O DINHEIRO

Capítulo 1

A AVALIAÇÃO QUE JESUS
FAZ DO DINHEIRO

E, estando Jesus assentado defronte da arca do tesouro, observava a maneira como a multidão lançava o dinheiro na arca do tesouro; e muitos ricos depositavam muito. Vindo, porém, uma pobre viúva, depositou duas pequenas moedas, que valiam cinco réis. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta pobre viúva depositou mais do que todos os que depositaram na arca do tesouro; porque todos ali depositaram do que lhes sobejava, mas esta, da sua pobreza, depositou tudo o que tinha, todo o seu sustento”, Marcos 12:41-44

Em toda a nossa vida religiosa e no nosso estudo da Bíblia é de importância e consequências vitais procurar saber o que Cristo pensava sobre algo, quais eram as ideias que Jesus tinha sobre um assunto. Não existe um só assunto pelo qual nunca nos devamos sentir afectados ao ponto de não procurarmos palavras pronunciadas por Jesus sobre esse algo, para que nos orientem.

Neste livro conhecerá a opinião de Cristo sobre o dinheiro, saberá exactamente o que pensava Ele, para pensar e agir exactamente como Ele o faria. O que não é tarefa fácil. Estaremos sob a Influência do mundo que nos rodeia, ao ponto de recearmos e não sermos totalmente práticos se pensarmos e agirmos como acreditamos que Ele teria pensado e agido. Não tenhamos tal receio; se desejamos de verdade descobrir o que Ele pensava, Ele logo nos mostrará o que devemos pensar e fazer também. Basta sermos sinceros em nossa decisão: “Quero que Cristo me ensine como devo possuir e usar o dinheiro”

Vejamo-lo por um momento sentado à frente da Arca do Tesouro, olhando como as pessoas depositavam lá suas ofertas. Quando pensamos naquelas questões que envolvem dinheiro na igreja, quando olhamos sem querer para a colecta, relacionamos este acto com Judas, ou com algum diácono interesseiro ou avarento, ou com o tesoureiro ou cobrador de alguma instituição. Mas saibamos que Jesus está atento às ofertas e considera cada donativo a Deus, atribuindo-lhe, consequentemente um certo valor. No céu tudo é feito assim. Não se faz nenhum donativo para nenhuma parte da obra de Deus, grande ou pequena, que Ele não tome nota e lhe dê o devido valor e o abençoe se merecer essa bênção, ou o premie quando lhe aprouver, aqui ou na eternidade.

Ele está na disposição, até mesmo aqui na terra, a fazer saber a qualquer coração que o desejar, precisamente tudo quanto pensa de nossas ofertas. Dar dinheiro faz parte de nossa vida religiosa e Cristo nos orienta através da Sua palavra e se interessa disso. Procuremos descobrir então, o que existe nas Escrituras que nos possa ensinar sobre este assunto.

 

1. As ofertas: uma prova segura do carácter de quem dá

No mundo, o dinheiro é um padrão ou um certo critério de valor. É difícil expressar tudo o que o dinheiro significa para nós. É o símbolo do trabalho, da actividade, do talento. É com frequência uma amostra da bênção de Deus para com esforços diligentes. É o equivalente a uma grande parte de tudo quanto se pode ter ao serviço da mente e do corpo, da propriedade, do conforto ou do luxo, da influência e poder. Não é de estranhar que o mundo o ame, procure adquiri-lo e, com frequência, lhe rende adoração. Não é de admirar que seja o padrão de todos os valores, não apenas para coisas materiais, como também do próprio homem e, que, o homem, seja frequentemente medido pelo dinheiro que possui ou não.

Sem dúvida que, embora sob um princípio diferente, o homem é julgado não apenas pelo seu dinheiro no reino deste mundo, como também no reino dos céus o será com toda a certeza. O mundo se questiona: Quanto é que este indivíduo tem? Cristo pergunta: Como será que este homem usa o que tem? O mundo pensa, sobretudo, em ganhar dinheiro; Cristo, na melhor forma de vir a dá-lo. E quando um homem dá, o mundo ainda pergunta: Quanto dá? Cristo pergunta: Como deu? O mundo leva em conta o dinheiro e sua quantidade; Cristo, o homem que dá e seus motivos.

Isto pode ser visto na história da viúva pobre. Muitos que eram ricos davam muito, mas faziam-no «do que lhes sobrava». Não precisavam fazer nenhum sacrifício para poderem dar; a vida deles era tão boa e confortável tanto antes como depois de haverem dado, em nada mudava pela oferta; não lhes tinha custado nada. Não existia nenhum amor ou devoção especial a Deus em suas ofertas; apenas faziam parte de uma religião fácil e tradicional. A viúva doou duas moedinhas. Tirou do seu próprio sustento aquilo que deu. Deu tudo a Deus, sem reservas, sem nada reter. Deu tudo.

Como é diferente nosso critério para julgar as coisas de Cristo! Nós perguntamos quanto um indivíduo dá. Cristo pergunta quanto lhe resta. Nós olhamos a oferta. Cristo pergunta se a oferta foi um sacrifício. A viúva não ficou com nada para si, deu tudo. Esta doação ganhou a aprovação cordial de Jesus, por ter sido doada com espírito de sacrifício, como foi o Seu que, sendo rico, se fez pobre por amor a nós. Os outros deram muito, mas do que lhes sobrava; ela deu do que precisava, tudo quanto possuía e tinha.

Mas se nosso Senhor deseja que façamos o que ela fez, por que não nos deixou ordens específicas e claras sobre este assunto? Quanto nos alegraríamos quando ofertássemos. Ah, este é o centro fulcral da questão! Precisamos de uma ordem para o fazer! Este é precisamente o espírito do mundo na igreja, olhando o que damos, a quantia que damos. E isto é precisamente o que Cristo não quer nem aceita. Ele quer o amor generoso, o que dá sem que seja preciso mandar. Quer que toda a oferta saia ensopada no amor, uma verdadeira oferta voluntária. Se desejas a aprovação do Mestre, como a viúva pobre conseguiu, lembra-te de uma coisa: precisas colocar tudo a Seus pés, colocar tudo à Sua disposição. E isto, como sendo a expressão espontânea de um amor que, como o de Maria, não pode dar pouco, porque ama.

Todas as minhas ofertas voluntárias! Que prova de carácter. Senhor Jesus! Oh, dá-me a graça para Te amar de tal modo que eu possa saber como tenho de dar.

 

2. As ofertas: um grande meio de obter graças

Cristo chamou seus discípulos para que escutassem o que Ele tinha a dizer-lhes sobre as ofertas que estavam contemplando, para orientá-los e a nós também. Se temos o desejo de escutar de verdade o que Jesus diz, nossas ofertas terão mais influência na nossa obtenção de graças do que agora. O espírito do mundo é a «concupiscência da carne, a cobiça dos olhos e o orgulho da vida». O dinheiro é o grande meio que o mundo tem para satisfazer seus próprios desejos. Cristo disse de seus discípulos: "Não são do mundo, como eu não sou do mundo”.Precisam demonstrar pela forma como distribuem todo o seu dinheiro, que o fazem conforme um princípio que não é do mundo, mas que é o espírito do céu que lhes ensina como devem usá-lo. E o que é que nos sugere este espírito? Usá-lo para propósitos espirituais, para aquilo que há de durar por toda a eternidade, para aquilo que agrada a Deus. «Aqueles que são de Cristo crucificaram a carne e seus desejos.»

Uma das formas de demonstrar e manter a crucificação da carne é não usar o dinheiro para a satisfação pessoal. E a maneira de vencer toda a tentação de fazê-lo é ter o coração cheio de grandes pensamentos sobre o poder espiritual do dinheiro. Se desejas aprender a manter a carne crucificada, nega-te a gastar um só centavo para tua satisfação pessoal. Como o dinheiro que gastas contigo podes alimentar-te e fortalecer-te, o dinheiro sacrificado para Deus pode ajudar a alma na vitória de vencer o mundo e toda a carne. Toda a nossa vida de fé pode ser robustecida pela forma como gastamos o nosso dinheiro. Muitos precisam estar continuamente ocupados em facturar; por natureza, seus corações sentem-se atraídos para o abismo, presos às coisas terrenas, ligados à vida mundana. É a fé que nos dá a vitória permanente sobre esta tentação. Todo o pensamento do perigo do dinheiro, todo o esforço para contra ele resistirmos, todo o acto de amor a Deus nos ajudará em nossa vida de fé. Olhemos para as coisas sob a mesma luz de Deus. Pensemos nelas como sendo eternas; como o dinheiro que passa por nossas mãos é dedicado a Deus, pode ser um exercício diário da fé e das coisas do alto.

De um modo muito especial nossas ofertas podem encher nossa própria vida de amor. Toda a graça precisa ser exercitada na esperança que cresça, especialmente no amor. E, embora não o saibamos, nosso dinheiro desenvolveria e fortaleceria nosso amor, se nos impulsionasse a ter interesse e simpatia pelas necessidades daqueles que nos rodeiam. Toda a exigência de dinheiro e toda a resposta que pudermos dar à mesma, pode dar lugar ao estímulo de um novo amor e ajudar-nos à uma recepção mais plena de Suas bênçãos.

As ofertas podem ser um dos meios selectivos da graça, da comunhão contínua com Deus, na renovação de nossa entrega de tudo que somos e queremos d’Ele e uma prova da sinceridade de coração com que andamos diante d’Ele em fé, amor e negação de nós mesmos.

 

3. As ofertas: um poder maravilhoso para Deus

Quão maravilhosa é a religião cristã! Toma o dinheiro que representa o espírito deste mundo, personificado no interesse próprio, na cobiça, na avareza e no orgulho, transformando-o num instrumento para serviço e para fornecer ainda à glória de Deus.

Pensa nos pobres. Quanta ajuda e felicidade poderíamos levar a milhares e milhares de pessoas indigentes por meio de uma oferta oportuna dum dinheiro procedente de uma mão caridosa. Deus permitiu que as diferenças entre os ricos e os pobres servissem para este mesmo propósito; do mesmo modo que no intercâmbio entre comprar e vender se mantém aquela dependência mútua entre uns e outros, também no dar e receber caritativamente pode haver um objectivo abundante de bênçãos para dar e receber bens. Disse Jesus: «Mais bem-aventurado é dar do que receber.» Que privilégio divino e que bênção é ter o poder de aliviar os necessitados e alegrar o coração dos pobres através da prata e do ouro! Que bendita religião que faz com que o dinheiro que damos a outros seja uma fonte de prazer maior do que aquele que temos quando gastamos com nós próprios! Este último é gasto com as coisas temporárias e carnais, mas tudo o que se gasta na obra de amor tem um valor eterno e traz dupla felicidade tanto para nós mesmos como para os outros.

Pensa na igreja e em sua obra neste mundo, nas missões locais e no estrangeiro; e nas milhares de instituições que existem para arrancar os homens do pecado, para levá-los a Deus e à santidade. É uma grande verdade que a moeda deste mundo, ao ser atirada no ofertório com o espírito apropriado, pode receber o cunho da Casa da Moeda do céu e ser aceito no intercâmbio de bênçãos espirituais. Recapitulando: é verdade! As ofertas feitas com fé e amor não vão apenas para o tesouro da igreja, mas também para o próprio tesouro de Deus e são trocadas por "mercadoria" celestial. E não segundo os padrões de valor desta terra, onde sempre se pergunta «Quanto é?», mas segundo os critérios do céu, onde os conceitos do muito e do pouco, grande e pequeno, são desconhecidos.

Cristo imortalizou as duas moedas de prata daquela viúva. Através de toda a Sua aprovação, brilham através das épocas; é como se fossem de puro ouro. Têm sido uma bênção para milhões pela lição que ensinam. Significa que nossa oferta – duas pratas – se são tudo o que oferecemos porque não temos mais, mas dada como devemos dar ao Senhor, terá Sua aprovação. Seu cunho, Sua bênção eterna.

Se dedicássemos mais tempo a pensar com calma, para que o Espírito Santo nos mostrasse nosso Senhor na Casa da Moeda Celestial, colocando seu selo em roda a oferta que fosse verdadeira, usando-a para Seu reino apenas, com certeza nossas moedas começariam a reluzir com mais brilho e nós diríamos: «Quanto menos gastar comigo mesmo e mais com o Senhor, mais rico serei.» E assim entenderíamos como a viúva se tornou mais rica com sua oferta e sua graça do que muitos que eram mais ricos; o mais rico é quem dá tudo o que pode.

 

4. As ofertas: uma ajuda permanente à escalada ao céu

Sabemos que frequência o Senhor Jesus disse isto mesmo em muitas das suas parábolas. Na do mordomo injusto diz: «Fazei amigos para vós mesmos através das riquezas injustas, para que quando tenhais que deixá-las, vos recebam nas moradas eternas.» Na parábola dos talentos diz: «Devias ter posto o dinheiro...» O servo que não tinha usado seu talento, perdeu tudo. Na parábola das ovelhas e dos cabritos, os que cuidaram dos necessitados e desvalidos em Seu nome são os que ouviram a palavra: «Vinde, abençoados de meu Pai...»

Não podemos comprar o céu com dinheiro ou obras. Mas em nossas ofertas viradas para o céu, podemos provar e cultivar o amor de Cristo, o amor aos homens e a devoção à obra de Deus. «Vinde, abençoados de meu Pai, herdai o reino», levará em conta o dinheiro verdadeiramente destinado a Cristo e a Sua obra. Nossas ofertas devem preparar-nos para o céu e não afastar-nos dele.

Quantos dariam de boa vontade qualquer quantia para adquirir o céu e a santidade. O dinheiro não pode conseguir isso. Mas se soubessem como o dinheiro pode ajudar maravilhosamente no caminho da santidade e do céu! O dinheiro entregue em espírito de sacrifício, de amor, de fé n'Ele, que tudo pagou, nos dá uma recompensa abundante e eterna. Dia após dia, dá, do modo que Ele abençoa e pede. Isso te ajudará a trazer o céu para mais perto de ti e ajudará a levar-te para mais perto do céu também

O Cristo que estava sentado à frente da Arca do Tesouro é o meu Cristo. Ele observa minhas ofertas. Aceita o que se dá em espírito de sincera consagração e amor. Cristo ensina Seus discípulos a julgar enquanto Ele mesmo julga as coisas. Ele me ensinará a dar e quando e com quanto amor e sinceridade o faço também.

O que mais desejo vir a aprender com Ele é que, o dinheiro que causa tantas tentações e pecado, aflição e condenação eterna, ao ser recebido, administrado e posto aos pés de Jesus, o Senhor do tesouro, passa a ser um dos canais escolhidos por Deus para me agraciar a mim mesmo e aos outros. Nisto também somos mais que vencedores, por intermédio d'Aquele que nos amou.

Senhor, recebe Tua igreja em sua pobreza, dando-nos a todos o espírito da viúva pobre.

 

Capítulo 2

O ESPÍRITO SANTO E O
DINHEIRO

No dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu e se colocou entre os homens, ocupou-se do controle de suas vidas. Não podiam fazer ou ser nada sem a sua inspiração e orientação. Em tudo teriam que ser movidos e dirigidos, viver e ter seu ser «no Espírito», para serem totalmente espirituais. Daí aconteceu que suas possessões e propriedades, seu dinheiro e suas terras, tudo ficou sujeito a essa mesma regra, assim como seus ganhos e seus gastos ficaram regulados por princípios até então desconhecidos.

Nos capítulos iniciais dos Actos dos Apóstolos, achamos mais que uma prova desta capacidade do Espírito Santo que tudo alcança, para guiar-nos na própria distribuição do dinheiro que ganhamos e para dele fazer seu Próprio julgamento. Se, como cristão, quero saber quanto e de que forma devo dar, tenho que aprender qual é ensinamento do Espírito Santo a respeito da posição que o dinheiro deve ter na vida do cristão e na da igreja.

A primeira lição é: o Espírito Santo toma posse do próprio dinheiro. «E todos os que acreditavam estavam unidos; e tudo o que cada um tinha era possuído em comum por todos. Vendiam suas fazendas e seus bens e distribuíam os ganhos por todos, segundo a necessidade de cada.» Act.2:44, 45. E ainda em Act.4:34: «E não havia nenhum necessitado entre eles; porque todos quantos eram possuidores de campos ou de casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o punham aos pés dos apóstolos.» Sem nenhuma ordem ou mandamento – apenas no gozo do Espírito Santo, no gozo do amor que Ele havia derramado em seus corações, no gozo dos tesouros celestiais que agora os tornava ricos – de modo espontâneo, eles se desprendiam de suas posses e as colocavam à disposição do Senhor e de seus servos.

Teria sido estranho se as coisas tivessem sido de outro modo, o que seria uma terrível perda para a igreja. O dinheiro é o grande símbolo do poder e da Felicidade deste mundo, um de seus ídolos proeminentes o qual tem o poder de afastar os próprios homens de Deus. Nunca cessa a tentação; o mundanismo a que os cristãos estão expostos no seu dia-a-dia. A salvação não seria plena se não fornecesse uma libertação total do poder do dinheiro. A história de Pentecostes nos assegura que o Espírito Santo quando chega em sua plenitude ao nosso coração, as posses materiais perdem seu lugar e o dinheiro somente é valorizado como meio de demonstrar nosso amor ao Senhor apenas, prestando ajuda ao nosso próximo. O fogo do céu que acha e consome um homem sobre o altar, também acha o dinheiro e o torna o «ouro do altar», santificando-o para o Senhor exclusivamente.

Encontramos aqui o verdadeiro segredo do ofertar cristão; a motivação da vida cristã é regozijar-se no Espírito Santo. Como é grande a falta deste elemento em nosso hábito de dar. O costume, o exemplo, o motivo, a persuasão humana, a noção do dever e o sentimento da necessidade que nos rodeiam, têm mais a ver com nossas ofertas do que o poder e o amor do Espírito. Não é que aquilo que mencionamos não seja necessário. O Espírito Santo faz uso de todos estes elementos de nossa natureza quando nos estimula a dar. Há uma grande necessidade de inculcar princípios e estabelecer hábitos de dar. Mas precisamos compreender que tudo isto é apenas o lado humano e não é o suficiente se quisermos dar, na medida e no espírito em que façam de toda a oferta um sacrifício bem visto por Deus e uma bênção para nossas próprias almas. O segredo do verdadeiro dar é a alegria de andar na vontade do Senhor.

A queixa da igreja referente à grande necessidade de mais dinheiro para a obra de Deus, quanto à grande desproporção entre o que o povo de Deus gasta consigo e o que dedica a Ele, é de carácter universal. As súplicas de muitos servos de Deus que trabalham entre os pobres e os abandonados são, com frequência, desesperantes. Precisamos levar a sério esta solene lição: esta é uma simples prova do pouco que o poder do Espírito Santo é conhecido pelos crentes. Oremos com maior fervor para que toda a nossa vida possa ser vivida no regozijo do Espírito de Deus; uma vida entregue de modo absoluto a Ele e a Seu reino, para que tudo o que dermos seja um sacrifício espiritual, por intermédio de Jesus Cristo.

A segunda lição pentecostal sobre o dinheiro acha-se em Act.3: «E Pedro disse: "Não tenho prata nem ouro, mas o que tenho te dou: em nome de Jesus Cristo de Nazaré, levanta-te e anda!"» Por aqui se vê que o Espírito Santo prescinde do dinheiro.

Nossa primeira lição foi: a Igreja de Pentecostes precisa de dinheiro para a sua obra; o Espírito de Pentecostes proporciona o dinheiro; o dinheiro pode ser ao mesmo tempo uma prova segura da poderosa obra do Espírito e um meio bendito para abrir caminho a uma acção ainda mais ampla.

Mas aqui reside um perigo. Os homens começam a pensar que o dinheiro é a sua maior necessidade, que a abundância do dinheiro ganho é uma prova da presença do Espírito; que o dinheiro tem que ser força e bênção. Nossa segunda lição dissipa estas ilusões e nos ensina que o poder do Espírito pode aparecer onde não existe dinheiro. O Espírito Santo condescende em usar o dinheiro de seus santos, mas também, às vezes, mostra-lhes que é divinamente independente dele. A igreja deve entregar-se à orientação desta dupla verdade: o Espírito Santo reclama todo o seu dinheiro; mas também as grandes obras do Espírito Santo podem ser efectuadas sem ele. A igreja não deve nunca pedir dinheiro, nem tão pouco como se isto fosse o segredo da sua força.

Vejam os apóstolos Pedro e João, sem um centavo, pobres dos bens desta terra, e mesmo assim, em virtude desta pobreza, eram poderosos para ministrar bênçãos celestiais. «Pobres, porém enriquecendo a muitos.» Onde aprenderam isto? Pedro diz: "Não possuo prata nem ouro: em nome de Jesus Cristo de Nazaré, levanta-te e anda!" Ele nos lembra a pobreza que Cristo havia pedido a eles e da qual Ele mesmo havia dado um maravilhoso exemplo. Por meio desta santa pobreza, o Espírito vem demonstrar aos homens que uma vida de perfeita confiança no Pai proporciona riquezas celestiais independentes dos bens terrenos e que a pobreza terrena é mais adequada a reter e a distribuir os tesouros eternos pelos que os possuem. O círculo íntimo de Seus discípulos, seguindo as pisadas de Sua pobreza, achou a comunhão do Seu poder. O apóstolo Paulo tinha aprendido a mesma lição por intermédio do Espírito Santo. Significa que é um modo maravilhoso, quase indispensável, desprender-se das coisas externas, inclusive das legítimas, para aprender a ser testemunha da absoluta realidade e suficiência das riquezas celestiais invisíveis.

Podemos estar certos de que quando o Espírito Santo começa a operar com poder em Sua igreja, logo ali se verá Sua poderosa realização nas posses de todo Seu povo. Alguns se tornarão pobres havendo dado, mas considerando com viva fé o valor imensurável a herança celestial e o júbilo fervoroso que o Espírito lhes juntamente com ela. E alguns que são pobres, passando grande necessidade pela obra que fazem por Deus, aprenderam a cultivar mais plenamente de que «Não tenho prata nem ouro...» e somente podem dar o que possuem: em nome de Jesus Cristo, mandar o coxo andar. E outros, que não são chamados a dar tudo, sem dúvida irão dar com generosidade desconhecida, porque começam a ver que quanto mais se dá, mais se irão aproximar do privilégio de tudo dar.

E podemos ver a igreja dando de bom grado e em abundância e, mesmo assim, não confiando nem por um momento em seu dinheiro, mas honrando ao máximo aqueles que possuem a graça e a força de serem seguidores de Jesus Cristo na sua pobreza.

Nossa terceira lição é: o Espírito Santo põe o dinheiro à prova. Nem todo o dinheiro que oferecemos, inclusive em períodos em que o Santo Espírito se move com poder, é dado sob Sua inspiração. Mas tudo é dado sob Sua santa supervisão e, de vez em quando, revelará ao coração que se rende sinceramente a Ele, no que pode estar equivocado ou nele faltar ainda. Escutemos: «Barnabé tinha um campo e o vendeu; e trouxe a quantia e a colocou aos pés dos apóstolos. Mas Ananias vendeu uma herdade e ficou com parte da quantia, colocando o resto aos pés dos apóstolos.» Ananias trouxe sua oferta e ele e sua esposa caíram mortos aos pés dos apóstolos. Qual fora o terrível crime que trouxe tal castigo? Ananias era um doador fraudulento. Guardara parte da quantia para si. Fingia que dava tudo, mas não era verdade. Dava com o coração de má vontade e queria ter o mérito de ter dado tudo. Na Igreja de Pentecostes, o Espírito Santo era o autor destas ofertas: o pecado de Ananias era contra o Espírito Santo. Não tem nada demais, então, que se repita: «E caiu um grande temor sobre todos os que o ouviram.» Se é tão fácil pecar, inclusive dando, se o Espírito Santo vigia e julga nossas ofertas, deveremos todos agir com mais cuidado e temor.

E no que consistia este grande pecado? Simplesmente nisto: em que não dava o que dizia dar. Este pecado, não em sua forma máxima, mas em seu espírito e em suas manifestações mais subtis, é mais frequente do que pensamos. Não há muita gente que diz ter dado tudo ao Senhor não sendo verdade, pelo uso que fazem do dinheiro? Não há muita gente que diz que todo o seu dinheiro é do Senhor e que o administram como mordomos para dispor dele segundo Ele manda, e que apesar disto, na hora de usá-lo na obra de Deus, em comparação com o que gastam consigo mesmos ou juntando para o futuro, demonstram que esta mordomia não é senão um outro nome para a mesma avareza e riqueza de sempre?

Sem ser exactamente culpado do pecado de Judas, de Caifás ou de Pilatos na crucificação de nosso Senhor, um crente pode até estar próximo deles pelo espírito com que age. Assim, então, podemos ofender o Espírito Santo, inclusive quando estamos condenando o pecado de Ananias, quando cedemos ao espírito em que este agiu, retendo parte do que professava dar a Deus. Não existe nada, salvo temermos a nós mesmos e a sincera renúncia a todas as nossas opiniões e argumentos sobre quanto podemos possuir e quanto podemos dar, sob o exame e a direcção do Espírito Santo que possa salvar-nos deste perigo. Nossas ofertas devem ser feitas à luz do Espírito Santo, se são para serem feitas também sob seu domínio.

E o que foi que levou Ananias a este pecado? Provavelmente foi o exemplo de Barnabé e o desejo de não ser menos do que o outro. Ah, quanta atenção prestamos ao que os outros esperam de nós! Pensamos mais no julgamento dos homens do que no julgamento de Deus. E esquecemos que nossas ofertas são contabilizadas por Deus somente segundo o que dá o coração; é o doador contente o que é aprovado por Ele. Quanto já fez a igreja para fomentar o espírito mundano que valoriza as doações pelo que elas são à vista dos homens, esquecendo o que elas são para Aquele que esquadrinha o coração.

Que o Espírito Santo nos ensine a fazer de cada oferta parte de uma vida de consagração a Deus. Isto não é possível até estarmos cheios do Espírito; e isto pode acontecer, pois Deus nos encherá de Seu próprio Espírito.

Há ainda uma quarta lição que não é menos necessária nem menos exemplar que a de Ananias Act.8:19. O Espírito Santo rechaça o dinheiro. «Simão lhes ofereceu dinheiro dizendo: "Dai-me também a mim este poder, que a qualquer a quem eu impuser as mãos, receba o Espírito Santo". Mas Pedro lhe respondeu: "O teu dinheiro pereça contigo, uma vez que tu te persuadiste de que o dom de Deus se podia adquirir com dinheiro!» A intenção de ganhar poder ou influência na igreja de Deus, por meio do dinheiro, leva à perdição.

Aqui, distintamente do caso de Ananias, havia uma simples ignorância do carácter espiritual e anti-mundano do reino de Cristo. Como Simão entendia pouco dos homens com quem lidava! Estes homens precisavam de dinheiro e podiam usá-lo muito bem para eles mesmos e para os outros. Mas o Espírito Santo, com os poderes e tesouros do mundo invisível, tinha tomado tal possessão deles e os havia feito entender que o dinheiro não valia nada. Que o dinheiro pereça que você pereça, antes de lhe permitir significar algo na igreja de Deus! Que pereça antes que, por um momento, seja fomentada a ideia de que o rico pode adquirir um lugar ou um poder do qual carece o pobre!

Tem a sua igreja sido fiel nesta verdade, em seu protesto solene contra as pretensões da riqueza? Ah, se nós considerarmos a resposta que a história nos dá! Tem havido exemplos, homens de verdadeira descendência apostólica que mantêm viva a superioridade do dom de Deus sobre as considerações terrenas. Mas, com demasiada frequência, têm-se concedido aos ricos honra e influência, afastando-se da graça e piedade, o que seguramente tem ofendido o Espírito e prejudicado a igreja.

A aplicação pessoal é aqui um assunto de importância capital. Nossa natureza tem andado sob o poder do espírito deste mundo; nossa mente carnal, com suas vontades e hábitos de pensamento e sentimento, é tão subtil em sua influência, que não há nada que possa livrar-nos do poderoso feitiço que o dinheiro exerce, excepto a certeza da presença e da obra constante e plena do Espírito em nós.

O Espírito Santo pode fazer-nos morrer para os caminhos e modos de pensar do mundo. E o Espírito dá-nos isso quando nos enche da Sua presença e poder da vida em Deus.

Oremos para podermos ter esta fé de glória transcendente, na afirmação e suficiência do Santo Espírito como dom de Deus para ser a riqueza e a força da igreja; que o dinheiro possa ser mantido sob controlo e possa ser dominado por Cristo e por nós mesmos. Que reconheçamos que seu único valor é ser usado no serviço cristão.

Bendito Senhor Jesus, ensina-nos e protege-nos de forma que, como Barnabé, ponhamos todo nosso dinheiro a Teus pés, mantendo-o à Tua disposição. Ensina-nos e protege-nos para que, como Pedro, possamos rejubilar-nos na pobreza que nos levará a pôr à prova nossa confiança no poder do Teu Espírito. Ensina-nos e protege-nos para que não nos aconteça como a Ananias; que a profissão que fazemos de viver inteiramente para Ti, não seja desmentida por aquilo que Te entregamos como oferta. Ensina-nos e protege-nos para que não pensemos, como Simão, que os dons de Deus ou o poder sobre os homens podem ser conseguidos com dinheiro.

Que o bendito Espírito nos encha de si mesmo. Vem e enche Tua Igreja com Tua presença viva e que todo o nosso dinheiro seja Teu completamente.

 

Capítulo 3

A GRAÇA DE DEUS E O
DINHEIRO

«Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que,
sendo rico, se fez pobre por amor a vós, para que pela sua
pobreza vos tornásseis ricos.»
2Cor.8:9

Nesta epístola aos Coríntios e nas que se seguem, temos os ensinamentos de Paulo sobre o tema das ofertas do crente. Falando da colecta que deseja que os irmãos de Corinto façam junto com outros gentios, para ajudar seus irmãos judeus, ele abre o tema do valor celestial de nossas ofertas terrenas e desenvolve os princípios que deveriam estimular-nos quando oferecemos nosso dinheiro para o serviço de Deus. Ele o faz especialmente quando cita o exemplo dos irmãos da Macedónia e a abundância das riquezas em sua generosidade, e os apresenta como testemunhos válidos, para sempre, do que pode fazer a graça de Deus, para transformar uma colecta de dinheiro numa ocasião de profundo regozijo, a revelação da verdadeira semelhança a Cristo e de abundantes graças e glória a Deus. Retiremos algumas das principais lições que podem ajudar-nos a achar o caminho, pelo qual nosso dinheiro pode passar gradualmente a ser um meio e uma prova do progresso da vida cristã em nós mesmos.

7. A graça de Deus sempre nos ensina a dar 2 Cor.8:1

«E vos fazemos conhecer a graça de Deus, concedida às igrejas da Macedónia.» No decorrer dos dois capítulos seguintes, a palavra graça aparece oito vezes: uma vez, sobre «a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que por amor a vós se fez pobre»; outra, sobre «a graça que Deus pode fazer abundar em nós»; as outras seis vezes sobre a graça especial das ofertas.

Todos acreditamos saber o que significa a palavra. Não apenas é usada em referência à disposição da graça do coração de Deus em relação a nós, mas muito mais ainda em relação à disposição da graça que Deus nos concede e que opera em nós. A graça é a força, o poder, a energia da vida cristã, tal como ela age em nós por intermédio do Espírito Santo. Todos conhecemos a ordem de permanecer fiéis na graça, de crescer na graça, de buscar mais graça. Regozijemo-nos nas palavras «graça abundante, graça extraordinariamente grande». Oremos continuamente para que Deus aumente e intensifique Sua graça em nós.

Já conhecemos a lei da vida cristã: que não se pode conhecer ou aumentar a graça verdadeiramente, senão realizando-a como obra. Aprendamos agora que o uso do nosso dinheiro em favor de outros é um dos meios pelo qual se pode expressar e robustecer esta graça. A razão do porquê é clara. A graça em Deus é Sua compaixão pelos que são indignos. Sua graça é maravilhosamente gratuita. Sempre é concedida sem levar em conta o mérito. Deus dedica a sua vida a dar e tem deleite em dar. E, quando Sua graça entra no coração, não se pode mudar sua natureza: seja em Deus ou no homem, a graça ama e se regozija em dar, oferecer. E a graça ensina ao homem a considerar isto como o valor principal do dinheiro, do poder, como faz Deus, para fazer o bem, para poder enriquecer a outros, ainda que seja à custa do próprio empobrecimento.

Aprendamos as lições. Se temos a graça de Deus em nós, ela se mostrará no que oferecemos aos outros. Se queremos uma nova graça, temos que exercitar a que já temos, dando. E em tudo o que dermos, devemos fazê-lo estando conscientes que é a graça de Deus que opera em nós.

2. A graça de Deus nos ensina a dar generosamente (v.2)

«Porque no meio de muita prova de tribulação, manifestaram abundância de alegria e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza por sua generosidade.» Que exemplo para nós! Que prova do poder da graça! Estes novos convertidos, gentios da Macedónia, ficam sabendo da necessidade de seus irmãos judeus em Jerusalém – homens desconhecidos e menosprezados – e logo se dispõem a compartilhar com eles o que possuem. De própria iniciativa, dão além de suas possibilidades, pois Paulo se recusa a aceitar seus donativos; precisam rogar-lhe muito para que Paulo aceite. «No meio de sua extrema pobreza, abundaram em riquezas por sua generosidade.»

É digno de nota que haja mais generosidade nos pobres do que nos ricos. É como se os pobres não se apegassem com tanta avidez ao que têm: desprendem-se mais facilmente das coisas; a ilusão da riqueza ainda não os possuiu e endureceu; aprenderam a confiar em Deus quanto ao dia seguinte. Sua generosidade não é, na realidade, o que os homens consideram como tal: seus donativos são pequenos. Poderia dizer-se que não lhes custa muito dar tudo; já estão acostumados a ter pouco. E contudo, o próprio acto de dar facilmente, é o que o torna mais precioso perante Deus; mostra sua vontade de dar, como uma criança que ainda não aprendeu a acumular e a guardar. O caminho de Deus em seu reinado da graça sobre a terra é sempre feito de baixo para cima. «Nem muitos sábios nem muitos nobres chamou Deus. Ele escolheu o fraco do mundo para envergonhar o forte.» E assim, escolheu os pobres deste mundo, que dão da sua pobreza, para ensinar aos ricos o que é generosidade.

«Deram conforme suas possibilidades e ainda além delas, pedindo-nos com muita súplica que lhes concedêssemos o privilégio de participar neste serviço para os santos.» Se este espírito prevalecesse em nossas igrejas e as pessoas de posses moderadas ou grandes se pautassem pelos pobres em seus padrões de dar e o exemplo dos macedónios passasse a ser a lei da generosidade cristã, que recursos teríamos disponíveis a serviço do reino!

3. A graça de Deus ensina a dar alegremente

«A abundância de alegria e a profunda pobreza deles, superabundaram em grande riqueza por sua generosidade» (v.2). Na vida cristã a alegria é o indicador de saúde e de boa vontade. Não é uma experiência ocasional: é a prova permanente da presença do regozijo e do amor do Salvador. Devem caracterizar-se pelo «júbilo que o mundo não pode tirar-nos». Não só em nossa vida devocional como também em nossos deveres diários e momentos de tribulação. E assim, inspirando nossas ofertas, fazendo que o dar nosso dinheiro seja um sacrifício de alegria e acção de graças. E dando alegremente passa a ser uma nova fonte de alegria em nós, como uma participação no júbilo d'Aquele que disse: «Mais bem-aventurado é dar do que receber.»

A bem-aventurança de dar: Quem dera que os homens compreendessem que este é um caminho de regozijo incessante, dando continuamente, como Deus vive para dar. Dizia-se do dia em que se traziam os donativos ao templo: «Então o povo se alegrava, porque com bondoso coração ofereciam voluntariamente ao Senhor; e o rei David também se regozijava com grande júbilo.» Este é um contentamento que pode acompanhar-nos ao longo de toda a vida, dia após dia, entregando sem cessar nossas ofertas de dinheiro e nossas vidas ao serviço dos que nos rodeiam. Deus colocou o instinto da felicidade dentro de cada uma de Suas criaturas; não podem, no mínimo, deixar de se sentirem atraídas para o que lhes proporciona felicidade.

Enchamos nosso coração de fé na alegria de dar e essa alegria fará o apelo às ofertas, tanto para ricos como para pobres, um dos privilégios mais apreciados; para nós mesmos será a verdade de que «a abundância de sua alegria e sua extrema pobreza, superabundaram em grande riqueza por sua generosidade».

4. A graça de Deus faz, com que nossas ofertas sejam parte da nossa entrega ao Senhor

Paulo fala sobre dar (v.5): «Primeiramente deram-se a si mesmos ao Senhor». Nesta frase temos uma das expressões mais belas sobre o que é necessário para a salvação e daquilo em que consiste a salvação. O homem que se entregou ao Senhor faz tudo o que nosso Senhor nos pede; tudo mais Ele o fará. A expressão não se encontra em nenhuma outra parte
da Escritura; ela é devida ao fato de Paulo falar do assunto dessa colecta. Ele nos diz que dar dinheiro não terá nenhum valor, a menos que, primeiro, nos entreguemos a nós mesmos; que todas as nossas ofertas sejam a renovação e continuação de um primeiro grande acto de entrega pessoal; que cada novo donativo de dinheiro seja uma renovação da bênção, da inteira consagração.

Somente este pensamento pode elevar nossas ofertas acima do nível comum do dever cristão e delas fazer uma verdadeira manifestação e corroboração da graça de Deus em nós. Não estamos sob a lei, mas sim sob a graça. E mesmo assim, grande parte de nossas ofertas, seja na coleta durante o culto ou em ocasiões especiais, faz-se de um modo rotineiro, não em relação direta a nosso Senhor. Uma vida verdadeiramente consagrada é uma vida vivida momento após momento em Seu amor. É isto o que nos trará o que parece tão difícil: dar sempre com o espírito apropriado e como um ato de adoração. É isto que fará que «a abundância de nosso júbilo nos encha de riquezas por nossa generosidade».

    5.A graça de Deus faz com que nossas ofertas sejam parte da vida que se assemelha à de Cristo (v.9)

«Porque já conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que por amor a vós, sendo rico, se fez pobre, para que vós fosseis enriquecidos com a sua pobreza.» Cada ramo e cada folha deste carvalho majestoso tem sua origem na mesma raiz da qual sai o tronco. A vida do menor galho é a mesma que a do maior ramo. Nós somos ramos em Cristo, a videira viva, temos a mesma vida que vive e opera n'Ele.

Como é necessário conhecermos bem o que é a Sua vida para que possamos dar a Ele de modo inteligente e voluntário! Aqui temos exposta uma das raízes mais profundas: «Por amor a vós, sendo rico, se fez pobre, para que vós fosseis enriquecidos por sua pobreza.» Para nos enriquecer e bendizer se fez pobre. Foi por isso que se satisfez tanto com a oferta da viúva; seu donativo estava na mesma medida do Seu: «Deu tudo o que tinha.» Esta é a vida e a graça que procura agir em nós; não há outro exemplo no qual se possa moldar nossa vida à semelhança da de Cristo. «Porque já conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que por amor a vós se fez pobre.»

Quão pouco sabiam os cristãos macedónios que, na sua profunda pobreza e nas riquezas de sua generosidade, dando muito além das suas possibilidades, estavam colocando em prática o que o Espírito e a graça de Jesus efectivava e operava dentro deles. Nós mal poderíamos esperar que o simples donativo desta pobre gente passasse a ser o texto de um ensinamento tão elevado, tão santo, tão penetrante. Como precisamos orar para que o Espírito Santo possa assenhorar-se de nossas bolsas e de nossas posses, para que a graça de nossas ofertas se dê num grau verdadeiramente reconhecível, como reflexo de nosso Senhor! E como necessitamos de levar nossas ofertas à cruz, buscando o poder da morte de Cristo, para este mundo e suas posses, como nosso poder. E assim, faremos a outros ricos com a nossa pobreza e nossa vida será um pouco semelhante a de Paulo: «Pobre, porém enriquecendo a muitos.»

    6.A graça de Deus opera em nos não só o querer mas também o fazer (v.10)

«E neste particular vos dou minha opinião; porque isto é o que vos convém, pois começastes antes, não só a fazê-lo como também a desejá-lo, desde o ano passado.» Todos sabemos o abismo que existe, com frequência, na vida do cristão, entre o querer e o fazer. Isto também acontece quando ofertamos.

Quantos desejam que chegue o dia em que tenham mais, para assim poderem dar mais. E, no entanto, este desejo, esta vontade imaginada de dar mais, engana-os e se faz passar como se se tratasse de uma generosidade actuante. Quantos há que possuem os meios e a intenção de serem generosos e, contudo, vacilam; e o grande donativo que iriam fazer em sua vida ou deixar em testamento, nunca se realiza. Quantos há que se consideram verdadeiramente generosos por aquilo que querem fazer; mas, na realidade, o que fazem com os meios de que dispõem, é algo que não podem desejar que Deus observe. A mensagem chega para todos: «Agora, pois, acabai também de fazê-lo, para que assim como estivestes prontos a querê-lo, assim também o estejais em cumpri-lo conforme as posses que tendes.»

«Porque é Deus que opera em nós tanto o querer como o fazer.» Cuidemos para que não O estorvemos em nenhuma esfera devido à incredulidade ou a desobediência, acabando por ficar apenas no querer sem passar ao fazer. A vida cristã precisa de exercício; e é através da prática que cresce a piedade. Se achamos que em algum pormenor nossas ofertas não têm estado à altura deste modelo da Escritura, que não têm sido generosas nem alegres, nem têm estado de acordo com o espírito de nossa entrega total ao Senhor, o qual se fez pobre por nós, a toda hora, sempre disposto, sempre querendo, devemos acrescentar também o fazê-lo bem.

7.A graça de Deus faz a doação aceitável

Segundo o que cada um tem (v.12)

«Porque se o desejo de dar já existe, será aceite segundo o que cada um tem e não segundo o que não tem.» Deus, que vê o coração, julga cada oferta pela capacidade de dar de cada um. E Seu bendito Espírito dá a saber ao coração recto e à consciência abençoada que sua oferta na terra encontrou aprovação e aceitação no céu. Deus teve o cuidado de ensinar-nos isto mesmo em Sua Palavra de todas as formas possíveis. Todos os juízos do mundo a respeito do valor das ofertas, tornam-se o contrários no céu; o amor que dá generosamente segundo o que tem, é correspondido pelo amor do Pai lá de cima. Procuremos redimir nossas ofertas de tudo o que é vil e mesquinho, assegurando-nos de que sejam aceitáveis. Recusemos dar o que não nos parecer satisfatório. Façamos uma pausa e alegremo-nos quando Deus nos chama a dar e Seu Espírito nos ensinará quanto devemos dar e como, vindo a nós o profundo júbilo de dar, o sinal do Espírito de que o Pai está contente.

8. A graça de Deus, proveniente da oferta, tem como resultado a verdadeira unidade e igualdade de todos os santos (v.13)

«Porque não digo isto para que haja para outros abastança e para vós aperto, mas para que ao mesmo tempo, com igualdade, a vossa abundância supra a escassez deles, para que também a abundância deles supra a vossa necessidade, para que haja igualdade, como está escrito: "Àquele que recolheu muito, não lhe sobrou e ao que pouco recolheu, não lhe faltou."»

Este é outro raio de luz celeste nesta chamada para uma colecta. O dinheiro passará a ser um laço de união ligando os cristãos de Jerusalém aos de Corinto. São um, tal como Israel era um só povo. Quando recolhiam o maná, o fraco e o forte tinham de fazê-lo em comum, para que todos participassem por igual; igual no corpo de Cristo. Deus permite riquezas e pobreza. Deus concede Seus dons com uma só mão, parecendo desigual, para que nosso amor possa ter o alto privilégio de restaurar a igualdade. A necessidade de alguns nos impele ao amor, à ajuda e à bênção de dar aos outros. E em outras ocasiões, ou em diferentes esferas, quem precisa de ajuda somos nós que havíamos ajudado antes. Tudo está tão bem ordenado que o amor terá ocasião para agir e terá a oportunidade de cultivar e demonstrar o espírito de Cristo.

Que sugestões e que possibilidades existem nas necessidades do mundo, para todo o povo de Deus poder demonstrar que o plano de Deus é o mesmo dele: «Para que possa haver igualdade», e que o espírito de natureza egoísta por parte de alguns, que possuem maiores privilégios, seja eliminado pela cruz. Na filantropia e nas missões é preciso que todos os santos façam tudo que puderem «segundo seu poder e até além de seu poder».

À vista do mundo pagão, oh, que apelo à igualdade, para que compartilhemos com eles o que Deus nos dá! Que novo valor, eterno e inimaginável, adquire o dinheiro quando alguém o dá aos que carecem, pela abundância do que ele tem em Cristo.

Não temos lugar aqui para continuar com as lições que prosseguem no capítulo 9. Vou só relembrar o seguinte:

«Que aquele que dá, que dê em abundância e não em escassez, para que possa ter uma maior recompensa» (v.6). «Que aquele que dá, que o faça com alegria e não de má vontade; Deus ama o doador alegre» (v.7). «Que aquele que dá, o faça confiando: Deus fará com que toda a graça abunde em nos» (v.8). «Dar é motivo de glória para Deus, pela acção de graças daqueles abençoados» (11-13). «Dar nos recorda o dom de Deus e nos conclama a que Lhe agradeçamos Seu dom inefável» (v.15).

Que riqueza de santos pensamentos e sabedoria celestial se nos abrem como resultado das ofertas dos crentes macedónios e coríntios! Por que não reformularmos todas as nossas ofertas sob este pensamento e esta sabedoria, para que possamos fázê-las de perfeito acordo com a pauta divina destes capítulos? Por que não começarmos logo e não entregarmos a Ele, que se fez pobre por nós, tudo aquilo que temos retido e guardado por egoísmo e autocomplacência? E por que não Lhe pedimos que nos mostre através de Seu Espírito, que o valor e a benção do dinheiro consiste em gastá-lo para o Senhor, para a benção do nosso próximo e para usá-lo como um instrumento e exercício da graça, transformando-o assim num tesouro que dura para toda a eternidade?

 

A POBREZA DE CRISTO

 

«Porque conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que por amor a vós, sendo rico, se fez pobre, para que vós fosseis enriquecidos por sua pobreza» 2 Cor.8:9.

 

«Por sua pobreza»: que significa isto? Que se despojou de todas as posses celestiais e terrenas para que as riquezas da terra e do céu pudessem ser nossas? Que tomou nosso lugar no caminho da pobreza terrena, para que nós pudéssemos gozar do bem-estar das riquezas celestiais que Ele conquistou por nós? Ou será que este «por sua pobreza» tem um significado mais profundo e implica que sua pobreza é o mesmo caminho ou passagem que abriu, pelo qual nós teremos de ir se quisermos ingressar plenamente em Suas riquezas? Significa que, tal como Ele necessitou morrer para o mundo em pobreza de espírito e corpo, para poder abrir-nos o caminho dos tesouros celestiais, também nós temos de seguir Seus passos e só por meio da Sua pobreza agindo em nós, por meio da comunhão com Sua pobreza, podemos chegar ao gozo perfeito das riquezas que Ele nos dá? Em outras palavras: a pobreza de Jesus é uma coisa só para Ele ou é algo de que devemos participar nós também, seus discípulos?

Há apenas um aspecto na vida e no carácter de Cristo, do qual não podemos participar. Que tem a ensinar-nos Sua santa pobreza? Será o direito de possuir e gozar as riquezas da terra, tal como se pratica agora na Igreja, que é parte do que Cristo assegurou para nós? Ou será possível que a falta de fé na beleza e bênçãos da vida pobre de Jesus Cristo seja parte da causa da nossa pobreza espiritual? Ou será que o que nos falta da pobreza de Cristo seja a causa da nossa falta de riquezas? Não será preciso que pensemos de um lado: «Por amor a nós se fez pobre», e também do outro: «Por Ele eu sofro a perda de todas as coisas»?

Para achar resposta a estas duas perguntas, primeiro temos de orientar nossa visão para nosso bendito Senhor. Talvez o Espírito Santo desvende alguma coisa da glória deste divino atributo. A menos que nosso coração esteja voltado para nosso Senhor, em contemplação paciente e em oração, esperando que o Espírito Santo nos dê Sua iluminação, podemos pensar, sem dúvida, em Sua divina pobreza, mas não podemos contemplar realmente Sua glória ou conseguir que Seu poder e bênçãos entrem em nossa vida. Que Deus nos dê entendimento!

A primeira coisa que precisamos ver é qual era a razão, a necessidade da pobreza terrena de Cristo. Podia ter vivido na terra possuindo riquezas e distribuindo-as com mão generosa e sábia. Podia ter vindo com algumas posses económicas médias, o bastante para não ter que depender dos outros e possuir um lar, o que Ele não tinha. Tanto num caso como no outro, poderia ter ensinado a Seu povo, de todas as idades, preciosas e necessárias lições a respeito do uso apropriado das coisas deste mundo. Mas não; havia a necessidade divina de que a Sua vida fosse de pobreza total. Ao procurarmos a explicação, achamos duas espécies de razões. Existem as que fazem referência a nós e à Sua obra para connosco como nosso Salvador. Existem outras que estão mais intimamente ligadas a Sua vida pessoal como homem e a obra que o Pai realizava n'Ele, ao se aperfeiçoar através do sofrimento.

Das razões que se referem à Sua obra, as principais podem ser enumeradas facilmente. A pobreza de Cristo faz parte de Sua inteira e profunda humilhação, uma prova de Sua perfeita humildade: estar disposto a descer às mais baixas profundezas da miséria humana, compartilhando por completo de todas as consequências do pecado. Os pobres têm sido desprezados em todas as épocas, enquanto que os ricos são procurados e honrados; Cristo também veio fazer parte dos desprezados e desamparados.

A pobreza de Cristo tem sido sempre relatada como uma das provas de Seu amor. O amor se deleita em dar; o Seu amor perfeito em dar tudo. A pobreza de Cristo é uma das expressões deste amor que se sacrifica a si mesmo e nada retém, procurando ganhar-nos para Si por meio da maior abnegação em nosso favor. A pobreza de Cristo é também Sua capacidade de relacionar-se connosco e ajudar-nos em todas as provações que surgem em nossa relação com este mundo e seus bens. A maior parte da humanidade precisa lutar contra a pobreza. A maioria dos santos de Deus são pessoas pobres e aflitas. A pobreza de Cristo tem sido para milhões a garantia de que Ele pode sentir com eles suas necessidades; que, também para Ele, as necessidades terrenas foram motivo de ajuda celestial, a escola de uma vida de fé, a experiência da fidelidade de Deus e o caminho para as riquezas celestiais.

A pobreza de Cristo é a arma e a prova da Sua completa vitória sobre o mundo. Como nosso Redentor, demonstrou com Sua pobreza que Seu reino não é deste mundo, que do mesmo modo que não temia as ameaças ou a própria morte, também não poderia ser tentado a buscar ajuda nas riquezas ou forças terrenas.

Mas estas razões são mais externas e formais; o profundo significado espiritual da pobreza de Cristo, surgirá quando a considerarmos como parte de Seu treino como Filho do Homem e Sua demonstração do que deve ser a verdadeira vida do homem.

A pobreza de Cristo foi parte deste sofrimento, através do qual Ele aprendeu obediência e foi aprimorado por Deus como nosso Sumo-sacerdote. Para a natureza humana, a pobreza será sempre uma provação. Fomos feitos para sermos reis e possuidores de todas as coisas. Não ter nada é causa de sofrimento.

A humanidade de Cristo não foi, como ensinam as «Docetae», uma mera aparência ou uma encenação. Nunca houve um homem de modo tão intenso e real como Jesus Cristo: «Homem verdadeiro de homem verdadeiro.» A pobreza implica em dependência de outros; significa desprezo e vergonha; com frequência traz escassez e sofrimento; carece dos meios e do poder da terra. Nosso bendito Senhor sentiu tudo isto como homem. E foi através deste sofrimento que o Pai, em parte, operou n'Ele Sua vontade como Filho e o Filho demonstrou Sua submissão ao Pai e Sua absoluta confiança n'Ele.

A pobreza de Cristo foi parte da Sua escola da fé, na qual Ele mesmo aprendeu primeiro e logo ensinou aos homens, que a vida é mais do que a carne e que o homem vive «não só de pão, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus». Em Sua própria vida tinha que provar que Deus e as riquezas do céu podem fazer muito mais que satisfazer um homem que não tem nada na terra; que a confiança em Deus, na vida terrena, não será em vão; que a pessoa só precisa daquilo que Deus se apraz em dar-lhe. Em Sua pessoa temos o testemunho do poder que vem com a pregação do reino do céu, quando o próprio pregador é a prova da sua suficiência.

A pobreza de Cristo foi uma das marcas de Sua completa separação do mundo, a prova de que Ele era de outro mundo e de outro Espírito. E assim, como o pecado entrou no mundo por intermédio de um fruto bom para comer e agradável à vista, o grande poder deste mundo sobre os homens está nos negócios, nas posses e no desfrutar desta vida. Jesus veio para vencer e recuperar o mundo e expulsar seu "príncipe". Conseguiu-o repelindo toda a tentação para que aceitasse seus presentes e procurasse sua ajuda. Neste protesto contra o espírito mundano, seus prazeres e a confiança no aparente, a pobreza de Cristo foi um dos elementos principais. Cristo venceu o mundo, primeiro nas tentações, por intermédio das quais seu "príncipe" tentava fazê-Lo cair numa armadilha e, por conseguinte, através disso exercer seu poder sobre nós.

A pobreza de Cristo não foi, portanto, um mero acidente ou uma circunstância externa. Foi um elemento essencial da Sua perfeita e santa vida; um grande segredo do Seu poder para vencer e salvar; Seu caminho para a glória de Deus.

Queremos saber qual é nossa parte na pobreza de Cristo, até onde temos que seguir Seu exemplo? Estudemos, então, o que Cristo ensinou a Seus discípulos: «Segui-me. Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens.» Chamou-os para participarem com Ele em Sua vida pobre e sem lar, num estado de dependência dos cuidados de Deus e da bondade dos homens. Usou expressões fortes mais de uma vez, tais como ter de abandonar tudo, renunciar a tudo, perder tudo. E eles O entenderam, isso fica patente, porque abandonaram suas redes e hábitos e Lhe disseram pela boca de Pedro: «Nós abandonamos tudo e Te seguimos.»

O apelo de Cristo para O seguirem, parece que se explica como sendo uma chamada ao arrependimento e à salvação. Mas não é este o caso. Os princípios implícitos nesse apelo têm sua aplicação universal; mas para expô-los e colocá-los em vigor de verdade, primeiro é de grande importância compreender o significado desse apelo na sua intenção original. Cristo escolheu para si um punhado de homens que iriam viver com Ele na maior confraternização, em conformidade com a Sua vida e sob Sua directa orientação. Estas três condições eram indispensáveis para que recebessem o Espírito Santo, para poderem ser verdadeiras testemunhas Suas e da vida que Ele havia vivido e que desejava repartir com os homens. Para eles, assim como para Ele, a entrega e renúncia a toda a propriedade e a aceitação do estado de pobreza era, de modo claro, uma condição e um meio sem o qual não podia haver a plena posse das riquezas celestiais, devendo ter um poder tão grande que convencesse os homens de seu valor.

Com Paulo parece que o caso era algo diferente. Sem nenhuma ordem expressa, ao menos que se saiba, o Espírito do Mestre se apoderou dele e fez o mundo das coisas eternas tão real e glorioso para ele, que seu poder de rejeição fez desaparecer toda a ideia de riquezas ou de posição. Paulo aprendeu a dar, como ninguém houvera feito antes, àquilo que deve ter sido a vida mais íntima do bendito Senhor, nas suas próprias palavras: «Como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo nada, mas possuindo tudo.» E nessa vida maravilhosa, como em seus escritos, demonstra que valor dá ao testemunho a respeito das coisas eternas, quando esse testemunho pode exemplificar com sua própria experiência a infinita satisfação que podem dar as riquezas invisíveis. Em Paulo, como em Cristo, a pobreza era uma consequência natural de toda uma paixão consumidora e fez dele um canal pelo qual o poder invisível podia fluir plena e livremente.

É o caso do aumento de riqueza e poder mundanos e de uma correspondente perda do dom celestial que lhe havia sido confiado, e que lhe permitia dar bênção às nações.

O confronto no meio do estado apostólico vem claramente à luz com a história que se conta de um dos papas. Quando Tomás de Aquino visitou Roma pela primeira vez e expressou seu assombro ante toda a riqueza que viu, o Papa disse-lhe: “Não podemos mais dizer "Não tenho prata nem ouro". A resposta foi: “E certamente também não diremos: "Mas o que tenho te dou: no nome de Jesus Cristo de Nazaré, levanta-te e anda."

A pobreza terrena e o poder celestial tinham estado aliados intimamente: com um, desapareceu o outro. Através de épocas sucessivas foi crescendo a convicção de que só por intermédio de um retorno à pobreza podiam romper-se os laços com este mundo e conseguir-se outra vez as bênçãos do céu. E mais de uma vã tentativa foi feita para dar à pobreza um lugar na pregação e na prática da igreja, tal como havia sido nos dias de Pentecostes. Algumas vezes, os esforços de homens santos conseguiram êxitos temporários, mas sempre voltou a fazer-se sentir o terrível poder do grande inimigo: o amor ao mundo.

Houve várias razões para esta falha. Uma delas foi que os homens não entendiam que, estando no Cristianismo, o estado aparente não contaria, mas só o espírito. As palavras de Cristo «O Reino de Deus está em vós», foram esquecidas; e os homens esperavam da pobreza o que só pode ser realizado pelo Espírito de Cristo. Os homens procuraram fazer disso uma lei, dobrar-se às suas regras e unir-se em irmandades, almas que não tinham uma vocação ou uma capacidade interna para uma imitação semelhante a de Cristo. A igreja procurou investir na pobreza com o manto de uma santidade peculiar e, por meio da sua doutrina dos «Conselhos de Perfeição», oferecer uma recompensa por tão alta perfeição. Ensinava que, embora os mandamentos do Evangelho fossem dever de todos, havia certos actos ou modos de vida que ficavam a critério do discípulo. Não eram uma obrigação incontestável; seguir estes conselhos era mais que simples obediência, era um ato além dos limites da obrigação e, portanto, tinha um mérito especial. A partir disto cresceu a doutrina do poder da igreja para dispensar ou distribuir o excesso de mérito dos santos àqueles que careciam dele. E, em alguns casos, a pobreza passou a ser somente uma nova fonte de auto satisfação, fazendo um pacto com a riqueza e lançando sua sombra obscura e mortal sobre aqueles a quem prometia salvar.

No tempo da Reforma, a pobreza havia chegado a ser tão profanada como parte do grande sistema do mal que os reformadores tinham de combater que, ao jogarem fora todos aqueles erros, jogaram fora com eles, também, parte da verdade. Desde aqueles tempos, parece que a nossa teologia protestante nunca se interessou em indagar qual lugar, qual significado e qual poder Cristo e o apóstolo deram realmente à pobreza em seus ensinamentos e em sua prática. Inclusive em nossos dias, quando Deus ainda está recolhendo muitos testemunhos imbuídos da bênção de renunciar a tudo confiando n'Ele e de não possuir nada para possuí-Lo mais plenamente, mal se pode dizer que a igreja tenha achado a exacta expressão da sua fé no espírito da pobreza de Cristo, como o poder com o qual há de se contar como um dos dons que Ele concede a alguns de seus seguidores. Ver-se-á que há bastante dificuldade ao tentarem formular o ensinamento da Escritura de modo a que coincida com os pontos de vista dos crentes evangélicos.

Já falei antes dos horrores relacionados ao ensinamento dos Conselhos de Perfeição. E mesmo assim, havia um fundo de verdade também naquele ensinamento. O erro era dizer que a maior semelhança a Cristo não era uma questão de dever, mas de opção. A Escritura diz: «O que sabe fazer o bem e não o faz, está pecando.» Onde quer que conheçamos a vontade de Deus, temos que obedecê-la. O erro poderia ter sido evitado se se houvesse prestado atenção às diferenças de conhecimento espiritual pelo qual são afectadas nossas percepções de dever. Existe uma diversidade de dons e capacitações, de receptividade e crescimento espiritual, de vocação e de graça, que é o que faz essa diferença; não na obrigação de cada um em procurar a máxima semelhança possível a Cristo, mas na possibilidade de manifestar O externamente esta semelhança nas formas que vemos em Cristo.

Durante os três anos de carreira pública, Cristo entregou Sua pessoa e Seu tempo à obra dirigida por Deus. Não trabalhou para ganhar a vida. Escolheu discípulos que o iriam seguir nisto, deixando de lado todo o trabalho directo para servir ao Reino.

Para ser admitido neste círculo íntimo dos escolhidos. Cristo exigiu algo que não exigia aos outros que só o procuravam em busca de salvação. Estes escolhidos iriam compartilhar com Ele Sua obra e Sua glória do novo reino; iriam compartilhar com Ele Sua pobreza, que consistia em não possuir nada neste mundo.

Do que dissemos antes fica claro que não pode estabelecer-se nenhuma lei. Não se trata de leis e sim de liberdade. Mas precisamos entender devidamente a palavra «liberdade». Com demasiada frequência, quando se fala em liberdade cristã quer-se falar da nossa liberdade quanto a uma restrição excessiva à nossa própria vontade ou aos prazeres do mundo. Seu real significado é precisamente o oposto. O amor pode ser tão livre como podemos ser eu e o mundo para levar tudo a Deus. Em vez de perguntar: Até que ponto, como cristão, sou livre para fazer isto ou aquilo? O verdadeiro espírito livre pergunta: Quanto sou livre para seguir a Cristo até o mais alto grau? A liberdade com que Cristo nos fez livres nos dá a opção de esquecer tudo e seguí-Lo numa união com Ele tão intima quanto possível?

Entre os dons e a vocação que Deus ainda dispensa à Sua igreja, não haverá pessoas que, por Seu Espírito, ainda sejam atraídas até esse ponto especial, de levar e mostrar Sua imagem? Não precisamos fazer o mesmo que os homens e mulheres que lhes ofertaram coisas, quando Ele e Seus apóstolos estavam na terra, o que foi prova concreta e prática de que o homem renuncia às suas posses terrenas porque coloca seu coração nos tesouros do céu e assim podermos contar com Deus para prover-nos das coisas da terra?

Entre a confissão universal de mundanismo na igreja e na vida cristã, não é esta precisamente a contestação que se faz necessária contra as exigências sutis e poderosas que o mundo faz sobre nós? Em relação a cada igreja, a cada missão e às obras de beneficência pergunta-se: Como é que nos países cristãos se gastam milhões e milhões em luxo, quando se gasta tão pouco na obra de Deus? Já se fizeram cálculos sobre o que se poderia fazer se cada cristão fosse apenas moderadamente generoso. Meu grande receio é de que todos esses argumentos não servirão de muito. O socorro há de chegar de uma direcção diferente.

Foi deste círculo íntimo que Ele juntou a Seu redor, que Cristo exigiu uma pobreza tão absoluta quanto a Sua. É no círculo íntimo dos filhos de Deus, entre aqueles que penetram mais profundamente na compreensão das riquezas da graça e a ela se rendem totalmente, que temos de achar as testemunhas a quem Seu Espírito ainda pode inspirar e robustecer para aguentarem sua pobreza. Ele o fez e faz. Em muitos missionários e membros do Exército da Salvação, em muitos obreiros desconhecidos e humildes. Seu Espírito está realizando este exemplo de Sua bendita semelhança. Nos dias em que estamos procurando um avivamento profundo entre os filhos de Deus, Ele ainda nos dará com maior abundância.

Benditos são os que esperam n'Ele para receber Seu ensinamento, para conhecer Sua mentalidade e exibir Sua santa semelhança. Somente quando o círculo mais intimamente ligado a Ele mostrar o poder da Sua presença é que os outros sentirão a influência. Os homens de posses moderadas, os que não sentem vocação para uma vida pobre, virão compelidos pelo constrangimento do poder do exemplo e se sentirão mais impelidos a sacrificar o conforto e o bem-estar pelo serviço a Cristo, do que se sentiam no passado. E os ricos prestarão atenção aos sinais de perigo que Deus pôs em seus caminhos Luc.18:25; Mat.6:1,21; I Tim.6:9,10,16 e poderão, por meio destes exemplos, se não participar da pobreza de Cristo, ao menos receber ajuda para colocarem seus corações mais intensamente nos tesouros do céu: serem ricos na fé, em boas obras, ricos para Deus e saberem-se herdeiros de Deus, das riquezas da graça e das riquezas de glória.

«Que por meio da Sua pobreza possamos ser enriquecidos.» Sua pobreza, não só como objecto da nossa fé, mas também como um caso de experiência e comunhão, é o caminho pela qual se ganha a entrada plena em Suas riquezas. Apresentemos alguns dos aspectos aparentes da bem-aventurada pobreza de Cristo e da comunhão voluntária que nos concede.

Que ajuda para a vida espiritual! Ajuda a dirigir a alma a Deus e ao invisível; a compreender o absoluto de Sua presença e o cuidado com as coisas mais banais da vida quotidiana; a ter confiança em Deus, que move a mola-mestra de todos os interesses temporais bem como espirituais. E como não é possível pedir a intervenção directa de Deus para obter a comida de cada dia, se o homem não estiver andando em pleno conhecimento d'Ele, em terna e fiel obediência, o resultado é que a pobreza une a alma à vontade de Deus e Seus caminhos, pêlos laços mais estreitos. As constantes necessidades do corpo, que são, com frequência, grandes obstáculos, passam a ser ajuda maravilhosa para elevar toda a nossa vida à comunhão de Deus e trazer Deus para nós em tudo. Eleva o espírito acima das coisas transitórias e nos ensina a ficarmos contentes em qualquer situação, sempre alegres falando com Deus.

Que protesto contra o espírito deste mundo! Não existe nada na vida cristã que seja maior causa de sofrimento do que o mundanismo indescritível que advém dos sobressaltos e das riquezas desta vida. Por intermédio delas o deus deste mundo exerce seu terrível poder, mesmo que escondido. É a Dalila, em cujo regaço o nazareno escolhido por Deus se torna impotente e adormece. Para despertar e sacudir deste sonho precisa-se algo mais do que pregar, mais do que a actual generosidade cristã, que, em si, implica no pleno gozo de tudo o que a abundância pode proporcionar. Existe a necessidade da demonstração do Espírito e do poder de Deus, que torna possível aos homens dar tudo o que é desta terra para poderem possuir mais plenamente, gostar e proclamar a suficiência das riquezas celestiais e a satisfação que elas proporcionam. O protesto contra o espírito deste mundo será a proclamação mais poderosa do reino do céu, a própria evidência da revelação de que o céu pode tornar-se nossa possessão, inclusive agora.

Que aproximação isto nos dará da imagem e semelhança de Jesus! Adoremos nosso Senhor na forma de servo e adoremo-Lo como a manifestação mais perfeita possível de humildade e amor divinos. Sua pobreza era uma parte integrante e essencial desta forma de servo em que Ele se fez. Em todas as épocas, o amor de alguns os tem impedido de descansar, desejando obter uma semelhança maior ao bendito Senhor. N'Ele, o exterior e o interior eram vividos em tal harmonia que a fusão das duas coisas não era acidental; uma era a expressão única e perfeita da outra. No corpo de Cristo existe uma grande diversidade de dons; nem todo o corpo é só olho, ou ouvido, ou língua. De modo que existem alguns que são chamados a manifestar este aspecto da sua personalidade e por amor a seus irmãos e ao mundo, conservam viva a lembrança desta parte esquecida da sempre bendita Encarnação. Benditos aqueles a quem o Espírito Santo faz representantes desta Sua maravilhosa graça pela qual, ainda que rico, se fez pobre.

Que poder tem esta pobreza de Cristo, que faz aos outros ricos! É por meio desta pobreza que nós nos tornamos ricos. Sua pobreza traz a mesma bênção ao Seu povo. Na igreja, muitos que não sentem a chamada ou aqueles a quem, pela providência de Deus, não se lhes permite seguir este ideal, irão sentir-se estimulados e fortificados ao vê-la. Quando há alguma testemunha da prova da bênção que é a completa semelhança, os outros que não foram chamados a seguir este caminho, sentem-se impulsionados, no meio das riquezas que possuem, a procurar assemelhar-se a eles em espírito, tanto quanto lhes é permitido. O ofertar cristão não só será mais generoso em quantidade, como também mais generoso em espírito, em disposição e em alegria. Por meio da Sua pobreza, por meio da pobreza de Cristo neles, muitos serão enriquecidos.

Do mesmo modo que o especialista se dedica somente a um ramo da ciência, por exemplo a medicina e todos se beneficiam da exclusividade de suas próprias investigações, também por meio daqueles que amam, vivem e manifestam a pobreza de nosso Senhor, a igreja se enriquece. Por intermédio deles, a pobreza de Cristo consegue chegar e entrar no coração de muitos, onde era desconhecida e se percebe que isto fez parte da Sua vitória sobre o mundo e como pode fazer parte da nossa vitória para vencer o mundo, ou seja, a nossa fé.

Já disse que nem todos têm a mesma vocação. Como vamos saber qual é a nossa vocação? Podemos permitir facilmente que a ignorância, o preconceito, a própria indulgência, o mundanismo, a sabedoria dos homens, ou a incredulidade nos desviem e impeçam a simplicidade do coração perfeito, e nos ceguem para não vermos a luz plena da perfeita vontade de Deus. Vejamos em que posição se pode achar a perfeita segurança e onde podemos contar com a confiança, com a orientação e aprovação divinas.

Não faz muito tempo eu estava ao lado do leito de morte de um servo de Deus, o Reverendo Geo Ferguson, o director de nosso Instituto Missionário. Disse-me ele que havia meditado sobre um texto que tinha aparecido no decorrer de sua preparação para uma aula no Instituto: «Se nossos pecados forem como os grãos escarlates, virão a ser como a neve.» Ao pensar nisso foi como se alguém lhe dissesse: “Branco como a neve”. “Sabes o que é isto?» A resposta foi: “Não, Senhor, só Tu sabes; eu não. E logo veio a pergunta: “Branco como a neve. Podes conseguir? Podes tornar-te assim?” “Não, Senhor, eu não posso; mas Tu, sim. E veio outra pergunta: “Queres que Eu o faça?” “Sim, Senhor; pela Tua graça estou pronto para que faças tudo o que quiseres.»

Estas três perguntas sugerem precisamente qual é nosso dever. A pobreza divina de Jesus Cristo: “Sabes o que é?”. O que é n'Ele, em seus discípulos, em Paulo e em seus santos em anos posteriores? A resposta é: “Não, Senhor, só Tu sabes. É disto que necessitamos antes e acima de tudo. Se Deus abrisse nossos olhos para que víssemos a virtude espiritual de nosso Senhor em Sua pobreza, em Sua inteira renúncia a todo o conforto ou prazeres mundanos; se víssemos a virtude divina da qual isto é a personificação; se soubéssemos como foi infinitamente formoso para os santos anjos, infinitamente agradável para o Pai, só assim poderíamos, em algum grau, dizer se é algo que queremos desejar e imitar. Se víssemos a simplicidade e a grandeza que a semelhança a nosso Senhor traria à nossa vida, diríamos: “Estive falando do que não entendo; oh, que Deus me mostrasse também Sua glória: «Por amor a vós, sendo rico, se fez pobre para que vós fosseis enriquecidos por sua pobreza.» Antes de julgar, peça ao Espírito Santo que o faça conhecedor.

Depois vem a segunda pergunta: “Podes consegui-lo?” A semelhança de Jesus, podes renunciar ao mundo em favor de Deus e do teu próximo e achar teu júbilo nas riquezas celestiais e na bênção de ser dependente de Deus apenas? “Não, Senhor, não posso; mas Tu podes”. Vem e olha o Filho de Deus e adora-O enquanto pensas. Foi Deus quem O fez como foi; e pensa que Deus pode, com Seu grande poder, realizar em mim Sua divina semelhança. Pede a Deus que te revele por Seu Espírito o que é a pobreza de Jesus e que logo opere em ti tanto quanto possas suportar.

Fiques certo disto: quanto mais profunda for tua identificação em Sua pobreza, mais rico serás. E se a última pergunta vier sondar teu coração: “Estás disposto a isso?” Então, por certo, tua resposta estará pronta: “Por Tua graça, estou!” É possível que não vejas nenhuma saída para todas as complicações da tua vida. Pode ser que receies sobrevir sacrifícios e provações que não possas suportar. Mas não temas; porque não há que temer entregar-se ao perfeito amor de Deus, para que Ele opere Sua perfeita vontade. Para tudo o que Ele quer que faça dar-te-á, sem dúvida, discernimento e poder. O trono de riquezas, honra e glória no qual o Cordeiro foi exaltado é, sem dúvida, prova suficiente de que não há caminho mais seguro para a riqueza e a honra do que através de Sua pobreza. A alma que se entrega em simplicidade aos cuidados do Senhor, achará que a comunhão com seus sofrimentos lhe trará aqui mesmo a comunhão da Sua glória: «Mesmo sendo rico, por amor a vós se fez pobre, para que vós fosseis enriquecidos por Sua pobreza.»

FIM

José Mateus
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