Ao tratar acerca destas pessoas desde uma perspectiva
histórica, nos vemos obrigados a falar com muita gentileza. Não se pode negar
que diferem da generalidade dos protestantes em certos pontos capitais de
religião, e, contudo, como conformistas protestantes, ficam incluídos sob a
descrição da lei da tolerância. Não é aqui assunto nosso indagar acerca de se
houve pessoas de crenças similares nos tempos da cristandade primitiva; talvez
não, em certos aspectos, porém devemos escrever acerca deles não em quanto a
como eram, senão em quanto ao que agora são. Certo é que têm sido tratados por
vários escritores de forma muito depreciativa; também é certo que não mereciam
este tratamento.
O apelativo de Quáquero foi-lhes dado
como termo de vitupério, como conseqüência das evidentes convulsões que sofriam
quando davam seus discursos, porque imaginavam que eram efeito da inspiração
divina.
Não nos toca a nós agora indagar se as crenças destas pessoas
concordam com o Evangelho, mas o que sim é verdade é que o primeiro de seus
líderes como grupo separado foi um homem de escuro berço, que primeiro viveu em
Leicesterchire, por volta de 1624. ao referir-nos a este homem expressaremos
nossos próprios sentimentos de uma forma histórica, e unindo a estes o que
disseram os próprios Amigos, trataremos de dar uma narração completa.
George Fox descendia de pais honrados e respeitados, que o
criaram na religião nacional; porém de criança parecia religioso, calado, firme
e manifestando, além de seus anos, um conhecimento não comum das coisas
divinas. Foi educado para a agricultura e outras atividades do campo, e estava
inclinado de maneira particular à ocupação solitária de pastor, emprego este
bem apropriado para sua mente em vários aspectos, tanto por sua inocência como
por seu afã de solidão; e foi um justo emblema de seu ministério e de seus
serviços posteriores. No ano 1646 deixou totalmente a Igreja nacional, em cujos
princípios tinha sido criado e até então, observado; em 1647 se dirigiu a
Derbyshire e Nortinghamshire, sem nenhum propósito determinado de visitar
nenhum lugar particular, senão que andou solitário por várias cidades e
povoados, ali onde o levava a mente. "Jejuava muito", diz Sewell,
"e freqüentemente caminhava a lugares retirados, sem outra companhia que
sua Bíblia". "Visitou à gente mais retirada e religiosa daqueles
lugares", diz Penn, "e alguns havia, bem poucos, besta nação, que
esperavam a consolação de Israel dia e noite; como Zacarias, Ana e Simeão a
esperavam em tempos antigos. A estes foi enviado, e a estes buscou nos condados
limítrofes, e entre eles ficou até que lhe foi dado um ministério mais amplo.
Neste tempo ensinou, e foi um exemplo de silêncio, tratando de tirá-los de uma
atuação artificial, testemunhando-lhes acerca da luz de Cristo dentro deles, e
voltando-ao a ela, e alentando-os a esperar pacientemente, e a sentir seu poder
agitando-se em seus corações, para que seu conhecimento e culto a Deus pudesse
consistir no poder de uma vida incorruptível que devia ser achada na luz, por
quanto era obedecida na manifestação da mesma no homem: porque no Verbo estava
a vida, e a vida era a luz dos homens. Vida na palavra, luz nos homens; e vida
também nos homens, assim como a luz é obedecida; vivendo os filhos da luz pela
via da Palavra, pela qual a Palavra os gera de novo para Deus, o qual é a
geração e o novo nascimento, sem o qual não há entrada no Reino de Deus, no
qual todo aquele que entra é maior que João, isto é, que a dispensação de João,
que não era a do Reino, senão que foi a consumação da legal, e precursor dos
tempos do Evangelho, do tempo do Reino. Por isso, começaram a realizar-se
várias reuniões naquelas partes, e assim dedicou seu tempo durante alguns
anos".
No ano 1652 "teve uma grande visitação da grande obra de
Deus na terra, e da forma em que devia sair, para iniciar seu ministério
público". Empreendeu rumo ao norte, "e em todos os lugares aos que
chegava, se não antes de chegar a eles, lhe era mostrado de forma particular
seu exercício e serviço, de modo que o Senhor era verdadeiramente seu
condutor". Converteu a muitos a suas opiniões, e muitos homens piedosos e
bons se uniram a seu ministério. Estes foram escolhidos especialmente para visitar
as assembléias públicas para repreender, reformar e exortar os ouvintes. Às
vezes em mercados, férias, pelas ruas e pelos caminhos, "chamando os
homens ao arrependimento e a voltar para o Senhor, com todo o coração, assim
como com suas bocas; dirigindo-os à luz de Cristo dentro deles, para que
vissem, examinassem e considerassem seus caminhos, e a evitar o mal e a fazer a
boa e agradável vontade de Deus".
Não se encontraram sem oposição na tarefa para a qual
imaginavam ter sido chamados, sendo freqüentemente colocados em cepos,
apedrejados, espancados, açoitados e encarcerados, embora fossem homens
honrados e de boa reputação que haviam deixado mulheres, filhos, casas e terras
para visitá-los com um vivo chamamento ao arrependimento. Mas estes métodos
coercitivos antes acenderam que diminuíram seu zelo, e naquelas zonas lhes
ganharam muitos prosélitos, e entre eles vários magistrados e outros das
classes altas. Entenderam que o Senhor tinha-lhes proibido descobrir a cabeça
diante de ninguém, alto ou baixo, e que lhes demandava se dirigissem a todos,
sem distinção, tratando-os de "tu". Tinham escrúpulos acerca de
desejar bons dias ou boas noites às pessoas, e não podiam dobrar joelho diante
de ninguém, nem sequer da suprema autoridade. Tanto homens como mulheres
levavam uma vestimenta simples, diferente da moda dos tempos. Não davam nem
aceitavam títulos de respeito ou honra, e a ninguém na terra estavam dispostos
a chamar de mestre. Citavam vários textos da Escritura para defender estas
peculiaridades, como "Não jureis", "Como podeis vós crer, recebendo
honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?, etc.
etc. baseavam a religião numa luz interior, e num impulso extraordinário do
Espírito Santo.
Em 1654 celebraram sua primeira reunião separada de Londres,
em casa de Robert Dring, em Warling Street, porque para aquele então tinham-se
estendido por todas partes do reino, e em muitos lugares haviam aparecido
reuniões ou assembléias, particularmente em Lancashire e régios adjacentes, porém
continuavam expostos a grandes perseguições e provações de todo tipo. Um deles,
numa carta ao protetor, Oliveiro Cromwell, lhe diz que embora não há leis
penais que obriguem ninguém a se submeter à religião estabelecida, contudo os
quáqueros são denunciados por outras causas; são multados e encarcerados por
recusar prestar juramento; por não pagar dízimos; por perturbar as assembléias
públicas e reunir-se nas ruas e lugares públicos; a alguns deles os haviam
chicotado como a vagabundos, e por falar com fraqueza aos magistrados.
Sob o favor da tolerância então existente abriram suas
reuniões em Bull e Mouth, em Aldersgate Street, onde suas mulheres, igual que
os homens, eram estimuladas a falarem. Seu zelo os levou a algumas
extravagâncias, o que os expus mais ao açoite de seus inimigos, que agiram
duramente contra eles no seguinte reinado. Ao ser suprimida a insensata
insurreição de Venner, o governo publicou uma proclama proibindo os
anabatistas, quáqueros e Homens da Quinta Mocarquia que celebrassem assembléias
ou reuniões sob pretexto de dar culto a Deus, exceto se o faziam em alguma
igreja paroquial, ou em casas privadas, com o consentimento do dono da casa,
declarando-se ilegais e sediciosas todas as reuniões em quaisquer outros
lugares, etc., etc. Então os quáqueros consideraram conveniente enviar a
seguinte carta ao rei, com as seguintes palavras:
Oh, rei Carlos!
É nosso desejo que vivas sempre no temor de Deus, e também
teu Conselho. Te rogamos a ti e a teu Conselho que leais as seguintes linhas
com piedade e compaixão para nossas almas, e para teu bem.
E considera isto, que estamos encarcerados uns quatrocentos
em e em volta da cidade, homens e mulheres, arrebatados a suas famílias, e além
uns mil nos cárceres dos condados; desejamos que nossas reuniões possam não ser
dispersas, senão que tudo venha a justo juízo, para que seja manifesta nossa
inocência.
Londres, dia 16, mês décimo primeiro, 1660.
O 28 daquele mesmo mês publicaram a declaração a que faziam
referência e seu discurso, intitulada "Uma declaração da inocente gente de
Deus chamada os Quáqueros, contra toda sedição, maquinações e briguentos do
mundo, para eliminar as bases de ciúmes e suspeitas, tanto dos magistrados como
do povo no reino, acerca de guerras e lutas". Foi apresentada ao rei no
dia 21 de novembro de 1660, e lhes prometeu, por sua real palavra, que não
sofreriam por suas opiniões sempre e quando vivessem pacificamente; porém suas
promessas foram depois bem pouco levadas em conta.
Em 1661 cobraram suficiente valor para pedir à Câmara dos
lorde s que houvesse tolerância para sua religião, e para serem isentos de
prestar juramento, que consideravam ilegítimo não por desafeição alguma ao
governo, nem por crer que ficariam menos obrigados sob uma asseveração, senão
por estarem persuadidos de que todos os juramentos eram ilegítimos; e que jurar
estava proibido, até nas ocasiões mais solenes, no Novo Testamento. Sua petição
foi rejeitada, e em vez de dar-lhes tolerância, se promulgou uma lei contra
eles, cujo preâmbulo dizia: "Que por quanto várias pessoas adotaram a
opinião de que um juramento é ilegítimo e contrário à lei de Deus, inclusive
quando se realiza diante de um magistrado; e por quanto, sob a pretensão de
culto religioso, as mencionadas pessoas se reúnem em grandes números em diversos
lugares do reino, separando-se do resto dos súbditos de sua majestade e das
congregações públicas e lugares usuais de culto divino, se promulga por isso
que se tais pessoas, depois do 4 de março de 1661-62, recusam prestar juramento
quando seja ministrado legalmente, ou persuadem a outros a recusá-los, ou
mantêm por escrito ou de qualquer outra forma a ilegitimidade de prestar
juramento; ou se se reúnem para u culto religioso em número de cinco, de uma
idade de quinze anos para acima, pagarão pela primeira ofensa cinco libras;
pela segunda, dez libras; pela terceira serão desterrados do reino, ou
transportados às plantações; os juízes de paz poderão ouvir e decidir suas
causas". Esta lei teve o mais terrível efeito sobre os quáqueros, embora
bem se sabia que estas pessoas de boa consciência estavam longe de toda sedição
ou rebelião contra o governo. George Fox, em suas palavras ao rei, lhe comunica
que três mil sessenta e oito de seus amigos tinham sido encarcerados desde a
restauração de sua majestade; que suas reuniões eram diariamente dispersadas
por homens com paus e armas, e que seus amigos eram lançados na água e
pisoteados até que manava sangue, o que fazia que se reunissem nas ruas. Imprimiu-se
um documento, assinado por doze testemunhas, no que se comunica que havia mais
de quatro mil duzentos quáqueros encarcerados; deles, quinhentos em Londres e
seus subúrbios, e vários deles tinham morrido nos cárceres.
Contudo, se gloriavam em seus padecimentos, que aumentavam a
cada dia, de maneira que em 1665 e nos anos de interinidade foram fustigados de
forma inacreditável. Como persistiam resolutamente em reunir-se abertamente em
Bull e Mouth, lugar já mencionado, os soldados e outros oficiais os levaram
dali à prisão, até que Newgate ficou lotada deles, e multidões morreram pelo
estreito confinamento, naquele e noutros cárceres.
Seiscentos deles, diz um relato publicado naquele tempo,
estavam encarcerados, simplesmente por causa de sua religião, dos que vários
foram levados às plantações. Em resumo, os quáqueros deram tanto trabalho aos
informantes, que estes tiveram menos tempo para assistir às reuniões de outros
inconformados.
Não obstante, sob todas estas calamidades se comportavam
pacientemente e com gentileza ante o governo, e quando teve lugar o complô de
Ryehouse em 1682 consideraram conveniente proclamar sua inocência acerca
daquele falso complô, num documento enviado ao rei, no qual, "apelando ao
Esquadrinhador de todos os corações", dizem que "seus princípios não
lhes permitem tomar armas em defesa própria, e muito menos vingar-se pelos
danos recebidos de outrem; que continuamente oram pela segurança e preservação
do rei; e que por isso aproveitam esta oportunidade para rogar humildemente a
sua majestade que tenha compaixão de seus sofredores amigos, que lotam tanto
seus cárceres que têm carência de ar, com evidente perigo para suas vidas e com
perigo de infecções em diversos lugares. Além disso, muitas casas, oficinas,
celeiros e campos são saqueados, e seus bens, trigo e gados são arrebatados, com
o que se desanima o trabalho e a agricultura, empobrecendo-se muita quantidade
de gente pacifica e trabalhadora; e isto por nenhum outro motivo que pelo
exercício de uma consciência sensível no culto do Deus Todo Poderoso, que é
soberano Senhor e Rei das consciências dos homens.
Ao ascender Tiago ao trono, se dirigiram àquele monarca de
maneira honrada e simples, dizendo-lhe: "Viemos para testemunhar nossa dor
pela more de nosso bom amigo Carlos, e nosso gozo porque tenhas sido feito
nosso governante. Se nos diz que não pertences à persuasão da Igreja de
Inglaterra, como tampouco nós o somos; por isso, esperamos que nos concedas a
mesma liberdade que tu te permites, fazendo o qual desejamos todo tipo de
bênçãos".
Quando Tiago, pelo poder do qual estava investido, concedeu
liberdade aos não conformados, começaram eles a gozar de algum descanso de suas
angústias; e certamente já era o momento para isso, porque haviam crescido em
grande número. O ano anterior a este, que para eles foi de feliz liberação, numa
petição que expuseram a Tiago para que se pusesse fim a seus sofrimentos,
estabeleceram "que nos últimos tempos mil e quinhentos de seus amigos,
tanto homens como mulheres, dos que agora restavam mil trezentos e oitenta e
três; dos quais duzentos são mulheres, muitas com sentença de desacato à
autoridade regia; e mais de cem delas, por recusarem realizar juramento de
lealdade, porque não podem jurar. Trezentos e cinqüenta morreram em prisão
desde o ano 1680; em Londres, o cárcere de Newgate tem ficado lotado até
arrebentar, havendo nos últimos dois anos até quase vinte pessoas por cela,
pelo qual várias pessoas morreram asfixiadas e outros, que saíram doentes,
morreram de febres malignas após alguns dias. Grandes violências, destroços
enormes, terríveis perturbações e saqueios tremendos têm sido aplicados aos
bens e possessões da gente, por um grupo de informantes ociosos, insólitos e
implacáveis, por perseguições baseadas na lei de conspirações, e outras, também
em escritos qui tam, e em outros processo por vinte libras por mês, e
duas terceiras partes de suas possessões confiscadas para o rei. Alguns não
tinham uma cama na qual jazer, outros não tinham animais para lavrar o solo,
nem trigo para alimento ou pão, nem ferramentas de trabalho; os tais informadores
e xerifes penetravam violentamente em casas em alguns lugares, com o pretexto
de servir o rei e à Igreja. Nossas assembléias religiosas têm sido acusadas
ante a lei comum de ser sediciosas e perturbadoras da paz pública, pelo que
grandes números foram encerrados em prisão sem consideração alguma pela idade,
e muitos lançados em buracos e masmorras. Os aprisionamentos por vinte libras
por mês tinham levado a milhares de pessoas encarceradas, e vários que haviam
empregado a pessoas pobres em manufaturas não podem já mais fazê-lo, por seu
prolongado confinamento. Não perdoam viúvas nem órfãos, e tampouco têm nem
sequer cama onde dormir. Os informantes são ao mesmo tempo testemunhas e
fiscais, para ruína de grande número de famílias frugais; e juízes de paz foram
ameaçados com multas de 100 libras se não emitem ordens de prisão com base em
suas denúncias". Com esta petição apresentaram uma lista de seus amigos
encarcerados, nos vários condados, que ascendia a quatrocentos e sessenta.
Durante o reinado do rei Tiago II, esta gente foi, pela
intercessão de seu amigo senhor Penn, tratada com maior tolerância do que
jamais o havia sido. Tinham-se tornado muito numerosos agora em muitos lugares
do país, e ao ter lugar, pouco depois, o estabelecimento de Pensilvânia, muitos
foram para a América. Ali gozaram das bênçãos de um governo pacifico, e
cultivaram as artes do trabalho honrado.
Como toda a colônia era propriedade do senhor Penn, convidou
a gentes de todas as denominações a ir e assentar-se ali. Teve lugar uma liberdade
de consciência universal; e nesta nova colônia se estabeleceram pela primeira
vez os direitos naturais da humanidade.
Estes Amigos são, em tempo presente, um grupo bem inocente e
inofensivo; mas já falaremos disso numa seção posterior. Por suas sábias leis,
não somente se honram a si mesmos, senão que são de grande serviço para a
comunidade.
Pode ser necessário observar aqui que por quanto os Amigos,
comumente chamados quáqueros, não prestam juramento num tribunal, se permite
sua afirmação em todas as questões civis; porém não podem perseguir um
criminoso, porque nos tribunais ingleses toda evidência deve ser sobre
juramento.
Relato das perseguições aos Amigos, comumente chamados
quáqueros, nos Estados Unidos
Por volta de meados do século dezessete se infligiu muita
perseguição e sofrimento a uma seita de inconformados protestantes, comumente
chamados quáqueros; gente que surgiu naquele tempo na Inglaterra, e alguns dos
quais selaram seu testemunho vida seu sangue.
Para uma história destas pessoas, veja a história de Sewell,
ou a de Gouth, acerca deles.
Os principais motivos pelos que seu inconformismo de
consciência os fez susceptíveis às penas da lei foram:
• Sua resolução cristã de reunir-se publicamente para o culto
de Deus da forma mais conforme a sua consciência.
• Sua rejeição a pagar dízimos, que consideravam uma
cerimônia judaica, ab-rogada pela vinda de Cristo.
• Seu testemunho em contra das guerras e das lutas, cuja
prática consideravam inconseqüente com o mandamento de Cristo: "Amai vossos
inimigos" (Mt 5.44).
• Sua constante obediência ao mandamento de Cristo: "Não
jureis de nenhum modo" (Mt 5:34).
• Sua rejeição a pagar taxas ou valorações para edificar e
reparar casas de culto com as que eles não estejam de acordo.
• Seu uso da linguajem apropriada e escrituraria,
"tu" e "ti" para uma pessoa individual; e seu afastamento
do costume de descobrir-se a cabeça como homenagem a um homem.
• A necessidade em que se encontraram muitos de publicar o
que acreditavam ser a doutrina da verdade, e isso às vezes nos lugares
designados para o culto nacional público.
Sua consciente inconformidade nos anteriores pontos os expus
a muita perseguição e sofrimento, consentindo em procedimentos judiciais,
multas, cruéis espancamentos, açoites e outros castigados corporais;
encarceramentos, desterros e inclusive a morte.
Dar um relato detalhado de suas perseguições e sofrimentos
iria além dos limites desta obra; portanto remitimos, para esta informação, às
histórias já citadas, e mais em particular à Coleção de Besse acerca de seus
sofrimentos; e limitaremos nosso relato aqui maiormente aos que sacrificaram
suas vidas, que evidenciaram, por sua disposição de mente, constância,
paciência e fiel perseverança, que estavam influenciados por um sentimento de
dever religioso.
Numerosas e repetidas foram as perseguições contra eles; e às
vezes por transgressões ou ofensas que a lei nem contemplava nem abrangia.
Muitas das multas e penalidade que lhes foram impostas não
somente eram irrazoáveis e exorbitantes, de modo que não podiam pagá-las e se
viam aumentadas várias vezes o valor da demanda; por isso muitas famílias
pobres ficavam enormemente angustiadas, e se viam obrigadas a depender da ajuda
de seus amigos.
Não só grandes números foram cruelmente açoitados a chicotadas
em público, como criminosos, senão que alguns foram marcados com ferros
candentes, e a outros lhes cortaram as orelhas.
Muitíssimos foram encerrados longo tempo em imundas
masmorras, nas que alguns terminaram suas vidas, como conseqüência do encerro.
Muitos foram sentenciados ao desterro, e muitos foram
deportados. Alguns foram desterrados sob pena de morte, e quatro foram
finalmente executados pelo carrasco, como veremos mais para frente, após
inserir cópias de algumas leis do país onde sofreram.
Numa corte geral celebrada em Boston, o 14 de outubro de 1656
Por quanto há uma maldita seita de hereges que surgiu
ultimamente no mundo, chamados comumente quáqueros, que assumem serem enviados
diretamente de parte de Deus e ser assistidos de maneira infalível pelo
Espírito, falando e escrevendo opiniões blasfemas, menosprezando o governo e a
ordem de Deus, na Igreja e na comunidade, falando mal das dignidades,
vituperando e injuriando a magistrados e ministros, tratando de afastar o povo
da fé, e conseguir prosélitos para seus perniciosos caminhos: este tribunal,
tomando em consideração suas premissas, e para impedir males semelhantes como
os que por causa deles têm lugar em nossa terra, ordenamos portanto que, pela
autoridade deste tribunal, que seja ordenado e cumprido que qualquer patrão ou
comandante de qualquer nave, barca, chalupa ou bote que traga a qualquer porto,
arroio ou enseada, dentro desta jurisdição, a qualquer quáquero ou quáqueros,
ou quaisquer outros hereges blasfemos, pagará, ou fará pagar a multa de cem
libras ao tesoureiro do país, exceto se carecia de verdadeiro conhecimento ou
informação de que o fossem; em tal caso, tem liberdade de demonstrar sua
inocência declarando sob juramento quando não haja suficiente prova do
contrário; e em caso de falta de pagamento ou falta de aval, será encarcerado,
e continuará nesta condição até que fique satisfeita a suma ao tesoureiro, como
se indicou acima.
E ao comandante de qualquer barca, nave ou chalupa que fique
legalmente convicto, dará suficiente segurança ao governador, ou a qualquer ou
mais dos magistrados, que tenham poder para determinar a mesma, para levá-los
outra vez ao lugar de onde vieram; e em caso de que recuse fazê-lo, o
governador, ou um ou mais dos magistrados, recebem por estes instrumento
poderes para emitir sua ou suas ordens para entregar o mencionado patrão ou
comandante à prisão, para que fique nela até que dê suficiente seguridade do
conteúdo ao governador, ou a qualquer dos magistrados, como já foi dito.
E se ordena e estabelece além disso que qualquer quáquero que
chegue a este país desde o estrangeiro, ou que chegue a esta jurisdição desde
quaisquer zonas vizinhas, será imediatamente levado à Casa de Correição; ao
entrar nela, será severamente açoitado, e será mantido constantemente ocupado
em trabalhos para o diretor, e não se permitirá que ninguém converse nem fale
com eles durante o tempo de seu encarceramento, que não se prolongará além do necessário.
E se ordena que se qualquer pessoa introduzir
intencionadamente em qualquer porto desta jurisdição quaisquer livros ou
escritos quáqueros, acerca de suas diabólicas opiniões, pagará por tal livro ou
escrito que lhe seja legalmente demonstrado contra ele ou eles a suma de cinco
libras; e todo o que dispersar ou ocultar tal livro ou escrito e seja
encontrado com ele encima, ou em sua casam e não o entregar de imediato ao
magistrado, pagará uma multa de cinco libras por dispersar ou esconder tal livro
ou escrito.
E também se ordena, além do mais, que se quaisquer pessoas de
dentro desta colônia assumem a defesa das opiniões heréticas dos quáqueros, ou
de nenhum de seus livros ou artigos, serão multados pela primeira vez com 40
xelins; se persistirem no mesmo, e as defendem numa segunda vez, quatro libras;
se apesar disso voltam defender e a manter as mencionadas opiniões heréticas
dos quáqueros, serão levados à Casa de Correição até que haja uma passagem
conveniente para tirá-los desta terra, sentenciados a desterro pelo Tribunal.
Finalmente, se ordena que toda pessoa ou pessoas que injuriem
às pessoas dos magistrados ou dos ministros, como é usual com os quáqueros,
tais pessoas serão severamente açoitadas, ou pagarão multa de cinco libras.
Esta é uma cópia fiel da ordem do tribunal, como testemunha
Edward Rawson, sec.
Numa corte geral celebrada em Boston o 14 de outubro de 1657
Em adição à anterior ordem, com referência à chegada ou
transporte de qualquer da maldita seita dos quáqueros a esta jurisdição, se
ordena que qualquer que desde agora traga ou faça trazer, direta ou indiretamente,
a qualquer quáquero ou quáqueros conhecidos, ou outros hereges blasfemos,
propositadamente, cada uma destas pessoas será multada com quarenta xelins por
cada hora de hospitalidade e ocultação de qualquer quáquero ou quáqueros como
se mencionou, e será encarcerada como se disse antes, até que a multa seja
satisfeita integramente.
E se ordena além disso que se qualquer quáquero ou quáqueros
têm a presunção, depois ed terem sofrido o que a lei demanda, de voltar entrar
nesta jurisdição, serão arrestados, sem necessidade de ordem judicial quando
não haja magistrado disponível, por qualquer policia, comissário ou xerife, e
levados de policia em policia até o magistrado mais próximo, que encarcerará as
mencionadas pessoas em prisão estrita, para ficarem ali (sem fiança) até a
seguinte reunião do tribunal, onde serão julgados legalmente.
Depois de ficar convicto de pertencer à seita dos quáqueros,
será sentenciado ao desterro, sob pena de morte. E todos aqueles habitantes
desta jurisdição que sejam convictos de pertencer à mencionada seita, bem por
assumir, publicar ou defender as horrendas opiniões dos quáqueros, ou agitando
motins, sedição ou rebelião contra o governo, ou assumindo suas insultantes e
subversivas práticas, como a de negar respeito cortes a seus iguais ou
superiores, e afastando-se das assembléias da igreja; e em lugar disso
freqüente reuniões próprias, em oposição a nossa ordem eclesiástica;
aderindo-se ou aprovando a qualquer quáquero conhecido ou os princípios e as
práticas dos quáqueros que sejam opostas às ortodoxas opiniões recebidas dos
piedosos, e que trate de levar a outrem a serem desafetos frente ao governo
civil e à ordem da Igreja, ou que condene a prática e os procedimentos deste
tribunal contra os quáqueros, manifestando por isso que está de acordo com
eles, cujo dignidade é a subversão da ordem estabelecida na Igreja e no estado;
toda pessoa assim, sob convicção ante o mencionado Tribunal, da forma
mencionada, será encerrada em prisão estrita durante um mês, e depois, a não
ser que escolha voluntariamente ir-se desta jurisdição, se der fiança por sua
boa conduta, e comparecer ante o tribunal em sua seguinte convocatória,
persistindo em sua obstinação, recusando retratar-se e reformar-se das
mencionadas opiniões, será sentenciada a desterro sob pena de morte. E qualquer
magistrado que ao receber denúncia de toda pessoa assim, a fará apreender e
encerrar em prisão, a sua discrição, até que compareça a juízo como se
especificou anteriormente.
Parece que também se promulgaram leis nas então colônias de
New Plymouth e New Haven, e no estabelecimento holandês de New Amsterdam, agora
New York, proibindo às pessoas chamadas quáqueros que entrassem nestes lugares,
sob severas penas; como conseqüência disso, alguns sofreram consideravelmente.
Os dois primeiros em serem executados foram William Robinson,
mercador, de Londres, e Marmaduke Stevenson, camponês, de Yorskshire. Chegados
a Boston, a começos de setembro, foram feitos comparecer ante o Tribunal e ali
sentenciados a desterro, sob pena de morte. Esta sentença foi também
pronunciada contra Mary Dyar, mencionada mais na adiante, e Nicolas Davis, que
se encontravam em Boston. Mas William Robinson, considerado como mestre, foi
também condenado a ser duramente açoitado, e se ordenou ao chefe de policia que
conseguisse um homem forte para isso. Então Robinson foi levado até a rua, e
despido; colocando suas mãos através dos orifícios da carreta de um grande
canhão, onde o manteve o carcereiro, o verdugo lhe aplicou vinte açoites com um
chicote de três pontas. Depois ele e os outros presos foram liberados e
desterrados, como se desprende da seguinte ordem:
Se ordena por esta que se coloque agora em liberdade a
William Robinson, Marmaduke Stevenson, Mary Dyar e Nicolas Davis, que, por
ordem do tribunal e do conselho, tinham sido encarcerados, porque se desprendeu
por própria confissão deles, suas palavras e ações, que são quáqueros; portanto
se pronunciou sentença contra eles para se saíssem desta jurisdição, sob pena
de morte; e que será a seu próprio risco se qualquer deles for achado dentro
desta jurisdição ou em qualquer parte da mesma depois do 14 deste presente mês
de setembro.
Edward Rawson
Boston, 12 de Santo, 1659.
Embora Mary Dyar e Nicolas Davis deixaram esta jurisdição
naquele então, Robinson e Stevenson, contudo, embora saíram da cidade de
Boston, não puderam decidir-se (não estando livres em sua consciência) a ir-se
daquela jurisdição, ainda se jogassem a vida. Dirigiram-se então a Salem, e a
alguns lugares das redondezas, para visitar e edificar a seus amigos da fé. Mas
não se passou muito tempo antes que voltassem a serem encarcerados em Boston, e
acorrentados nas pernas. No mês seguinte também voltou Mary Dyar. E enquanto
estava enfrente do cárcere, falando com um tal Christopher Holden, que tinha
chegado ali com o propósito de indagar acerca de algum barco que se dirigisse à
Inglaterra, aonde queria ir, foi também arrestada.
Assim, agora tinham a três pessoas que, segundo a lei deles,
tinham perdido o direito à vida. O 20 de outubro estes três foram feitos
comparecer ante o tribunal, onde estavam John Endicot e outros reunidos.
Chamado ao tribunal, Endicot ordenou ao guarda que lhes tirasse os chapéus;
depois lhes disse que eles tinham promulgado várias leis para manter os
quáqueros fora de sua companhia, e que nem as chicotadas nem o cárcere, nem o
corte de orelhas nem o desterro sob pena de morte os podia manter afastados.
Disse também que nem ele nem os outros desejavam a morte de nenhum deles.
Contudo, sem mais preâmbulo, estas foram suas seguintes palavras: "Ouvi e
escutai vossa sentença de morte". Também se pronunciou sentença de morte
contra Marmaduke Stevenson, Mary Dyar e William Edrid. Vários outros foram
encarcerados, açoitados e multados.
Não temos desejo algum de justificar os Peregrinos por estes
procedimentos, porém acreditamos que sua conduta admite atenuação, considerando
as circunstâncias da idade em que viviam.
Os pais de Nova Inglaterra sofreram incríveis dificuldades
para prover-se de um lar no deserto; e para proteger-se no gozo imperturbável
de uns direitos que haviam adquirido a tão grande preço, adotaram às vezes
medidas que, se julgadas pelas perspectivas mais ilustradas e liberais de nosso
tempo presente, devem ser pronunciadas como totalmente injustificáveis. Porém,
devem ser condenados sem misericórdia por não terem agido em base a uns
princípios que eram então não reconhecidos e desconhecidos em toda a
cristandade? Se terá a eles unicamente como responsáveis de umas opiniões e uma
conduta que tinha-se consagrado desde a antigüidade e que era comum aos
cristãos de todas as outras denominações? Cada governo que existia então se
arrogava o direito de legislar acerca de questões de religião; e de reprimir a
heresia mediante estatutos penais. Este direito era reclamado pelos
governantes, admitido pelos súbditos, e está sancionado pelos nomes de lorde Bacon
e de Montesquieu, e por muitos outros igualmente afamados por seus talentos e
erudição. Assim, é injusto "pressionar sobre uma pobre seita perseguida os
pecados de toda a cristandade". A falta destes pais foi a falta de seu
tempo; e embora não possa ser justificada, desde logo é um atenuante de sua
conduta. Igualmente poderiam ser condenados por não compreender e agir com base
nos princípios da tolerância religiosa. Ao mesmo tempo é justo dizer que por
imperfeitas que fossem suas perspectivas em quanto aos direitos da consciência,
estavam contudo muito avançados à idade a qual pertenciam; e que é mais com
eles que com nenhuma classe de homens sobre a terra que está o mundo em dívida
pelas perspectivas mais racionais que prevalecem hoje em dia acerca da questão
da liberdade civil e religiosa.
JOSÉ MATEUS
zemateus@msn.com