seguidas, eles comportaram-se da mesma maneira e o sr. James não me apresentou à pessoa que o acompanhava nem conversou comigo durante aqueles cultos.

Depois de uma ou duas semanas, o irmão James e seu amigo vieram visitar-nos no lugar em que estávamos hospedados. Apresentou-me ao dr. Redford e informou-me que ele era um dos teólogos mais renomados da denominação. Disse ter mais confiança na perspicácia teológica do dr. Redford que na dele mesmo e que solicitara sua presença em Birmingham para assistir aos cultos e, especialmente, para juntos examinarem minha Teologia sistemática. Revelou-me que a liam dia após dia e que o dr. Redford gostaria de conversar comigo a respeito de determinados pontos. Conversamos livremente a respeito de todas as questões propostas pelo dr. Redford, que disse com muita franqueza: "Irmão James, não vejo nenhum motivo para considerar o sr. Finney heterodoxo, em qualquer pormenor que seja. Ele tem sua maneira de declarar as proposições teológicas, mas não vejo em que ele seja diferente de nós em qualquer aspecto essencial".

Traziam consigo um manual sucinto, preparado pela União Congregacional da Inglaterra e do País de Gales, no qual se achava uma breve declaração de suas opiniões teológicas. Leram diante de mim alguns trechos do manual e eu, por minha vez, formulei-lhes perguntas. Ouvi suas explicações e fiquei satisfeito por termos chegado a um acordo no que era substancial.

O dr. Redford permaneceu mais algum tempo em Birmingham. Depois foi para casa e, com meu consentimento, levou consigo minha Teologia sistemática, prometendo que a leria com cuidado, do começo ao fim e depois me escreveria para dar sua opinião. Percebi que ele realmente dominava bem a teologia. Era um estudioso, um cristão e um teólogo bem preparado. Eu estava, portanto, disposto a receber dele as críticas a respeito de minha teologia, caso ele indicasse alguma coisa que precisasse ser alterada ou retratada. Pedi-lhe que o fizesse com toda a franqueza e ele prometeu que o faria.

Ele levou a obra para casa e dedicou-se a examiná-la cuidadosamente. Leu os dois volumes com paciência e atenção crítica, do começo ao fim. Depois, enviou-me uma carta, na qual expressava sua forte aprovação às minhas opiniões teológicas, acrescentando que havia apenas umas poucas questões a respeito das quais queria fazer-me algumas perguntas. E desejava que eu, tão logo pudesse ausentar-me de Birmingham, pregasse em sua igreja. Permaneci em Birmingham uns três meses. Houve muitas conversões marcantes naquela cidade, mas, os pastores ainda não estavam dispostos a assumir o sério compromisso de empregar os meios necessários para disseminar o avivamento pela cidade.

Poderia mencionar um grande número de casos emocionantes que ocorreram em Birmingham. Houve um tão interessante que o descreverei com destaque. Suponho que seja sabido neste país que o unitarismo em Inglaterra foi desenvolvido e promulgado pela primeira vez em Birmingham. Ali morava o velho dr. Priestly, um dos principais e talvez um dos primeiros ministros unitaristas de Inglaterra. Descobri que sua congregação ainda existia em Birmingham, presidida por um pastor. Certa noite, preguei sobre o seguinte texto: "Povo rebelde, obstinado de coração e de ouvidos! Vocês são iguais aos seus antepassados: sempre resistem ao Espírito Santo!" (At 7.51). Em primeiro lugar, concentrei minha atenção na divindade e na personalidade do Espírito Santo. Passei, então, a indicar muitas maneiras pelas quais os homens podiam resistir ao Espírito — e resistiam mesmo.

Mostrei ao povo que a obra do Espírito era ensinar, convencer os homens de pecado, ensinar-lhes o seu dever e pleitear, diante dos pecadores e de todas as classes de homens, a causa e os clamores divinos. Esforcei-me para demonstrar quão numerosas eram as maneiras em que os seres humanos resistiam aos ensinos bíblicos e apontei os casos. Mostrei que, mesmo depois de convencidos pelo Espírito Santo, persistiam em seguir seus caminhos e que isso era resistir ao Espírito Santo.

O Senhor concedeu-me liberdade para falar naquela noite e preguei um sermão muito incisivo. Meu objetivo era provar que, enquanto alegavam dependência do Espírito Santo, ao mesmo tempo resistiam-no. A exemplo de todos os outros lugares da Inglaterra, em Birmingham era atribuída a máxima ênfase à influência do Espírito Santo, mas em nenhum lugar se percebia a distinção entre influência física, exercida diretamente sobre a alma e a influência moral e persuasiva, que o Espírito Santo exerce de fato sobre a mente humana.

Os crentes de Inglaterra eram muito zelosos no tocante a evitar que o Espírito Santo fosse desonrado e, sua influência, desprezada. Mas descobri ali, assim como em meu país, total falta de discernimento quanto ao modo de sua influência. Conseqüentemente, achei necessário chamar a atenção dos ouvintes para a obra que o Espírito Santo levava a efeito, explicar-lhes os ensinamentos expressos de Cristo no tocante ao assunto e, assim, levá-los a perceber que não deviam esperar uma influência e sim entregar-se à sua influência persuasiva e obedecer aos seus ensinos. Esse foi o objetivo de meu sermão naquela noite.

Depois de eu chegar aos meus aposentos, uma senhora que participara do culto foi visitar a família que nos hospedava e contou-nos que o ministro unitarista estava presente na reunião. Comentei que minhas palavras deviam ter soado estranhas aos ouvidos de um unitarista. Ela respondeu que esperava que lhe fizessem bem. Não muito tempo depois, quando eu estava desenvolvendo o trabalho em Londres, recebi uma carta do referido ministro, que me relatou a grande transformação que experimentou em sua experiência religiosa por meio daquele sermão. Transcrevo fielmente essa carta a seguir.

Stratford-upon-Avon, Warwickshire, 16 de agosto de 1850

Reverendo e estimado senhor,

Ao ler no Banner que o irmão está a ponto de deixar a Inglaterra, acho que seria ingratidão de minha parte deixá-lo partir sem expressar quanta gratidão lhe devo pelo benefício que recebi de um sermão seu, pregado na rua Steelhouse, Birmingham. Acho que se trata do último sermão que o irmão pregou ali e falava a respeito de resistir ao Espírito Santo (não consegui localizar o texto). Na verdade, meu interesse foi tão despertado pelas questões que diziam respeito à minha pessoa que não pensei no texto senão dois ou três dias depois. A fim de que o irmão possa melhor entender o benefício que recebi do sermão, é necessário que eu relate, sucintamente, qual era o meu ponto de vista na ocasião.

Formei-me em uma de nossas faculdades voltadas para o ministério entre os independentes. Ingressei no ministério e continuei a exercê-lo cerca de sete anos. No decurso daquele período, fui passando paulatinamente por uma grande mudança em minhas opiniões teológicas. A mudança foi produzida, penso eu, em parte pelas especulações filosóficas e em parte pela deterioração de minha condição espiritual. Devo dizer, com a máxima tristeza, que minha piedade nunca recuperou o caráter espiritual que perdera na faculdade. Atribuí todas as minhas tristezas principalmente a isso. Minhas especulações levaram-me, sem nunca ter lido o livro do dr. Williams sobre a "soberania e eqüidade de Deus", a adotar fundamentalmente as opiniões dele. A leitura posterior desse livro consolidou minhas crenças. O pecado é um defeito que surge da defectibilidade necessária da criatura quando esta se acha destituída da graça de Deus. A queda do homem, portanto, nada significa senão a imperfeição original inevitável da raça humana. O grande propósito do governo moral de Deus é corrigir essa imperfeição mediante a educação, a revelação etc. e, assim, em última análise, aperfeiçoar a condição humana.

Antes disso, eu adotara durante longo tempo os conceitos do dr. Jenkyn a respeito da influência espiritual. Sendo eu orientado por semelhantes princípios, o irmão entenderá sem minha explicação como o pecado tornou-se, para mim, um mero infortúnio permitido temporariamente ou então um mal necessário a ser sanado mediante sabedoria e bondade infinitas; como o castigo eterno passou a ser uma crueldade que nem sequer por um momento pudesse ser cogitado na disposição de um Ser bom; como a expiação se mostrou um absurdo total alicerçado em conceitos anti-filosóficos de pecado. Tornei-me unitarista e no início de 1848 professei essa minha fé e tornei-me ministro de uma igreja em Birmingham.

Meu raciocínio, felizmente, era lógico demais para que me acomodasse muito tempo ao unitarismo. Levei minhas conclusões até o simples deísmo e, então, descobri que precisavam ir mais longe ainda. Não estava preparado para isso. Minha alma inteira recuou, horrorizada. Passei em revista todos os meus princípios. Houve uma revolução na totalidade de meu sistema filosófico. A doutrina da responsabilidade foi restaurada em mim, no seu sentido mais rigoroso e literal e com uma forte consciência de pecado. Não preciso entrar nos pormenores de minhas lutas e sofrimentos. Cerca de duas semanas antes de ouvi-lo pregar, cheguei a ver claramente que, mais dia menos dia, eu teria de retornar aos princípios evangélicos. Nunca duvidara de que eram princípios bíblicos. Tornara-me unitarista por razões puramente racionalistas. Descobri, porém, que precisava aceitar a Bíblia, ou pereceria nas trevas. O irmão pode imaginar a agonia de espírito que precisei suportar. Por um lado, havia convicções que se tornavam mais fortes todos os dias, sendo que a consciência de meu pecado e de minha necessidade de Cristo crescia em meu coração enquanto eu vivia a desgraçada situação de ter de esconder das pessoas que confiavam em meus ensinos a verdade que eu conhecia. Por outro lado, se professasse minha fé em Cristo imediatamente, diante de todas as partes (principalmente da grande maioria que não tinha a mínima simpatia por semelhantes lutas), minha reputação estaria arruinada pela aparente instabilidade e eu teria de lançar minha pessoa, bem como minha mulher e filhos (estávamos aguardando o nascimento do sexto filho), à mercê do mundo. Não conseguia encarar essa alternativa. Assim, resolvi esperar — preparar — de maneira progressiva, a mente dos membros de minha igreja para a mudança. Durante alguns meses, adotei uma rígida economia doméstica a fim de poupar dinheiro para o custeio de nossas necessidades temporais no período de transição.

Nesse estado de espírito, escutei seu sermão. Certamente, o irmão se lembrará dele e facilmente compreenderá o efeito que produziu em mim. Senti a veracidade de seus argumentos, seus apelos alojaram-se irresistivelmente em meu coração e, naquela noite, a caminho de casa, prometi diante de Deus que, acontecesse o que acontecesse, imediatamente eu me consagraria de novo ao Salvador, cujo sangue eu tão recentemente aprendera a valorizar e cujo nome havia sido desonrado com meus atos. O resultado foi que, mediante a bondosa influência do sr. James, tornei-me recentemente ministro da igreja nesta cidade. A paz de Deus, da qual agora desfruto, realmente excede todo o entendimento. Nunca antes tivera tão grande prazer na obra e no ministério. Faço minhas as palavras de Paulo: "Se alguém está em Cristo, é nova criação". Nem sequer posso contar-lhe, portanto, com quanta gratidão seu nome estará associado à minha alma. Dou graças a Deus pela bondosa providência de trazê-lo a Birmingham. Se eu não tivesse ouvido seu sermão, minha vida religiosa recém-despertada teria sido destruída por minha resistência àquelas profundas convicções. Minha consciência teria voltado a endurecer-se e eu teria morrido no pecado. Pela graça de Deus, creditarei ao irmão qualquer benefício que Deus queira, a partir de agora, conceder-me como coroa de minhas batalhas.

Eu deveria ter-lhe contado tudo isso antes, mas achava que, na ocasião, minha história poderia de alguma forma chegar ao conhecimento do público e semelhante idéia repugnava-me. Seu retorno à América do Norte protege-me disso e acho que seria injusto eu esconder do irmão o conhecimento do fruto da obra que realiza.

Que Deus, em sua misericórdia e graça infinitas, lhe conceda uma vida de ainda maior proveito do que essa que ele lhe tem dado pela sua graça! Essa será a oração constante de Seu amigo muito sincero, James Cranbrook.

Quando recebi esta carta, estava trabalhando com o rev. John Campbell no antigo Tabernáculo de [George] Whitefield, em Londres. Passei-a para que ele a lesse. Foi com evidente emoção que ele a leu inteiramente e então exclamou: "Veja só! Isso por si só justifica sua vinda à Inglaterra".

Já mencionei que, durante minha breve permanência em Birmingham, os ministros das igrejas dissidentes não se mostraram dispostos a assumir o compromisso com a obra do avivamento, no sentido de renovar moralmente a cidade inteira, assim como temos visto acontecer nos avivamentos que passarem impetuosamente pelas cidades norte-americanas, grandes e pequenas, renovando-as de tempos em tempos. Preciso mencionar a razão disso. Quando as notícias sobre nossos avivamentos, a partir de 1825, chegaram à Inglaterra, à Escócia e ao País de Gales, foi despertado um espírito de interesse no assunto. E, quando minhas preleções foram publicadas, logo algumas edições circularam pela Inglaterra, sendo pouco depois traduzidas para o galês e para o francês. Conforme fui informado por carta, a circulação dessa obra gerou, quase imediatamente, um avivamento naquele país.

Já mencionei que o rev. John Angell James, um dos ministros dissidentes de maior influência, escreveu uma introdução recomendando minhas preleções. Mas, tão logo os oponentes do avivamento na América do Norte ficaram sabendo da influência que elas produziam em Inglaterra, adotaram medidas para neutralizá-la. Afirmaram ao sr. James que os avivamentos desenvolvidos neste país, os quais deram origem àquelas preleções, tiveram resultados desastrosos para as igrejas. Deturparam de tal maneira os fatos que o sr. James viu-se obrigado a cancelar sua recomendação.

Alguns dos oponentes provenientes da América do Norte, inclusive o sr. Nettleton, visitaram a Inglaterra e a Escócia com o propósito, segundo parece, de neutralizar a influência de minhas preleções. Ele descreveu de tal maneira os avivamentos em terras americanas, nos quais apliquei todos os meus esforços, que assustou os bons irmãos naquele lado do oceano — a ponto de abandonarem o movimento que fora iniciado de modo tão promissor. Milhares de pessoas, no entanto, haviam-se convertido. Antes de eu visitar Inglaterra, cessara o esforço a favor do avivamento e os irmãos ficaram com impressão de que os grandes e gloriosos avivamentos aqui na América do Norte haviam sido mais uma maldição que uma bênção para as igrejas.

Nesse meio-tempo, mudei-me de Nova York para Oberlin e minhas preleções não foram mais publicadas no New York Evangelist. Por isso, divulgou-se na Inglaterra a notícia de que eu me tornara herege e, por fim, pagão. Fiquei atônito ao saber dessas coisas quando cheguei ali, em 1849. Não sei até que ponto esses boatos receberam crédito em Inglaterra, mas, os relatos difamatórios acerca dos avivamentos nos Estados Unidos estavam disseminados naquele país e o povo acreditava neles. Daí, o temor dos melhores homens da Europa em se comprometerem com um avivamento de amplo alcance.

Fiz o melhor que pude naquelas circunstâncias e não duvido da integridade dos irmãos daquele lado do Atlântico ao hesitar em unirem-se a mim no esforço de promover um avivamento em grande escala e por toda a Europa protestante. Nunca duvidei de que, não fossem as deturpações divulgadas pelos oponentes deste lado do Atlântico, aquele avivamento teria sido abrangente e poderoso, prevalecendo não somente em Birmingham, mas, também, em todas as partes da Inglaterra, do País de Gales e da Escócia.

De Birmingham, fui para Worcester, penso que em meados de Março, a fim de trabalhar com o dr. Redford. Como mencionei, ele havia lido minha Teologia sistemática e escrevera-me, declarando que queria conversar comigo a respeito de certos pontos. Ao sair de casa, levei comigo minha resposta às críticas do dr. Hodge, de Princeton e também ao dr. Duffield. (Penso que minha resposta ao presbitério de Troy já estava incorporada à obra). Ao chegar, entreguei ao dr. Redford os panfletos que continham essas respostas. O dr. Redford leu-os por completo e, depois, conversou comigo. Ele declarou: "Estas respostas esclarecem todas as questões que eu queria discutir. Por isso, estou plenamente convicto de que o irmão está com a razão". Depois disso, em nenhum momento, que me lembre, ele chegou a fazer qualquer crítica à minha teologia.

Os que viram a edição inglesa da obra sabem que ele escreveu o prefácio, no qual a recomenda ao público cristão, pois, depois de ter lido minhas respostas àquelas críticas, expressou o forte desejo de que minha Teologia sistemática fosse publicada imediatamente em Inglaterra. Declarou que ela era muito necessária ali e que faria muito bem a quem a lesse.

O dr. Campbell, pelo que me lembro, afirmou em seu jornal que o dr. Redford era o maior teólogo da Europa. Permaneci em Worcester várias semanas e preguei no púlpito do dr. Redford e, também, numa congregação batista. Houve muitas conversões inspiradoras naquela cidade e, considerando o pouco tempo que passei ali, a obra foi poderosa e realmente produtiva.

Alguns dos homens abastados de Worcester fizeram-me a seguinte proposta: iriam construir um tabernáculo móvel, que pudesse ser desmontado e transportado de lugar em lugar, por ferrovia, sem muitas despesas e montado de novo com todos os assentos e objetos de uma casa de culto. Mediria 45 metros de cada lado, com assentos construídos de modo a acomodar cerca de 6.000 pessoas. Disseram que se eu consentisse em usá-lo durante seis meses, conforme as circunstâncias exigissem, eles bancariam a construção. Mas, quando consultei os pastores locais, eles aconselharam-me a não aceitar. Achavam que seria mais útil eu ocupar os púlpitos de congregações já estabelecidas que passar pela Inglaterra pregando de modo independente, conforme a idéia daqueles homens.

Eu tinha motivos para acreditar que os pastores em geral desaprovariam um método que era novidade, por isso, não quis assumir o compromisso de ocupar o referido tabernáculo. Depois, achei que havia cometido um erro. Isso porque, quando conheci os templos e os locais de culto público das igrejas independentes, achei-os quase todos muito pequenos, pouco ventilados e mal localizados. Sob muitos aspectos, era como estar numa camisa-de-força por imposição das igrejas estabelecidas. Desde o início, portanto, tive dúvidas se minha recusa àquela proposta foi a melhor escolha.

Minha opinião é que, de modo geral, eu poderia ter feito muito mais em Inglaterra se tivesse levado, por assim dizer, uma casa de culto comigo. Poderia deslocar-me para onde quisesse e conseguir a atenção das massas, sem depender de qualquer denominação. Não tenho dúvida de que multidões teriam comparecido aos cultos em todos os lugares, excedendo até a capacidade da tenda. Se eu tivesse hoje as forças que tinha na época, sem dúvida retornaria à Inglaterra para levar a efeito essa experiência.

O dr. Redford ficou muito emocionado pela obra realizada em Worcester e nas comemorações de Maio, em Londres, discursou diante da União Congregacional da Inglaterra e do País de Gales, apresentando um relato muito interessante da obra. Eu estava presente, pois estava para começar o trabalho em conjunto com o dr. John Campbell que, como sucessor de Whitefield, era pastor do Tabernáculo, em Finsbury, Londres e também de uma capela na estrada Tottenham Court. Esses dois locais ficavam em Londres, a mais de quatro quilômetros de distância um do outro. Foram construídos pelo sr. Whitefield e por ele ocupados durante muitos anos. O dr. Campbell era também, naquele tempo, editor do British Banner, do Christian Witness e de uma ou duas revistas. A condição de sua voz não lhe permitia pregar, então dedicava seu tempo a editar os periódicos.

Ele morava na casa onde Whitefield residira — a casa pastoral — e usava a mesma biblioteca que Whitefield usara. O retrato de Whitefield estava pendurado em seu gabinete no Tabernáculo. O perfume de seu nome ainda perdurava ali. Devo dizer, no entanto, que o espírito que pairava sobre ele não era muito visível naquela igreja, quando cheguei ali. Já falei que o dr. Campbell não pregava. Ele exercia o pastorado, residia na casa pastoral e recebia seu salário, mas seu púlpito era ocupado pelos pastores mais populares que conseguisse contratar. Comecei a trabalhar ali ainda no mês de Maio. Os que conheciam a situação do Tabernáculo não podiam imaginar que a obra do avivamento pudesse florescer ali.

A casa de cultos do dr. Campbell era grande, sem dúvida. Os assentos eram posicionados de modo compacto e acomodavam perfeitamente 3.000 pessoas. Um amigo meu deu-se ao trabalho de averiguar qual dos locais de culto podia abrigar o maior número de pessoas: se o de Moorfields, o de Finsbury ou o grande Exeter Hall, do qual todos ouviam falar. Descobriu que o Tabernáculo tinha algumas centenas de lugares a mais que o Exeter Hall.

 

CAPÍTULO XXX

 

TRABALHOS NO TABERNÁCULO, MOOR FIELDS, LONDRES

 

Tendo aceitado o convite cordial do dr. Campbell para pregar em seu púlpito depois de terminadas as reuniões de Maio, empenhei-me nos acertos necessários para um avivamento, embora durante algumas semanas nada tivesse comentado com o dr. Campbell ou com qualquer outra pessoa. Preguei uma série de sermões com o propósito de convencer os ouvintes de pecado e isso de modo tão geral e profundo quanto me foi possível. Percebia, domingo após domingo e noite após noite, que a Palavra estava surtindo efeito. No domingo, pregava de manhã e à noite e, nas terças, quartas, quintas e sextas-feiras, pregava à noite. Na segunda-feira à noite, realizávamos uma reunião no Tabernáculo, em que orávamos e eu falava a respeito da oração. Nossa congregação era muito grande e nos cultos de domingo o salão de cultos estava sempre superlotado.

Naquele tempo, a situação espiritual por toda a cidade de Londres era tão decadente que pouquíssimos sermões eram ouvidos durante a semana. Lembro-me de que o dr. Campbell me disse, certa vez, que era possível que eu pregasse, contando apenas os cultos durante a semana, para mais pessoas que todos os ministros de Londres juntos.

Já fiz menção ao fato de o dr. Campbell receber salário da igreja. Mas, ele não o gastava apenas consigo mesmo. Com esse dinheiro, ajudava financeiramente os pregadores que vinham ao Tabernáculo e, no que estava ao seu alcance, atendia às necessidades e compromissos da igreja, apesar da grande pressão dos labores editoriais. Achava o dr. Campbell um homem sincero, embora fosse muito dado à intolerância e propenso às controvérsias. Segundo a expressão popular, "ia com tudo para cima" dos que não concordassem com seus pontos de vista. Dessa maneira, praticava muita coisa boa, embora às vezes causasse problemas.

Depois de pregar várias semanas da maneira que descrevi, sabia que chegara a hora de fazer um apelo aos interessados. Mas, segundo percebi, não era essa a idéia do dr. Campbell. A realidade é que, no púlpito, ele não se sentava, como eu fazia, num lugar de onde pudesse perceber o que acontecia na congregação. E, ainda que tivesse visto, provavelmente não teria compreendido. Naquela igreja, o costume era celebrar a ceia do Senhor quinzenalmente, no domingo à noite. Nessas ocasiões, era feito um breve sermão e a congregação tinha licença para retirar-se. Todos iam embora, menos os que possuíam o cartão de acesso à ceia — estes permaneciam no templo durante a celebração da ordenança. Num domingo de manhã, disse ao dr. Campbell:

— Vocês irão celebrar a ceia do Senhor hoje à noite. Antes disso, preciso realizar uma reunião para os interessados. Existe alguma sala no edifício onde eu possa reuni-los, depois da pregação?

O dr. Campbell hesitou e expressou sua dúvida de que alguém comparecesse a um encontro daquela natureza. No entanto, por causa de minha insistência, respondeu:

— Sim, há uma sala de aula usada pelas crianças. O irmão pode convidar os interessados a reunirem-se ali.

Perguntei-lhe quantas pessoas caberiam no local. Ele respondeu:

— Entre vinte e trinta, talvez até mesmo quarenta.

— Nem uma sala que fosse o dobro do tamanho dessa seria suficiente — retruquei. — Vocês não têm uma sala Maior?

— Temos, sim — informou ele. — Há o salão da Escola Britânica. Mas ali cabem 1.500 ou 1.600 pessoas. Obviamente, o irmão não vai querer usar esse salão.

— Vou, sim! — falei. — É o lugar ideal. Onde fica?

— Certamente o irmão não se arriscará a marcar uma reunião nesse lugar — insistiu ele. — Creio que nem metade das pessoas que caberiam na sala de aula das crianças comparecerá ao encontro. — E acrescentou: — Sr. Finney, lembre-se de que o irmão está em Inglaterra e na cidade de Londres. O irmão não conhece nosso povo. Na América do Norte, é fácil persuadir as pessoas a comparecer a uma reunião desse tipo, mas, aqui não o conseguirá. Lembre-se: nosso culto vespertino acaba antes do pôr-do-sol, nesta época do ano. E o irmão está imaginando que, no coração de Londres, para atender a semelhante convite, os que procuram a salvação da alma e estão interessados no assunto irão deslocar-se em plena luz do dia para atender ao seu convite?

— Dr. Campbell, conheço o estado dos membros da congregação melhor que o irmão — retruquei. — O evangelho é tão aplicável ao povo inglês quanto ao povo norte-americano. Não tenho o mínimo receio de que o orgulho do povo inglês o impeça de atender a semelhante apelo, assim como não impede o povo norte-americano.

Insisti em que ele me dissesse onde ficava aquele salão, de modo a poder indicá-lo aos ouvintes. Depois de muita insistência, ele consentiu, ainda com relutância, em dizer-me onde ficava o referido salão. Mas, avisou-me expressamente que eu assumisse pessoalmente as conseqüências, pois não teria nenhuma participação naquilo. Respondi que assumiria toda a responsabilidade. Então, ele deu-me a localização do salão, que ficava a pouca distância do Tabernáculo. Bastava subir algumas dezenas de metros pela rua Cowper e a certa altura virar e seguir por uma passagem estreita até o prédio do salão da Escola Britânica.

Depois disso, fomos para o culto e preguei de manhã e à tarde — lá pelas seis horas, se estou bem lembrado. Foi um sermão breve. Em seguida, informei à congregação o que desejava. Conclamei todos os que se sentissem ansiosos pela sua alma e dispostos a buscar imediatamente a paz com Deus a comparecer a uma reunião onde receberiam orientação quanto ao seu estado espiritual. Especifiquei bem o tipo de pessoa que estava convidando. Afirmei: "Os crentes professos não estão convidados para essa reunião. Sei que é celebrada a ceia do Senhor aqui no salão de cultos. Os que já professaram fé devem permanecer aqui. Os pecadores que não estão preocupados com a situação de sua alma também não estão convidados. Esperamos ali somente os que não são convertidos, mas desejam receber instrução quanto ao seu dever diante de Deus". Repeti tudo o que havia falado, a fim de que não houvesse a mínima dúvida.

O dr. Campbell escutou com muita atenção e, como meu apelo se restringira a uma classe de pessoas, suponho que ele tivesse previsto que bem poucos atenderiam ao meu convite. Mantive firme o propósito de não deixar que fosse para o salão ninguém a não ser aqueles que entendessem claramente que a reunião era destinada apenas aos pecadores em busca de salvação. Fui bem específico quanto a isso, não somente visando os resultados do encontro, mas, também, procurando convencer o dr. Campbell de que sua opinião era equivocada. Eu estava certo de que havia bastante convicção entre o povo e de que centenas de pessoas estavam dispostas a atender ao meu apelo. Tinha a certeza de que o convite não era prematuro. Assim, deixei bem claro o tipo de pessoa cuja presença eu desejava ali. Expliquei ao povo como chegar ao local. Então encerrei o culto e a congregação retirou-se.

Denotando nervosismo e ansiedade, o dr. Campbell olhava pela janela para ver que direção o povo estava seguindo. Ficou muito admirado ao ver toda a rua Cowper tomada por pessoas que se dirigiam apressadas para o salão da Escola Britânica. Fui para a rua também e subi com a multidão. Esperei à entrada do salão, até que todos tivessem chegado. Quando entrei, vi que o recinto estava superlotado. A impressão do dr. Campbell era que não havia ali menos de 1.500 ou 1.600 pessoas reunidas. Era um salão grande, mobiliado com bancos semelhantes aos usados nas salas de aula. Próximo à entrada, havia uma plataforma na qual os oradores se posicionavam para falar ao povo, o que era bem freqüente. Logo descobri que todos ali sentiam o peso da convicção de pecado, tanto que foi necessário muito cuidado para impedir uma explosão de sentimentos irreprimíveis.

Pouco depois, o próprio sr. Campbell entrou. Estava ansioso para assistir àquela reunião tão concorrida. Por isso, celebrara a ceia do Senhor com a Maior rapidez possível, a fim de poder seguir para o salão. Olhou atônito para o grande número de pessoas presentes, admirado, em especial, com a forte manifestação de sentimentos. Dirigi-lhes a palavra por um breve período, evidenciando seu dever imediato. Esforcei-me, como sempre faço, para levá-los a compreender que Deus exigia da parte deles, de imediato, inteira submissão à sua vontade. Eles deviam lançar ao solo as armas da rebelião e submeter-se a ele como seu legítimo Soberano, aceitando a Jesus como seu único Redentor.

Já passara tempo suficiente em Inglaterra para perceber a necessidade de desfazer a idéia disseminada entre o povo de esperar a hora marcada por Deus. Londres estava sob a maldição da doutrina hiper-calvinista e isso desde muito tempo. Por isso, o propósito de muitas de minhas observações era desfazer aquelas idéias, nas quais muitos deles haviam sido educados. Supus que bem poucos dos presentes pertenciam à igreja do dr. Campbell. E, realmente, ele mesmo me contou que a massa humana que dia após dia se deslocava para lá era tão desconhecida para ele quanto o era para mim. Em minhas instruções, procurei resguardá-los, por um lado, do hiper-calvinismo e, por outro lado, do arminianismo, no qual eu também acreditava que muitos ali haviam sido educados. Em seguida, depois de lançar a rede do evangelho ao redor deles, preparei-me para puxá-la até a praia.

Quando eu estava a ponto de pedir que se ajoelhassem e se entregassem a Cristo, inteiramente e para sempre, um homem exclamou, no meio da congregação, na maior aflição de espírito, que pecara a ponto de a graça de Deus não mais valer para ele. Percebi que havia perigo de surgir um tumulto e tentei aquietar o ambiente da melhor maneira possível. Pedi às pessoas que se ajoelhassem, mas que, se possível, permanecessem quietas o suficiente para escutar cada palavra da oração que iria fazer. Foi com grande esforço que se contiveram, embora houvesse muitos soluços e muito choro por todo o recinto.

Em seguida, encerrei a reunião. Depois dessa, realizei reuniões semelhantes durante nove meses, com resultados semelhantes. O interesse aumentou e estendeu-se até o ponto de não ser mais possível acomodar todos os interessados no grande salão da Escola Britânica. Quando eu percebia — depois de instruí-los e colocá-los frente a frente com a questão da entrega imediata e incondicional a Cristo — que a convicção era profunda e generalizada, conclamava-os a ficar de pé onde estivessem, enquanto os apresentávamos a Deus em oração. Os corredores estavam sempre tão superlotados que era impossível usar o "banco dos aflitos". Qualquer movimento no meio daquele povo era quase impossível e, para sair, era preciso esperar que as pessoas que estavam mais perto da porta se retirassem.

Freqüentemente, quando eu pedia às pessoas que se levantassem e se dedicassem a Deus enquanto as apresentávamos em oração, centenas delas colocavam-se em pé. E, em algumas ocasiões, tendo como base de cálculo o número de pessoas que cabiam no recinto, nada menos de 2 mil pessoas se levantavam na hora do apelo. Realmente, para quem estava no púlpito, parecia que quase toda a congregação se colocava em pé. Eu, porém, sempre deixava bem claro que os membros da igreja não deveriam colocar-se de pé, mas apenas os que estavam entregando suas vidas a Deus.

Creio que as circunstâncias especiais que cercavam a obra ilustram a extensão do interesse espiritual revelado por aquela congregação. Com isso, não me refiro às pessoas que pertenciam à igreja ali, mas àquelas que, provenientes de várias partes da cidade freqüentavam nossos cultos durante o avivamento. Quanto às circunstâncias, passarei a descrevê-las. Os dissidentes de Inglaterra haviam-se esforçado, durante longo tempo, para persuadir o governo e o Parlamento a tratá-los com mais respeito. As respostas que recebiam, no entanto, faziam subentender que a participação dos dissidentes era minúscula, em contraste com a da igreja estabelecida. Mas, houve tanta discussão a respeito do assunto que o governo resolveu adotar medidas para averiguar a relativa força dos dois partidos — dissidentes e Igreja da Inglaterra.

Certo domingo à noite, sem aviso prévio e sem o menor esclarecimento que levasse as pessoas a saber ou pelo menos a suspeitar do que se tratava, foi mandado secretamente um pedido a todos os locais de culto do reino: alguns indivíduos deviam ser escolhidos para ficar junto à entrada de todas as igrejas, capelas e locais de culto, a fim de que fosse levantado o censo em todas as denominações. O dr. Campbell também recebeu a notificação, mas, não fiquei sabendo disso, a não ser mais tarde. Em obediência às instruções, o dr. Campbell colocou homens em cada porta do Tabernáculo, com ordens de contar todas as pessoas que entrassem durante o culto matutino. Entendi que assim foi feito em todas as partes da Grã-Bretanha. Dessa maneira, averiguaram a força numérica relativa dos dois grupos. Em outras palavras, verificaram qual dos grupos contava com mais adoradores aos domingos: se os dissidentes ou a igreja estabelecida. Acredito que o censo comprovou que os dissidentes eram a Maioria. Seja como for, era muito grande o número de pessoas que entravam no Tabernáculo.

Isso ocorreu não muito tempo antes de eu partir de Inglaterra. E somente quando estive ali pela segunda vez foi que tomei ciência desses fatos, principalmente no que se refere à igreja do dr. Campbell. Ele relatou-me que os homens posicionados às portas do Tabernáculo contaram, em todos os horários, milhares de pessoas, muito além da capacidade do recinto. Não lembro o número exato, mas sei que era enorme. Era comum, no domingo, multidões encherem o espaço aberto do lado de fora do Tabernáculo, a fim de que o maior número de pessoas possível, de pé ali, pudesse acompanhar o culto. No entanto, os que formavam a multidão lá fora entravam e saíam constantemente do santuário. Muitos entravam pelas portas e, se não escutavam bem ou não se sentiam à vontade, saíam de novo. Nenhum deles era contado, senão os que entravam pela porta — os quais, conforme já relatei, excediam em muito a capacidade do Tabernáculo. A verdade é que o interesse era tão grande que, se houvesse uma casa de cultos que pudesse abrigar 20 mil ou mesmo 40 mil pessoas, não tenho a mínima dúvida de que teria ficado tão cheia quanto o Tabernáculo, onde cabiam pouco mais de 3 mil pessoas.

Para dar pelo menos uma idéia de como a obra se desenvolvia, menciono aqui o fato que se segue. O dr. Campbell não sabia de onde vinham todas aquelas pessoas e ninguém sabia dizê-lo. Mas, quanto a terem-se convertido centenas e milhares delas, não existe a mínima razão para duvidar. E eu, realmente, conversei com um grande número de pessoas, empenhando todas as minhas forças nessa tarefa.

Nas noites de sábado, interessados e convertidos vinham ao gabinete pastoral para conversar. Era grande o número de pessoas que chegava todas as semanas e as conversões multiplicavam-se além de qualquer possibilidade de registrá-las. Fiquei sabendo que vinham de todas as partes da cidade. Muitas andavam vários quilômetros todos os sábados a fim de assistir aos nossos cultos. Não demorou muito para que começassem a abordar-me nas ruas, em várias partes da cidade. Elas reconheciam-me e davam testemunho de que haviam sido grandemente abençoadas em nossos cultos. Milhares de pessoas, desconhecidas para mim, sabiam quem eu era. E, realmente, a Palavra de Deus era muito abençoada em Londres, naquele tempo.

O dr. Campbell não desfrutava muita popularidade entre os londrinos e fiquei sabendo que relativamente poucos dos convertidos se afiliaram à sua igreja. Mesmo assim, acredito que cerca de duzentos deles passaram a congregar ali. Certo dia, ele pediu-me que fosse falar aos alunos no salão da Escola Britânica. Durante a palestra, perguntei-lhes o que pretendiam fazer com sua educação. Delonguei-me falando da responsabilidade deles nesse aspecto. Esforcei-me para demonstrar quanto bem podiam fazer e que grande bênção seria para eles mesmos e para o mundo se direcionassem sua educação corretamente. Também ressaltei a grande maldição que seria para eles mesmos se a conduzissem de forma egoísta. A preleção foi breve, mas o argumento foi aplicado de maneira incisiva. O dr. Campbell contou-me, depois, que foi recebido na igreja um bom número — não lembro quantos — daqueles alunos, que, após haverem-me ouvido, foram despertados e levados a procurar a salvação. Mencionou isso como um fato notável, porque, segundo ele dizia, não tinha a mínima expectativa de semelhante resultado.

O fato é que os pastores em Inglaterra, assim como aqui nos Estados Unidos, haviam perdido de vista, em grande medida, a necessidade de aplicar a obrigação imediata à consciência do povo. Sobre isso, o dr. Campbell comentou:

— Ora, não compreendo isso. Você não disse nada que qualquer outra pessoa não pudesse ter dito igualmente bem.

— Sim — respondi. — Poderiam ter dito, mas será que o teriam dito? Teriam feito um apelo tão direto e deliberado à consciência daqueles jovens, como eu fiz?

Essa é a dificuldade. Os pastores falam a respeito dos pecadores, usando a terceira pessoa — "eles", em vez de "vocês". Dirigem-se aos ouvintes, mas evitam dizer-lhes que Deus lhes ordena que se arrependam de imediato e, assim, desperdiçam seu ministério.

Às vezes, chamam-me de louco por dirigir-me aos pecadores como se esperasse uma conversão imediata. Mas, se creio no evangelho, como esperar outra coisa? Como já mencionei, meu antigo pastor, o irmão Gale, achava que eu iria ofender as pessoas e que ninguém apareceria para escutar-me. Logo, porém, ele descobriu que multidões eram atraídas pela mensagem, a ponto de nenhum templo ter capacidade de acomodar todos os interessados. Passou a dizer, então, que aquilo não duraria, que o povo logo se sentiria enfadado e endurecido e ninguém mais viria ouvir meus sermões. Mas, essa profecia também fracassou, bem como todas as outras que levantavam objeções contra minha maneira de pregar o evangelho. Como já disse, a educação que ele recebera em Princeton deixara-o totalmente despreparado para a obra de conquistar almas para Cristo. Ele próprio confessou-me, pouco depois de minha conversão, que não tinha a consciência de ter sido instrumento na salvação de uma alma, sequer, em toda a sua vida.

Não me admirei disso, pois, embora ele fosse um homem talentoso, nada em sua maneira de pregar servia para induzir à conversão qualquer pessoa — a não ser depois da grande transformação que experimentou, a que já me referi. Realmente, foram raras as ocasiões em que escutei um sermão que parecesse preparado para colocar os descrentes frente a frente com seu dever diante de Deus. Em vez disso, muitos ensaios são escritos, os quais são ótimos exemplos de retórica e de teologia, neste país e em Inglaterra, mas, não se pode dizer que seus autores esperam ser instrumentos na conversão de alguém. Não há como defender a idéia de que esperam tal coisa, nem mesmo que tenham a pretensão de alcançá-la.

Há algum tempo, relataram-me um fato que ilustrará o que acabo de declarar. Dois jovens que se conheciam, mas que tinham conceitos muito diferentes quanto à pregação do evangelho, foram nomeados pastores em congregações não muito distantes uma da outra. Um deles experimentou um avivamento poderoso em sua igreja, mas, o outro, não. Na congregação do primeiro, o crescimento era contínuo, mas, na congregação do outro, não. Certo dia, os dois encontraram-se e aquele cuja congregação não crescia, querendo saber o motivo disso, pediu para levar consigo um sermão do colega, a fim de pregá-lo em sua igreja, para ver se surtiria algum efeito. O pedido foi atendido. Depois que se familiarizou com a caligrafia, pregou o sermão, que, embora previamente escrito, fora preparado com o propósito de despertar os descrentes para sua responsabilidade diante de Deus. Antes de chegar ao final da mensagem, notou que vários dos ouvintes estavam chorando. Percebendo que muitos estavam emocionados e permaneciam chorando no banco, mesmo depois do sermão, imediatamente pediu muitas desculpas. Disse que esperava não ter magoado os sentimentos de ninguém, pois não era essa sua intenção.

Enquanto eu estava em Londres, nessa ocasião, fiquei muito aflito ao perceber a desolação moral daquela grande cidade. Conforme fiquei sabendo mais tarde, não havia ali locais de culto para acomodar mais que uma pequena porcentagem dos habitantes. No entanto, enquanto estava ali, interessei-me por um movimento que surgiu entre os episcopais. Numerosos ministros vinham assistir aos nossos cultos. Um dos pastores, o sr. Alien, profundamente tocado, resolveu promover um avivamento em sua igreja. Estabeleceu reuniões de oração em vinte locais de sua paróquia e passou a pregar diretamente às pessoas, com todo o vigor. O Senhor abençoou grandemente seu empenho. Antes de eu partir, aquele pastor informou-me que nada menos de 1.500 pessoas se haviam convertido a Cristo.

Vários outros ministros episcopais foram vivificados na alma e passaram a celebrar cultos prolongados e numerosos. Quando parti de Londres, havia quatro ou cinco igrejas episcopais que realizavam cultos diários e esforçavam-se para promover um avivamento. Penso que em todos os casos receberam grandes bênçãos e refrigério. De fato, aqueles nove meses de trabalhos realizados em Londres produziram, com a bênção de Deus, uma impressão poderosa e de grande duração na cidade. Novas idéias foram introduzidas na mente das pessoas, milhares delas foram levadas à conversão e multidões dentre os que haviam feito profissão de fé no passado acordaram e deixaram-se ser usados na obra de Cristo. Dez anos mais tarde, visitei Londres outra vez, para continuar a obra ali e fiquei sabendo que o trabalho nunca cessara. Em vez disso, havia continuado e propagado em várias direções. Em minha segunda visita, descobri que muitos daqueles convertidos estavam atuando de várias maneiras e em várias partes de Londres e isso com grande sucesso. Quanto aos resultados na congregação do dr. Campbell, terei ocasião de mencioná-los quando narrar os movimentos que ocorreram ali dez anos depois, enquanto eu visitava o país.

Conforme já mencionei, fiquei muito aflito com a situação de Londres. Poucas vezes fui levado a orar por qualquer cidade mais que por Londres. Às vezes, especialmente quando eu orava em público, parecia, com as multidões diante de mim, que eu não podia cessar de orar e que o espírito de oração quase me arrancava de dentro de mim mesmo ao implorar a favor do povo e da cidade em geral. Nem bem chegara à Inglaterra, comecei a receber inúmeros convites para pregar com o propósito de levantar ofertas a favor de vários objetivos: pagar o salário do pastor, ajudar nas despesas da construção da capela de determinada igreja, levantar verba para a escola bíblica dominical ou suprir qualquer outra necessidade. Parecia que só pensavam em levantar coletas vultosas e que esse era o motivo de me convidarem para várias regiões da Inglaterra. Se eu tivesse atendido a esses pedidos, não teria feito outra coisa. Recusei-me, portanto, a atender a qualquer chamado desse tipo. Avisei os irmãos de que não viera à Inglaterra com o propósito de conseguir dinheiro — nem para mim, nem para eles. Meu objetivo era conquistar almas para Cristo. Conseqüentemente, não dediquei meu tempo a fazer turismo nem a coisa alguma que não fosse a tarefa específica de conquistar almas para Cristo.

Depois de pregar quatro meses e meio no púlpito do dr. Campbell, fiquei afônico e a saúde de minha mulher também ficou muito prejudicada pelo clima e por nossas intensas atividades. Preciso iniciar aqui, de modo mais detalhado, um relato do que Deus fez por meio dela.

Até essa época, ela freqüentara apenas encontros de senhoras e deles participara ativamente. Esses encontros eram novidade em Inglaterra, tanto que ela mesma pouca coisa fizera nesse sentido. Mas enquanto estávamos hospedados com o dr. Campbell, ela recebeu um convite para participar de um chá para mulheres pobres, destituídas de escolaridade e de religião. Os ingleses têm o hábito de promover esse tipo de encontro quando querem juntar pessoas de determinada classe. O encontro foi organizado por homens e mulheres, cristãos benevolentes e a presença de minha mulher foi pedida com urgência. Ela consentiu, sem saber que os homens ficariam na reunião para ouvi-la falar. Quando ela chegou, portanto, encontrou o salão cheio de gente. Além das mulheres, havia um número considerável de homens que pareciam muito interessados no resultado do encontro. Ela aguardou um pouco, na expectativa de que se retirassem. Mas, vendo que permaneciam ali e que haviam deixado a direção do encontro por sua conta, colocou-se de pé. Acredito que tenha pedido desculpas por ter sido convocada para falar em público, dizendo-lhes que aquele não era seu hábito.

Tínhamos pouco mais de um ano de casados e ela nunca me havia acompanhado em avivamentos antes de irmos a Inglaterra. Naquele chá, ela fez sua preleção e, depois de voltar aos nossos aposentos, contou-me que a palestra durara cerca de 45 minutos, obtendo bons resultados de imediato. As mulheres pobres ali reunidas pareciam grandemente comovidas e interessadas. E, quando ela acabou de falar, alguns dos homens levantaram-se e expressaram grande satisfação com o que ouviram. Declararam que até ali tinham preconceito contra mulheres discursarem em público, mas, que naquelas circunstâncias não haviam achado motivo algum para se oporem e percebiam claramente que a preleção dela só contribuíra para o bem.

Quando ela voltou do encontro, contou-me o que fizera e declarou estar receosa de que sua locução despertasse o preconceito dos ingleses, trazendo ao evangelho mais problemas que benefícios. Eu mesmo receava que isso acontecesse e revelei-lhe meu temor. Acredito, porém, que não a adverti a conservar-se calada nem a deixar de comparecer às reuniões. Pelo contrário, depois de considerar a questão, encorajei-a a continuar falando em público. Ela, então, foi-se acostumando cada vez mais àquele tipo de trabalho e, depois de voltarmos para os Estados Unidos, continuou a atuar entre as senhoras em atividades ligadas aos avivamentos em que eu atuava. Terei ocasião de fornecer maiores detalhes quando falar dos avivamentos nos quais ela teve participação destacada.

Na época, em Londres, houve muitas conversões interessantes de pessoas de quase todas as classes sociais. Preguei muito sobre confissão de pecados e restituição e os resultados foram maravilhosos. Quase todas as formas de delitos foram, dessa maneira, investigadas e confessadas. Milhares de libras esterlinas foram devolvidas aos seus donos. Na ocasião, pouco depois de eu partir de Londres, o dr. Campbell publicou um livreto no qual apresentava um relatório do trabalho por mim desenvolvido ali. Possuo ainda um exemplar e, se o que agora estou escrevendo chegar a ser publicado, seria interessante incluir pelo menos algumas seleções desse livrinho.

No entanto, como já mencionei, eu e minha mulher ficamos afônicos. Todos os que conhecem Londres sabem que de Novembro a Março a cidade fica muito triste, úmida, escura e fumacenta, uma atmosfera muito desagradável para nela se respirar ou falar. Havíamos chegado ali no início de Maio. Em setembro, meu amigo Brown, sobre quem já falei, visitou-nos em Londres e, vendo nosso estado de saúde, sugeriu: "Vocês devem ir a França ou a qualquer outro lugar da Europa continental, onde não entendam a língua, pois enquanto puderem falar não haverá repouso para vocês em Inglaterra". Depois de conversar a respeito do assunto, resolvemos aceitar o conselho e passar algum tempo na França. Ele deu-me cinqüenta libras esterlinas para as despesas.

Fomos a Paris e a vários outros lugares na França. Evitamos formar círculos de amizade e mantínhamo-nos tão quietos quanto possível. A influência da mudança de clima foi marcante para a saúde de minha mulher. Ela recuperou as forças rapidamente. Eu, aos poucos, fui-me recuperando da rouquidão e, depois de uma ausência de cerca de seis semanas, voltamos ao trabalho no Tabernáculo, onde continuamos a atuar até o início de Abril do ano seguinte, quando então partimos de volta para casa.

Foi com grande relutância que parti de Inglaterra. Mas, nos Estados Unidos novas circunstâncias pareciam exigir minha volta, para o bem da estabilidade de nosso colégio. Tínhamos grande interesse pelo povo de Londres e desejávamos muito continuar a obra na cidade. Embarcamos em Londres num enorme navio de carreira, o Southampton. No dia do embarque, uma grande multidão que conhecia nosso trabalho, reuniu-se no cais. A grande maioria daquelas pessoas compunha-se de novos convertidos. O navio teve de aguardar a maré alta e colocar a bordo todos os emigrantes que nele viajariam. E, por várias horas, a multidão permaneceu no espaço aberto à volta do navio para se despedir de nós.

Separar-se assim daquela multidão de corações amorosos abalou totalmente as forças de minha mulher. Logo que o navio se afastou das docas, retirou-se para nosso camarote, com uma dor de cabeça da qual só se recuperou muitas horas depois. Permaneci no convés, olhando o povo que nos saudava abanando lenços e chapéus, enquanto o navio era levado rio abaixo pela maré ajudado por dois rebocadores a vapor, até ficarmos fora da vista dos que haviam ido assistir ao nosso embarque. Assim se encerraram as nossas lidas na Inglaterra, na primeira vez em que visitamos o país.