MEMÓRIAS DE

CHARLES  FINNEY

 

CAPÍTULO XXXI

 

Em casa outra vez

 

Chegamos a Oberlin em Maio e tivemos entre nossos alunos um avivamento inspirador que durou o verão inteiro. No outono seguinte, fui convidado a visitar Nova York para pregar no Tabernáculo, na Broadway, onde já havia trabalhado. Eu sabia que o Tabernáculo era alugado a várias sociedades, para suas celebrações e, também, disponibilizado para palestras, especialmente durante o inverno. Assim, não era possível promover nenhum avivamento num lugar utilizado para tantos objetivos. Por isso, escrevi ao pastor Thompson, dizendo-lhe que só aceitaria seu convite na condição de o Tabernáculo não ser alugado para outros propósitos enquanto eu ali estivesse. Ele respondeu logo depois, informando que haviam decidido não alugar o Tabernáculo para ninguém durante minha estada ali e que fora levantada uma verba, na própria congregação, para custear as despesas da igreja, compensando assim a perda dos aluguéis.

Na data determinada, minha mulher e eu começamos nossas atividades em Nova York. Para surpresa minha, logo descobri que o irmão Thompson era contra a colocação de qualquer cartaz na cidade com o anúncio de nossas reuniões. Relatei-lhe meu espanto com aquela atitude, afirmando que nunca houvera objeção aos cartazes nas cidades onde eu atuara, nos Estados Unidos ou na Europa e que aquele método de divulgação de nossos cultos era muito usado nas cidades grandes. Mas, ele manteve-se irredutível. Consequentemente, a única propaganda do avivamento que corria na cidade eram os avisos que fazíamos nas próprias reuniões.

A congregação do irmão Thompson não era grande, apesar de o templo ser de bom tamanho. O povo ficava perguntando quando eu pregaria. Geralmente, o Sr. Thompson pregava uma vez no domingo. E, por não saberem ainda, as pessoas estavam aflitas para saber em que horário da domingo eu pregaria. Mas quase nunca — ou nunca mesmo — o Sr.Thompson informava aos membros da igreja o horário de minhas pregações. Se eu pregava de manhã ou de tarde dois domingos seguidos, a congregação comparecia na expectativa de ouvir-me. Mas, ele, em muitas ocasiões, alterava o programa e pregava no horário em que eu havia pregado no domingo anterior. Assim, era difícil manter contato permanente com a congregação. Não conseguia entender por que o irmão Thompson agia assim, mas estou citando os fatos exatamente conforme ocorreram. Além disso, pouco tempo depois de eu começar o trabalho ali, descobri que os homens responsáveis pelas finanças da congregação começaram a alugar o Tabernáculo durante a semana, como faziam antes de minha chegada.

De início, imaginei que eram casos excepcionais, porém logo fiquei sabendo que as sociedades que costumavam usar o Tabernáculo em suas comemorações e os que tinham o hábito de apresentar palestras ali, haviam ameaçado os líderes da congregação dizendo que não iriam mais alugar o Tabernáculo, preferindo realizar suas reuniões em outra parte da cidade caso não pudessem utilizá-lo naquele inverno. Assim, foi esquecida a decisão de não alugar o Tabernáculo e, conseqüentemente, os cultos realizados durante a semana sofreram muitas interrupções.

Certo domingo, preguei à tarde e à noite para um grande auditório. A congregação parecia bem madura para as coisas espirituais e tudo dava a entender que teríamos uma grande explosão de interesse religioso. Mas, ao voltar para casa, fiquei resfriado e, na segunda-feira, não consegui levantar-me da cama. Se me lembro bem, havia combinado pregar na terça-feira à noite. No entanto, quando chegou a hora do culto, eu ainda estava de cama. Fiquei muito aflito por causa disso, mas, o irmão Thompson sabia que eu estava doente e supus que ele mesmo fosse pregar ou conseguir um substituto para mim. No entanto, por algum motivo, ele não providenciou nenhum substituto. Na hora do culto, simplesmente anunciou ao povo que eu estava impedido de pregar e encerrou a reunião. Depois de recuperar-me o suficiente para retornar ao púlpito, preguei bem poucas vezes. Então, aceitei um convite para trabalhar em Hartford, Connecticut. Quem me mandou buscar foi o irmão William Patton, que na ocasião era pastor de uma igreja Congregacional naquela cidade. Iniciei minhas atividades ali e logo testemunhei uma influência espiritual poderosa entre os membros da igreja.

No entanto, havia nesse período uma lastimável discórdia entre o dr. Hawes e o dr. Bushnell. A ortodoxia do dr. Bushnell, como se sabe, era questionada pelo dr. Hawes por achá-la censurável. Ambos, porém, freqüentavam nossos cultos e manifestavam grande interesse pela obra, a qual começara bem, segundo o entendimento deles próprios. Convidaram-me a pregar em suas igrejas e atendi ao convite. Mesmo assim, os irmãos leigos da cidade achavam que a discórdia entre dois ministros era uma pedra de tropeço no caminho e o povo se mobilizou para levá-los a conviver mais fraternalmente e a tomar uma atitude de união diante do povo para benefício da obra. Os crentes, em geral, não simpatizavam com as opiniões contundentes do dr. Hawes quanto à ortodoxia do dr. Bushnell. Sabedor disso e mostrando espírito fraternal, procurei convencer o dr. Hawes de seu erro, dizendo que os crentes consideravam uma provocação as críticas que ele fazia ao dr. Bushnell. Declarei-lhe que acreditava que os crentes não justificariam sua atitude.

O dr. Hawes era um homem bom e, evidentemente, sentia quão profunda era sua responsabilidade na questão. Certa noite, preguei no púlpito do irmão Patton e três ministros congregacionais estavam presentes. Depois do culto, seguiram-me até meus aposentos e o dr. Hawes declarou: "Irmão Finney, estamos convictos de que o Espírito do Senhor está sendo derramado aqui e agora. O que nós, ministros, podemos fazer para promover essa obra?" Disse-lhes com franqueza o que eu pensava. Revelei-lhes que pesava sobre eles uma grande responsabilidade e que, a meu ver, eles precisavam decidir se a obra deveria propagar-se pela cidade inteira ou não. Se pudessem conciliar suas diferenças e apresentarem-se unidos diante das igrejas, dedicando-se com vigor à obra, isso removeria o grande obstáculo que havia entre eles. Só assim haveria esperança de que a obra se propagasse em todas as direções. Eles perceberam a posição em que se encontravam, pois falei-lhes com bastante clareza. E o dr. Hawes e o dr. Bushnell chegaram a um entendimento, concordando deixar de lado suas diferenças e prosseguir na promoção da obra.

Devo dizer aqui que acredito que o irmão Patton nunca simpatizou com os pontos de vista extremos sustentados pelo irmão Hawes. Devo dizer, também, que o próprio dr. Bushnell não parecia impor qualquer resistência ao dr. Hawes. O obstáculo a ser removido parecia ser mesmo a indisposição do dr. Hawes em cooperar cordialmente com os demais ministros. O dr. Hawes era um homem por demais bondoso para insistir na prática de qualquer coisa que pudesse impedir o progresso da obra. Dessa forma, daquele dia em diante, pareceu-me que todos passaram a cooperar em boa medida de cordialidade.

A obra propagou-se por todas as igrejas e continuou de modo promissor durante muitas semanas. Houve, no entanto, uma peculiaridade da qual nunca me esqueci. Acho que todos os domingos que passei naquela cidade foram marcados por fortes tempestades. Eu nunca presenciara uma sucessão de domingos tão tempestuosos. No entanto, o povo comparecia em peso aos nossos cultos. E, para uma cidade como Hartford, o trabalho tornou-se poderoso e abrangente.

Quem conhece Hartford sabe como são exigentes e formais os habitantes daquela cidade. Receavam aplicar quaisquer métodos que fossem além de uma simples reunião de oração, um culto com pregação ou uma reunião com os interessados. Em outras palavras, estava fora de cogitação convocar os pecadores a vir à frente, a romper com a desconfiança e a entregarem-se publicamente a Deus. O dr. Hawes, em especial, receava utilizar qualquer método desse tipo. Por isso, eu não podia fazer nada disso ali. Lembro-me de que num encontro para interessados, na sala de reuniões, em que ele estava presente, pedi a todos os que queriam entregar-se a Deus que se ajoelhassem ali mesmo. Aquilo deixou o dr. Hawes assustado. Antes que as pessoas se ajoelhassem, ele comentou que não se deveria fazer tal apelo a ninguém, pois tudo tinha de ser feito de livre e espontânea vontade. Mas, eu estava bem consciente de que a maioria daquelas pessoas estava disposta a fazer o que eu pedia. Assim, elas ajoelharam-se e oramos com elas.

O dr. Hawes fez-me a seguinte observação enquanto as pessoas se levantavam e se despediam: "Sempre senti necessidade de algo assim, mas tinha receio de lançar mão de qualquer método diferente. Sempre achei que alguma coisa era necessária para levar os interessados a uma tomada de posição e induzi-los a pôr em prática suas convicções. Nunca tive, no entanto, a coragem necessária para fazer algo assim". Respondi-lhe que eu, de minha parte, sempre acreditei que era indispensável aplicar algum método para levar os pecadores ao ponto da submissão.

Nesse avivamento, havia bastante oração. Os novos convertidos, em especial, oravam muito. Tomei conhecimento de que, certa noite, um novo convertido, depois do culto vespertino, convidou outro convertido para ir à sua casa, a fim de orarem juntos. O Senhor fez-se presente e, na noite seguinte, convidaram outros. Na terceira noite, convidaram outros ainda, até que o grupo se tornou tão grande que foram obrigados a dividi-lo em dois. As reuniões eram realizadas depois do culto de pregação.

O segundo grupo de oração tornou-se rapidamente grande demais para o espaço disponível e houve mais uma divisão. Os grupos multiplicaram-se tanto que os novos convertidos participavam de reuniões em vários locais. Finalmente, passaram a convidar, também, os interessados na conversão e todos quantos desejassem que algum grupo orasse por eles. Assim, surgiu um esforço bem organizado entre os convertidos a favor da salvação de almas.

Na mesma época, uma situação interessante teve lugar nas escolas públicas. De acordo com o que me informaram, os pastores haviam concordado entre si em não visitar as escolas públicas nem realizar nenhum trabalho religioso ali, para não provocar inveja ou rivalidade entre as diferentes denominações. Certa manhã, um grupo considerável de moços reuniu-se numa das escolas e os jovens sentiram-se tão tocados que não conseguiram estudar. Pediram, então, que o professor orasse por eles. Como ele não era crente professo, mandou buscar um dos pastores, informou-lhe da situação e pediu que realizasse uma série de cultos na escola. No entanto, o pastor recusou-se, por causa do compromisso firmado entre os pastores.

O professor mandou buscar outro pastor e ainda outro, mas todos lhe responderam que ele mesmo teria de orar pelos alunos. Assim, o professor viu-se num beco sem saída. Mas, acredito que o resultado foi ele ter entregado o coração a Deus, para assim tomar as devidas providências em relação ao movimento espiritual naquela escola. Entendi que um número considerável de alunos das várias escolas públicas foram levados à conversão.

Quem conhece a cidade de Hartford sabe que o povo ali é de nível intelectual elevado. Todas as classes sociais recebem boa educação, talvez mais que em qualquer outra cidade do mundo. Quando chegou a ocasião de as igrejas receberem os que se haviam convertido, creio que os candidatos eram cerca de seiscentas pessoas. Antes de minha partida da cidade, o dr. Hawes perguntou-me: "O que faremos com esses jovens que se converteram? Se formarmos uma igreja só com eles, sem dúvida que se tornarão admiráveis trabalhadores pela salvação de almas. Mas, se os acolhermos em nossas igrejas, onde homens e mulheres com mais tempo de fé detêm a liderança em todas as áreas, eles acabarão ficando à sombra dos mais velhos, acomodados até e seu trabalho não será mais eficiente". Segundo o que me foi dado a entender, os moços e moças convertidos formaram uma espécie de sociedade missionária, organizada com o propósito de empreender esforços diretos para a conversão de almas em todas as partes da cidade, como o fato que narro a seguir, que serve de exemplo do tipo de trabalho realizado por aqueles jovens.

Uma das moças de maior destaque na cidade, talvez tão conhecida e respeitada quanto qualquer dama da sociedade, dedicou-se à recuperação e, se possível, à salvação de jovens que pertenciam a famílias ricas e de alta posição, jovens que haviam desenvolvido maus hábitos e caído em decadência moral. Boa parte deles não tinha mais o respeito do povo. O caráter e a posição da jovem eram ideais para o trabalho, o que permitiu que ela agisse sem dar a mínima impressão de mau comportamento. Procurando uma oportunidade para falar àqueles jovens, reuniu-os para instrução religiosa, palestra e oração e foi muito bem-sucedida em recuperar um bom número deles. Se fui informado corretamente, os convertidos naquele avivamento contribuíram muito para o bem da cidade e muitos deles ainda são ativos na fé.

A sra. Finney estabeleceu reuniões de oração para as senhoras, que eram realizadas nas salas de reunião das igrejas. A freqüência a essas reuniões era bem grande e elas foram muito produtivas. As senhoras eram muito unidas e zelosas e, pela graça de Deus, passaram a dar grande apoio à obra divina ali. As doutrinas que eu pregava e os métodos utilizados eram os mesmos de todos os lugares, excetuando-se o "banco dos aflitos". No entanto, depois de pregar, como em todos os avivamentos, convidava os interessados a dirigirem-se à sala de reuniões da igreja, a fim de receberem instrução e essas reuniões eram muito concorridas. Houve muitas conversões notáveis na cidade, como acontecia em todos os outros locais.

Por volta do 1.° de Abril, partimos dali e, a caminho de casa, passamos pela cidade de Nova York. Preguei umas poucas vezes no púlpito do irmão Henry Ward Beecher, em Brooklyn. Havia ali uma influência espiritual crescente e cada vez mais profunda quando cheguei e quando parti. Preguei poucas vezes porque sentia-me doente e fui obrigado a desistir do trabalho ali. Como de costume, quando chegamos a casa, continuamos em intensas atividades entre nossos alunos. O resultado desse trabalho foi de considerável influência espiritual, estendendo-se, também, a grande parte dos habitantes da cidade. Era tão comum ver numerosos alunos interessarem-se pela fé, semana após semana, mês após mês, que alcançar as pessoas do lugar passou a ser coisa natural. Não era novidade aquele estado de coisas, por isso, o interesse aqui não foi tão notório quanto o seria em qualquer outra localidade. Mesmo assim, vizinhos bondosos sempre oravam com sinceridade pela obra entre os alunos e sempre um bom número de nossa gente participava de coração e alma de qualquer obra desse tipo.

No inverno seguinte, partimos de Oberlin e iniciamos nossa viagem para o Leste, a fim de atender a um convite para trabalhar em uma cidade da região. Durante nossa estada em Hartford, no inverno anterior, recebemos um convite insistente para trabalhar na cidade de Syracuse. Os irmãos metodistas haviam realizado uma série de reuniões de avivamento e a emoção que se manifestou entre eles foi tão intensa que provocou oposição por parte dos membros de outras denominações, gerando um clima bastante desagradável entre as igrejas. Nessa situação de emergência, um ministro Congregacional foi a Hartford, a fim de convencer-me a ir a Syracuse.

Na ocasião, eu não considerava essa visita um dever pessoal e não pensei mais a respeito. Mas, quando viajamos para o Leste, encontramos o mesmo ministro em Rochester — na ocasião, ele não era pastor da pequena igreja Congregacional que existia em Syracuse. No entanto, preocupava-se tanto com aqueles crentes que acabou fazendo-me prometer que, durante nossa viagem pelo Leste, eu ficaria ali pelo menos um domingo. Assim fizemos e encontramos aquela igreja muito desanimada. O número de membros era bem pequeno, na maioria pessoas com opiniões muito radicais no tocante a grandes transformações. As igrejas presbiterianas e as demais igrejas em geral não tinham a mínima simpatia por aqueles crentes e percebia-se que o desejo comum era a extinção da igreja. Preguei num domingo, mas, ao tomar conhecimento da situação, vi-me forçado a passar mais um domingo ali. Logo comecei a perceber um movimento entre os ossos secos.

Alguns dos membros de maior destaque da Igreja Congregacional começaram a fazer confissão uns aos outros e publicamente que se haviam desviado de Deus e outras coisas, que os tornaram alvo do preconceito da cidade. Esse fato levou à reconciliação com os vizinhos da igreja e estes começaram a freqüentar os cultos. Logo, o templo tornou-se pequeno para comportar os fiéis que acorriam a ele. Não era meu plano passar ali mais que um domingo, mas, percebi, depois, que não deveria ir embora ainda. Assim, permaneci ali, domingo após domingo. O interesse aumentou e estendeu-se pela cidade. O Senhor removeu todos os obstáculos e aproximou os crentes entre eles.

As igrejas presbiterianas abriram seus templos para nossas reuniões de avivamento e as conversões multiplicaram-se. No entanto, minhas pregações eram mais dirigidas aos crentes. Havia muita antipatia entre eles, por isso, antes de procurar abrir caminho do lado de fora das igrejas, era necessário realizar uma grande obra entre os crentes professos. Assim, continuei a trabalhar em várias igrejas. Nesse ínterim, a Segunda Igreja Presbiteriana ficou sem pastor e a partir de então concentramos a maior parte de nossas reuniões ali, continuando a realizá-las durante todo o inverno.

Aqui também a sra. Finney estabeleceu, com grande sucesso, as reuniões para as senhoras. Geralmente, esses encontros eram realizados no salão de preleções da Primeira Igreja Presbiteriana, um local espaçoso e conveniente para isso. Numerosos e inspiradores fatos aconteceram nessas reuniões durante aquele inverno. Depois de algum tempo, crentes de várias denominações afluíam para ali e todas as barreiras que havia entre as igrejas pareciam desfeitas. Na época, nenhuma das duas igrejas presbiterianas tinha pastor. Quando cheguei ali, a Primeira Igreja estava já sem pastor e, depois de minha chegada, o pastor da Segunda Igreja deixou a cidade. A Igreja Congregacional também não tinha pastor. Assim, nenhuma das três igrejas abriu as portas para aceitar os convertidos. Fiquei contente com isso, porque sabia que, se começassem a acolher os convertidos, haveria o perigo de brotar entre elas o ciúme, a ponto de a obra ser prejudicada.

Íamos partir naquela primavera, então noticiei do púlpito, por conta própria, que no domingo seguinte celebraríamos a ceia do Senhor. Para esse culto, haviam sido convidados todos os crentes que davam evidências de amar realmente ao Senhor Jesus Cristo. Aquela foi a mais inspiradora celebração da ceia do Senhor que já testemunhei. A igreja estava lotada. Dois ministros muito idosos, Pai Waldo e Pai Israel Brainerd, estavam presentes e ajudaram a celebrar a ceia do Senhor. Notavam-se muitos corações enternecidos e penso que em nenhum lugar participei de uma celebração mais amorosa e alegre entre o povo de Deus.

Depois de minha partida, todas as igrejas, logo que puderam, passaram a contar com a assistência de um pastor. Fui informado de que o avivamento resultou num grande e permanente movimento espiritual. A Igreja Congregacional construiu, posteriormente, uma casa de culto bem maior e creio que a partir de então se tenha tornado uma congregação bem sadia. As igrejas presbiterianas e penso que as batistas também, foram muito fortalecidas na fé e o número de seus membros aumentou.

Foi profunda a obra realizada entre os crentes professos daquela cidade. Ocorreu um fato notável, que passarei a relatar. Morava no primeiro distrito uma senhora cristã, de nome Childs, cujo marido ainda era incrédulo. Era uma bela senhora, de grande cultura e de caráter reto. O marido era comerciante, homem de moral intocável que, a julgar por suas palavras, amava muito sua mulher. Ela freqüentava nossos cultos e ficou profundamente convicta da necessidade de uma obra de graça mais profunda em sua alma. Certo dia, foi-me visitar num estado de muita ansiedade e dúvida. Conversei com ela alguns momentos, destacando a necessidade de uma consagração total a Cristo — dela mesma e de tudo quanto possuía. Disse-lhe que, depois de fazer isso, ela precisaria ter fé para receber o selo do Espírito Santo. Ela já ouvira sobre a doutrina da santificação e interessara-se muito pelo assunto. Então perguntou-me como alcançá-la. Depois de uma breve orientação, ela colocou-se de pé rapidamente e foi embora. Havia tamanha pressão sobre sua mente e ela parecia querer tomar posse imediata da plenitude que se pode achar em Cristo. Acho que não passou mais que cinco ou dez minutos em meus aposentos e saiu de lá como quem está realizando negócios urgentes.

À tarde, ela retornou, aparentando estar tão cheia do Espírito Santo quanto seria possível. Disse que se apressara para chegar em casa depois de falar comigo pela manhã e fora imediatamente para seu quarto, onde se lançou de joelhos diante de Deus e fez total consagração a ele, dela mesma e de tudo quanto possuía. Disse agora entender claramente, mais do que nunca antes, o que significava consagração e fez uma entrega plena nas mãos de Cristo. De imediato, ela experimentou grande calma e passou a sentir que a plenitude do Espírito Santo começava a enchê-la. Logo parecia ter sido elevada acima de si mesma e seu júbilo era tão grande que ela não conseguia parar de gritar.

Naquela tarde de domingo, conversei um pouco com ela e vi que havia o perigo de ela se exceder na emoção. Adverti-a quanto a isso e ela foi para casa. Ao anoitecer, foi para a reunião de oração e aconselhamento. E, quando as pessoas começaram a levantar-se para relatar sua experiência, ela também se levantou e contou o que o Senhor fizera e ainda estava fazendo a favor de sua alma. Seu rosto irradiava, literalmente, júbilo espiritual. Penso que todos os presentes ficaram impressionados com a auréola que parecia envolver seu rosto. Começou a narrar o que estava sentindo, mas logo suas palavras foram ficando desconexas, como se houvesse perdido a memória. Entendi logo o que estava se passando, fui até ela e, sussurrando, aconselhei-a a sentar-se. Em seguida, pedi que suas amigas a levassem para casa e aconselhei minha mulher a acompanhá-la. Assim ela fez e permaneceu na casa da sra. Childs dois ou três dias, até seu estado emocional se acalmar. A alegria dela era tanta que a deixou completamente fora de si durante alguns dias, correndo o risco de ficar mentalmente perturbada. Minha mulher, no entanto, ficou com ela e não permitiu que recebesse visitas. Procurava acalmá-la e cuidou dela até voltar ao normal.

Poucos dias depois, numa manhã, o marido dessa irmã veio visitar-me e convidou-me para um passeio de trenó. Aceitei o convite e descobri que seu objetivo era falar comigo a respeito de sua mulher. Disse-me que ela fora criada entre os Quakers e que, quando se casou com ela, a considerava uma das mulheres mais perfeitas que conhecia. Mas, então ela converteu-se e ele percebeu nela uma transformação maior do que julgava ser possível, pois já a considerava perfeita em sua moral e na vida exterior. Era tão visível a mudança de atitude que ninguém podia duvidar da experiência que ela estava vivendo. Ele disse: "A partir de então, eu a considerava perfeita, ou quase isso. Mas, agora ela obviamente passou por uma transformação maior. Vejo isso em tudo. Existe nela muita energia espiritual, muito dinamismo religioso e uma plenitude de alegria, de paz e de amor!" Então, ele perguntou-me: "Como explicar isso? Como devo entendê-lo? Semelhantes transformações realmente acontecem entre os crentes?"

Expliquei-lhe tudo da melhor maneira que consegui. Procurei levá-lo a compreender o que ela era como Quaker e o que a conversão fizera por ela. Depois, revelei-lhe que a experiência pela qual ela passara fora um novo batismo do Espírito Santo, que resultara em uma transformação adicional em sua vida. Ele ficara realmente surpreso diante das transformações experimentadas por sua mulher, principalmente diante da última. A sra. Childs já foi para o céu e, de acordo com o que me foi relatado, o sabor daquela unção do Espírito Santo permaneceu com ela até o dia de sua morte.

Determinadas circunstâncias ocorridas nas reuniões dirigidas por minha mulher, narradas freqüentemente por ela, merecem ser relatadas aqui. Dessas reuniões, participavam as mais cultas e refinadas senhoras das várias igrejas da cidade. Conforme ela supunha, muitas eram vistas como de difícil trato pelo grupo. Entre elas, entretanto, havia uma, de idade avançada e inculta que tinha o costume de levantar-se e falar de modo irritante às outras senhoras. Por alguma razão, aquela senhora achava que era seu dever falar em todas as reuniões e, às vezes, queixava-se de o Senhor haver colocado sobre ela tal responsabilidade, ao passo que tantas outras senhoras, finas e cultas, podiam assistir às reuniões sem delas participar ativamente. Questionava por que Deus lhe havia imposto o dever de falar, enquanto outras distintas senhoras, que tanta coisa de edificante podiam falar, tinham o privilégio de participar das reuniões "sem nenhuma cruz para carregar". Ela sempre se expressava de modo queixoso, em tom de lamúria. Aquelas intervenções estavam deixando minha mulher bastante irritada e desanimada, pois percebia que não inspiravam as outras senhoras, antes eram causa de desgosto para elas.

Entretanto, as coisas continuaram assim por algum tempo. Certo dia, aquela senhora levantou-se mais uma vez para falar. Minha mulher, quando a viu de pé, achou que ela iria ocupar o tempo mais uma vez com suas lamúrias. Mas, logo que a velha senhora abriu a boca, ficou óbvio que uma grande transformação ocorrera na vida dela. Ela experimentara a plenitude do Espírito Santo e relatou sua experiência de uma forma que deixou as outras mulheres boquiabertas. Minha mulher logo percebeu o grande interesse daquelas senhoras pelas palavras da anciã e esta continuou a falar com grande sinceridade a respeito da ação do Senhor sobre sua vida, transmitindo convicção a todas que a ouviam. Enquanto a escutavam, as lágrimas começaram a fluir e um grande movimento do Espírito era visível na congregação inteira. Uma mudança notável manifestou-se diante daquelas mulheres, trazendo-lhes imensos benefícios e aquela senhora passou a ser a favorita de todas elas. A partir de então, ficavam ansiosas para ouvi-la e deleitavam-se com o relato das coisas que o Senhor fizera e continuava fazendo por sua alma.

Naquela cidade, fiquei conhecendo uma crente a quem chamavam Mãe Austin. Sua fé era notável. Era pobre e, para sua subsistência, dependia inteiramente da assistência caridosa dos crentes da cidade. Também era inculta, obviamente criada numa família de pouca escolaridade. No entanto, possuía tão grande fé que merecia a confiança de todos quantos a conheciam. Parecia que a opinião geral entre os crentes e os incrédulos era de que Mãe Austin era uma santa. Acredito que eu nunca tenha testemunhado maior fé, na sua singeleza e silêncio, como a que se manifestava naquela mulher. Numerosos fatos foram-me contados com referência a ela, que demonstravam sua confiança em Deus, bem como a maneira em que Deus cuidava de seu sustento dia após dia. Certa ocasião, ela disse-me: "Irmão Finney, é impossível eu padecer a falta de alguma coisa na vida, porque Deus me tem dito: 'Confie no Senhor e faça o bem; assim você habitará na terra e desfrutará segurança'". Ela relatou-me muitos fatos que faziam parte de sua história e outras pessoas contaram-me ainda muitos outros que ilustravam o poder de sua fé.

Certo sábado à tardinha, um amigo dessa senhora foi visitá-la. Ele era incrédulo e, depois de conversarem algum tempo, ele ofereceu-lhe, ao despedir-se, uma cédula de cinco dólares. Ela disse ter ouvido uma advertência interior para não aceitar. Achava que o homem consideraria aquilo um ato de justiça própria, que poderia representar para ele um dano maior que o bem que resultaria para ela. Por isso, ela não aceitou o dinheiro e o homem foi embora. Em sua casa, havia lenha e alimentos suficientes para durar até o domingo — e não tinha meios para comprar qualquer outra coisa. Apesar disso, em semelhantes circunstâncias, ela não tinha o mínimo receio de confiar em Deus, como sempre fizera durante tantos anos.

No domingo, caiu uma violenta tempestade de neve. Nevou tremendamente durante todo o dia e durante a noite. Na segunda-feira de manhã, uma espessa camada de neve cobria a cidade e as ruas estavam totalmente bloqueadas — ninguém passaria por elas sem escavar a neve. Essa senhora tinha um filho jovem que morava com ela — a família compunha-se dela e do filho. Ao levantar-se pela manhã, viram-se bloqueados pela neve por todos os lados. Pelo menos haviam conseguido ajuntar lenha suficiente para acender a lareira. O menino, então, perguntou o que comeriam no café da manhã e ela respondeu: "Não sei, filho, mas o Senhor proverá". Olhou para fora e viu que não havia condições de alguém transitar pela rua. O menino começou a chorar, achando que morreriam de frio e de fome.

Apesar disso, ela continuou a fazer os preparativos para servir a refeição, caso chegasse alguma comida: pôs a mesa, com tudo pronto para servir o café da manhã, acreditando que a comida viria no momento certo. Pouco depois, ouviu vozes altas na rua e foi até a janela ver o que acontecia. Ali estava um homem num trenó de um cavalo e outros homens removiam a neve com pás, a fim de deixar o cavalo passar. Chegaram até a porta da casa dela e deixaram ali mantimentos e lenha, o bastante para vários dias. Não tenho espaço para narrar aqui as numerosas ocasiões nas quais ela foi ajudada de modo semelhante a esse. A cidade inteira sabia que a fé da mãe Austin era como um banco. Ela nunca sofrera falta de nada na vida, porque seus saques eram feitos da conta de Deus.

Nunca fiquei sabendo quantas pessoas se converteram em Syracuse naquele avivamento. Não tinha o costume de conferir os números. Deixo essas coisas para serem conhecidas quando os segredos de todos os corações forem revelados. Mesmo assim, a situação na cidade durante a primavera era o inverso do que fora no outono anterior. Se fui bem informado, nunca a cidade estivera em situação tão lamentável. Os que tinham conhecimento das circunstâncias que envolviam o condado nos trinta anos anteriores não estranharão quando digo que em todos os lugares da região tive de vencer o preconceito quanto às minhas opiniões teológicas. As idéias hiper-calvinistas predominavam até eu começar a pregar. Percebi que, antes de empreender qualquer esforço para levar o povo à conversão, era indispensável introduzir novos conceitos no tocante a importantes questões. O conceito defendido pelo presidente Edwards a respeito da sujeição da vontade e a distinção estranha que fazia entre a capacidade e a incapacidade moral e espiritual influenciavam grandemente os ministros, tomando posse de quase todos os púlpitos das igrejas presbiterianas e congregacionais.

Na maioria das igrejas batistas do condado, era mantido um calvinismo mais severo e absurdo que nas igrejas presbiterianas e Congregacionais. Não é de admirar, portanto, que a teologia por mim pregada tivesse provocado tanto alvoroço e resistência. Afinal de contas, foi a estranha confusão no tocante a nossos conceitos sobre santificação que fez crescer o preconceito entre o povo. E essa confusão era, muitas vezes, um poderoso obstáculo ao avivamento. Em Syracuse, assim como em todos os outros locais onde eu pregava, a preocupação das pessoas era detectar heresias em meus sermões. Só depois de assistirem às nossas reuniões, ouvirem o que era dito ali e alcançarem o testemunho divino a respeito da verdade é que o preconceito era vencido. Então, era possível unir os crentes na promoção da obra.

Já mencionei que o objetivo deliberado de alguns líderes era fechar o cerco contra mim e impedir meu acesso a todos os púlpitos do condado. Nesse intuito, porém, não alcançaram nenhum sucesso, de modo que me era impossível atender a todos os insistentes convites que recebia para pregar em quase todos os lugares. Mesmo assim, era necessário muito trabalho, cautela e sabedoria para vencer o preconceito incutido naqueles crentes e conseguir deles um esforço unido para promoverem o avivamento.

Sem dúvida, eu era em parte culpado por todo esse preconceito. Pela providência divina, tomei sobre mim a responsabilidade de combater e desmascarar muitas afirmações e idéias falsas que predominavam nas igrejas, neutralizando os esforços empreendidos pelos crentes e tornando ineficaz a pregação do evangelho. Realmente, enquanto os pastores pregassem o arrependimento, para depois revelar solenemente que ninguém podia arrepender-se; enquanto pregassem a necessidade de cultivar a fé, para depois declarar que era dom de Deus, acrescentando que era impossível exercê-la; enquanto apresentassem a fé como um estado intelectual, em vez de apresentá-la como confiança voluntária; enquanto se referissem ao arrependimento como um sentimento de tristeza piedosa, um estado de sensibilidade e, conseqüentemente, um estado involuntário, em vez de se referirem a ele como uma mudança voluntária de opinião; enquanto esses dogmas e outros semelhantes fossem mantidos e ensinados, o evangelho não seria realmente pregado. O que chamavam evangelho era, na verdade, pedra de tropeço.

Se a natureza humana era considerada depravada em si mesma e, como conseqüência, os pecadores tinham de esperar que Deus lhes transformasse a natureza para que pudessem tornar-se cristãos, o que mais se podia esperar? Os pecadores ficavam sempre adiando o momento de se entregarem a Cristo, enquanto os cristãos lançavam sobre Deus toda a responsabilidade da conversão dos pecadores. Diante da afirmação de que, por causa de sua natureza pecaminosa, o homem era ameaçado com a condenação eterna e a expiação por Cristo fora realizada somente a favor dos eleitos, qualquer um podia ver que esses dogmas e outros de igual natureza, eram verdadeiras armadilhas e pedras de tropeço. E sua influência manifestava-se na desolação moral que reinava entre aquelas igrejas.

Não acho estranho que, considerando-me comissionado por Deus para combater e desmascarar esses erros, independentemente das conseqüências contra mim, eu sofresse oposição e fosse alvo de preconceito. No entanto, também é verdade que a oposição e o preconceito foram exagerados em alguns casos pela atitude insensata e quase inexplicável de homens que alegavam concordar com meus ensinos. Raras vezes senti tão fortes os laços do preconceito por parte das pessoas que me cercavam como naquelas semanas que passei em Syracuse.

 

 

CAPÍTULO XXXII

Trabalhos em Oberlin, Western e Rome

Depois de concluir o trabalho em Syracuse, voltamos a Oberlin, como sempre fazíamos e dedicamo-nos a cumprir nossas tarefas comuns alcançando os resultados habituais. Em Oberlin, vivo sempre a expectativa de que a Palavra do Senhor surta efeito, assim como nos demais lugares onde ela é pregada de modo fiel e oportuno e onde os esforços empreendidos são sustentados pelas orações do povo de Deus. No inverno de 1854, no Natal, fomos outra vez a Western, no condado de Oneida, onde, segundo já relatei, comecei meus trabalhos em avivamentos, no outono de 1825.

A igreja estava outra vez sem pastor e resolvemos passar ali várias semanas. O trabalho foi muito proveitoso, com resultados marcantes e inspiradores. A família Brayton, à qual me referi no relato anterior sobre os trabalhos realizados nessa localidade, já havia, em sua maior parte, ido para o céu. O pai, a mãe, as duas filhas mais velhas, Sarah e Cynthia e a mais jovem, todos haviam morrido.

Fatos notáveis ocorreram nesse segundo avivamento. Sem mencionar pormenores, relatarei o caso de certo jovem, filho de pais piedosos, que durante muito tempo fora alvo de orações. Seus pais eram membros destacados da igreja. O pai era presbítero e a mãe, uma mulher piedosa e de oração. Quando comecei o trabalho ali, para surpresa e mágoa de seus pais e dos crentes em geral, o jovem tornou-se excessivamente hostil à pregação, às reuniões de avivamento e a tudo que dizia respeito àquele trabalho. Tomou essa posição com muito ímpeto, declarando que "nem Finney nem o inferno poderiam convertê-lo". Segundo fui informado, dizia coisas odiosas e blasfemas e seus pais ficaram profundamente magoados. Não me consta, porém, pesarem sobre ele suspeitas de qualquer imoralidade.

No entanto, a Palavra de Deus pressionava-o dia após dia, até ele não poder resistir mais. Certa manhã, procurou-me em meus aposentos. Sua aparência era verdadeiramente assustadora. Não consigo descrevê-la. Raras vezes vi alguém cujo estado mental tenha causado tão grande impressão na sua fisionomia. Parecia quase enlouquecido e tremia de tal maneira que, quando se sentou, pude sentir o impacto de sua tremedeira. Quando tomei a mão dele, notei que estava muito fria. Seus lábios estavam azuis e o sangue havia subido tanto à cabeça que suas extremidades ficaram privadas dele, uma imagem alarmante. A verdade é que ele estava no limite da resistência às convicções. Quando ele se sentou, indaguei:

— Meu jovem, o que o aflige?

— Oh! — exclamou ele. — Cometi um pecado imperdoável.

— Por que diz isso? — perguntei.

Sei que o fiz e o fiz deliberadamente — insistiu. E passou a relatar os seguintes fatos: — Há vários anos, foi colocado em minhas mãos um livro intitulado O livro do pirata. Li-o e ele produziu um efeito extraordinário sobre minha mente. Inspirou-me um tipo de ambição terrível e infernal: ser o maior pirata que já existiu. Resolvi ser o mais destacado entre os salteadores, bandidos e piratas que a História já tenha registrado. No entanto, minha formação religiosa atrapalhava esse sonho. Os ensinamentos e as orações de meus pais surgiam diante de mim, impedindo-me de prosseguir nesse propósito. Eu ouvira dizer que era possível entristecer o Espírito de Deus até ele se afastar de vez e a pessoa não sentir mais sua influência. Lera que era possível cauterizar a consciência até ela não mais perturbar a pessoa. E, depois de tomar aquela resolução, meu primeiro objetivo foi livrar-me de minhas convicções religiosas de modo a poder assaltar e assassinar sem qualquer remorso. Por isso, resolvi blasfemar contra o Espírito Santo.

Em seguida, ele contou-me como fez isso e o que disse ao Espírito Santo palavras demasiadamente fortes para que eu as possa repetir. Dentro do possível, procurei até lançar fora de minha memória o que ele me falou. Basta dizer que era algo tão ruim que a engenhosidade humana e até mesmo a infernal, não poderiam conceber.

— Feito isso, achei que o Espírito de Deus se havia apartado de mim e que minha consciência já não me acusava de nada — prosseguiu o rapaz.

— Algum tempo depois, resolvi cometer um crime, para ver como me afetaria. Havia uma escola do outro lado da rua, defronte à nossa casa. Certa noite, atravessei a rua e ateei fogo à escola. Em seguida, fui para meu quarto dormir. O incêndio logo foi percebido, porém tarde demais para ser dominado. Levantei-me da cama e juntei-me à multidão que se reunira para apagá-lo, mas todos os esforços foram em vão: a escola ficou reduzida a cinzas.

Incendiar um prédio público, naquele estado, era delito passível de prisão e ele sabia disso. Perguntei-lhe se fora mais adiante na prática de crimes e o jovem respondeu que não. Penso que acrescentou que sua consciência não ficara tão tranqüila quanto ele esperava. Perguntei-lhe se alguém havia suspeitado de que ele era o incendiário. Respondeu que outros jovens haviam sido alvo de suspeita e de comentários a respeito do crime. Perguntei-lhe o que pretendia fazer. Respondeu que iria confessar tudo à diretoria e pediu-me que o acompanhasse.

Fui com ele procurar um dos diretores da escola, que morava bem perto e o jovem pediu-me que eu relatasse os fatos. Assim fiz. O diretor era um homem bom e grande amigo dos pais do jovem. A história deixou-o profundamente chocado. O jovem ficou diante dele sem proferir uma palavra. Depois de conversar com o diretor, sugeri:

— Vamos procurar os outros diretores.

— Não, você não precisa ir — respondeu o homem. — Eu mesmo vou falar com eles e contar-lhes a história toda.

Ele deu certeza ao jovem de que o perdoariam. Disse que ele mesmo o perdoava, de livre vontade e que tomava por certo que os demais diretores, bem como os outros moradores da cidade, o perdoariam. Também não cobrariam dele nem de seus pais qualquer indenização.

Voltei então para meu quarto e o jovem foi para casa. Mesmo assim, ele não se sentiu tranqüilo. Quando saí para o culto vespertino, ele estava-me esperando à porta e disse:

— Quero fazer uma confissão pública. Vários jovens sofreram a suspeita de ter praticado aquele ato indigno. Quero que o povo saiba que fui eu que o pratiquei, sem a ajuda de nenhum cúmplice e que ninguém, senão Deus e eu mesmo, sabia disso. Sr. Finney, o irmão não aceitaria contar a todos? Eu estarei presente, para dar qualquer esclarecimento, mas não me sinto em condições de contar tudo sozinho. O senhor pode contar tudo que lhe revelei.

Quando a congregação se reuniu, levantei-me e relatei os fatos. A família do jovem era tão conhecida e amada na comunidade que a história os deixou estarrecidos. As pessoas soluçavam e choravam. Depois que tudo foi revelado, ele alcançou paz. De sua história religiosa, a partir de então, não sei muita coisa. Fui informado recentemente que manteve sua comunhão com Cristo e nunca deu nenhum sinal de se ter desviado do evangelho. Afiliou-se ao Exército durante a grande rebelião e foi morto na batalha de Fort Fisher.

Toda pessoa familiarizada com os avivamentos tem consciência dos inúmeros e inspiradores casos de conversão. Essas conversões ocorriam dia após dia, semana após semana e tocavam profundamente os que conheciam os convertidos e as circunstâncias em que se converteram. Mas, relatá-las para o proveito do público não seria tão interessante, pois os leitores não conheceram pessoalmente os convertidos e o impacto dessas conversões não seria tão grande para eles quanto o foi para os que as presenciaram. Nesta minha narrativa, portanto, achei por bem não relatar pormenores da conversão de pessoas desconhecidas do público em geral, a não ser que ressaltasse de modo notável algum princípio na administração do governo de Deus.

Ao descrever os avivamentos até agora, deixei de mencionar numerosos casos de crimes que chegaram ao meu conhecimento, crimes de quase todos os tipos cometidos por pessoas que vinham pedir-me conselhos e revelavam o que haviam feito. Em muitos casos, eram feitas restituições de grandes montantes de dinheiro — às vezes, milhares de dólares — por pessoas que sentiram a consciência pesada por terem ganho dinheiro fraudulentamente ou agido de má-fé em suas relações comerciais.

O primeiro inverno que passei em Boston resultou em muitas dessas revelações. Certo domingo de manhã, preguei sobre o seguinte texto: "Quem esconde os seus pecados não prosperará". E, à tarde, discorri sobre o restante do versículo: "... mas quem os confessa e os abandona encontra misericórdia" (Pv 28.13). Lembro-me de que os resultados dos dois sermões foram extraordinários. Várias semanas depois de eu pregá-los, pessoas de quase todas as idades e de ambos os sexos ainda vinham a mim, pedindo conselhos e confessando fraudes e pecados de todos os tipos. Alguns jovens haviam defraudado seus patrões no comércio e algumas mulheres tinham furtado relógios e outros artigos femininos. Realmente, a Palavra do Senhor parece ter colocado a descoberto um verdadeiro covil de iniqüidades. Eu gastaria muitas horas para mencionar os crimes que chegaram ao meu conhecimento mediante aquelas confissões. E as pessoas demonstravam estar totalmente arrependidas e dispostas a restituir o que podiam.

Deixo agora essa digressão, a fim de retornar a Westernville. O avivamento ali foi de caráter muito proveitoso e um bom número de almas renasceu para Deus. Os moradores da região, no entanto, vivem muito espalhados e, desde muitos anos, havia um sentimento negativo entre a população quanto ao sustento de um pastor.

Lembro-me, muito emocionado, da conversão de uma jovem. Ela ensinava na escola pública da aldeia. Segundo entendi, o pai era cético e ela era filha única, muito amada por ele. Se me informaram corretamente, ele era homem de influência considerável no município, mas não assistia, de modo algum, aos nossos cultos. Morava numa fazenda longe da aldeia. Na realidade, a aldeia era muito pequena e os habitantes viviam espalhados por todo o vale do Mohawk e pelas colinas de cada lado do vale, de modo que a grande maioria precisava percorrer uma distância considerável para vir ao culto. As fazendas são grandes e os proprietários homens ricos, por isso viviam separados uns dos outros. Western é um dos mais belos locais que já conheci para quem gosta de morar no interior.

Mas, voltando à conversão da jovem, eu ouvira falar que ela não freqüentava muito nossos cultos e que manifestava sentir aversão pela obra. Certo dia, ao passar em frente à escola, resolvi entrar e falar com ela. Ela pareceu surpresa ao ver-me entrar. Eu nunca fora apresentado a ela e não a reconheceria se não a tivesse encontrado ali. Ela, no entanto, reconheceu-me e tive a impressão de que sua vontade era fugir de minha presença. Eu sabia o nome dela. Tomei-lhe a mão com ternura e disse-lhe que passara ali para conversar com ela a respeito de sua alma. Perguntei: "Minha filha, como você está passando? Já entregou seu coração a Deus?" Ela inclinou a cabeça e não fez nenhum esforço para retirar a mão. Percebi que viera sobre ela uma influência poderosa, tão profunda e notável que cheguei a pensar que ela se entregaria a Deus naquele instante.

O máximo que eu esperava ao entrar na escola era poder dizer-lhe algumas palavras, para levá-la a pensar e marcar um horário para falarmos mais à vontade a respeito da salvação. Mas, no momento em que lhe falei, ela mostrou-se tão comovida e seu coração tão quebrantado que, depois de lhe dirigir algumas frases de modo suave, ela pareceu-me disposta a não mais fazer oposição à obra e a valer-se de Jesus Cristo. Em seguida, pedi licença para falar algumas palavras aos seus alunos e ela concordou, acrescentando que isso a agradaria muito. Depois de falar-lhes, perguntei se poderia apresentá-los a Deus em oração. Ela respondeu que gostaria que eu fizesse isso e ficou muito emocionada na presença de todos os alunos. Oramos e aquele foi um momento muito solene, no qual os corações se mostraram enternecidos. A partir de então, a jovem professora começou a demonstrar submissão a Deus e passou da morte para a vida. Não viveu muito mais tempo até ir para o céu.

Entre os dois períodos que passei em Western cerca de trinta anos transcorreram. Já vivia ali outra geração, diferente daquela que conheci durante o primeiro avivamento. Apesar disso, encontrei ainda alguns membros mais antigos. No entanto, a congregação era nova em sua maior parte e compunha-se de pessoas relativamente jovens que haviam crescido após o primeiro avivamento.

Assim como aconteceu no primeiro avivamento, também nesse os habitantes de Rome souberam do que acontecia em Westernville e um considerável número deles freqüentava nossas reuniões. Isso levou-me, depois de algumas semanas, a viajar a Rome e passar algum tempo ali. Acredito que o estado espiritual em Western melhorou muito depois desse último avivamento. As ordenanças do evangelho foram mantidas e acredito que foi feito bastante progresso na direção certa. A família Brayton não existe mais em Western, a não ser um único filho e sua família. Aquela família grande e interessante dissipou-se, pois sobrou apenas um deles em Western e um em Utica, além de um que se converteu no primeiro avivamento e que durante muitos anos pastoreou a Primeira Igreja Presbiteriana em Watertown, NY.

Depois do primeiro avivamento em Rome, muitos membros da congregação mostraram-se convictos de que seu antigo pastor, o rev. Moses Gillett, não estava à altura dos deveres resultantes da nova situação. Ele declarou não ter nenhum sermão que pudesse ser aplicado à nova condição da igreja. Ele afirmou: "Meus sermões foram preparados para uma situação inteiramente diferente. E agora, no que diz respeito a nossos membros, o Milênio já chegou; quase a totalidade de nossos membros se converteu". O templo estava superlotado de cristãos professos. Isso resultou na formação de uma nova congregação. O sr. Gillett assumiu outro campo pastoral e já faz muitos anos que foi para o céu receber seu galardão. Durante vários anos, as duas congregações celebraram cultos em separado, mas, finalmente, concordaram unirem-se para construir um templo grande e espaçoso, capaz de acomodar as duas congregações.

Em minha primeira visita, durante o outono e muitos anos depois, a igreja em Rome era Congregacional. Mas, alguns anos antes de minha última visita, a igreja veio a ser pastoreada por um jovem ministro presbiteriano — formado em Princeton, creio eu. Achava que a igreja devia tornar-se presbiteriana, em vez de Congregacional e assim propôs e recomendou aos membros. De alguma forma, conseguiu seu intento, mas deixou insatisfeitas várias pessoas influentes na igreja. Assim, foi criada uma situação indesejável em Rome e quando cheguei ali, vindo de Western, fui informado daquela divisão decorrente da mudança na forma de governo. O pastor perdera a confiança e o afeto de um número considerável de membros.

Ao tomar conhecimento da situação, tive a certeza de que eram poucas as chances de ocorrer um avivamento ali, a não ser que aquela dificuldade fosse superada. Mas, o assunto já passara por tantos debates e as pessoas mantinham-se tão firmes em sua posição que meu esforço para resolver o problema foi inútil. Aquele não era assunto para ser tratado num sermão. Assim, procurava arrancar das pessoas aquela raiz de amargura por meio de conversas em particular. Descobri que as diferentes partes não enxergavam os fatos da mesma forma. No entanto, continuei a pregar e o Espírito do Senhor foi derramado. As conversões eram freqüentes e tenho a certeza de que houve muitos benefícios espirituais. Mas, depois de esforçar-me em vão para unir sentimentos e esforços, conforme Deus aprovaria, resolvi deixá-los agir da maneira que desejassem. Posteriormente, fiquei sabendo que os membros insatisfeitos afiliaram-se à igreja em Western, abandonando a igreja em Rome. Suponho que o pastor tenha cumprido o que considerava ser seu dever naquela controvérsia, mas a divisão foi muito dolorosa para mim, pois eu tinha um interesse especial naquela igreja.

No outono de 1855, fomos chamados outra vez à cidade de Rochester, para mais um trabalho a favor das almas. De início, não me senti disposto a ir, mas, um mensageiro chegou com um insistente pedido assinado por muitas pessoas, crentes professos e nominais. Depois de muito pensar e orar, tomei a decisão de ir. Começamos a trabalhar ali e logo ficou claro que o Espírito de Deus estava operando entre o povo. Alguns cristãos, especialmente o irmão que fora chamar-me, haviam orado durante o verão inteiro, para pedir o derramamento do Espírito Santo. Umas poucas almas oraram fervorosamente até sentir convicção de que estavam às vésperas de um grande avivamento. Quando expus minhas objeções quanto a voltar a trabalhar em Rochester, o irmão que fora procurar-me derrubou por terra todas as minhas justificativas ao dizer: "O Senhor irá enviá-lo a Rochester, o irmão irá a Rochester neste inverno e teremos ali um avivamento grandioso". Mesmo depois disso, ainda hesitei bastante. Mas ao chegar, logo me convenci de que aquela obra era de Deus.

Comecei a pregar nas diferentes igrejas. A Primeira Igreja Presbiteriana era da Escola Antiga e não abria suas portas às reuniões de avivamento. Mas a Igreja Congregacional e as duas outras igrejas presbiterianas, com o apoio dos pastores, entregaram-se com firmeza à obra e nela se envolveram, com muito êxito. Depois da primeira vez que trabalhei ali, em 1830 e 1831, a cidade crescera em grande proporção, em riqueza e nos demais aspectos. Os dois grandes avivamentos anteriores deixaram na cidade uma influência cristã muito forte. As igrejas batistas também se envolveram no trabalho e as igrejas metodistas esforçaram-se à sua própria maneira para expandir a obra. Mantínhamos reuniões de oração ao meio-dia, que eram muito concorridas e nas quais prevalecia um excelente espírito.

Pouco depois de eu ter começado os trabalhos ali, foi-me enviado um pedido, assinado por advogados e vários juízes — dois juízes do tribunal da comarca e, acredito, um ou dois juízes da Suprema Corte, que residiam ali — para que eu voltasse a pregar aos advogados sobre o governo moral de Deus. Atendi ao pedido e comecei uma série de preleções para os advogados. Preguei, de início, sobre o seguinte texto: "Recomendamo-nos à consciência de todos, diante de Deus" (2Co 4.2). Comecei com a observação de que o texto tomava por certo que cada pessoa tinha consciência. Passei, então, a explicar o que era consciência e o que a consciência de cada pessoa verdadeiramente declara. Todo homem sabe que é pecador contra Deus, por isso sabe que Deus forçosamente terá de condená-lo como tal. E todo homem sabe que sua consciência o condena como pecador.

Eu estava ciente de que havia alguns céticos entre os advogados. E, realmente, um deles declarara, poucos meses antes, que jamais voltaria a freqüentar uma reunião de crentes. Afirmara que não acreditava na fé cristã e que não queria dar a impressão de crer. Para ele, freqüentar um culto era hipocrisia. Assim, passara a desprezar as instituições cristãs.

Em minhas preleções, noite após noite, tentei convencer os advogados de que, se a Bíblia não fosse verdadeira, então não existia esperança para eles, pois, uma vez que a consciência os condenava e eles sabiam que Deus forçosamente os condenaria, como seriam perdoados? Esforcei-me para mostrar-lhes que não podiam concluir que Deus, apenas por ser bom, os perdoaria. Em vez disso, sua bondade poderia impedi-lo de perdoá-los. Pesando todas as coisas, talvez não fosse um ato de sabedoria e bondade perdoar um mundo de pecadores, como sabemos que somos. Mostrei-lhes que, sem a Bíblia para lançar luz sobre a questão, era impossível ao raciocínio humano chegar à conclusão de que os pecadores podiam ser salvos. Mesmo reconhecendo que Deus é infinitamente benevolente, não há razão para concluir que todo pecador será perdoado. Pelo contrário, devemos inferir que os pecadores impenitentes não podem ser perdoados. Esforcei-me para fazê-los acreditar que a Bíblia revelava a única forma racional de encontrar a salvação.

Fiquei sabendo que, após minha primeira preleção, o advogado a que me referi, que havia decidido não mais freqüentar as reuniões cristãs, confessou que se enganara e estava convicto de que havia mais conteúdo no cristianismo do que havia imaginado. Não via meios de fugir ao argumento que ouvira. Assim, decidiu comparecer a todas as minhas palestras e prometeu tomar sua decisão com base nos fatos e argumentos ali apresentados.

Continuei a discorrer sobre o assunto, até estar convicto de que não viam outra saída a não ser Cristo e a revelação feita no evangelho. No entanto, eu ainda não lhes havia apresentado Jesus Cristo. Apenas os deixara convencidos pela lei, condenados pela consciência e sentenciados à morte eterna. Como eu esperava, isso preparou de modo eficaz o caminho para que recebessem o bendito evangelho. Quando lhes apresentei o evangelho como o único caminho possível ou concebível para a salvação dos pecadores, eles cederam, como outros haviam feito, anos antes, numa série semelhante de preleções. Começaram a render-se a Cristo, em grande número.

Embora na ocasião, bem como em outros períodos, o avivamento tenha alcançado resultados eficazes entre os habitantes de maior destaque da sociedade, o movimento espalhou-se pela cidade inteira. O mais notável resultado dos três avivamentos que presenciei em Rochester foi que todos progrediram e conseguiram alcançar as classes mais altas da sociedade. Esse fato favoreceu grandemente a aceitação da obra e cooperou para diluir a oposição.

Houve muitos casos notáveis de conversão nesse avivamento, bem como no que o antecedeu. A obra propagou-se e despertou tanto interesse que se tornou o principal assunto em todas as partes da cidade e da região vizinha. Os comerciantes faziam questão que seus funcionários estivessem presentes nos cultos, providenciando o revezamento no trabalho, que era cumprido em dias alternados. O trabalho foi tão divulgado pela cidade que em todos os locais de confluência do povo — lojas, prédios públicos, bancos, calçadas e nos transportes coletivos — a obra da salvação era o tema das conversas.

Nunca tomei conhecimento das estatísticas das conversões ocorridas em qualquer dos três avivamentos, mas, com certeza foram muitos os convertidos em cada um deles e creio que o maior número de decisões por Cristo ocorreu no terceiro. Muitos dos que haviam resistido à obra do Espírito Santo nos avivamentos anteriores curvaram-se diante de Cristo dessa vez e submeteram-se a Deus. Alguns que violavam abertamente o dia do Senhor e outros que eram publicamente profanos — de fato, todas as classes de pessoas, da mais alta até a mais baixa, da mais rica até a mais pobre — foram visitados pelo poder desse avivamento e levados a Cristo. Continuei durante todo o inverno, vendo o avivamento progredir cada vez mais, até que na primavera, quando o movimento ficou mais forte e a influência divina parecia mais penetrante, apareceu-me um carbúnculo no pescoço que me deixou inativo. Fui obrigado a parar de pregar e a sair da cidade.

Nessa época, a Igreja Congregacional, organizada recentemente, ficou sem pastor. Enquanto eu estava ali e durante o avivamento, o rev. Edwards atuou como pastor dessa igreja. O rev. Shaw era pastor da Segunda Igreja Presbiteriana e o rev. Frank Field Ellinwood era pastor da Quarta Igreja Presbiteriana, da rua Washington.

Já mencionei que a Primeira Igreja Presbiteriana seguia a orientação da Escola Antiga. Seu pastor era o rev. Joshua Hall Mcllvaine. Ele recusou-se a participar na obra e a maioria dos membros de sua igreja, ao que parece, não simpatizava com o avivamento. Mas, um número considerável de pessoas de destaque dessa igreja e vários de seus presbíteros freqüentavam nossas reuniões e interessaram-se profundamente pelo trabalho.

O pastor da Terceira Igreja Presbiteriana, o rev. Hall, também seguia a Escola Antiga e não simpatizava com o avivamento. Os membros de sua igreja, na maior parte, seguiam seu exemplo e mantinham-se longe de nossas reuniões. Alguns deles, no entanto, freqüentavam-nas e foram tocados pelo Espírito Santo.

O dr. Shaw e o rev. Ellinwood entraram de coração e alma no movimento e suas igrejas, além da Igreja Congregacional, foram abençoadas e o número de membros aumentou grandemente.

O rev. Anderson, diretor da Universidade Batista, também participou da obra e, segundo entendi, a maioria dos estudantes da universidade converteu-se na ocasião. Os pastores das duas igrejas batistas participaram do esforço reavivalista e preguei várias vezes em ambas as igrejas.

Tendo morado em Rochester durante muitos anos e participado dos dois avivamentos anteriores, nos quais eu atuara, a sra. Finney tornara-se bem conhecida na cidade. E, no terceiro avivamento, ela aplicou todas as suas energias no trabalho, atuando, como de costume, com grande zelo e sucesso. Como nas vezes anteriores, percebi que o povo de Rochester era semelhante aos bereanos, "pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo" (At 17.11). Muitas das senhoras de Rochester fizeram uso de sua influência para trazerem pessoas de todas as classes aos cultos e a Cristo. Visitavam as lojas e os escritórios comerciais e empregavam todo o seu prestígio para levar os balconistas e demais empregados daqueles estabelecimentos às nossas reuniões. Muitos dos homens que trabalhavam na estrada de ferro também foram levados à conversão. Muitas das tarefas que eram realizadas aos domingos nas ferrovias chegaram a ser suspensas por causa do grande movimento religioso entre os ferroviários.

A bendita obra da graça estendeu-se e aumentou até parecer que a cidade inteira se converteria. Assim, como nos avivamentos anteriores, a obra propagou-se desse epicentro para as cidades e aldeias vizinhas. Foi notável a influência que os avivamentos em Rochester exerceram sobre outros municípios, cidades e aldeias, próximos e distantes.

Os meios empregados para promover esse avivamento foram os mesmos utilizados nos avivamentos anteriores. As mesmas doutrinas foram pregadas. Os mesmos métodos foram empregados e, em todos os aspectos, alcançaram resultados semelhantes aos obtidos nos outros avivamentos. Destacava-se ali, a exemplo dos demais lugares, a atenção zelosa e sincera à Palavra pregada — uma busca inteligente da verdade, tal como é realmente ensinada na Bíblia.

Nunca preguei com tanto prazer quanto em Rochester. As pessoas ali têm alto grau de inteligência e sempre manifestaram sinceridade, seriedade e apreciação pela verdade, muito mais do que presenciei em qualquer outro lugar. Já trabalhei em cidades onde o nível intelectual do povo era tão bom ou até melhor que o do povo de Rochester. Naquelas cidades, porém, as opiniões e os hábitos do povo eram sempre os mesmos. Eram pessoas mais intransigentes, que temiam a aplicação de novos métodos. Na Nova Inglaterra, encontrei um nível alto de educação, mas também deparei com uma timidez, uma inflexibilidade, uma formalidade e um modo tão estereotipado de realizar as coisas que a operação do Espírito Santo não teve a mesma liberdade e poder que em Rochester. Nos três grandes avivamentos em Rochesrer, sempre achei marcante a forma em que se desenrolavam, diferente de tudo que presenciei na Nova Inglaterra.

Quando trabalhei no avivamento em Hartford, fui visitado por um ministro da região central do estado de Nova York, que presenciara os avivamentos gloriosos naquela região. Ele compareceu a algumas de nossas reuniões, para conhecer o trabalho e observar o progresso da obra. Nada comentei com ele a respeito da formalidade das reuniões de oração nem da relutância dos crentes no emprego de novos métodos, mas ele me disse: "Irmão Finney, suas mãos estão amarradas. O irmão está cerceado pelos temores e pela inflexibilidade deste povo. Até mesmo o Espírito Santo eles colocaram numa camisa de força!" Essa foi uma declaração forte e para alguns talvez pareça irreverente e profana, mas, não era essa a intenção do ministro. Ele era um homem piedoso, sincero e humilde diante de Jesus Cristo e expressou exatamente o que viu e sentiu — e que eu também vira e sentira: a obra do Espírito Santo estava sendo refreada pelo preconceito, pelos temores e pela sabedoria carnal da congregação. Em Rochester, quase não presenciei essas coisas.

Preciso dizer que, em minha opinião, o povo da Nova Inglaterra não tem a mínima consciência das limitações que impõe à obra do Espírito Santo, no que diz respeito à salvação das almas. Não conseguem atribuir o devido valor ao poder e à pureza dos avivamentos que ocorrem nos locais onde não existem temores, preconceitos, restrições e sabedoria carnal. A oposição levantada contra os avivamentos nas regiões ocidental e central do estado de Nova York pelo dr. L. Beecher e pelo sr. Nettleton contribuiu muito para desenvolver na Nova Inglaterra uma disposição mental desfavorável aos avivamentos mais puros e poderosos.

Em Rochester, não existe semelhante escravidão. Por isso, os avivamentos ali desenvolvem-se com grande poder, graças à liberdade com a qual o Espírito Santo leva adiante sua obra de amor. O mesmo aplica-se em muitos lugares onde já trabalhei. E nem em Rochester nem em qualquer outro lugar onde houvesse tal liberdade cheguei a ver qualquer tendência ao exagero ou ao fanatismo. Numa comunidade inteligente e educada, os métodos podem ser empregados com liberdade, sem qualquer perigo de desordem.

Na realidade, circulam muitas idéias errôneas quanto ao que se constitui desordem. A maioria das igrejas chama desordem qualquer coisa com a qual não estão acostumadas. Seus métodos estereotipados são considerados ordem inviolável de Deus e qualquer coisa que diferir deles constitui-se desordem e entra em choque com suas idéias preconcebidas. Mas, nada é desordem quando o objetivo é simplesmente atender às necessidades do povo em determinado momento. Na religião, assim como nas demais áreas da vida, o bom senso e o juízo sadio poderão, de tempos em tempos, adaptar criteriosamente os meios aos fins. Os métodos necessários serão sugeridos de modo natural aos que testemunharem o estado das coisas. E, se forem empregados com oração e com cautela, permitirão que o Espírito Santo aja com grande liberdade em todos os corações.

O leitor deve ter notado que fiz apenas ligeira alusão à resistência aberta aos avivamentos, depois do fracasso da oposição levantada pelo dr. Beecher e pelo sr. Nettleton. Os avivamentos eram tão puros e poderosos, tanto naquela época quanto nos períodos subseqüentes, que até os oponentes passaram a sentir reverente temor e a confiança nos avivamentos era quase universal, pois os frutos benditos do Espírito Santo permeavam todas as classes de pessoas.

Já relatei a reação desses oponentes em Auburn e como eles, mais tarde, confessaram seu erro e seu pecado, insistindo em que eu voltasse a trabalhar entre eles. Nos tempos da oposição movida pelo dr. Beecher e pelo sr. Nettleton, muita coisa negativa foi dita e predita a respeito do efeito do avivamento sobre as igrejas e seus membros. Dizia-se que as pessoas ficariam envergonhadas quando se lembrassem de como se haviam comportado e não desejariam mais que tais cenas se repetissem, pelo menos na sua geração. Os oponentes previam reações fortes. Acreditavam que a obra dos evangelistas seria varrida para longe e que os oponentes, dentro e fora das igrejas, triunfariam. Estavam certos, também, de que os ministros e as igrejas envolvidas no avivamento ficariam envergonhados e com medo de repetir a experiência.

Passados quarenta anos desde aqueles avivamentos e aquela oposição, o que se vê hoje? Houve reação esmagadora, sim, que agora fica manifesta a todos. No entanto, ela tomou o caminho inverso do previsto por aquelas pessoas, isto é, mostrou-se favorável ao avivamento e contrário à oposição. Todos ficaram convictos de que o trabalho dos obreiros que lideravam os avivamentos era totalmente racional, bíblico e abençoado por Deus e que a oposição comportara-se de maneira insensata, injusta e anticristã.

Apesar dos grandes esforços da oposição para justificarem suas atitudes, o veredicto das igrejas foi quase unânime a favor dos avivamentos e contra a oposição. Tanto é que há muitos anos não vejo oposição aberta aos avivamentos, senão em mínima intensidade. Descobri que nem mesmo os descrentes confiavam em nossos antagonistas. Reação! Sim, tem havido reação, de fato, só que contra os oponentes — de modo que hoje ministro algum ousaria dar qualquer apoio aos homens que lideraram a oposição.

E onde fica o cumprimento da previsão de que os ministros e as igrejas teriam vergonha dos avivamentos e não desejariam mais repetir a experiência? O que aconteceu foi justamente o oposto. Bem-aventurados os ministros e rebanhos que não têm motivo para se envergonharem, a exemplo dos líderes dos avivamentos que desempenharam seu papel naquela obra bendita da graça! Deus e a história manterão a dignidade daqueles avivamentos e os resultados desde já os justificam plenamente e confundem os oponentes. Todo louvor e toda glória sejam dados a Deus, para todo o sempre e que o homem se prostre diante dele!

 

CAPÍTULO XXXIII

 AVIVAMENTO EM BOSTON EM 1856, 1857 e 1858

No outono seguinte, aceitamos o convite para trabalhar outra vez em Boston. Iniciamos nossas atividades na rua Park e o Espírito de Deus manifestou imediatamente sua disposição para salvar almas. O primeiro sermão que preguei visava esquadrinhar a igreja — eu sempre começava uma obra tentando despertar o interesse geral, a fim de difundi-la entre os que já professavam a fé. Tentava, com isso, recuperar os desviados e esclarecer os que se enganavam a si mesmos, de modo a trazê-los de volta a Cristo, se possível. Depois que o povo foi embora, o pastor, ainda de pé do meu lado no púlpito, declarou: "Irmão Finney, quero que o irmão saiba que preciso dessa pregação tanto quanto qualquer membro desta igreja. Há muito tempo que estou insatisfeito com meu estado espiritual e mandei buscá-lo para meu próprio bem e pelo bem de minha alma, não somente por amor às almas de meu rebanho".

À medida que a obra prosseguia, o pastor experimentava uma convicção cada vez mais profunda. Certo dia, mandou-me um recado em meu aposento: queria que eu fosse ao seu gabinete para conversarmos. Ele confessou-me que achava ter-se enganado quanto à própria conversão. Quando estava na faculdade, experimentara uma mudança e fora levado a acreditar que era a conversão, mas, agora estava convencido de que se enganara totalmente: nunca se convertera, de fato; e agora queria receber de mim a mesma orientação que eu dava a qualquer outra pessoa em sua situação. Tivemos uma conversa prolongada e muito proveitosa. Achei notável a maneira como expressava sua convicção de pecado. Pareceu-me, então, que ele havia entregue seu coração a Deus.

Naquela noite, houve uma reunião de oração e de testemunhos numa das dependências da igreja e o pastor, segundo me informaram, relatou sua experiência aos presentes, declarando que se convertera naquele dia. Contaram-me, também, que no domingo seguinte durante seu sermão, repetiu o testemunho. Isso causou profunda impressão nos membros da igreja e em toda a cidade. Alguns pastores, porém, achavam que não fora muito prudente tornar pública aquela confissão. Mas, eu não pensava assim. Era com certeza a melhor coisa que ele poderia ter feitor a favor da salvação de seu rebanho. Sua confissão levou cada um daqueles crentes a um profundo exame do próprio coração.

A obra progrediu bastante naquele inverno em Boston e ocorreram muitos casos notáveis de conversão. Trabalhamos ali até a primavera, até que tivemos de voltar às nossas atividades em Oberlin. Ficou claro, porém, que a obra naquela cidade não havia chegado ao fim e partimos de lá com a promessa de que, se o Senhor permitisse, voltaríamos a trabalhar ali no ano seguinte. E, no outono, voltamos a Boston. Nesse ínterim, o irmão Kirk havia escrito alguns artigos, publicados no Congregacionalist, nos quais opunha-se ao nosso regresso à cidade. Ele considerava minha teologia heterodoxa, principalmente quanto à santificação.

No inverno anterior, enquanto atuei ali, ele estava em Paris. Quando ele voltou para Boston e descobriu que meu retorno era esperado para o outono seguinte, esforçou-se para impedi-lo por meio de seus artigos. Entretanto, seu propósito não foi alcançado. Mesmo assim, sentimos de imediato que havia algum desentendimento entre os crentes. Alguns dos membros de maior destaque da igreja do irmão Kirk, que no inverno anterior haviam-se envolvido de coração na obra, tornaram-se arredios e nem chegaram perto de nossas reuniões. Ficou claro que a influência dele era considerável na cidade e sua oposição à obra deixou muito tristes alguns bons membros de seu rebanho.

Essas coisas aconteceram no inverno de 1857 e 1858, período em que prevaleceu um grande avivamento por todos os estados do Norte. Esse movimento espiritual passou tão impetuosamente pela região que, segundo as estimativas, durante algum tempo, ocorriam nada menos que 50 mil conversões por semana. Esse avivamento tinha características notavelmente interessantes. Foi levado adiante, em grande medida, por meio de trabalho leigo, de tal maneira que os ministros ficaram quase eclipsados.

Vários anos antes desse avivamento, havia uma reunião diária de oração em Boston e no outono anterior à grande explosão espiritual outra reunião foi estabelecida na rua Fulton, em Nova York e ainda é mantida hoje.

As reuniões diárias de oração foram estabelecidas de ponta a ponta no Norte, nos estados considerados o bloco de liberdade dos escravos. Lembro-me de que, naquele inverno, em uma de nossas reuniões, em Boston, um senhor colocou-se de pé e declarou: "Venho de Omaha, capital do Nebraska. Ao longo de minha viagem para o Leste, descobri que havia reuniões de oração por todo o caminho. Calculamos a distância entre Omaha e Boston em cerca de 3.200 quilômetros. Isso quer dizer as orações na região se estendem por 3.200 quilômetros!"

Como já dei a entender, em Boston tivemos de lutar contra a dissensão, que influenciara negativamente o interesse pela fé, tornando-o grandemente reduzido, se comparado à condição em que deixamos a cidade na primavera anterior. No entanto, a obra continuou a crescer. Em meio a essas circunstâncias, ficou evidente que o Senhor pretendia fazer uma obra completa em Boston. Sugeriram uma reunião de oração para os comerciantes, ao meio-dia, na capela da Igreja Old South, que estava localizada numa região bem central, favorecendo a freqüência dos homens de negócios. O amigo cristão que nos hospedava conseguiu licença para usar o local e encarregou-se de divulgar a reunião. Contudo, era duvidoso que, na época, uma reunião desse teor lograsse êxito numa cidade como Boston. No entanto, o referido irmão convocou a reunião e, para surpresa de todos, o local não somente ficou superlotado, como também uma multidão de pessoas ficou do lado de fora por não haver espaço do lado de dentro. A reunião era realizada dia após dia, com resultados maravilhosos. Desde o início, o local mostrou-se pequeno demais para o número de fiéis. Por isso, outras reuniões foram estabelecidas, em outras partes da cidade.

A sra. Finney dirigia reuniões diárias de oração para as senhoras, numa grande sala da rua Park. Eram reuniões tão concorridas que as senhoras superlotavam o lugar e um grande grupo ficava de pé do lado de fora da sala, também, tentando escutar o que se passava lá dentro. Uma de nossas reuniões diárias era realizada na igreja da rua Park, que ficava sempre cheia. Isso ocorria em muitas outras reuniões de oração realizadas por toda a cidade. Parecia haver um quebrantamento em massa. O avivamento tornou-se abrangente demais para que fosse possível manter o registro de todas as conversões ou mesmo para que fizéssemos uma estimativa próxima da realidade. Todas as classes de pessoas, em todos os lugares, eram atraídas ao movimento. Muitos unitaristas também freqüentavam nossos cultos.

Esse avivamento desenrolou-se tão recentemente que não preciso entrar em detalhes. Ele estendeu-se por quase todas as partes dos estados do Norte. Uma influência divina parecia permear a região inteira. Nos estados do Sul, porém, era como se a escravatura tivesse excluído dali essa influência. Eles estavam tão presos pela vergonha e pelo compromisso com sua instituição de escravatura — atacada por todos os lados — que o Espírito de Deus, entristecido, seguramente afastou-se deles. Parecia que, naquele tempo, não havia lugar para ele no coração do povo do Sul.

Durante esse avivamento, estimou-se que nada menos de 500 mil almas se converteram nos estados do Norte. Estendia-se através de nossos povoados até as fronteiras com o Oeste e até o extremo Leste, no litoral do Atlântico. Como já disse, isso deveu-se em grande medida às reuniões de oração, à visitação e às conversas pessoais, além da distribuição de panfletos e dos esforços dinâmicos dos leigos, homens e mulheres. Que eu saiba, em nenhum lugar os pastores levantaram oposição ao avivamento. Acredito que, de maneira geral, simpatizavam com a obra. Havia tal confiança na excelência da oração que o povo dava a impressão de preferir as reuniões de oração às de pregação. A impressão geral parecia ser: "Já recebemos instrução até o ponto de nos sentirmos fortalecidos e, agora, chegou a hora de orar". As respostas às orações eram constantes e notáveis e atraíam a atenção do povo de toda a região. Ficou evidente que, como resposta à oração, as janelas do céu foram abertas e o Espírito de Deus foi derramado como uma inundação.

Lembro-me distintamente de que, ao orar por Boston, senti-me levado a tomar posse daquele tipo de promessa segundo a qual Deus promete abrir as janelas do céu e derramar seu Espírito como aguaceiro sobre o povo e como chuvas que regam a terra. Estava claro, para mim, que o avivamento seria segundo a fé do povo de Deus e que, se lançassem mão das mais amplas promessas divinas, receberiam bênçãos sem paralelo. Naquele tempo, o New York Tribune publicou várias edições extras cheias de relatos do progresso do avivamento em regiões diferentes dos Estados Unidos.

Na época em que se deu esse avivamento, ocorreu um fato relacionado com Theodore Parker, ilustre pastor que dirigia cultos no grande salão de Boston e cujos conceitos teológicos são tão bem compreendidos que, sobre eles, não é preciso entrar em pormenores. Naquele inverno, muitos crentes fiéis mostraram-se preocupados com a má influência que ele exercia em Boston e passaram a orar intensamente a favor dele. Eu mesmo fui visitá-lo duas vezes, na esperança de poder conversar com ele. Nas duas ocasiões, porém, ele recusou receber-me — por motivos de saúde, segundo o que me foi dito. Mas, o espírito de oração a favor dele parecia aumentar e tomou o seguinte rumo: que o Senhor o convertesse, se isso fosse de sua vontade; e, se fosse outra a vontade divina, que de alguma forma sua má influência não tivesse grande alcance. A mente do povo de Deus estava tão voltada para a questão que vários homens combinaram uma reunião em determinado lugar para apresentarem o problema a Deus.

Narro os fatos conforme me foram contados por um dos homens presentes na reunião. Logo que ela foi iniciada, convocaram um irmão para dirigir as orações e ele foi inspirado a orar de maneira notável — expôs o assunto tão minuciosamente a Deus e com tal sentimento que todos, como um só coração e uma só alma, deixaram o problema inteiramente aos pés do Senhor. Aquele irmão parecia ter sido inspirado para dizer as coisas certas, da maneira correta e com os sentimentos adequados. Todos tinham a impressão de que sua oração seria atendida, tanto que, depois que ele acabou de orar, ninguém tinha mais uma palavra para dizer. Todos sentiam que haviam orado o suficiente e que a resposta estaria assegurada, não sendo necessárias mais orações. Assim, ninguém mais se sentiu impulsionado a apresentar diante de Deus qualquer outra petição a respeito do assunto.

De algum modo, o sr. Parker veio a tomar conhecimento dessa reunião e criticou-a com veemência, verbalmente e também por escrito, se não me engano. Pouco tempo depois, uma enfermidade tirou-o da vida ativa. Ele ficou impossibilitado de pregar, foi para a Europa, a fim de recuperar a sua saúde e ali morreu. Assim, a má influência de sua pregação acabou-se para sempre, excetuando-se a de seus conceitos teológicos, que poderia influenciar gerações futuras.

Já afirmei que, nesse avivamento, houve alguns casos notáveis de conversão. Certo dia, recebi uma carta anônima escrita por uma senhora, que me pedia conselhos sobre o estado de sua alma. Eu não costumava dar importância a cartas anônimas. No entanto, o estilo da caligrafia, o talento revelado na carta e a sinceridade inconfundível de quem a escrevera levaram-me a dar àquela carta a atenção que eu não costumava dispensar a esse tipo de correspondência. Na conclusão, aquela senhora pedia-me que eu respondesse e que endereçasse minha resposta à sra. M., deixando-a com o zelador da igreja onde eu pregaria naquela noite. Assim, ela receberia a carta.

Na época, eu dividia meu tempo entre as igrejas, pregando numa igreja diferente cada noite. Respondi à carta. Expliquei àquela irmã que eu não podia dar-lhe os conselhos que pedia, por não conhecer suficientemente bem sua história nem o verdadeiro estado de sua mente. Mas, declarei que tomaria a liberdade de chamar a atenção para um só fato, bem evidente, não somente em sua carta, como também no fato de ela não revelar seu nome: ela era uma mulher muito orgulhosa e precisava atentar para essa realidade. Atendendo ao seu pedido, deixei minha resposta com o zelador e, na manhã seguinte, uma senhora veio visitar-me. Logo que ficamos a sós na sala, ela revelou-me ser a autora da carta. Viera dizer-me que eu me enganara ao considerá-la orgulhosa. Declarou que estava bem longe disso, mas, como membro da Igreja Episcopal, não queria envergonhar a denominação dando a entender que não era convertida. Respondi: "Foi orgulho denominacional, então, que a impediu de revelar seu nome". Com isso, ela ficou tão ofendida que se levantou e, denotando muita raiva, saiu da sala. Imaginei que jamais a veria outra vez. Naquela noite, contudo, deparei com ela na reunião para os interessados.

Durante esse avivamento, desenvolvi o hábito de reunir os interessados em uma das dependências do templo, a qual geralmente ficava repleta, excedendo o número de assentos. Eu costumava circular entre eles e trocar umas poucas palavras com alguns, a fim de poder ensinar ao grupo as verdades que eu percebia necessárias. Na reunião a que me refiro, notei a presença daquela senhora ao passar no meio do povo. Obviamente, ela era mulher de escolaridade e educação primorosas e dava mostras de pertencer à alta classe da sociedade. Até aquele momento, eu não sabia seu nome, pois a conversa que mantivemos pela manhã não durara mais que um ou dois minutos, antes de ela, ofendida, sair da sala. Ao notar sua presença, exclamei em voz baixa:

— Então a senhora está aqui!

— Sim — ela respondeu. E curvou a cabeça, muito emocionada. Mantive uma conversa curta e amável com ela e foi só. Naquelas reuniões, eu sempre insistia na necessidade da submissão imediata a Cristo e colocava o povo face a face com esse dever. Então, eu convidava a ajoelharem-se todos quantos estavam dispostos a entregarem-se incondicionalmente a Cristo. Naquela noite, observei que, após o apelo, aquela senhora foi uma das primeiras a ajoelharem-se.

Bem cedo, na manhã seguinte, ela visitou-me outra vez. Logo que nos encontramos a sós, abriu a mente diante de mim e disse: "Percebo, sr. Finney, que tenho sido muito orgulhosa. Vim contar-lhe quem sou e narrar minha história, a fim de que o irmão saiba como aconselhar-me". Conforme eu imaginara, ela era uma mulher da alta sociedade, casada com um homem rico e cético. Ela já professara a fé, mas, na realidade, não se havia convertido. Foi muito sincera comigo e abriu a mente de maneira muito cordial à instrução. Creio que, ali mesmo, ou pouco depois, expressou sua esperança em Cristo e tornou-se uma crente muito zelosa.

Ela escrevia com habilidade e, sem utilizar a taquigrafia, transcrevia meus sermões da maneira mais completa que qualquer outra pessoa já conseguira. Sentava-se durante o culto e registrava o que eu dizia com tanta rapidez e com uma exatidão que me deixaram atônito. Ela enviava cópias de suas anotações a um grande número de amigas e fazia a máximo pela conversão delas, em Boston e em outros lugares. A partir de então, mantivemos larga correspondência. Continuou a manifestar a mesma sinceridade e zelo na fé que demonstrara na época. Sempre se dedicou às boas obras e trabalha com zelo a favor dos pobres e de todos os que precisavam da sua instrução, simpatia e ajuda. Já passou por muitas lutas espirituais, pois está cercada de grandes tentações mundanas. Mas, confio que ela sempre será um adorno para a causa de Cristo.

Naquele avivamento, conversei com muitas pessoas das classes mais altas de Boston, especialmente os que freqüentavam os cultos episcopais. Suponho que nunca poderemos ter, neste mundo, a mínima idéia de quantos, na época, foram alcançados pela salvação. O interesse espiritual era tão generalizado naquela grande cidade quanto em qualquer outro avivamento que eu tenha presenciado e de que me recorde. Se eu utilizasse este espaço para relatar 10% — ou mesmo 5% — dos casos interessantes que testemunhei, uma descrição apropriada deles ocuparia um volume considerável. O avivamento estendeu-se desde Boston até Charlestown e Chelsea. Resumindo: propagou-se por todas as direções. Preguei em East Boston e em Charlestown e, durante um período considerável, em Chelsea, onde o avivamento tornou-se muito generalizado e produtivo.

Continuamos a empenhar esforços em Boston naquele inverno, até chegar a hora de voltar ao trabalho em Oberlin, na primavera. Quando saímos de Boston, a obra estava em pleno desenvolvimento, sem aparentar o mínimo arrefecimento. A igreja e o ministério nesse país ficaram tão amplamente envolvidos na promoção do avivamento e tão grande era a bênção divina que acompanhava os esforços dos leigos e ministros que resolvi passar outro período em Inglaterra, para ver se a mesma influência permearia aquele país. Irmãos de todas as denominações evangélicas estavam envolvidos de modo tão ativo na obra que foi possível para a sra. Finney e eu, já muito exaustos, sair de Boston e passar um período com o irmão dela, em Brooklyn, onde permanecemos por uma ou duas semanas. Passamos, então, a trabalhar em Oberlin com sucesso e, no outono seguinte, fomos a Inglaterra.

 

 

CAPÍTULO XXXIV

 

 Atividades na Inglaterra, até 1860

 

Durante minha ausência da Inglaterra, um novo pastor fora empossado no Tabernáculo sobre a congregação do dr. Campbell e uma nova ordem fora estabelecida. Problemas surgiram e levaram a maioria dos convertidos no avivamento a procurar outras igrejas. Antes de falar sobre o trabalho realizado por mim nessa segunda visita àquele país, preciso destacar a oposição que sofri em minha primeira visita e que ainda não mencionei.

Já falei das cartas recebidas por John Angell James quando eu estava em Birmingham, provenientes de ambos os lados do Atlântico. Quando cheguei a Londres, as cartas eram dirigidas ao dr. Campbell, mas já que todas, ou quase todas, eram anônimas, ele não quis tomar conhecimento de seu conteúdo. Tão logo percebia que eram anônimas e diziam respeito à minha pessoa, ele as entregava a mim e não as lia a não ser que eu insistisse nisso. Eu percebia que a única coisa que aquelas cartas provocavam no dr. Campbell era indignação.

Pouco tempo antes de eu me despedir dele, no entanto, o dr. Campbell recebeu um exemplar do The Presbyterian [O presbiteriano], que na época era publicado em Filadélfia e editado, conforme fiquei sabendo posteriormente, pelo sr. Prime, mais tarde editor do New York Observer. O artigo tinha a intenção de advertir as igrejas britânicas contra minha pessoa e minha influência. Entre outras críticas severas, o escritor dizia que, tanto quanto esperava ser salvo e se dispunha a responder pelas suas palavras no sagrado julgamento, precisava dizer que nenhum homem, vivo ou morto, fizera tanta coisa para lesar a causa dos avivamentos quanto eu e que as igrejas onde eu atuara haviam chorado lágrimas de sangue por causa da desolação resultante desses movimentos. Cito as palavras dele com tanta exatidão quanto delas me lembro.

Que eu saiba, isso só fez irritar o dr. Campbell. Contudo, escrevi uma carta ao editor do New York Evangelist, pedindo informações sobre o editor do The Presbyterian. Perguntei onde estavam as igrejas que haviam vertido lágrimas de sangue por causa dos avivamentos e que provas ele tinha de semelhante coisa. Apelei, então, a todas as igrejas e irmãos entre os quais trabalhara para que, caso soubessem da existência de algum resultado negativo provocado por algum avivamento, escrevessem e deixassem os fatos conhecidos no mundo inteiro. Afirmei não ter conhecimento de nenhum efeito negativo, em nenhum lugar onde atuara. Fiz um apelo tão forte quanto pude a todas as igrejas e ministros para me informarem se sabiam alguma coisa a respeito daquelas acusações. Não pedi que ninguém falasse a meu favor. Mas, se soubessem algo contra mim ou contra os resultados de minhas atividades, que o revelassem, pois eu mesmo nada sabia disso.

Enderecei a carta ao irmão Joshua Leavitt, editor do New York Evangelist e fiquei aguardando sem receber resposta. Ele não publicou a carta e eu não compreendia por quê. Isso aconteceu pouco antes de eu partir de Londres e voltar para casa. Por isso, a resposta não chegou tão rapidamente quanto eu esperava. Quando cheguei a Nova York, porém, descobri que a carta fora publicada e recebera várias respostas de irmãos entre os quais eu trabalhara. Tudo isso passou-se durante minha viagem de Londres a Nova York. Quando perguntei ao irmão Leavitt por que a carta não havia sido publicada antes, ele informou-me que a recebera imediatamente antes de partir em viagem e que, por engano, a colocara no bolso, em vez de deixá-la no escritório para ser publicada. Desse modo, ela só recebeu atenção depois de sua volta, quando ele a encontrou por acaso no bolso e mandou publicá-la imediatamente.

Embora eu já tivesse retornado ao país, somente duas ou três cartas haviam sido escritas por amigos meus deste lado do Atlântico e elas foram publicadas. Eles supunham que, depois de minha volta aos Estados Unidos, não havia mais motivo para escrever outras cartas. Embora tivessem intenção de fazê-lo, não o fizeram mais. Não sei dizer como o sr. Prime desenvolveu semelhante conceito a respeito dos avivamentos. Creio que, a exemplo do sr. Nettleton e do dr. Beecher, ele tenha recebido informações negativas sobre os trabalhos.

Em nossa segunda visita à Inglaterra, desembarcamos em Liverpool. De lá, fomos para Houghton, Huntingdonshire, para a casa de meu bom amigo Potto Brown. Quando chegamos, ele não estava em casa. Havia saído à nossa procura. Eu escrevera-lhe dois ou três dias antes de partirmos de Nova York, avisando que pretendíamos viajar no transatlântico Pérsia. Chegamos a Liverpool no sábado pela manhã e passamos o domingo com o irmão Daniel James, que antes vivia em Nova York. Era, para mim, um velho amigo, a toda prova. O irmão Brown havia saído de casa na esperança de chegar a Liverpool a tempo de receber-nos no cais. Mas, já havíamos desembarcado e ido para a casa do irmão James, de modo que o irmão Brown desencontrou-se de nós.

Ele estava de carruagem e percorreu os principais hotéis à nossa procura. Foi até o navio para tentar descobrir nosso paradeiro, mas, ninguém pôde informá-lo com precisão. Ele, então, concluiu que havíamos ido para Londres e partiu imediatamente para lá. Quando percebeu que não nos encontrávamos ali, voltou para casa, chegando a Houghton na mesma tarde que nós. O irmão Brown passara dois ou três dias procurando-nos, quase 24 horas por dia. Seu objetivo era convencer-nos a permanecer em Houghton algum tempo e a trabalhar ali antes de assumir compromisso em qualquer outro campo.

Imediatamente depois de chegar, passei a receber cartas de várias partes da Inglaterra, que expressavam grande júbilo por nosso regresso e convidavam-nos a trabalhar em muitos lugares. Entretanto, gastei várias semanas na obra em Houghton e Saint Ives, onde o avivamento foi poderoso. Saint Ives nunca experimentara um avivamento. Quanto a Houghton, já relatei o trabalho que realizamos durante nossa primeira visita à Inglaterra, quando participamos de uma obra da graça que inspirou a todos.

Na ocasião, achamos Saint Ives numa situação muito curiosa. Existia apenas uma igreja independente e seu pastor, embora trabalhasse ali havia muitos anos, não conseguira fazer muita coisa em seu ministério. Era um homem estranho. Gostava muito de vinho e opunha-se à temperança. Realizamos nossas reuniões de avivamento em Saint Ives num auditório que tinha assentos para acomodar muito mais pessoas que o templo da Igreja Congregacional. Mesmo assim, às vezes pregava nessa igreja. Mas, por se tratar de um templo muito pequeno e desconfortável, era menos atraente que o salão de conferências.

Em Houghton, o avivamento produziu efeitos poderosos, a despeito da posição adotada pelo ministro Congregacional. Ele mostrou-se resistente à obra, mas, o interesse do povo era tanto que o ministro ausentou-se da cidade por várias semanas. Não sei para onde ele foi. Posteriormente, fiquei sabendo que os convertidos durante o avivamento, juntamente com meu amigo Brown e alguns dos membros mais antigos da igreja, levantaram uma capela magnífica naquela cidade. E a situação espiritual mudou radicalmente.

Já mencionei que um novo pastor ocupava o lugar do dr. Campbell no Tabernáculo, em Londres. Por algum motivo, esse ministro alimentava fortíssimo preconceito contra mim e não me convidou para pregar ao seu rebanho. Fiz menção, também, de que o irmão James Harcourt era pastor em Houghton por ocasião do primeiro avivamento, que não apenas o fizera sentir-se reavivado, como também lhe trouxera novas idéias para continuar a obra. O pastor Harcourt permaneceu em Houghton uns dois ou três anos depois de eu partir da cidade e foi chamado para trabalhar num campo bem mais amplo — acredito que em Luton. Ali, ele envolveu-se com firmeza no trabalho e experimentou um poderoso avivamento em seu ministério. Logo, tratou de construir uma congregação bem grande e tornou-se muito conhecido. Isso levou-o a sentir-se chamado para Londres, para a capela da Borough Road. Foi aí que o encontrei outra vez, em minha segunda visita à Inglaterra.

Ele estava aguardando ansiosamente nossa volta àquele país e logo que ficou sabendo de nossa chegada esforçou-se ao máximo para conseguir que trabalhássemos com ele em Londres. A igreja que presidia fora desfeita por causa de opiniões exageradas e fanáticas no que se referia à temperança. Tinham tido um pastor amoroso, cujo coração quase se partira diante das rixas que a questão fizera surgir entre os membros. Assim, ele abandonou a igreja, desanimado. Os diáconos foram forçados a entregar o cargo e a igreja vivia sob completa desorganização — ou, segundo a expressão norte-americana, sob total desmoralização. O irmão Harcourt chegou a Saint Ives e informou-me que, a não ser que fosse possível levar aquela igreja à conversão, ele tinha a certeza de que não conseguiria realizar muita coisa naquele campo.

Logo que deixamos a obra em Saint Ives, fomos a Londres ver o que podia ser feito com a igreja do irmão Harcourt. Descobrimos que, exatamente como o pastor havia descrito, o estado dos membros era tão deplorável que era difícil acreditar que aquela igreja um dia pudesse ter vida outra vez. No entanto, pusemos mão à obra. Minha mulher pôs-se a trabalhar entre as senhoras da congregação e eu dediquei-me à pregação e ao mesmo tempo procurava conhecer melhor os membros. Em pouco tempo, percebeu-se que o Espírito de Deus fora derramado e que os crentes em geral sentiram grande convicção de pecado. A obra aprofundou-se e disseminou-se a ponto de alcançar todos os lares vinculados àquela congregação. Todos os membros antigos da igreja tiveram o coração esquadrinhado. Faziam confissões uns aos outros e os desentendimentos entre eles foram desfeitos.

O irmão Harcourt contou-me, antes de minha partida, que tinha agora uma igreja inteiramente nova. Os membros haviam sido de tal maneira renovados que se podia dizer que eram outro povo. A bênção de Deus fora derramada entre eles, de modo que as antigas animosidades foram resolvidas e o irmão Harcourt foi assim consolado. Realmente, os trabalhos ali foram maravilhosos. Durante semanas, direcionei meus esforços aos próprios membros da igreja. O irmão Harcourt havia orado e trabalhado por eles até quase desanimar. Mas, a bênção chegou com tamanha plenitude que os anseios de seu coração foram todos satisfeitos. Seu rebanho converteu-se de novo, todos ligados entre si em mútuo amor e aprenderam a entregarem-se de corpo e alma à obra do Senhor.

Alguns anos depois de minha volta a Oberlin, o irmão Harcourt veio visitar-nos. Isso foi pouco tempo depois da morte de minha mulher. Ele havia trabalhado excessivamente e foi obrigado a tirar longas férias da igreja. Nessa viagem de descanso, visitou os Estados Unidos. Foi então que me contou que a obra continuara em sua igreja até aquele tempo. Seu rebanho achava que se não houvesse várias conversões todas as semanas alguma coisa estava errada. Ficavam assustados se a obra não avançava de modo perceptível e constante. Os membros o apoiavam com firmeza e ele sentia-se todos os domingos no meio de uma atmosfera de oração. Realmente, o relatório que deu dos resultados daquele avivamento, até a data de sua partida, era profundamente interessante. Considerando o que a igreja havia sido e o que veio a ser depois do avivamento, não é de estranhar que o coração do irmão Harcourt estivesse transbordando de gratidão a Deus por tamanha bênção.

A exemplo do que acontecera na igreja do dr. Campbell, grandes iniqüidades, encobertas havia longo tempo entre os crentes professos, foram reveladas. Os casos eram freqüentemente submetidos à minha atenção por pessoas que vinham pedir-me conselhos. Isso acontecia não apenas entre os que professavam a fé, mas também havia muitos não-crentes convictos de pecado. Eram revelados pecados terríveis, que freqüentemente ultrapassavam tudo que se pudesse suspeitar.

Eram numerosas as conversões na igreja do irmão Harcourt. Refiro-me, naturalmente, às pessoas que compareciam aos cultos, pois acredito que antes de minha chegada o número de pecadores reconhecidamente convertidos era muito pequeno. Mas, o templo encheu-se imediatamente e começou a ser ocupado até sua máxima capacidade e isso tão logo nossos cultos começaram. Não sei e nunca saberei neste mundo quantas conversões ocorreram ali, embora tenham-se multiplicado depois que a igreja aderiu à obra.

Pouco depois de eu iniciar minhas atividades em Londres, nessa ocasião, o dr. Tregelles, distinguido homem de literatura e teólogo professo, escreveu ao dr. Campbell, chamando sua atenção para algo que considerava um grave erro em meus conceitos teológicos. Ao tratar das condições da salvação, eu escrevera em minha Teologia sistemática que a expiação por Cristo era uma dessas condições. A declaração era que o alicerce ou a origem de nossa salvação era o amor de Deus — o amor infinito de Deus era o alicerce ou a origem do processo de salvação em sua totalidade, mas as condições para sermos salvos eram a expiação de Cristo, a fé, o arrependimento, a santificação etc. A essa declaração, o dr. Tregelles levantou fortes objeções.

É estranho que, em vez de consultar minha Teologia sistemática e ver exatamente o que escrevi, o dr. Campbell preferiu dar crédito às objeções do dr. Tregelles e concordou com ele, além de escrever vários artigos contrários ao que ele supunha serem minhas opiniões. Em minha obra, estava explicado o que eu queria dizer com o alicerce no qual repousava nossa salvação e que o amor era a fonte da qual procedia todo o processo redentor. O dr. Campbell não recorreu à minha Teologia sistemática para verificar se aquela declaração partira de mim mesmo, nem o dr. Tregelles teve esse cuidado. Os dois deturparam de modo estranho minha posição e levantaram em Inglaterra bastante oposição ao meu trabalho. Depois disso, porém, pelo que me pareceu, o dr. Campbell não teve mais a mínima dúvida quanto à minha ortodoxia.

O dr. Redford insistia em apregoar que minhas declarações eram corretas e que qualquer afirmativa diferente estava longe de ser exata. No entanto, ignorei as críticas do dr. Campbell. Elas prejudicavam mais a ele que a mim. Naquele tempo, eu não atuava em sua congregação e grande número dos que leram suas críticas às minhas opiniões teológicas imputaram-lhe, talvez incorretamente, outros motivos que não o zelo pela ortodoxia.

Posteriormente, ele escreveu-me uma carta — que ainda está em meu poder — na qual apoiava plenamente minha posição ortodoxa e minhas opiniões, mas dizia que, infelizmente, os conceitos que eu expunha em minha Teologia sistemática não podiam ser entendidos pelas pessoas comuns. A verdade é que muitos os entendiam melhor que o próprio dr. Campbell. Ele havia sido educado na Escócia e era, segundo a escola mais rígida, um teólogo escocês. Conseqüentemente, minhas declarações doutrinárias segundo a Escola Nova deixaram-no perplexo e demorou algum tempo até que ele conseguisse absorvê-las. Quando comecei a pregar em seu púlpito, ele observou: "Irmão Finney, o irmão censura demasiadamente os ouvintes. Não adianta. Limite-se a fazer suas declarações. Não adianta arrazoar com eles, porque não vão entender". Respondi-lhe que eles me entenderiam e que ele acabaria constatando isso. A verdade é que sua teologia era, em grande medida, dogmática. E era assim em toda a Inglaterra, quando lá cheguei pela primeira vez.

Como todos sabem, eles haviam rompido havia muitos anos com a Igreja Romana. Então, vieram os 39 artigos na igreja estabelecida e a Confissão de fé presbiteriana, considerados autoridade em matéria de fé. Não tinham o hábito de ponderar sobre as posições adotadas nesses "símbolos", conforme eram chamados, mas difundiam-nas como dogmas. Quando comecei a pregar, ficaram surpreendidos porque eu censurava os ouvintes em meus sermões. O dr. Campbell não aprovava isso e insistia em que tal esforço era inútil. Mas, os ouvintes pensavam de modo diferente. Não era incomum eu receber recados com a declaração de que minha censura os havia convencido de coisas das quais sempre haviam duvidado ou que minha pregação era lógica, em vez de dogmática e, por isso, atendia às necessidades do povo. Eu mesmo, antes de converter-me, sentia profundamente a falta de instrução e pregação lógica da parte do púlpito.

O único ministro de verdadeira erudição e capacidade, cujos sermões eu acompanhava, era o irmão Gale. Ele era teólogo de Princeton, porém deixou de satisfazer minhas necessidades intelectuais. Antes de me converter, eu costumava dizer-lhe que ele parecia iniciar o sermão pelo meio, tomando por certo que sabíamos e entendíamos o que não sabíamos nem entendíamos. Assim, sem nunca ter lançado qualquer alicerce em nossa mente, sua mensagem não produzia convicção. Essa experiência sempre exerceu forte influência em minha pregação, pois eu sabia como se sentiam as pessoas que raciocinavam diante de um ministro que tomava por certas coisas que precisavam de comprovação. Por isso, eu sempre me esforçava para atender às necessidades daqueles que demonstravam estar na mesma situação que eu antes de converter-me. Ciente de minhas dificuldades, esforçava-me para atender às necessidades de meus ouvintes.

Contei isso ao dr. Campbell, mas, de início, ele não ficou muito certo de que os ouvintes me compreenderiam ou que apreciariam meu raciocínio. Depois que começou a receber os convertidos e a indagar deles o que haviam aprendido, porém, ele me confessou repetidas vezes sua surpresa ao constatar que eles, de fato, entendiam e aceitavam meus argumentos. "Ora", dizia ele, "são teólogos!" Era muito honesto quanto a isso e confessou-me que suas opiniões a respeito de meus conceitos teológicos estavam equivocadas.

Depois de encerrar minhas atividades na capela da Borough Road, partimos de Londres e voltamos para a casa do irmão Brown, em Houghton. Ali, desfrutamos um período de descanso e meu estado de saúde era tão grave que pensei em voltar para casa. No entanto, após duas ou três semanas de repouso, o dr. Foster, excelente cristão que morava em Huntingdon, insistiu em que fôssemos completar aquele período de descanso em sua casa, pois talvez, como médico, pudesse fazer alguma coisa por mim. Respondi-lhe que eu não tomava remédios, mas, ele achava que podia ajudar-me através de simples trabalho de enfermagem. Assim, aceitamos seu convite e fomos para sua casa.

Ele tinha uma família de oito filhos e nenhum deles era convertido. O filho mais velho também era médico, jovem notavelmente inteligente, no sentido inglês do termo. Era jovem de talentos notáveis, mas de acentuado ceticismo. Abraçara a filosofia de Comte e acomodara-se às opiniões mais extremadas do ateísmo ou, melhor dizendo, do nulismo. Parecia não acreditar em coisa alguma. Abraçara aquela forma de filosofia que põe abaixo todas as coisas e chega à conclusão de que nem a própria existência é real: tudo que parece existir é mera ilusão e essa ilusão é nada. O jovem era muito afetuoso, mas, seu ceticismo magoava profundamente o pai que passou a sentir um anseio inexprimível pela sua conversão. Antes de eu hospedar-me naquela casa, o dr. Foster fizera-me um relato das convicções religiosas do filho. Então, fiquei aguardando uma oportunidade para alcançar aquele jovem e, se possível, acabar com seu ceticismo.

Depois de passar duas ou três semanas na casa do médico, minha saúde melhorou o suficiente para que eu voltasse a pregar. Nunca houvera um avivamento em Huntingdon e o povo não fazia a mínima idéia do que viria a ser esse movimento. Para nossas reuniões, passamos a ocupar o chamado "salão da Temperança", o único de tamanho grande na cidade. Estava sempre lotado e o Espírito do Senhor não demorou a ser derramado sobre os presentes. Logo encontrei oportunidade para conversar com o jovem dr. Foster. Consegui persuadi-lo a dar umas longas caminhadas comigo e sondei profundamente suas opiniões. Pela graça de Deus, consegui esgotar seus argumentos. Ele percebeu que gastara toda a sua filosofia e que todos os alicerces nos quais ela estava fundamentada desfizeram-se. Eu disse-lhe: "Meu caro jovem, agora você percebe quão pouco valor tem o ceticismo e como você ficou parecendo um tolo diante da verdade do evangelho". Ele reconheceu o fato e passou a preocupar-se com o estado de sua alma.

Exatamente no momento em que a ansiedade dele se intensificava, preguei, certo sábado à noite, a respeito do texto: "O granizo varrerá o seu falso refúgio e as águas inundarão o seu abrigo. Seu pacto com a morte será anulado; seu acordo com a sepultura não subsistirá" (Is 28.17,18). Na parte final do sermão, demorei-me no comentário sobre o granizo que varre o falso refugio e as águas que inundam os abrigos, pintando um retrato tão vívido quanto me foi possível das tempestades de granizo que presenciei em terras norte-americanas e que nunca acontecem em Inglaterra — pelo fato de o país ficar tão ao norte, suponho. Já gastara meus esforços em desmascarar os refúgios da mentira e passei a descrever os efeitos da tempestade de granizo e da torrente provocada pela chuva, a qual varre tudo quanto o granizo não consegue destruir. Isso causou profunda impressão no povo.

À noite, o jovem dr. Foster não conseguiu dormir por ser grande sua agonia. O pai, percebendo que ele ainda não fora para a cama, subiu até seu quarto e encontrou-o na maior consternação e agonia de alma. Eu deveria ter mencionado que o motivo do grande medo e agonia do jovem foi a medonha tempestade acompanhada de trovões que se abateu como raras vezes acontece na Inglaterra, por volta das dez da noite. Era tamanho o senso de culpa do rapaz que ele teve a impressão de que uma tempestade de granizo estava para varrê-lo até o inferno. Depois disso, acalmou-se e deu mostras de que passara da morte para a vida. Foram atendidas as orações do dr. Foster e sua mulher a favor dos filhos. O avivamento passou pela família inteira e levou todos eles à conversão, um por um. Era uma casa cheia de júbilo e uma das famílias mais amorosas com as quais já tive o privilégio de conviver. Permanecemos em casa da família Foster durante o restante de nossas atividades em Huntingdon.

O avivamento atingiu toda a igreja, bem como os crentes professos da cidade e propagou-se entre os não-crentes. Desconheço, porém, quantas foram as conversões. De qualquer maneira, o avivamento transformou grandemente a cidade no aspecto religioso. Na época, não existia nenhuma igreja Congregacional em Huntingdon. Havia duas ou três igrejas oficiais, uma metodista e uma batista. Tomei conhecimento de que os convertidos durante o avivamento, juntamente com o irmão Brown, seu filho e os demais crentes abençoados na mesma ocasião uniram esforços e construíram uma capela espaçosa em Huntingdon, assim como em Saint Ives.

Já contei que, em minha primeira visita à Inglaterra, o irmão Brown construíra uma capela em Houghton e havia dois ou três lugares nas aldeias circunvizinhas onde seu ministro pregava de tempos em tempos. Promovera essa obra de evangelização com tanta energia que, quando cheguei ali pela segunda vez, descobri sete igrejas organizadas em sete aldeias na região e ele estava dando posse a pregadores, mestres e evangelistas, num total de vinte obreiros. Ele continua promovendo a obra com energia e, conforme já relatei, conseguiu, com a ajuda de voluntários, construir duas capelas excelentes, em Saint Ives e em Huntingdon. Não sei quantas outras aldeias foram alcançadas após minha partida.

*[Em Inglaterra, o termo "capela" em geral significa um templo que não pertence à Igreja Anglicana].

Para a construção da capela em Saint Ives, o irmão Brown contribuiu com 3 mil libras esterlinas e investiu a mesma quantia em Huntingdon. Penso que seu filho ofertou cerca de metade desse valor. Seus recursos financeiros, usados para a prática do bem, têm sido empregados prodigamente a favor das almas perdidas. Quando cheguei à Inglaterra pela primeira vez, ele estava operando um moinho de trigo alugado com dez pares de pedras. Na segunda vez, além desse moinho, já operava outro, que construíra em Saint Ives, ao custo de 20 mil libras esterlinas, com dezesseis pares de pedras. Além desses, ele construiu posteriormente, em Huntingdon, outro moinho com a mesma capacidade. Dessa maneira, Deus tem derramado dinheiro nos cofres do irmão Brown tão rapidamente quanto este o derrama na tesouraria do Senhor.

De Huntingdon, voltamos a Londres e trabalhamos várias semanas na parte nordeste da cidade em várias capelas ocupadas por determinada ramificação da Igreja Metodista. Um dos templos ficava em Spitalsfield. Penso que foi construído pelos Huguenotes. Era um local espaçoso para o culto e aconteceu ali uma obra gloriosa da graça.

Alguns casos notáveis da providência divina ocorreram naquela congregação durante o avivamento. Certo domingo à noite, convidei os membros da igreja a "vir à frente e ficar ao redor do altar", como se expressam os metodistas e entregar o coração a Deus. Uma senhora recusou-se a vir à frente, mas, os que estavam ao seu redor, perceberam sua grande agonia de espírito. Insistiram em que fosse à frente, mas, ela recusou. Eu fizera um apelo contundente, a fim de que ninguém hesitasse, como costumavam fazer, advertindo que talvez fosse a última oportunidade para alguém. Por algum motivo, porém, a referida senhora não se moveu do lugar. Na manhã seguinte, ela foi chamada para visitar uma amiga doente que residia a certa distância de Londres. Embarcou no trem na mesma manhã, a fim de fazer a visita. Durante toda a noite, sentira-se atormentada e sua agonia era grande demais para conciliar o sono. No entanto, por alguma razão, não se humilhou. Ela morreu a bordo do trem, antes de chegar ao seu destino. As amigas dela relataram-me o incidente como um fato chocante.

No domingo seguinte, no culto da noite, ao fazer o apelo, relatei o fato à congregação superlotada e de novo os adverti de que aquela poderia ser sua última oportunidade. Dessa vez, havia na congregação um homem que experimentava grande aflição de espírito e seus amigos, percebendo seu estado, tanto o instigaram que ele acabou indo à frente, embora com relutância. Contudo, recusou entregar seu coração a Deus. Se estou bem lembrado, os irmãos permaneceram ali após o término do culto e oraram por ele, tentando de toda maneira levá-lo a Cristo, mas tudo em vão. Ele resistiu a todos os rogos. No dia seguinte, morreu durante um ataque de apoplexia. Esses dois casos notáveis impressionaram grandemente o povo que freqüentava os cultos ali.

Celebrei cultos em várias outras capelas na região de Londres e foi uma obra abençoada, que continuou e estendeu-se até o fim do verão.

 

 

CAPÍTULO XXXV

 

Avivamentos em Edimburgo e em Aberdeen (Escócia) e em Bolton (Inglaterra)

 

Enquanto estava em Londres, fui convidado com urgência a visitar Edimburgo, na Escócia. E, em meados de Agosto, partimos de Londres e embarcamos num vapor para subir pelo litoral, passando pelo mar do Norte até Edimburgo. Quem insistira em que eu fosse para lá fora o rev. Kirk, que residia em Edimburgo e pertencia àquela parte da igreja na Escócia que se chamava Igreja da União Evangélica (UE). O teólogo principal dessa igreja era o sr. James Morison, que presidia uma escola teológica em Glasgow. Achei o irmão Kirk um homem sincero, que amava muito a obra. A UE desenvolvera-se a partir de um esforço a favor de avivamento, na época da primeira edição de minhas preleções naquele país. Um número considerável de pastores escoceses e uma quantidade muito maior de leigos haviam sido despertados, porém, desperdiçaram muitíssimo as suas forças combatendo as idéias hiper-calvinistas sustentadas pelos presbiterianos escoceses.

Permanecemos três meses em Edimburgo e pregamos principalmente na igreja do irmão Kirk, um dos maiores locais de culto na cidade. Tivemos um avivamento muito inspirador ali e muitas almas converteram-se. Os membros da igreja foram grandemente abençoados e o irmão Kirk ocupava-se dia e noite na assistência aos interessados. Mas, logo descobri que ele se encontrava cercado por uma muralha de preconceitos. As igrejas presbiterianas opunham-se fortemente à ramificação UE e eu vi-me cercado em minha atuação entre as demais denominações.

Não demorei a convencer-me de que, em tais circunstâncias, eram poucas as chances de um avivamento que abrangesse a cidade inteira. Nunca tive dúvidas de que milhares de pessoas teriam sido levadas à conversão, não fosse o preconceito contra o irmão Kirk e suas opiniões. Ele, até hoje, é professor na escola teológica em Glasgow. Na ocasião em que cheguei à cidade, a congregação do irmão Kirk não era muito grande, mas, não demorou a aumentar até o ponto de lotar suas instalações, que eram bem espaçosas. A Palavra de Deus predominou poderosamente ali. Nunca fiz pesquisa para confirmar o número de convertidos. Mas, já falei e repito aqui, que numa cidade grande talvez nem sequer exista a possibilidade de se verificar o número exato de convertidos. O irmão Kirk, naquele tempo, além de ser pastor e professor de teologia, era também editor do The Christian News, que era publicado em Glasgow. Nesse jornal, de tempos em tempos, ele apresentava as opiniões teológicas que me ouvira expor em meus sermões e que eram idênticas às do seminário teológico mantido por sua igreja. Em certas questões, porém, minha teologia diferia consideravelmente da deles.

Eu não podia aceitar o conceito que faziam de fé, como sendo um mero estado intelectual. Mediante explicações que me eram ininteligíveis, tentavam explicar a doutrina da eleição e descobri que não podia concordar com eles em várias questões. Mesmo assim, o irmão Kirk declarava aceitar minhas opiniões por inteiro, conforme me ouvia pregar e que eram as opiniões teológicas da UE. Com sua insistência em afirmar que minhas opiniões eram idênticas às deles, o irmão Kirk, mesmo sem intenção, fechou contra mim o acesso aos demais púlpitos e, sem dúvida, manteve longe de nossas reuniões de avivamento multidões de pessoas que, de outra forma, teriam vindo ouvir-me.

Eu não tinha a mínima dúvida de que se ele não tivesse dito em seu jornal que minhas opiniões concordavam com as opiniões deles, outros púlpitos me teriam sido franqueados e resultados bem diferentes teriam sido alcançados. O preconceito contra as opiniões doutrinárias daquela denominação era tão generalizado e marcante que a idéia de que eu concordava com elas bastava para que todas as entradas aos corações, em todas as igrejas presbiterianas, fossem bloqueadas às minhas pregações.

O trabalho da sra. Finney nesse local foi grandemente abençoado. A sra. Kirk, mulher do pastor, era uma cristã muito sincera e entregou-se com todas as suas forças à obra, juntamente com minha mulher. Estabeleceram uma reunião de oração para as senhoras na praça Bristo, reunião que continua até hoje e é assunto de reportagens anuais no periódico Christian News. A sra. Kirk publicou um pequeno livro, onde faz uma narrativa do estabelecimento e do progresso daquela reunião. Eram maravilhosas as respostas às orações dadas por Deus àquele grupo de senhoras. De vários lugares na Escócia, eram enviados às irmãs muitos e diferentes pedidos de oração. A história daquela reunião prestou-se a uma forma incomum de encorajamento.

A partir daí, brotaram reuniões semelhantes em várias regiões da Escócia e as irmãs passaram a incentivar as mulheres do país a trabalhar a favor de um avivamento. Desde então, estruturaram muito bem o grupo, cujos esforços exerceram influência direta e substancial na conversão de almas. Relatos do progresso daquela reunião e de seus resultados têm-me sido enviados ano após ano desde quando voltamos daquele país. O estabelecimento daquela reunião parece ter introduzido um novo período na história religiosa da Escócia, principalmente no que se refere aos esforços empreendidos pelas senhoras.

Depois de permanecer três meses em Edimburgo e de presenciar ali uma obra bendita da graça, aceitamos um convite para ir a Aberdeen. Em Novembro já estávamos naquela cidade, que fica no Norte da Escócia. Fomos convidados pelo sr. Ferguson, também da UE, amigo íntimo do irmão Kirk. Ferguson havia ficado muitíssimo irritado — e assim continuava quando chegamos ali — com a oposição que recebera das igrejas Presbiteriana e Congregacional. O preconceito que cercava sua congregação era ainda maior que na igreja do irmão Kirk. Ferguson era um crente sincero e zeloso, mas, ficara fortemente desgastado pela oposição que o cercava como um muro. De início, não consegui que alguém me escutasse, senão os membros da igreja dele e, como ele, fiquei bastante desanimado.

Nesse período de desânimo, o irmão Davison, ministro Congregacional de Bolton, em Lancashire, Inglaterra, escreveu uma carta em que pedia, com insistência, que eu fosse ajudá-lo no trabalho que ali realizava. A situação em Aberdeen era tão desalentadora que acenei com a possibilidade de ir para lá imediatamente. Nesse ínterim, porém, o interesse aumentou consideravelmente em Aberdeen e outros ministros e igrejas começaram a sentir o efeito do que acontecia ali. O ministro Congregacional convidou-me para pregar certo domingo em sua igreja e atendi ao seu convite. O sr. Brown, que pertencia a uma das igrejas presbiterianas, convidou-me, também, para pregar ali. No entanto, eu estava sobrecarregado de compromissos e não pude aceitar o convite, embora pretendesse pregar naquele púlpito em outra ocasião. Eu já deveria ter dito que, antes disso, iniciara a obra na congregação do sr. Ferguson, a qual mostrava-se muito promissora. Muitos converteram-se e uma grande mudança ocorrera na congregação e na própria cidade. Eu assumira, porém, o sério compromisso de ir a Bolton e tinha isso como obrigação. Partimos, então, de Aberdeen imediatamente antes dos feriados de fim de ano.

Enquanto eu estava com o irmão Ferguson em Aberdeen, fui convidado insistentemente pelo filho dele, que era pastor de uma das igrejas da UE, para trabalhar com ele por um período de tempo. A proposta fora-me feita antes de eu partir de Edimburgo. Não me agradava, entretanto, continuar a trabalhar com aquela denominação. Não estou dizendo que não fossem homens bons e obreiros sinceros de Deus, mas, as controvérsias em que se envolviam prejudicavam o relacionamento com as igrejas ao redor, de maneira que fui privado de todo apoio e cooperação, exceto pelos que compartilhavam suas opiniões.

Nos Estados Unidos, eu estava acostumado a atuar livremente entre presbiterianos e congregacionais e desejava ardentemente ser ouvido, também, nessas denominações na Escócia. Mas, ao trabalhar com as igrejas da UE, achei-me numa posição instável. Os comentários no periódico Christian News e o fato de eu atuar naquela denominação, levaram o povo a pensar que eu concordava com os peculiares pontos de vista daqueles irmãos, quando na realidade minhas opiniões eram diferentes. Não considerei meu dever sustentar aquela situação. Recusei-me, portanto, ir a Glasgow. Embora eu considerasse uma excelente pessoa o irmão que me convidou e os membros de sua igreja fossem crentes piedosos e de oração, havia outras pessoas piedosas e de oração em outras igrejas, muito mais que na UE. Não me sentia à vontade numa posição de conflito com minhas idéias. Embora tivesse o máximo afeto por aqueles irmãos, senti que, se eu limitasse meu trabalho à UE, reduziria grandemente as chances de atender às necessidades das demais igrejas. Por isso, partimos de Aberdeen e viajamos de trem para Bolton, chegando ali na véspera do Natal de 1859.

Bolton é uma cidade de cerca de 30 mil habitantes, situada a poucos quilômetros de Manchester. Fica dentro do círculo daquela imensa população que se espalha em todas as direções a partir de Manchester, que é o centro desse círculo. Estima-se que pelo menos 3 milhões de pessoas vivam num raio de 96 quilômetros ao redor de Manchester. Nesse local, a obra do Senhor começou imediatamente.

Fomos acolhidos como hóspedes pelo irmão James Barlow. Ele era metodista, homem piedoso e livre de sentimentos sectários. Na tarde do dia seguinte ao de nossa chegada, convidou alguns amigos para uma reunião de oração e uma conversa sobre temas espirituais. Entre eles, estava um casal amigo seu. Segundo ele me informou, a mulher demonstrara, durante algum tempo, certo interesse pela fé cristã. Depois de conversar um pouco, resolvemos ter um período de oração. Minha mulher ajoelhou-se perto daquela senhora e, durante a oração, percebeu que esta estava profundamente comovida. Quando nos levantamos, a sra. Finney segurou-lhe a mão e fez sinal para que eu fosse falar com ela (eu estava no outro lado da sala). Fui informado de que a referida senhora fora criada como Quaker, mas, casara-se com um metodista. Durante longo tempo, não se preocupara com seu estado espiritual, mas, nunca havia sido confrontada com a questão da submissão presente e imediata.

Atendi ao chamado da sra. Finney e atravessei a sala para falar com aquela senhora. Imediatamente, percebi ser profunda a aflição espiritual em que se encontrava. Por isso, perguntei se poderíamos falar a sós. Ela concordou prontamente, então atravessamos o saguão e fomos para outro aposento. Ali, chamei sua atenção para a necessidade de ela humilhar-se diante de Cristo e entregar-se ao Salvador. Perguntei-lhe se gostaria de renunciar, naquele momento, a toda a iniqüidade, ao próprio ego e a tudo o mais e entregar seu coração a Cristo. Ela respondeu: "Forçosamente, terei de fazer isso um dia. Então que seja agora mesmo". Ajoelhamo-nos e, dentro dos limites da percepção humana, percebi que ela se submetera sinceramente a Deus. Voltamos para a sala e foi emocionante a cena que se deu entre ela e o marido. Ele era crente sincero, mas, de alguma forma não conseguira dar à mulher a instrução de que ela necessitava para entregar-se a Cristo. Logo que ele a viu entrar na sala, notou tamanha transformação em seu semblante que ambos espontaneamente se abraçaram e se alegraram diante do Senhor.

Mal nos sentamos e o filho do sr. Barlow entrou na sala, declarando que uma das empregadas sentia-se profundamente comovida. E logo ela também deu evidências de sua submissão a Cristo. Em seguida, fiquei sabendo que outra empregada estava chorando na cozinha. Fui imediatamente até onde ela estava e, depois de uma breve conversa e alguma instrução, ela também entregou seu coração a Deus. Assim, a obra começou. A própria sra. Barlow, havia alguns anos, lutava contra as dúvidas e o desânimo, porém, agora parecia ter outro ânimo. As notícias das coisas que o Senhor estava realizando espalharam-se rapidamente e as pessoas chegavam diariamente, quase a toda hora, para conversar. A primeira semana de Janeiro foi escolhida como a "semana da oração"; assim tem sido a partir de então, ano após ano e as várias denominações concordaram em orar unidas durante aquela semana.

Nossa primeira reunião de oração foi na capela pastoreada pelo irmão Davison, o homem que solicitara minha presença em Bolton. Era um crente independente, que nos Estados Unidos chamamos Congregacionalistas. Sua capela ficou lotada na primeira noite. A reunião foi aberta por um ministro metodista, que orou com grande fervor e com muita liberdade, sinal de que o Espírito do Senhor movia-se sobre a congregação e que teríamos uma reunião poderosa. Fui convidado a falar e gastei uns breves momentos falando sobre a oração. Procurei deixar claro o fato de que suas orações seriam imediatamente atendidas se as pedras de tropeço fossem removidas e eles orassem com fé. A Palavra parecia penetrar os corações emocionados dos cristãos. Realmente, raras vezes preguei sobre um assunto que produzisse efeito mais poderoso e salutar que a oração. Tem sido assim em todos os lugares. Os crentes de oração são imediatamente despertos para apegar-se a Deus, rogando-lhe suas bênçãos. Havia pessoas desse tipo ali e tivemos uma reunião poderosa.

Durante toda aquela semana, o espírito de oração parecia intensificar-se e nossas reuniões experimentavam poder cada vez maior. Se estou bem lembrado, no terceiro ou no quarto dia, foi a vez de o irmão Best, também ministro Congregacional em Bolton, realizar a reunião em sua capela. Ali, pela primeira vez, fiz um apelo aos interessados. Depois de falar à congregação em tons que visavam levá-los ao ponto ideal de preparação, conclamei os interessados a uma reunião e a sala que utilizamos ficou superlotada. Tivemos com eles uma reunião poderosa e tenho a convicção de que muitos entregaram-se a Deus. Havia um "salão da Temperança" na cidade, que tinha espaço para abrigar mais pessoas que qualquer uma das capelas. Depois daquela semana de oração, os irmãos conseguiram licença para usar o salão. Preguei ali duas vezes por domingo e quatro noites cada semana. Logo ficou evidente o interesse pelo movimento. O salão ficava superlotado todas as noites, a ponto de ninguém mais conseguir entrar. O Espírito de Deus foi derramado copiosamente ali.

Em seguida, recomendei aos irmãos que percorressem toda a cidade — que saíssem de dois em dois, visitassem cada casa e orassem nas casas em que lhes dessem licença para isso. Eles atenderam-me prontamente e, com coragem, levaram adiante a tarefa. Mandaram imprimir grande quantidade de folhetos, cartazes e convites e começaram a obra de visitação. Os congregacionais e os metodistas dedicaram-se a esse trabalho com grande zelo.

Os metodistas são uma força muito grande em Bolton, desde os tempos de Wesley. Era um dos campos de trabalho prediletos desse avivalista, onde sempre se desenvolveram fecundos ministérios e poderosas igrejas. A influência dessa denominação sobrepujava em muito a das demais denominações. Encontrei entre eles ministros e leigos que eram obreiros excelentes e zelosos da causa de Cristo. Mas, os congregacionais também se dedicaram à obra com muita energia e, pelo menos enquanto permaneci ali, o sectarismo parecia extinto. Foi realizado um levantamento completo da situação espiritual da cidade e os que faziam esse trabalho reuniam-se uma ou duas vezes por semana para fazer relatórios e elaborar planos para levar a obra adiante. Era comum ver um Metodista e um Congregacional unidos em um só coração, indo de casa em casa com folhetos, orando onde lhes era permitido, advertindo as pessoas a fugir da ira vindoura e conclamando-as a vir a Cristo. Obviamente, com obreiros desse tipo, a obra espalhou-se rapidamente entre os não-crentes. Pessoas de classe alta ou baixa, ricas e pobres, homens e mulheres passaram a interessarem-se pela fé.

Desenvolvi o hábito de, a cada noite depois de pregar, conclamar os interessados a vir à frente e ocupar os assentos diante do púlpito. Grande número de pessoas atendia ao apelo, mas, para isso precisavam forçar a passagem entre a massa de pessoas que, de pé, preenchia todos os cantos do recinto. O salão do andar térreo não era apenas grande: tinha também uma galeria, que estava sempre superlotada. Depois que os interessados vinham à frente, tínhamos sempre uma reunião de oração, na qual orávamos por aqueles que se ajoelhavam diante do Senhor.

Os irmãos metodistas ficaram muito envolvidos na obra e, por algum tempo, produziam muito barulho e movimento durante as orações com os interessados. Durante algum tempo, não me pronunciei a respeito, para não os desanimar nem levá-los a entristecer o Espírito. Percebi que, para eles, quanto maiores as demonstrações de emoção tanto mais rapidamente a obra se desenvolveria. Por isso, davam socos nos bancos — oravam em voz excessivamente alta — às vezes, vários deles ao mesmo tempo. Percebi que isso distraía os demais e impedia que se convertessem verdadeiramente. E, embora o número de interessados fosse grande e aumentasse muito, as conversões não se multiplicavam tão rapidamente quanto eu estava acostumado a ver, mesmo em grupos menores.

Depois de deixar as coisas nesse pé durante duas ou três semanas, até os irmãos metodistas me conhecerem melhor e eu a eles, certa noite, depois do apelo aos interessados, sugeri que mudássemos nosso modo de agir. Declarei diante de todos minha opinião: os interessados precisavam de um ambiente mais propício à meditação, diferente daquele, em que havia tanto barulho. Precisavam de instrução e era necessário que as orações fossem feitas por uma pessoa de cada vez. Não deveria haver confusão nem coisa alguma que se assemelhasse a isso, se o objetivo era que aquelas pessoas, em sã consciência, fossem levadas à conversão. Perguntei-lhes se não queriam seguir, por um breve período, minha orientação, para ver o resultado. Assim fizeram e, de início, dava para perceber que se sentiam um pouco amarrados quando oravam — e um tanto desanimados também, porque a situação era oposta à idéia que faziam de uma reunião poderosa. No entanto, parece que se recuperaram rapidamente. Acho que ficaram convictos de que, embora houvesse menos barulho, o número de convertidos aumentava, noite após noite.

O movimento teve muita repercussão e grande número de pessoas passou a vir de Manchester para assistir aos nossos cultos. E, como sempre acontecia, o avivamento causou considerável comoção naquela cidade, despertando o desejo de que eu fosse trabalhar entre eles. No entanto, permaneci em Bolton três meses ou mais. A obra tornou-se tão poderosa que se propagou entre todas as classes de pessoas, de todas as maneiras possíveis. Estendeu-se às fábricas, ou moinhos de algodão, conforme eram chamadas. O irmão Barlow tinha um enorme moinho em Bolton e empregava muitos operários. Fui visitá-lo em seu moinho algumas vezes e realizei reuniões de com os operários. Na primeira vez, tivemos uma reunião poderosa. Fiquei com eles até sentir-me cansado. Então, voltei para casa e deixei o irmão Barlow orando com eles e instruindo-os. Quando chegou em casa, ele relatou que nada menos de sessenta operários se haviam convertido. Assim, as reuniões no moinho continuaram até quase todos os operários expressarem sua fé em Cristo.

Houve em Bolton muitos casos notáveis de convicção e de conversão. Embora pessoalmente eu mantivesse a calma e me esforçasse para manter os ouvintes numa atitude apropriada para escutar a instrução, alguns deles ficavam bastante afetados emocionalmente — durante dias, até — o que os impedia temporariamente de entender as coisas, embora não me lembre de qualquer caso de doença mental propriamente dita. Certa noite, enquanto eu estava pregando de pé na plataforma, um homem levantou-se, forçou caminho até a frente e confessou diante do auditório: "Pratiquei um assalto". Isso interrompeu a pregação e percebi que ele estava grandemente emocionado. O irmão Davison, que estava sentado na plataforma, foi até ele, sussurrou algo ao seu ouvido e levou-o para uma sala a fim de conversar com ele. O irmão Davison verificou que o homem cometera um crime passível de deportação. Deu-lhe conselhos e nada mais ouvi falar do caso naquela noite. Posteriormente, os fatos vieram mais plenamente ao meu conhecimento: aquele homem, poucos dias depois, alcançou a esperança em Cristo.

Certa noite, preguei a respeito de confissão e restituição. Isso gerou tremenda agitação entre os comerciantes. No dia seguinte, um deles contou-me que fizera a restituição de 1.500 libras — penso que foi essa a quantia — numa situação em que achava não ter agido segundo o princípio bíblico de amar o próximo como a si mesmo. Numa circunstância como essa, a consciência humana mostra-se muito sensível. O homem contou-me que um amigo seu morrera e o deixara como executor da herança. Por cuidar do caso, recebeu a parte que legalmente lhe cabia pelo seu trabalho e pelas despesas. Depois de ouvir meu sermão, porém, ocorreu-lhe que, como amigo e irmão em Cristo, tinha condições financeiras para encerrar o caso da herança sem nada cobrar daquela família, pois a esta havia pesado muito o desconto dos honorários. O Espírito de Deus que pairava sobre ele levou-o a sentir tão profundamente esse fato que ele foi imediatamente devolver o dinheiro.

Em Rochester, houve um caso o qual esqueci-me de mencionar, mas, que pode com igual proveito ser contado aqui, por causa da semelhança com o que acabei de narrar. A consciência extremamente sensível de um homem levou-o a obter forte convicção quanto ao princípio bíblico de amar o próximo como a nós mesmos e fazer aos outros aquilo que se quer que outros façam a nós. Um homem que possuía consideráveis bens converteu-se em um dos avivamentos em que atuei naquela cidade. Estava fazendo algumas transações comerciais em nome de uma viúva de uma aldeia não muito distante de Rochester. O negócio consistia em transferir alguns imóveis e por esse serviço recebera cerca de 1.500 dólares. Logo que se converteu, porém, passou a refletir sobre a situação e concluiu que não havia tratado a viúva e seus filhos da mesma forma em que ele desejaria que outra pessoa tratasse sua mulher e seus filhos, caso viesse a falecer.

Assim, foi visitar a viúva e explicou-lhe o modo em que agora encarava a questão. Ela respondeu que de modo algum via o fato daquela maneira e que se considerava devedora a ele, pois obtivera lucro graças ao trabalho dele. Por isso, não aceitou o dinheiro que ele queria devolver. Depois de pensar um pouco a respeito, ele disse à viúva que não estava satisfeito com a resposta e pediu-lhe que chamasse os vizinhos de maior confiança, para que a questão fosse apresentada a eles. Ela convidou alguns amigos cristãos, homens de negócios, diante dos quais expuseram o assunto. Eles concluíram que se tratava de uma transação comercial conduzida de modo aceitável e vantajoso para a família e que não viam motivo para a devolução do dinheiro. O homem ouviu tudo isso, mas antes de deixar a cidade voltou e disse à viúva: "Minha consciência não está tranqüila. Se eu morresse e deixasse minha esposa viúva e meus filhos órfãos e um amigo meu fosse fazer semelhante negócio para eles, penso que ele deveria fazê-lo gratuitamente. Não posso considerar o assunto de outra maneira". Com isso, colocou o dinheiro sobre a mesa e foi embora.

Ocorre-me ainda outro caso que ilustra o modo em que o Espírito de Deus opera na mente do ser humano quando o coração deste se abre à influência divina. Certa ocasião, ao pregar em uma grande cidade, fiz referência aos negócios desonestos e à ganância dos homens envolvidos na política, mostrando como essas atitudes pecaminosas denotavam violação da regra áurea — se estou bem lembrado, estava pregando justamente sobre esse tema. Fui muito enfático em minhas afirmações, mas, antes de eu terminar o sermão, um homem levantou-se no meio do povo e pediu licença para fazer uma pergunta. Propôs, então, um caso hipotético e perguntou-me se a história se enquadrava na regra que eu apresentara. "Sim, acho que se enquadra perfeitamente", respondi. Ele sentou-se e nada mais disse. Depois fiquei sabendo que ele fizera uma restituição de 30 mil dólares!

Eu poderia narrar numerosos casos em que pessoas foram levadas a agir dessa mesma forma, sob a poderosa e perscrutadora influência do Espírito de Deus. Mas, voltemos a Bolton. A obra continuou ali e propagou-se até alcançar um dos ministros, que estava ocupado no planejamento do movimento de pesquisa na cidade. Ele declarou publicamente, na minha presença, que descobriram que o avivamento alcançara todas as famílias na cidade. Penso que ele disse, também, que todas as famílias haviam sido visitadas mais de uma vez. Realmente, a pesquisa foi mantida enquanto trabalhei ali e cobriu a cidade inteira.

Se tivéssemos um local de culto para atender às nossas reais necessidades, provavelmente teríamos 10 mil pessoas ali, noite após noite. Mas, a única coisa que podíamos fazer era encher o salão disponível com tanta gente quanto ali coubesse e, depois, empregar todos os meios possíveis para alcançar as multidões nos demais templos.

Lembro-me de um caso notável de conversão entre os proprietários de moinhos. Alguém falara-me de um deles, que era muito avarento. Era ávido por acumular riquezas e considerado por alguns um caso sem esperança. O avivamento já alcançara numerosos membros daquela classe, porém, aquele homem destacava-se com seu mundanismo e seu espírito mesquinho, que pareciam consumi-lo. No entanto, contrariando minhas expectativas — e a de outras pessoas — um dia veio visitar-me. Convidei-o a entrar em meu aposento e tive uma conversa muito séria com ele. Ele reconheceu sua avareza e confidenciou-me que, certa vez, dissera a Deus que, se ele lhe concedesse mais 100 mil libras, aceitaria ir para a perdição eterna em troca disso. Disse que seu amor ao dinheiro era tão grande que consentiria de bom grado ir para o inferno se Deus lhe concedesse aquela quantia. Fiquei muito chocado, mas, percebi que ele estava passando por uma terrível convicção de pecado.

Recitei-lhe parte do sexto capítulo de Mateus, onde Cristo adverte contra o perigo de acumular tesouros na terra e recomenda que acumulemos tesouros no céu. Finalmente, cheguei a este versículo: "Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas essas coisas lhes serão acrescentadas" (v. 33). Ele inclinou-se para mim. Parecia muito interessado, como se aquilo fosse novidade para ele. Quando repeti o versículo, ele perguntou-me com a máxima seriedade:

— O irmão acredita nisso?

— Pode ter certeza de que acredito — respondi. — É a Palavra de Deus!

— Pois bem! — disse ele. — Vou pôr isso em prática. — E, colocando-se de pé com um salto, acrescentou, emocionado: — Se essa é a verdade, vou entregar tudo a Cristo imediatamente!

Ajoelhamo-nos e apresentei o caso dele a Deus em oração. O homem humilhou-se com uma simplicidade de criança. A partir daquele momento, tornou-se uma pessoa muito diferente. Sua avareza parecia contida. Envolveu-se com todo empenho na obra do avivamento e contratou, às próprias custas, um missionário da cidade para a obra de conquistar almas para Cristo.

Nesse lugar, as reuniões da sra. Finney também eram amplamente freqüentadas. Ela realizava-as de dia, como era costume e, segundo me informaram, às vezes o "salão da Temperança" ficava quase cheio. As senhoras cristãs, pertencentes a várias denominações, apoiavam-na e a encorajavam-na e estou certo de que aquelas reuniões trouxeram muitos benefícios ao povo.

Minha mulher e eu ficamos bastante exaustos com as muitas atividades. Mas, em Abril fomos para Manchester. Ali, conforme fui informado, a influência Congregacional predominava sobre a das demais denominações. Como é do conhecimento de todos, os distritos manufatureiros possuem um elemento democrático mais forte que em outras regiões da Inglaterra. O Congregacionalismo, portanto, era mais popular em Manchester que em qualquer outra cidade que eu houvesse visitado. Mesmo sem ter passado muito tempo ali, porém, percebi que havia muita desconfiança entre os irmãos. Dava para ver que havia desavença entre os líderes do movimento e, freqüentemente, para desgosto meu, ouvi expressões que indicavam total falta de união entre os envolvidos na obra. Logo me convenci de que essa era uma dificuldade a ser superada e que, se não o fosse, a obra nunca chegaria a ser tão abrangente quanto em Bolton.

Não demorou a manifestar-se certa insatisfação com alguns dos homens selecionados para supervisionar o trabalho, cuja responsabilidade consistia em distribuir folhetos, cuidar dos serviços editoriais e providenciar os meios de levar adiante o movimento. Assim, entristeceram o Espírito e prejudicaram a obra. E, embora o Espírito de Deus acompanhasse a Palavra desde o início, a obra nunca superou completamente os sentimentos sectários e as discórdias, de maneira que o movimento não se propagou tanto quanto em Bolton.

Eu havia ido para Manchester na esperança de que os irmãos metodistas e congregacionais trabalhassem juntos, em harmonia, como ocorrera em Bolton, porém, logo percebi que me enganara. Não somente faltava cordialidade e simpatia entre metodistas e congregacionais, como também havia grande antipatia entre os próprios congregacionais. Apesar de tudo, as reuniões eram muito proveitosas e eram muitos os interessados provenientes de todas as partes da cidade. Sempre que era marcada uma reunião com eles, o número de pessoas presentes era considerável. Contudo, o que eu realmente desejava era um transbordamento geral da influência do Espírito, conforme presenciáramos em Bolton.

Depois de atuar em Manchester por várias semanas, realizamos um trabalho em Salford, localidade que faz parte do município de Manchester. A partir de então, passei a maior parte do tempo entre Salford e Pendleton. Por alguma razão, no entanto, parecia faltar sinceridade e cordialidade ao ministro que atuava em Salford. Ele parecia não saber como se conduzir na obra. Lembro-me de que, certa noite, preguei sobre o seguinte texto: "Se vocês não derem ouvidos e não se dispuserem a honrar o meu nome [...] lançarei maldição sobre vocês e até amaldiçoarei as vossas bênçãos" (Ml 2.2). Eu já percebera, da parte do ministro, uma falta de confiança na realidade e na extensão da obra que estava em andamento. Parecia parcialmente cego quanto à obra do Espírito. No entanto, ele estava profundamente convicto de que pecara ao deixar de dar glória a Deus pelo que o Senhor realizara ali. Depois do culto, quando voltei ao escritório para buscar meu sobretudo, percebi que ele estava bastante comovido, pois exclamou: "Oh! Veja o que o irmão me faz sentir!"

Acredito que ele era um homem bom, mas, por algum motivo, não se envolveu na obra a ponto de ter discernimento e perceber com clareza o que o Senhor estava fazendo. Como ilustração desse fato, lembro-me de que, na última ocasião em que preguei ali, marquei, com o consentimento dele, uma reunião com os novos convertidos numa das dependências do templo para a noite seguinte, combinando que eles estariam ali para conversar com seu pastor. Posteriormente, fiquei sabendo que ele se esquecera da reunião. Os convertidos reuniram-se em grande número diante da porta da sala e ficaram esperando, mas, ele não apareceu. Logo depois, ele foi exonerado do cargo, mas, não fiquei sabendo o motivo de sua demissão.

A dificuldade era que, na época, não havia espírito favorável ao movimento por parte dos cristãos mais influentes. Não fiquei sabendo o motivo — talvez fosse algum problema comigo. E, embora um grande número de pessoas tenha sido levado à conversão, (pois conversei pessoalmente com muitas delas), as barreiras não foram rompidas o suficiente para dar à Palavra do Senhor e ao Espírito Santo livre atuação entre os ouvintes. Na ocasião de nossa despedida, foi convocada uma reunião com os que haviam recebido alguma bênção especial durante as reuniões e o número dos presentes, acredito, foi muito superior ao esperado pelos próprios ministros. Estou certo de que ficaram surpreendidos com a quantidade de pessoas que compareceu à reunião e com o espírito que predominava no ambiente. Realmente, acho que nenhum daqueles ministros tinha consciência da extensão da obra, pois, em geral, não participavam de nossos cultos e raras vezes eram vistos quando nos reuníamos com os interessados.

Permanecemos em Manchester até o começo de agosto e o avivamento continuou a propagar-se. No entanto, minhas forças, bem como as energias de minha mulher, haviam-se esgotado de tal maneira que alguns líderes propuseram a suspensão de nossas atividades, sugerindo que tirássemos algumas semanas de repouso no País de Gales e só depois voltássemos a Manchester para retomar o trabalho. A idéia deles era conseguir um grande salão, no qual pudéssemos realizar nossas reuniões e levar adiante o avivamento de modo independente. Pensavam — e eu concordava com eles — que assim obteríamos melhores resultados, mais que trabalhando com uma congregação específica. De fato, descobri que em Inglaterra, quando se promoviam avivamentos por meio de reuniões independentes, os resultados eram mais significativos — refiro-me às reuniões nos grandes salões, que podem ser alugados e abrigar membros de todas as denominações.

As linhas denominacionais são mais fortemente demarcadas em Inglaterra que nos Estados Unidos. É muito difícil conseguir que membros da igreja estabelecida freqüentem cultos realizados por dissidentes. Os metodistas não costumam comparecer a cultos de outras denominações. Na realidade, o mesmo se pode dizer de todas as denominações, tanto em Inglaterra quanto na Escócia. As linhas do sectarismo denominacional são nitidamente traçadas e os membros das diferentes igrejas são mantidos sob as regras da própria denominação mais rigorosamente que nos Estados Unidos. O fato é que, em Inglaterra, a sociedade é composta de peças cujas formas são bem definidas. Estou convicto de que, o modo certo de trabalhar pelas almas ali, é permanecer livre de vínculos denominacionais. O correto é pregar o evangelho verdadeiro em salões ou até mesmo nas ruas, quando o tempo for favorável, onde nenhum sentimento ou peculiaridade denominacional possa limitar a atuação do Espírito de Deus.

No dia 2 de agosto, partimos de Manchester e fomos para Liverpool. Vários amigos acompanharam-nos e, ali, pernoitaram. Na manhã do dia 3, embarcamos no Pérsia com destino a Nova York. Descobrimos que muitos de nossos amigos haviam-se reunido, vindos de várias partes da Inglaterra, para desejar-nos boa viagem. Despedimo-nos deles com todo carinho e com muita emoção. Então, o velho e majestoso transatlântico precipitou-se para mar alto. Estávamos a caminho de casa.

 

CAPÍTULO XXXVI

 

Volta a Oberlin e o glorioso avivamento ali

 

Por razões que se apresentavam nos Estados Unidos, fui convidado a retornar imediatamente para casa. Algumas semanas antes de partirmos de Manchester, senti essa urgente necessidade crescer dentro de mim. Os irmãos em Oberlin achavam que a situação de nossa igreja exigia minha presença. Não fossem essas pressões, teríamos ficado mais tempo em Inglaterra. Creio que, se tivéssemos trabalhado ali mais um ou dois anos, a obra estaria agora muito desenvolvida, não só em Manchester, mas em toda aquela região de Inglaterra. Recebemos convites muito insistentes para trabalhar em diversos locais — cidades grandes e pequenas. Mas, como já mencionei, as notícias que eu recebia dos Estados Unidos fizeram com que nossos planos fossem mudados e partimos de Inglaterra com grande relutância, esperando poder voltar.

No primeiro e no segundo dia após nossa partida de Liverpool, chovia quase incessantemente. Passei muito tempo no convés e fiquei fortemente gripado, o que me trouxe uma dolorosa crise de lumbago, que se manteve severa até nossa chegada a Nova York. Eu mancava tanto que não pude viajar imediatamente para Oberlin. No entanto, recuperei-me em pouco tempo e continuamos viagem. Chegando a Oberlin, começamos imediatamente a trabalhar no avivamento.

Tivéramos bem pouco tempo de repouso em Inglaterra, durante um ano e meio. E quem está acostumado às viagens marítimas não estranhará que eu, acometido de lumbago, não repousasse muito durante a viagem de volta aos Estados Unidos. De fato, chegamos bastante exaustos. Entretanto, a situação era tão grave e o período do ano tão crucial que eu não podia dar-me ao luxo de descansar como gostaria. Muitos alunos novos haviam chegado, de modo que, na época, era grande o número de pessoas residindo em Oberlin. O corpo docente era de opinião que um esforço fosse feito imediatamente para avivar as igrejas e, assim, levar os estudantes à conversão. Enquanto eu estava em Inglaterra, a congregação cresceu tanto que o templo não podia mais abrigar o povo confortavelmente. Por isso, depois de considerar a questão, a igreja decidiu organizar a Segunda Igreja Congregacional.

Assim, foi feita a divisão: a igreja nova passou a realizar seus cultos na capela da faculdade e a Primeira Igreja continuou ocupando o antigo templo. A Segunda Igreja convidou-me para pregar aos seus membros parte desse tempo. Mas, a capela não acomodava muito mais que metade do número de pessoas que caberia no templo. Concluindo que não era meu dever dividir meus esforços entre uma congregação e outra, adotei imediatamente medidas para mais um avivamento e passei a realizar as reuniões na igreja maior. Os membros da Segunda Igreja contribuíram como puderam, mas, a pregação ficou quase inteiramente sob minha responsabilidade.

Na igreja, realizávamos reuniões diárias de oração que eram muito bem freqüentadas. O auditório, geralmente, ficava cheio. Nessas reuniões, esforçava-me para alcançar os resultados legítimos de um trabalho dirigido de maneira sensata. Além de pregar duas vezes no domingo e de realizar uma reunião com os interessados no mesmo dia, à noite, eu pregava diversas vezes nas noites da semana. Além dessas responsabilidades, eu despendia tempo e esforço em conversas com os interessados que me visitavam constantemente quando não estava nos cultos. Essas atividades intensificavam-se semana após semana. O avivamento alcançou a cidade inteira e parecia que sua influência seria completa entre os não-crentes. No entanto, após quatro meses de atividades sem repouso, de dia e de noite, cheguei em casa, na tarde de certo domingo, depois de uma das reuniões mais poderosas e inspiradoras que havia presenciado e fui acometido por uma severa gripe, que me deixou preso à cama por dois ou três meses.

Outro pregador precisou assumir o púlpito. Então, sucedeu o que já dizia minha experiência: a mudança no estilo da pregação fez diminuir o ânimo com que se desenvolvia o avivamento e este foi-se extinguindo aos poucos. No entanto, não se viu nenhuma reação como as ocorridas nos grandes e mal dirigidos despertamentos religiosos. Que eu saiba, não houve qualquer incidente desagradável. As conversões, no entanto, tornaram-se menos freqüentes e, semana após semana, os cultos realizados no meio da semana passavam a ter cada vez menos participantes, de modo que, quando pude voltar a pregar, a situação, embora positiva, não era o que se pudesse chamar avivamento. No entanto, no verão seguinte, como quase sempre tem acontecido, converteu-se grande número de alunos e o panorama religioso mostrou-se surpreendente durante todo o verão.

Durante os meses de verão, há grande pressão sobre as pessoas em Oberlin. Quase todas as famílias recebem pensionistas e em cada família a parte feminina fica sobrecarregada. Os estudantes envolvem-se com as celebrações das várias agremiações da faculdade, as provas e a formatura. Esse tem sido, portanto, um período desfavorável a qualquer esforço por um avivamento. Experimentamos muito mais movimentação nos últimos anos que na época em que iniciamos a escola. As agremiações tornaram-se mais numerosas e atividades empolgantes vêm-se multiplicando há vários anos, de modo que se tornou cada vez mais difícil alcançar um avivamento poderoso durante os meses de verão. Não deveria ser assim.

Antes de eu ir à Inglaterra pela última vez, percebi que era cada vez mais difícil promover avivamentos em Oberlin durante o ano letivo. Ficou claro que a melhor época era durante as férias de inverno. Isso não foi declarado abertamente por ninguém, mas, era essa a impressão que dominava as pessoas. Eu, porém, passara a residir na cidade para o bem dos estudantes, a fim de conseguir sua conversão e santificação. E era somente por haver tantos alunos — o que me dava a grande oportunidade de lidar com mentes jovens durante o processo educativo — que eu permanecia ali.

Repetidas vezes, estive a ponto de partir e dedicar-me exclusivamente à obra evangelística. Mas, o argumento que me apresentavam a favor de minha permanência na cidade era que não podíamos fazer muita coisa neste país, em termos de avivamento, a não ser na estação das férias mais prolongadas. Além disso, minha saúde não me permitiria trabalhar em avivamentos o ano inteiro. Por isso, todos achavam que meu trabalho era mais útil ali, durante o ano letivo, ou seja, na primavera, no verão e no começo do outono. Eu mesmo pensava dessa forma e essa era a razão de eu estar em Oberlin havia tantos anos.

Durante o período que passei em Inglaterra, recebi cartas que pediam meu regresso urgente a Oberlin. Em minha resposta, levantei a situação a que acabo de referir-me. A dificuldade em promover avivamentos durante o ano letivo era real. Comprovei que Oberlin não era o lugar certo para mim, pois durante aqueles longos períodos de férias, os alunos estariam ausentes, quando minha presença ali visava principalmente à salvação deles. Além disso, sempre que algum esforço era feito para levar os jovens à conversão, surgiam planos para uma excursão ou para qualquer outro tipo de divertimento, o que me deixava muito aflito, pois anulava tudo quanto eu e os que trabalhavam comigo tentavam fazer pela conversão dos alunos. Nunca julguei que fosse justamente esse o propósito daquelas atividades, mas o efeito era tal que, antes de minha última viagem a Inglaterra, eu estava quase desanimado de trabalhar ali durante o ano letivo. Ao responder àquelas cartas, falei com muita liberdade, detalhando bem o assunto e deixando claro que, se não houvesse uma mudança, Oberlin deixaria de ser meu campo de trabalho.

Em Oberlin, nosso período de colheita propriamente dito, é o outono. Começa no primeiro dia de setembro, aproximadamente, que é quando chegam os novos alunos, muitos deles ainda não convertidos. Sempre achei — e acredito que muitos outros pensem assim, inclusive o corpo docente — que o período letivo era a oportunidade ideal para levar os alunos à conversão. Quando retornamos de Inglaterra, exatamente no outono, como já relatei, esse propósito foi alcançado com muito êxito. Percebendo que a idéia de que seria impossível promover um avivamento naquele período passava a predominar, os crentes aplicaram todo esforço possível na obra do Senhor. E o resultado foi um poderoso avivamento.

A partir de então, nossos esforços não têm sido tão prejudicados durante o ano letivo, quer por excursões, quer por corridas atrás de diversões mundanas, como acontecia poucos anos antes de minha última viagem a Inglaterra. Nossos esforços têm obtido resultados eficazes entre os estudantes, ano após ano, porque o propósito específico desses movimentos é conseguir, em especial, a conversão dos alunos. A população de Oberlin é tão flutuante quanto a de nossos alunos. Conforme já referi, no primeiro outono depois de meu regresso de Inglaterra, ou seja, no outono de 1860, boa parte dos habitantes da cidade e grande número de estudantes converteram-se. Mas, a mudança dos moradores aqui é tão freqüente que muitas vezes é necessário que o avivamento se espalhe pela cidade, entre as famílias, com a mesma urgência com que precisa alcançar os estudantes, a fim de que o ambiente permaneça saudável e pleno de piedade.

Um número considerável de alunos também trabalha por conta própria na promoção de avivamentos e seus esforços pela conversão dos colegas mostram-se eficazes. As reuniões de oração realizadas pelos rapazes têm sido grandemente abençoadas, o mesmo ocorrendo com as reuniões de jovens, realizadas por moças e rapazes. Os esforços de homens e mulheres leigos na igreja, de modo geral, têm sido, ano após ano, cada vez mais abençoados. Quanto a mim, desde 1860, a cada outono, fico mais sobrecarregado de tarefas. Conseqüentemente, depois de passado esse período e findo o trimestre, permaneço em casa — às vezes de cama — de um a três meses. Tivemos avivamentos mais ou menos contínuos, no verão e no inverno.

De 1860 para cá, embora as igrejas me pressionem sistematicamente, tanto as do Leste quanto as do Oeste, para que eu volte a trabalhar entre elas, não me arrisquei mais a aceitar convites. Em casa, com o conforto e os cuidados recebidos, continuo podendo levar a efeito muitas tarefas ministeriais, mas descobri que não posso experimentar muita emoção num culto vespertino sem ter o sono prejudicado. Consegui, no entanto, pela graça de Deus, realizar muita coisa aqui. No entanto, como já relatei, sentia-me fisicamente impossibilitado de trabalhar em outros lugares. No inverno passado, de 1866 para 1867, o avivamento entre os moradores de Oberlin foi o mais poderoso desde 1860. Contudo, minha saúde voltou a ficar debilitada no meio do trabalho e não pude mais freqüentar as reuniões. Os irmãos, no entanto, levaram a obra adiante. Os membros da igreja entregaram-se à obra com tamanho vigor e persistência que o avivamento continuou até a primavera. Os irmãos que pregavam também se esforçaram muito e, com a bênção de Deus, grande e permanente graça foi recebida.

No verão e outono de 1867, porém, a obra do Senhor foi muito prejudicada pelas discussões em torno da maçonaria e das sociedades secretas em geral. Entre as igrejas, no entanto, os debates concentravam-se quase exclusivamente na questão da maçonaria. Quando nos mudamos para Oberlin, ocasião em que a faculdade foi fundada, tomamos a resolução de excluir da comunhão os que pertencessem a alguma sociedade secreta. As igrejas, porém, nunca tiveram nenhuma regra a respeito disso. Não haviam sociedades secretas em Oberlin até recentemente, pelo que sei. Entretanto, há um ou dois anos, uma loja maçónica foi instalada aqui. Eu desconhecia o fato até a primavera passada, quando um jovem que pertencia àquela loja pediu para ser admitido como membro da igreja. Pelo que me lembro, ele foi examinado e aceito pela igreja antes de se saber que ele era maçom.

Quando tomei conhecimento disso, de posse do livro do presbítero Bernard, intitulado Luz sobre a maçonaria, no qual o assunto é esclarecido, procurei o jovem e emprestei-lhe o livro, esperando, naturalmente, que após a leitura ele não desejasse mais nenhum contato com a loja maçónica. Apavorava-me a idéia de o assunto ser trazido para dentro da igreja ou que alguma coisa fosse dita a respeito. O jovem informou-me, depois, que concluíra a leitura do livro, mas, não tive a oportunidade de saber a impressão causada em sua mente. Eu achava impossível alguém ler aquele livro e continuar a freqüentar uma loja maçónica.

Pouco tempo depois, outro jovem maçom apresentou-se para admissão na igreja. Vários membros da igreja levantaram objeções e ele não pôde ser recebido. Coisa semelhante ocorreu quase ao mesmo tempo na Segunda Igreja. Alguns membros da loja maçónica pretendiam ser aceitos ali, mas, ela adotou a mesma posição que a Primeira Igreja. Uma minoria votou contra a decisão, embora a Igreja Congregacional não costumasse receber maçons. Esses acontecimentos obrigaram as igrejas a discutir a questão.

Uma pesquisa revelou que em cada igreja havia uns poucos membros que tinham sido maçons quando jovens. No entanto, todos haviam abandonado a maçonaria muitos anos antes e não aprovaram o estabelecimento de uma loja em Oberlin. As igrejas não tinham o mínimo interesse em envolverem-se com os que freqüentavam a maçonaria. E, como haviam rompido todo relacionamento, comunhão ou cooperação com os maçons, nada mais foi dito nas igrejas com referência a qualquer medida a ser tomada com relação a eles. Mas, a pergunta era: "O que fazer com referência aos que já haviam sido maçons?" (refiro-me a membros ativos que em alguma época foram maçons). Nas duas igrejas, foram nomeadas comissões para estudar o assunto e prestar relatório às igrejas quanto à natureza e às tendências da maçonaria.

O professor Morgan era presidente do conselho da Primeira Igreja e o professor Dascomb e o irmão Jabez Burrell eram os outros membros da comissão. Vários motivos, porém, impediram um relatório imediato. A dificuldade na obtenção dos livros necessários para um exame eficiente do assunto, a falta de saúde e de tempo do irmão Morgan e as grandes responsabilidades da comissão em outros assuntos adiaram a redação do relatório até depois da formatura. Justamente no período em que eu desejava promover o avivamento de outono, a questão da maçonaria veio à tona para ser debatida.

As comissões das duas igrejas fizeram um relatório fortemente contrário à maçonaria, como instituição, por ser imoral em sua natureza e tendência. Foram marcadas reuniões para debates e alguns dos que haviam sido maçons desejavam uma oportunidade para responder ao relatório lavrado pela comissão da Primeira Igreja. A oportunidade foi concedida e de modo satisfatório para eles. Alguns tentaram justificar a maçonaria, ou melhor, apresentaram o lado melhor dessa sociedade, conforme o conceito que faziam dela. No entanto, ninguém, além deles, parecia disposto a dar testemunho favorável à maçonaria. Acredito que, entre os que tomaram a palavra, todos declararam que não desejavam justificar a maçonaria nem defendê-la. Queriam apenas desculpar-se por terem mantido no passado um relacionamento com aquela organização.

Conforme já relatei, as duas igrejas congregacionais, com exceção de algumas pessoas que haviam pertencido àquela fraternidade, condenaram a instituição por ser desonesta em sua natureza e tendências e perigosa para o governo e para a sociedade. Durante os meses do outono, as duas igrejas realizaram reuniões semanais — e até com menor intervalo — para debater o assunto. Conseqüentemente, bem pouca coisa foi feita pelo avivamento. No entanto, houve conversões durante todo o outono e elas continuam a ocorrer até esta data, Janeiro de 1868.

A grande discussão não era se a maçonaria era pecado nem se maçons conscientes e ativos deviam ser recebidos em nossas igrejas. A questão era: "É aconselhável divulgar isso? É aconselhável ter como regra excluí-los da comunhão?' Acredito que era a opinião comum que os maçons não fossem acolhidos pelas igrejas, em qualquer situação. E, durante várias semanas, o debate prosseguiu.

Os que eram favoráveis à imposição de semelhante regra argumentavam, entre outras coisas que, sem ela, os debates se repetiriam na igreja sempre que alguém se apresentasse para afiliar-se e uma minoria se opusesse ao seu acolhimento na igreja. Dessa forma, haveria novas e desgastantes discussões, tal como estava ocorrendo. Pessoalmente, não pude comparecer aos debates. E, mesmo que tivesse podido, não era meu desejo participar de tal discussão. Como pastor da igreja, no entanto, considerava meu dever dar alguns esclarecimentos, de tempos em tempos, quando percebia que faltava ao povo alguma instrução no tocante a determinadas questões. Tenho motivos para acreditar que esses sermões tiraram as dúvidas de muita gente. No entanto, nunca expressei minha opinião quanto à aprovação da regra sobre aceitação de maçons e ex-maçons na igreja, senão na última vez em que preguei. Declarei-me, então, favorável ao estabelecimento da regra e citei as razões para pensar assim.

Na sexta-feira anterior a essa minha pregação, a Segunda Igreja aprovara uma regra definitiva, a qual, segundo entendi, impedia que se afiliasse à igreja qualquer um que, depois de todos os esclarecimentos, ainda insistisse em ser maçom. Recomendei que a Primeira Igreja concordasse com essa resolução ou que fizesse outra de teor semelhante e a levasse diante dos membros para aprovação. Assim fizeram, na terça-feira seguinte. Na semana que se seguiu, porém, a Segunda Igreja invalidou sua resolução, considerando, finalmente, que não era aconselhável manter semelhante regra. A maioria protestou contra a revogação. Saibam, portanto, todas as pessoas que se interessam pela questão, aqui e em outros lugares, que o povo cristão de Oberlin, com poucas exceções, se opõe totalmente à maçonaria, como instituição desprezível e perniciosa que é. A substância de suas convicções expressa-se em suas resoluções. Entenda-se que em todas as resoluções, menos a última — a de excluir da comunhão os maçons conscientes e praticantes — os membros das igrejas estão quase unanimemente coesos.

Os que estão lendo estas páginas talvez pensem que tal questão era secundária e que não se justificasse tanto debate. Eu mesmo pensava assim e, repetidas vezes, declarei que não me importava se semelhante regra fosse mantida ou não. Se a igreja atuasse da maneira como se esperava, pouco importava se os maçons, atendendo à regra ou sem nenhuma regra, fossem excluídos. Depois de ponderar sobre o assunto e perceber a real situação, porém, concluí que o estabelecimento da regra nos pouparia muitas discussões e problemas no futuro. Além disso, era melhor declarar nossa real intenção, a fim de que todos soubessem que qualquer um que tivesse resolvido aderir à maçonaria teria automaticamente negado o pedido de afiliação à igreja. Eu achava desaconselhável dar aos maçons a esperança de serem aceitos na igreja. Que fizessem a tentativa de entrar e então descobrissem que a igreja não os acolheria! Minha opinião era que seria melhor deixá-los saber de antemão que a igreja não iria acolhê-los se constatasse que eram maçons conscientes e praticantes.

Declarar isso de antemão evitaria que fôssemos acusados de falta de sinceridade, por permitir que os maçons se sentissem encorajados a apresentarem-se quando não era nossa intenção recebê-los. Minha ligação anterior com uma loja maçónica e a pesquisa que fiz sobre a organização depois de me retirar do meio deles capacitaram-me a suprir, em grande medida, nos meus sermões a falta de livros que desmascarassem a maçonaria. É que existem poucos livros sobre o assunto. Isso porque, como se sabe, muitíssimos esforços têm sido feitos para destruí-los.

Pouco depois de eu completar 21 anos de idade, quando estava na escola em Connecticut, um tio meu, já idoso, aconselhou-me a tornar-me maçom. Assim, fiz e passei pelos três primeiros graus da ordem. Embora considerasse absurda aquela cerimônia, nada houve que me tivesse impressionado como especificamente imoral, a não ser o juramento que prestei ao alcançar o grau de mestre, em que "prometi guardar inviolados os segredos de um irmão maçom mestre, ao serem-me confiados nessa condição, excetuando-se o assassinato e a traição, mais aqueles que forem deixados ao meu livre-arbítrio e concordância". Eu sabia que aquela promessa era imprópria e perigosa. Mas, eu ainda não tinha religião e era extremamente ignorante quanto às verdades espirituais. Quando fui estudar Direito em Adams, afiliei-me à loja maçónica ali, da qual passei a ser secretário. Não atingi um grau superior, mas, continuei ativo na loja, até converter-me a Cristo.

Durante o período em que me senti espiritualmente convicto, não parei para pensar na maçonaria, pois minha preocupação era buscar a paz com Deus. No entanto, pouco depois de minha conversão, chegou o turno em que eu deveria prestar serviços à loja maçónica. As cerimônias, então, deixaram-me aflito. Descobri, surpreso, que não podia, de forma alguma, fazer parte daquelas reuniões. Todos os seus juramentos e procedimentos passaram a ter sabor de profanidade e minha nova natureza sentia repugnância deles. Eu não podia mais manter comunhão com aqueles atos. Afastei-me, aflito, sentindo que entrara numa atmosfera incompatível com minha vida espiritual.

Coloquei a questão diante de Deus em oração e, depois de severa luta interior, pedi demissão da loja maçónica e informei-lhes que eu não poderia, conscientemente, continuar a ser membro daquela sociedade. Com natural relutância, acabaram concedendo-me uma demissão honrosa. Esse fato criou certa agitação entre os maçons da cidade. Como eu supunha, com o propósito de manter um vínculo entre mim e a sociedade, programaram uma celebração e propuseram que eu fizesse um discurso. Recusei com firmeza o convite e informei aos que me apresentaram o pedido que eu não poderia, em sã consciência, fazer aquilo. No entanto, guardei silêncio a respeito de tudo isso e ninguém fora daquele local, por onde quer que eu viajasse, suspeitou — suposição minha — que eu, em tempos anteriores, havia sido maçom.

Naquela ocasião, eu não imaginava que um dia seria conclamado a dar testemunho público contra a maçonaria. No entanto, não muitos anos depois, William Morgan publicou seu livro, no qual revelou com fidelidade os segredos da maçonaria, conforme eu mesmo os conhecera. Esse fato, como é bem sabido, resultou no assassinato de Morgan. Outras publicações com o mesmo teor sucederam-se imediatamente e a maçonaria deixou de ser segredo: todos os seus mistérios foram apresentados ao público. E, quando alguém me perguntou se aquela era uma representação fiel da maçonaria, respondi, sem hesitação: "Sim! Dentro dos conhecimentos que tive como membro dessa associação, ela está fielmente representada".

Eu, então, já não via o menor motivo para manter em segredo algo que já estava aberto à investigação do mundo inteiro. Nada mais era segredo. Eu não podia negar — sem mentir deliberadamente — que a maçonaria estava desmascarada naqueles livros nem fingir que aquelas revelações eram incorretas ou mentirosas. Além disso, maiores considerações a respeito da situação convenceram-me de que era meu dever repudiar aqueles juramentos profanos, aos quais fora induzido por meios fraudulentos — pois, haviam-me dito que nada ali era inconsistente com minhas obrigações para com Deus ou para com os homens. Em outras palavras, afirmavam que não haveria conflito com minhas obrigações religiosas e cívicas.

As revelações feitas sobre a natureza e as tendências da maçonaria na obra escrita por Morgan e o seu conseqüente assassinato demonstraram que essa instituição é evidentemente perigosa para o governo civil. Finalmente, a própria história da maçonaria, conforme agora consta diante do mundo, é tal que estou convicto de sua total incompatibilidade com a religião cristã.

Devo dizer que, embora nossos debates a respeito da maçonaria tenham sido acalorados, mesmo assim o espírito cristão prevalece. E, como fui informado, na Primeira Igreja em especial, o debate final e o voto decisivo que se seguiu imediatamente foram levados a efeito num excelente espírito. Tenho a certeza de que nada ocorreu que pudesse produzir, entre nós, algum choque permanente ou divisão.

Desde o início, tivemos debates freqüentes a respeito de numerosas questões, que muitas vezes eram prolongados e, ao serem encerrados, nem sempre levavam à concordância entre todos. No entanto, adotávamos o princípio de aceitar a decisão da maioria e a minoria decidira não levantar oposição ao juízo do grupo mais numeroso. Sempre foi nossa convicção que qualquer outra atitude seria revolucionária e que, se fosse levada a efeito, causaria divisões intermináveis. Tenho certeza de que, na presente situação, será adotado o mesmo modo de agir e nenhum mal resultará disso. Não podemos evitar esses debates, mas, de modo global, quanto à grande questão da natureza e tendências da maçonaria, somos uma unidade.

Assim descrevo até a presente data — 13 de Janeiro de 1868 — minha narrativa sobre os avivamentos. Ontem, domingo, 12 de Janeiro, tivemos um dia muito solene na Primeira Igreja. Preguei o dia inteiro a respeito da resistência ao Espírito Santo. No encerramento do culto da tarde, conclamei todos os crentes professos, comprometidos em não resistir aos ensinos do Espírito Santo, a colocarem-se em pé e unirem-se conosco em oração, sob a solenidade dessa promessa. Acho que quase todos se colocaram de pé, sem hesitação. Em seguida, conclamei os que ainda não se haviam convertido a colocarem-se de pé e firmar o mesmo compromisso. Meus esforços visavam demonstrar que eles sempre haviam resistido ao Espírito Santo e eram obstinados e incircuncisos de coração e de ouvidos. Pedi aos que se dispunham a não mais continuar nessa atitude e a aceitar os ensinos do Espírito Santo e entregarem-se a Cristo a também ficar de pé, para que pudéssemos orar por eles. Pelo que pude ver do púlpito, quase todos no auditório se colocaram em pé após o apelo. Então, tivemos um momento solene de oração e encerramos o culto.

Com referência ao registro dos avivamentos, pelo menos por enquanto, preciso encerrar aqui. Eu diria que registrei muito pouco das coisas inspiradoras e notáveis que ocorreram nos principais avivamentos em que atuei. Tudo que escrevi foi com receio de que minha narrativa se tornasse demasiadamente prolongada e produzisse um livro grande demais. Falei bem pouco a respeito da oposição levantada contra esses movimentos — e não teria falado absolutamente nada a respeito, não fosse o desejo de desfazer uma impressão que se espalhou e causou muita desordem nos trabalhos nos quais atuei pessoalmente. Sempre desejei que ficasse entendido que tal impressão é errônea e meu propósito nisso foi oferecer alguns sinais quanto à origem dessas críticas.

Não teria mencionado que o dr. Beecher e o sr. Nettleton se colocaram contra o avivamento no Estado de Nova York se suas cartas não tivessem sido levadas ao conhecimento público. Eles estavam totalmente enganados! Esse fato é sabido de todos os que participaram dos avivamentos e conheciam bem os fatos. Nas imediações em torno dos locais onde ocorriam os avivamentos, sempre havia alguém disposto a dar crédito e publicidade às falsas informações. No entanto, desejo que fique bem claro que nada escrevi aqui a respeito da oposição aos avivamentos, a não ser o que considerei o mínimo necessário para desfazer aquela falsa impressão, à qual tão freqüentemente me havia referido.

Também desejo dizer aqui no final deste meu relatório, que nunca vi nenhum dos males contra os quais alguns se queixaram. Nunca presenciei nenhum efeito desastroso, nem sei onde teriam ocorrido. Nunca fiquei sabendo que alguma igreja tenha "chorado lágrimas de sangue" ou qualquer outro tipo de lágrima em algum avivamento. Ocorreram uns poucos casos em que os avivamentos resultaram em divisão. Em Auburn, por exemplo, conforme já relatei, vários membros da congregação do dr. Lansing foram embora e formaram uma nova congregação. O dr. Lansing, no entanto, manteve-se firme em sua posição e tomo a liberdade de dizer que ele nunca foi tão amado pelo seu rebanho quanto depois daquele avivamento.

A igreja do irmão Gillett, em Rome, conforme também já mencionei, posteriormente dividiu-se. Sem dúvida, isso deveu-se, em parte, ao fato de sua casa de cultos ser pequena e antiga demais para acomodar a congregação, grandemente aumentada e, em parte, pelo fato de o irmão Gillett ser bem idoso e seus sermões, como ele mesmo me disse, serem produto de seu ministério inteiro, inadequados à nova ordem das coisas em sua congregação. Muitos membros de sua igreja passaram a pensar seriamente na necessidade de contratar um homem mais jovem para orientar os convertidos e levar a própria sociedade, que passava por tantas modificações, a um plano mais elevado. Naquele grande avivamento, o irmão Gillett comprovou ser nobre como crente e como ministro. Estou certo de que ele tinha a confiança e o afeto de seu rebanho. Não estou, porém, a par de todos os motivos da divisão ocorrida em sua igreja.

Em alguns poucos casos, fiquei sabendo de divisões que surgiram pelo fato de o pastor não se ter empenhado em conquistar a confiança dos membros da igreja, dando a impressão de que não levaria adiante a obra já iniciada e nem alcançaria os melhores resultados. Essa tem sido, de maneira geral, minha experiência depois de trabalhar como evangelista e como pastor durante mais de 45 anos. Observei que, quando os pastores dedicavam-se à obra com zelo sincero e cooperavam sem ciúme com o evangelista, o avivamento fortalecia grandemente suas mãos e aumentava sua influência sobre a igreja e seus membros.

Hoje, Dezembro de 1868, gostaria de acrescentar que, como de costume, tivemos um avivamento precioso durante o outono. Nossos alunos acabaram de voltar para casa, muitos deles para seus cursos de inverno, enquanto aqui estamos de férias. Nossa igreja está vivendo uma condição inspiradora e muitos parecem estar esforçando-se, não somente buscando uma experiência pessoal mais sublime, como também lutando pela conversão daqueles que ainda não se decidiram por Cristo.

 

CONCLUSÃO

 

Todos quantos leram as páginas anteriores devem estar curiosos sobre os anos finais de uma vida tão cheia de esplendor e de plenitude. A narrativa completou-se no ano de 1868, quando o Sr. Finney ainda era pastor da Primeira Igreja de Oberlin e catedrático na Universidade. O seu ministério abençoado prolongou-se por mais cerca de quatro ou cinco anos, conforme sua saúde o permitia. No final, pregava pelo menos cada dia do Senhor. Ao mesmo tempo, como Professor de Teologia, dava suas aulas sobre suas experiências nos avivamentos e na vida cristã em geral. Demitiu-se da vida pastoral em 1972, mas, manteve sua ligação ao Seminário de Oberlin e completou o seu último curso em Julho de 1875, apenas uns dias antes de sua morte. Pregava de tempos a tempos, conforme seu estado de saúde o permitia. Durante seu último mês de vida, pregou um dia do Senhor pela manhã na Primeira Igreja e no seguinte na Segunda Igreja.

Apesar dos extenuantes labores de toda a sua vida serem sobejamente conhecidos do público, o peso sobre  sua alma pareciam jugos suaves de suportar e previsíveis. Estava sempre preparado para tudo. No fim de sua vida ainda andava ereto como quando era jovem, seu pensamento ainda era cortante e refinado como sempre e exibia um alto grau de percepção e de rapidez em seus instintos mais santos. Seus sentimentos, sua imaginação e rapidez de pensamento permaneceram iguais até ao último dia. Aliás, a sua vida demonstrava uma forma ainda mais rica, mais cortante e demonstrativa de amor e de bondade. Todos os traços celestiais de sua vida permaneceram em crescendo até ao fim e, provavelmente, no fim de sua vida eram ainda mais excelentes por evidência. No final, os seus labores eram muito limitados, mas, o poder silencioso de toda a sua vida eram poderosamente sentidos como bálsamo e bênção sobre todas as pessoas à sua volta - incluindo na comunidade onde vivia. Sua vida era uma demonstração de poder que, durante mais de 40 anos, usara para demonstrar o caminho e não apenas para explicá-lo. Muitos foram moldados e abençoados através de seu exemplo claro e evidente.

O seu último dia na terra foi um dia do Senhor, o qual ele gozou junto de sua família. Ao pôr-do-sol, passeava com sua esposa para ouvirem os abençoados hinos em uma igreja perto de sua casa. Quando chegou a casa e retirou-se para descansar, sentiu dores fortes, as quais indicavam serem dores no coração físico. Ao nascer o dia seguinte, faleceu em profunda paz. Era o dia 16 de Agosto de 1875, duas semanas antes de completar 83 anos de idade.

A narrativa deu-nos a conhecer a forma cortante como usava a poderosa Palavra de Deus e mostra claramente os traços gerias de seu caráter, apresentando com clareza seus propósitos de vida, paixão pelas almas e amor incondicional por Jesus como Evangelista e pregador da Justiça, isto é, da justa causa de Deus entre os homens. A sua obra como teólogo, como líder do pensamento refinado e como puro desenvolvedor de pensamentos certos, foi poderosa como formadora de pensamentos nos que o ouviam e até mesmo nos que se lhe opunham. Sua filosofia era puramente Cristã. Contudo, na opinião de muitos dos seus opositores foi irrelevante, estranha e pouco frutuosa para a igreja e o mundo em geral. Mas, para conseguirmos avaliar a verdadeira importância da sua vida e ministério, seria preciso escrever um outro volume maior que este. Esse volume, provavelmente, nunca será escrito. Mas, muitas gerações em todos os tempos colherão a vasta benção de todo o seu ministério, pois, era um ministério que produzia verdade de forma prática e relevante. Sabemos que muitas gerações colherão e se alimentarão devido aos frutos de sua vida sem nunca se darem conta de sua origem.

FIM