CAPÍTULO 14 - História das perseguições na Grã Bretanha e Irlanda,

antes do reinado da rainha Maria I 

Gildas, o mais antigo escritor britânico conhecido, que viveu por volta do tempo em que os saxões chegaram à ilha da Grã Bretanha, tem deixado uma narração terrível da barbárie daquelas pessoas.

Os saxões, ao chegarem, sendo pagãos como os escoceses e os pictos, destruíram as igrejas, assassinando o clero lá por onde passavam; mas não puderam destruir o cristianismo, porque os que não quiseram submeter-se ao jugo saxão, fugiram e se estabeleceram além do Sevem. Os nomes dos cristãos que padeceram naqueles tempos, especialmente os do clero, não nos foram transmitidos.

O exemplo mais terrível desta barbárie sob o governo saxão foi o massacre dos monges de Bangor em 586. Estes monges eram em todos os aspectos distintos dos que levam este mesmo nome em nossos dias.

No século oitavo, os dinamarqueses, que eram uns bandos errantes de piratas e bárbaros, chegaram a diversas partes da Grã Bretanha, tanto da Inglaterra como da Escócia.

No princípio foram rejeitados, porém no ano 857 um grupo deles chegou a algum lugar perto de Southampton, e não somente saquearam o povoado, senão que queimaram as igrejas e assassinaram o clero.

Em 868 estes bárbaros penetraram o centro da Inglaterra e se assentaram em Nottingham; mas os ingleses, sob o rei Ethelred, os expulsaram de seus posições, e os obrigaram a retirar-se a Northumberland.

Em 870, outro grupo destes bárbaros desembarcou em Norfolk, e livrou batalha contra os ingleses em Hertfortd. A vitória foi dos pagãos, que tomaram prisioneiro a Edmundo, rei dos ingleses orientais, e depois de ter-lhe infligido mil indignidades, traspassaram seu corpo com setas, e depois o decapitaram.

Em Fifeshire, na Escócia, queimaram muitas das igrejas, entre estas a pertencente aos culdeus, em St. Andrews. A piedade destes homens os fazia objeto do aborrecimento dos dinamarqueses, que ali aonde iam indicavam os sacerdotes cristãos para a destruição, e não menos de duzentos foram mortos na Escócia.

Aconteceu algo muito semelhante na zona da Irlanda chamada Leinster, onde os dinamarqueses assassinaram e queimaram vivos os sacerdotes em suas próprias igrejas; levavam a destruição por onde iam, sem perdoar sexo nem idade, mas o clero era para eles o mais odioso, porque ridicularizavam suas idolatrias, persuadindo seu povo para que não tivessem nada a ver com eles.

No reinado de Eduardo III, a Igreja de Inglaterra estava sumamente corrompida com erros e superstição, e a luz do Evangelho de Cristo tinha sido muito eclipsada e abaçanada pelas invenções humanas, cerimônias recarregadas e uma torpe idolatria.

Os seguidores de Wycliffe, então chamados lolardos, tinham-se feitos muito numerosos, e o clero estava muito ultrajado ante seu crescimento. Mas for qual fosse o poder que tiverem para molestá-los e fustigá-los, não tinham autoridade legal para dar-lhes morte. Contudo, o clero aproveitou uma oportunidade favorável, e prevaleceram sobre o rei para introduzir uma lei ante o parlamento pela qual todos os lolardos que permanecessem obstinados pudessem ser entregues ao braço secular, e queimados como hereges. Esta lei foi a primeira introduzida na Grã Bretanha para queimar pessoas por suas crenças religiosas; foi introduzida no ano 1401, e pouco depois se fizeram sentir seus efeitos.

A primeira pessoa em sofrer a conseqüência desta cruel lei foi William Santree, ou Sawtree, um sacerdote que foi queimado vivo em Smithfield.

Pouco depois disto, Sir John Oldcastle, lorde Cobham, foi acusado de heresia, por sua adesão às doutrinas de Wycliffe, e foi condenado a ser enforcado e queimado, o qual foi executado em Lincoln's Inn Fields, em 1419. Em sua defesa escrita, lorde Cobham disse:

"Em quanto as imagens, entendo u que não são um objeto de fé, senão que foram ordenadas desde que a fé de Cristo foi dada, por permissão da Igreja, para representar e trazer à mente a paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, e o martírio e a vida piedosa de outros santos: e que todo aquele que der culto as imagens mortas, culto que se deve a Deus, ou não deposite sua esperança ou confie em sua ajuda como deveria fazer em Deus, ou que tenha afeição a umas mais que as outras, nisto comete o grande pecado do culto idolátrico".

"Também acredito plenamente nisto, que cada homem nesta terra é um peregrino rumo a glória ou ao sofrimento; e que aquele que não conhece e não cumpre os santos mandamentos de Deus em sua vida aqui (embora vá de peregrinação por todo o mundo, e assim morra), será condenado; o que conhece os santos mandamentos de Deus e os guarda até o fim, este será salvo, ainda que jamais em sua vida tenha saído em peregrinação, como costumam fazê-lo agora os homens, a Canterbury, a Roma, ou a qualquer outro lugar".

No dia marcado, lorde Cobham foi tirado da Torre com suas armas amarradas atrás dele, mostrando um rosto radiante. Logo foi feito jazer sobre um entabuado com patins, como se tivesse sido o pior traidor à coroa, e arrastado deste jeito até o campo de St. Giles. Ao chegar ao lugar da execução, e ser tirado daquela espécie de trenó, se ajoelhou com devoção, pedindo ao Deus Onipotente que perdoasse seus inimigos. Depois se levantou e contemplo a multidão, e os exortou da forma mais piedosa a seguir nas leis de Deus, escritas nas Escrituras, e a afastar-se daqueles mestres que vissem serem contrários a Cristo em sua maneira de falar e agir. Depois foi pendurado dos lombos com uma corrente de ferro, e queimado vivo no fogo, louvando o nome de Deus enquanto teve hálito de vida. A multidão presente deu grandes mostrar de dor. Isto teve lugar em 1418.

Seria escrupuloso explicar como se comportaram os sacerdotes naquela ocasião, ordenando ao povo que não orasse por ele, senão que o considerassem condenado ao inferno, porque tinha sido morto em desobediência a seu Papa.

Assim repousa este corajoso cavalheiro cristão, Sir John Oldcastle, sob o altar de Deus, que é Jesus Cristo, entre aquela piedosa companhia que no reino da paciência sofreram grande tribulação com a morte de seus corpos, por Sua fiel palavra e testemunho.

Em agosto de 1473 foi apreendido um chamado Tomás Granter, na cidade de Londres; foi acusado de professar as doutrinas de Wycliffe, pelas que foi condenado como herege obstinado. Este piedoso homem, levado à casa do xerife pela manhã do dia designado para sua execução, pediu algo de comer, e tendo comido um pouco, disse às pessoas presentes: "Como bem agora, pois tenho que livrar uma estranha batalha antes de jantar". Tendo acabado a comida, deu graças a Deus pela abundância de Sua providência cheia de graça, pedindo que o levasse já ao lugar de sua execução, para poder dar testemunho da verdade daqueles princípios que havia professado. Portanto, foi acorrentado a uma estaca em Tower-Hill, onde foi queimado vivo, professando a verdade com seu último alento.

No ano 1499, um homem chamado Badram, muito piedoso, foi trazido ante o bispo de Norwich, acusado por alguns dos sacerdotes de sustentar as doutrinas de Wycliffe. Confessou então que acreditava em todas aquelas coisas das quais era acusado. Portanto foi condenado como herege obstinado, e se lavrou uma ordem para sua execução; foi conduzido logo à estaca em Norwich mesmo, onde sofreu com grande constância.

Em 1506 um homem piedoso chamado William Tilfrey foi queimado vivo em Amersham, num lugar chamado Stoneyprat, e sua filha, Joan Clark, mulher casada, foi obrigada a acender a lenha com a qual ia-se queimar seu pai.

Esse ano também um sacerdote, o padre Roberts, foi declarado diante do bispo de Lincoln convicto de ser um lolardo, e foi queimado vivo em Buckingham.

Em 1507, um homem chamado Tomás Norris foi queimado vivo pelo testemunho da verdade do Evangelho, em Norwich. Este era um homem piedoso, inofensivo e pacífico, porém seu pároco, falando com ele um dia, conjeturou que fosse um lolardo. Como conseqüência desta suposição o denunciou ao bispo, e Norris foi apreendido.

Em 1508, Lawrence Guale, que tinha permanecido encarcerado durante dois anos, foi queimado vivo em Salisbury, por negar a presença real no Sacramento. Parece que este homem tinha tenda aberta em Salisbury, e deu hospitalidade em sua casa a alguns lolardos, pelo que foi denunciado ante o bispo; porém ele se manteve firme, e foi condenado a sofrer como herege.

Uma piedosa mulher foi queimada em Chippem Subdume por ordem do chanceler doutor Wittenham. Depois de ter sido consumida pelas chamas, e quando as pessoas voltavam já para suas casas, um touro escapou de um açougue, e dirigindo-se de maneira particular contra o chanceler dentre o resto da multidão, o traspassou com seus chifres, e lhe arrancou com eles as entranhas, levando-as depois neles. Isto foi visto por todos os assistentes, e deve destacar-se que a besta não vez mais tentativas contra ninguém em absoluto.

O 18 de outubro de 1511, William Sucling e John Bannister, que se haviam desdito, tendo voltado à profissão de fé, foram queimados vivos em Smithfield.

No ano 1517, um homem chamado John Broqn (que antes tinha-se retratado no reinado de Henrique VII, e levado um tronco de lenha em volta da igreja de são Paulo), foi condenado pelo doutor Wonhaman, arcebispo de Canterbury, e queimado vivo em Ashford. Antes de ser acorrentado na estaca, o arcebispo Wonhaman, e Yester, arcebispo de Rochester, fizeram queimar seus pés no fogo até que se desprendeu toda a carne dos ossos. Isto o fizeram para forçá-lo a retratar-se, mas el persistiu em sua adesão à verdade até o fim.

Por este tempo foi apreendido Richard Hunn, um alfaiate da cidade de Londres, por recusar pagar ao sacerdote seus honorários pelo funeral de um menino; foi levado então à Torre dos Lolardos, no palácio de Lambeth, onde foi assassinado em privado por alguns dos criados do arcebispo.

O 24 de setembro de 1518, John Stilincen, que antes se havia retratado, foi apreendido, feito comparecer ante Richard Fitz-James, bispo de Londres, e condenado o 25 de outubro como herege. Foi acorrentado à estaca em Smithfield entre uma imensa multidão de espectadores, e selou com seu sangue seu testemunho da verdade. Declarou que era um lolardo, e que sempre havia acreditado nas doutrinas de Wycliffe; e que ainda que antes tinha sido tão fraco como para desdizer-se de suas crenças, que agora estava disposto a convencer o mundo todo de que estava pronto para morrer pela verdade.

No ano 1519, Tomás Mann foi queimado em Londres, como também Robert Celin, um homem simples e honesto, por terem falado contra o culto às imagens e contra as peregrinações.

Por volta desta época James Brewster, de Colehester, foi executado em Smithfield, Londres. Suas crenças eram as mesmas que as do resto dos lolardos, ou daqueles que seguiam soldado doutrinas de Wycliffe; porém apesar da inocência de sua vida e de sua boa reputação, se viu obrigado a suportar a ira papal.

Durante este mesmo ano, um sapateiro chamado Cristopher foi queimado vivo em Newbury, em Berlishire, por negar os artigos papistas que já mencionamos. Este homem possuía alguns livros em inglês que já eram suficientes para fazê-lo odioso ante o clero romanista.

Robert Sillcs, quem tinha sido condenado ante o tribunal do bispo como herege e que logrou fugir do cárcere, foi não obstante apresado dois anos mais tarde, e devolvido a Coventry, onde foi queimado vivo. Os xerifes sempre confiscavam os bens dos mártires para seu próprio benefício, de modo que suas mulheres e filhos eram deixados morrer de fome.

Em 1532, trabalho Harding, acusado de heresia junto com sua mulher, foi trazido ante o bispo de Lincoln e condenado por negar a presença real no Sacramento. Depois foi amarrado a uma estaca, levantada para este fim em Chesham, Pell, perto de Botely e, quando houveram acendido o fogo da pira, um dos espectadores lhe rompeu o crânio com um cacetete. Os sacerdotes tinham falado para o povo que todo aquele que trouxer lenha para queimar hereges teria uma indulgência para cometer pecados durante quarenta dias.

A finais daquele ano, Worham, arcebispo de Canterbury, prendeu um tal Hillen, sacerdote de Maidstone, e depois de ter sido torturado durante longo tempo no cárcere e de ter sido várias vezes interrogado pelo arcebispo e por Fischer, bispo de Rochester, foi condenado como herege e queimado vivo diante da porta de sua própria igreja paroquial.

Trabalho Bilney, professor de lei civil em Cambridge, foi feito comparecer ante o bispo de Londres, e vários outros bispos, na Casa do Capítulo em Westminster, e sendo ameaçado várias vezes com a estaca e as chamas, foi o suficientemente fraco como para retratar-se, porém depois se arrependeu seriamente.

Por isto foi obrigado a comparecer ante o bispo por segunda vez, e condenado a morte. Antes de ir à fogueira confessou sua adesão às doutrinas que Lutero mantinha, e quando se viu na fogueira, disse: "Tenho sofrido muitas tempestades neste mundo, mas agora minha nave chegará segura a porto". Se manteve imóvel nas labaredas, clamando: "Jesus, creio!". Estas foram as últimas palavras que o ouviram dizer.

Poucas semanas depois do martírio de Bilney, Richard Byfield foi lançado no cárcere, e suportou açoites por sua adesão às doutrinas de Lutero; byfield tinha sido monge durante um tempo em Bames, Surrey, porém se converteu lendo a tradução de Tyndale do Novo Testamento. Os sofrimentos que este homem suportou pela verdade foram tão grandes que se precisaria um volume para narrá-los. Algumas vezes foi encerrado numa masmorra, na que ficou quase asfixiado pelo horrendo fedor da imundícia e da água estagnada. Em outras ocasiões lhe amarravam os bracos, ate que quase todas suas articulacoes ficavam deslocadas. O açoitaram amarrado a um poste em várias ocasiões, com tal brutalidade que quase não lhe sobrou carne nas costas; e tudo isto o fizeram para levá-lo a desdizer-se. Foi finalmente levado à Torre deserto Lolardos no palácio de Lambeth, onde foi acorrentado do pescoço à parede, e chicotado outra vez da forma mais cruel pelos criados do arcebispo. Finalmente foi condenado, degradado e queimado em Smithfield.

O seguinte em sofrer o martírio foi John Tewkesbury. Era um homem simples que não se tinha feito culpado de nada em contra da chamada Santa Mãe Igreja, além de ler a tradução de Tyndale do Novo Testamento. No princípio teve a debilidade de abjurar, porém depois se arrependeu e reconheceu a verdade. Por isto foi levado ante o bispo de Londres, que o condenou como herege obstinado. Sofreu muito durante o tempo de seu encarceramento, de maneira que quando o levaram à execução estava já quase morto. O conduziram até a fogueira em Smithfield, onde foi queimado, declarando ele seu total aborrecimento do papado, e professando uma firme fé em que sua causa era justa perante Deus.

O seguinte em sofrer neste reinado foi James Baynham, um respeitado cidadão de Londres, que se havia casado com uma viúva de um cavalheiro do Temple. Quando foi acorrentado à estaca abraçou as brasas e disse: "Olhai, papistas! Buscais milagres; aqui vereis vós um milagre; porque neste fogo não sinto eu mais dor que numa cama; me é tão doce como um leito de rosas!". E assim entregou sua alma em mãos de seu Redentor.

Pouco depois da morte deste mártir, um tal Traxnal, um camponês inofensivo, foi queimado vivo em Bradford, Wiltshire, porque não queria reconhecer a presença real no Sacramento, nem admitir a supremacia papal sobre as consciências dos homens.

No ano 1533 morreu pela verdade John Frith, um destacado mártir. Quando foi levado à fogueira em Smithfield abraçou a lenha, e exortou a um jovem chamado Andrew Hewit, que sofreu com ele, a confiar sua alma ao Deus que a tinha remido. Estes dois sofredores padeceram grande tormento, porque o vento afastava as chamas deles, de modo que sofreram uma agonia de duas horas antes de expirar.

No ano 1538, um demente chamado Collins sofreu a morte junto com seu cachorro em Smithfield. O que aconteceu foi o seguinte: Collins estava um dia na igreja quando o sacerdote fez a elevação da hóstia; e Collins, ridicularizando o sacrifício da missa, levantou seu cachorro por acima de sua cabeça. Por este crime Collins, que devia ter sido enviado num manicômio, ou acoitado atrás de uma carreta, foi feito comparecer ante o bispo de Londres; e ainda que realmente estivesse louco, tal era o poder do papado, e tal a corrupção da Igreja e do estado, que o pobre maluco e seu cachorro foram levados à fogueira em Smithfield, onde foram queimados vivos, ante uma grande multidão de espectadores.

Também outras pessoas sofreram naquele mesmo ano, e se mencionam a continuação: um tal de Cowbridge sofre em Oxford, e ainda fosse considerado demente, deu grandes mostras de piedade quando o amarravam à estaca, e depois que acenderam o fogo a seu redor.

Por aquela mesma época um chamado Purdervue foi morto por ter falado em privado a um sacerdote, depois que este tinha bebido o vinho: "Abençoou o povo faminto com o cálice vazio".

Ao mesmo tempo foi condenado William Letton, um monge muito ancião, no condado de Suffolk, queimado em Norwich por falar em contra de um ídolo que era levado em procissão, e por dizer que o Sacramento devia ser ministrado sob as duas espécies.

Algum tempo antes de serem queimados os dois anteriores, Nicolas Peke foi executado em Norwich, e quando acenderam o fogo, foi tão abrasado que ficou preto como betume. O doutor Reading estava diante dele, com o doutor Heame e o doutor Spragwell, com uma longa vara branca na mão. com ela bateu no ombro direito do réu, e lhe disse: "Peke, retrata-te, e crê no Sacramento". A isto respondeu ele: "Te desprezo, e também ao sacramento", e cuspiu sangue com grande violência, devido à atroz dor de seus sofrimentos. O doutor Reading concedeu quarenta dias de indulgência ao sofredor, para que pudesse desdizer-se de suas opiniões; porém ele persistiu em sua adesão à verdade, sem prestar atenção alguma à malícia de seus inimigos; finalmente foi queimado vivo, gozando-se de que Cristo o tivesse considerado desígnio de sofrer por causa ed Seu nome.

O 28 de julho de 1540 ou 1541 (há diferenças acerca da datação), Tomás Cromwell, conde de Essex, foi levado ao cadafalso na Torre, onde foi executado com alguns gestos destacáveis de crueldade. Fez um breve discurso ao público, e depois se resignou mansamente ao machado.

Acreditamos que é muito próprio que este nobre seja contado entre os mártires, porque ainda que as acusações proferidas contra ele nada tinham a ver com a religião, se não tivesse sido pelo seu zelo por abater o papismo, poderia pelo menos ter obtido o favor do rei. A isto se deve agregar que os papistas tramaram sua destruição porque ele fez mais por impulsionar a Reforma que ninguém em sua época, com exceção do doutor Cranmer.

Pouco depois da execução de Cromwell, o doutor Cuthbert Barnes, Tomás Gamet e William Jerome foram feitos comparecer ante a corte eclesiástica do bispo de Londres, e acusados de heresia.

Presente ante o bispo de Londres, lhe perguntou ao doutor Barnes se os santos oravam por nós. A isto respondeu que "o deixava a Deus; mas (agregou), eu orarei por vós".

O 13 de julho de 1541 estes homens foram tirados da Torre e levados a Smithfield, onde foram acorrentados a uma estaca, e sofreram ali com uma constância que nada senão uma firme fé em Jesus poderia inspirá-lhes.

Tomás Sommers, um honrado mercador, foi lançado em prisão, em companhia de outros três, por lerem alguns livros de Lutero, e foram condenados a levar aqueles livros a um fogo em Cheapside; ali deviam lançá-los às chamas; porém Sommers lançou os seus por acima delas, e foi por isso devolvido à Torre, e ali apedrejado até morrer.

Neste tempo estavam executando-se umas terríveis perseguições em Lincoln, sob o doutor Longland, bispo daquela diocese. Em Buckingham, Tomás Bairnard e James Moreton foram condenados a serem queimados vivos, o primeiro por ler a Oração do Senhor em inglês, e o outro por ler a Epístola de Tiago em inglês.

O sacerdote Anthony Parsons foi enviado, e com ele outros dois, a Windsor, para ser ali interrogado acerca de uma acusação de heresia, e lhes deram ali vários artigos para que os subscrevessem, os quais recusaram. Logo sua causa foi seguido pelo bispo de Salisburym que foi o mais violento perseguidor naquele tempo, com exceção de Bonner. Quando foram trazidos à estaca, Parsons pediu de beber, e ao dar-lhe, brindou a seus companheiros de martírio, dizendo: "Gozai-vos, irmãos, e alçai vossos olhares a Deus; porque depois deste duro desjejum espero uma boa comida que vamos ter no Reino de Cristo, nosso Senhor e Redentor". Depois destas palavras, Eastwood, um dos sofredores, levantou seus olhos e as mãos ao céu, pedindo ao Senhor em voz alta que recebesse seu espírito. Parsons aproximou mais a palha de si mesmo, e depois disse aos espectadores: "Esta é a armadura de Deus, e agora sou um soldado cristão pronto para a batalha! Não espero misericórdia senão pelos méritos de Cristo; Ele é meu único Salvador. NEle confio eu para minha salvação". Pouco depois disto se acenderam as fogueiras, que queimaram seus corpos, mas que não puderam danificar suas almas preciosas e imortais. Sua constância triunfou sobre a crueldade, e seus sofrimentos serão tidos em eterna lembrança.

Assim era entregue, uma e outra vez, o povo de Cristo, e suas vida compradas e vendidas. Porque, no parlamento, o rei estabeleceu esta lei cruel e blasfema como lei perpétua: que todo que lesse as Escrituras em sua língua vernácula (o que naquele então era chamado de "ciência de Wycliffe") devia perder sua terra, seu gado, seu corpo, sua vida e seus bens, por si e por seus herdeiros para sempre, e serem condenados como hereges contra Deus, inimigos da coroa e culpados de alta traição contra a terra.

JOSÉ MATEUS
zemateus@msn.com