Samuel J. Milss, enquanto estudante do Williams College,
reuniu em sua volta um grupo de companheiros estudantes, sentindo todos a carga
do grande mundo pagão. Um dia de 1806, quatro deles, alcançados por uma
tempestade, se refugiaram sob a coberta de um monte de palha. Passaram a noite
em oração pela salvação do mundo, e resolveram, se houver oportunidade para
isso, ir eles mesmos como missionários. Esta "reunião de oração da
palha" virou histórica.
Estes jovens foram posteriormente ao Seminário Teológico de
Andover, onde se uniu a eles Adoniram Judson. Quatro deles enviaram uma petição
à Associação Congregacional de Massachusetts em Bradford, o 29 de junho de
1810, oferecendo-se como missionários e perguntando se poderiam esperar o apoio
de uma sociedade deste país, ou se deviam solicitá-lo a uma sociedade
britânica. Como resposta a este chamamento, se constituiu a Junta Americana de
Comissionados para Missões Estrangeiras.
Quando se solicitou um estatuto para a Junta, uma alma
incrédula objetou desde os bancos dos legisladores, alegando, em oposição à
petição, que o país tinha uma quantidade tão pequena de cristãos que não se
poderia prescindir de nenhum deles para exportação; porém outro, que estava
dotado de uma constituição mais otimista, lhe lembrou que se tratava de um bem
que quanto mais se exportasse, tanto mais aumentaria na pátria. Houve muita
perplexidade acerca da planificação e dos aspectos financeiros, pelo que Judson
foi enviado à Inglaterra para conferenciar com a Sociedade de Londres em quanto
à possibilidade da cooperação das duas organizações para enviar e sustentar os
candidatos, mas este plano deu em nada. Afinal se conseguiu suficiente dinheiro
e em fevereiro de 1812 zarparam para oriente os primeiros missionários da Junta
Americana. O senhor Judson ia acompanhado de sua mulher, tendo-se casado com
Ann Hasseltine pouco antes de empreender a viagem.
Durante a longa
travessia, o senhor e a senhora Judson e o senhor Rice foram levados de alguma
forma a revisar suas convicções acerca do modo apropriado do batismo, chegando
à conclusão de que somente era válida a imersão, e foram re-batizados por Carey
pouco do de chegarem a Calcutá. Este passo necessariamente cortou sua relação
com o corpo que os havia enviado, e os deixou sem apoio. O senhor Rice voltou a
América a informar desta circunstância aos irmãos batistas. Eles contemplaram a
situação como resultado de uma ação da Providência, e planejaram anelantes
aceitar a responsabilidade que tinha-lhes sido lançada acima deles. Assim, se
formou a União Missionária Batista. Deste modo o senhor Judson foi quem deu
ocasião à organização de duas grandes sociedades missionárias.
A perseguição do doutor Judson
Depois de trabalhar por um tempo no Indostán, o doutor e a
senhora Judson se estabeleceram por fim no Império Birmanês em 1813. em 1824
explodiu uma guerra entre a Companhia das Índias Orientais e o imperador da
Birmânia. O doutor e a senhora Judson e o doutor Price, que estavam em Ava, a
capital da Birmânia, foram, ao começar a guerra, arrestados de imediato e
encerrados por vários meses. O relato dos sofrimentos dos missionários foi
escrito pela senhora Judson, e aparece em suas próprias palavras:
Rangún, 26 de maio de 1826.
Meu querido irmão...
Começo esta carta com a intenção de dar-te os detalhes de
nosso cativeiro e sofrimentos em Ava. A conclusão desta carta determinará até
quando minha paciência me permitirá lembrar cenas desagradáveis e horrorosas.
Tinha mantido um diário com todo o que havia acontecido desde a nossa chegada a
Ava, mas o destruí ao começarem nossas dificuldades".
O primeiro conhecimento certo que tivemos da declaração da
guerra por parte dos birmaneses foi ao chegar a Tsenpyu-kywon, a uns 160
quilômetros a este lado de Ava, onde haviam acampado parte das tropas, sob o
mando do célebre Bandula. Seguindo nossa viagem, nos encontramos com o próprio
Bandula, com o resto das tropas, regiamente equipado, sentado em sua barcaça dourada,
e rodeado por uma frota de barcos de guerra de ouro, um dos quais foi enviado
de imediato ao outro lado do rio para interpelar-nos e fazer-nos todas as
perguntas necessárias. Se nos permitiu prosseguir tranqüilamente quando o
mensageiro foi informado que éramos americanos, não ingleses, e que íamos a Ava
em obediência ao governo de sua Majestade.
Ao chegar à capital, encontramos que o doutor Price estava
fora do favor ante a corte, e que ali havia mais suspeitas contra os
estrangeiros que em Ava. Teu irmão visitou duas ou três vezes o palácio, mas
achou que o caráter do rei para com ele era muito diferente do que tinha sido
anteriormente; e a rainha, que antes havia expressado desejos pela minha
chegada, não perguntou agora por mim, nem indicou desejo algum de ver-me.
Conseqüentemente, não fiz esforço algum por visitar o palácio, embora era
convidada quase a diário para visitar alguns dos parentes da família real, que
viviam em suas próprias casas, fora do recinto do palácio. Sob estas
circunstâncias, acreditamos que o mais prudente seria prosseguir nossa intenção
original de construir uma casa e de iniciar as operações missionárias segundo
houvesse oportunidade, tratando assim de convencer o governo de que não
tínhamos nada a ver com a atual guerra.
Duas ou três semanas depois de nossa chegada, o rei, a
rainha, todos os membros da família real e a maior parte dos oficiais do governo
voltaram a Amarapora, a fim de acudir e tomar possessão do novo palácio na
forma acostumada.
Não me atreverei a descrever este esplêndido dia, quando sua
majestade entrou, com toda a glória que lhe acompanhava, pelas portas da cidade
dourada e posso dizer que entre as aclamações de milhões, tomou possessão do
palácio. Os saupwars das províncias fronteiriças com a China, todos os
vice-reis e altos oficiais do reino, estavam reunidos para a ocasião, vestidos
em suas roupas de estado, e adornados com a insígnia de seu ofício. O elefante
branco, ricamente ornamentado com ouro e jóias, era um dos objetos mais belos
na procissão. Somente o rei e a rainha estavam sem enfeitar, vestidos na
simples vestimenta do país; entraram, tomando-se da mão, no jardim no qual
tínhamos tomado assento, e onde se preparou um banquete para seu refrigério.
Todas as riquezas e a glória do imperador foram exibidas aquele dia. O número e
o imenso tamanho dos elefantes, os numerosos cavalos, e a grande variedade de
veículos de toda descrição, ultrapassou com muito todo o que eu jamais tinha
visto ou imaginado. Pouco depois que sua majestade tomara possessão do novo
palácio, se deu ordem de que não se permitisse entrar a nenhum estrangeiro,
exceto a Lansago. Ficamos um tanto alarmado ante isto, porém concluímos que era
por motivos políticos, e que talvez não nos afetaria de maneira essencial.
Durante várias semanas não aconteceu nada alarmante para nós,
e prosseguimos com nossa escola. O senhor Judson predicava cada domingo,
tínhamos conseguido todos os materiais para construir uma casa de tijolos, e os
pedreiros haviam realizado um considerável avanço na construção do edifício.
O 23 de maio de 1824, quando acabávamos nosso culto em casa
do doutor, do outro lado do rio, chegou um mensageiro para dizer-nos que Rangún
tinha sido tomada pelos ingleses. o conhecimento disto nos provocou um choque
no qual havia uma mistura de gozo e de temor. O senhor Gouger, um jovem
comerciante residente em Ava, estava então conosco, e tinha mais razões para temer
que o resto de nós. Contudo, todos voltamos de imediato a nossa casa e
começamos a considerar que deveríamos fazer. O senhor G. foi visitar o príncipe
Thar-yar-wadi, o irmão mais influente do rei, que lhe informou que não devia
temer ns, pois ele já havia tocado esta questão com sua majestade, que havia
respondido que "os poucos estrangeiros que havia em Ava não tinham nada a
ver com a guerra, e não deviam ser molestados".
O governo estava agora em pleno movimento. Um exército de dez
ou doze mil homens, sob o mando de Kyi-wun-gyi, foi enviado após três ou quatro
dias, aos que se devia unir Sakyer-wun-gyi, que tinha sido anteriormente
designado vice-rei de Rangún e que estava a caminho para ali quando lhe
chegaram as notícias do ataque. Não havia dúvidas acerca da derrota dos
ingleses; o único temor do rei era que os estrangeiros soubessem do avanço das
tropas birmanesas, e que pudessem alarmar-se tanto que fugissem a bordo de seus
barcos e fossem embora antes de que houvesse tempo de tomá-los e submetê-los a
escravidão. "Trazei-me" disse um selvagem jovem do palácio,
"seis kala pyu (estrangeiros brancos) para que remem em minha barca";
"E para mim" disse a dama de Wun-gyi, "enviai-me quatro
estrangeiros brancos para que dirijam os negócios de minha casa, porque sei que
são servos de fiar". As barcas de guerra, com grande moral, passaram
diante de nossa casa, cantando e dançando os soldados, e dando mostras do maior
regozijo. Coitados meninos!, dissemos nós; provavelmente nunca volteis dançar.
E assim foi, porque poucos, ou nenhum deles, voltaram a ver sua casa natal.
Afinal o senhor Judson e o doutor Price foram chamados a um
tribunal de interrogatórios, onde se lhes fez uma estrita indagação acerca do
que sabiam. A grande questão parecia ser se havia existido o costume de
comunicar-se com estrangeiros acerca do estado do país, etc. eles responderam
que sempre tiveram o costume de escrever a seus amigos da América, mas que não
mantinham correspondência com oficiais ingleses nem com o governo de Bengala.
Depois de ser interrogados, não foram encerrados, como o foram os ingleses,
senão que se lhes permitiu voltar a suas casas. Ao examinar as contas do senhor
G., se encontrou que o senhor J. e o doutor Price tinham recebido sumas
consideráveis de dinheiro de sua parte. Ignorando como ignoravam os birmaneses
a forma em que recebíamos o dinheiro, por ordens desde Bengala, esta
circunstância foi suficiente evidência para suas mentes desconfiadas de que os
missionários estavam pagos pelos ingleses, e que muito provavelmente eram
espiões. Assim se apresentou a questão ao rei, que enfurecido ordenou o arresto
imediato dos "dois mestres".
O 8 de junho, enquanto nos preparávamos para a comida, entrou
precipitadamente um oficial, que tinha um livro preto, com uma dúzia de birmaneses,
acompanhados por um ao qual, por sua cara com manchas, soubemos que era um
carrasco e "filho da prisão". "Onde está o mestre" foi a
primeira pergunta. O senhor Judson se apresentou. "És chamado pelo
rei", disse um oficial; esta é uma frase que sempre se utiliza quando se
vai arrestar um criminoso. O homem com as manchas de imediato se apoderou do
senhor Judson, o jogou no chão e tirou uma corda pequena, o instrumento de
tortura. Peguei-o do braço: "Pare", disse, "lhe darei
dinheiro". "Arrestem-na também a ela", disse o oficial;
"também é estrangeira". O senhor Judson, com um olhar implorante,
rogou que me deixassem até que recebessem novas ordens. A cena era agora
chocante além de toda descrição.
Toda a vizinhança tinha-se reunido, os pedreiros trabalhando
na casa de tijolos jogaram as ferramentas que correram, os meninos birmaneses
estavam berrando e chorando, os criados bengaleses ficaram imóveis ao verem as
indignidades cometidas contra seu patrão, e o endurecido carrasco, com gozo
infernal, apertou as cordas, amarrando firmemente o senhor Judson, e o
arrastou, não sabia eu aonde. Em vão roguei e supliquei àquela face manchada
que aceitasse dinheiro e afrouxasse as cordas, mas escarneceu de meus
oferecimentos, e foi embora de imediato. Contudo, dei dinheiro a Moung Ing para
que os seguisse, e voltasse a tentar mitigar a tortura do senhor Judson; porém
em vez de ter êxito, quando se viram a uma distância da casa, aqueles
insensíveis homens voltaram a jogar o preso por terra, e apertaram ainda mais
as cordas, de modo que quase lhe impediam de respirar.
O oficial e seu grupo se dirigiram à corte de justiça, onde
estavam reunidos o governador da cidade e os oficiais, um dos quais leu a ordem
do rei de que o senhor Judson fosse lançado na prisão da morte, na qual logo
foi colocado, a porta trancada e Moung Ing já não o viu mais. Que noite aquela!
Me retirei a minha habitação, e tratei de conseguir consolo apresentando minha
causa a Deus, e implorando fortaleza e forças para sofrer o que me esperasse.
Mas não me foi concedido muito tempo o consolo da solidão, porque o magistrado
do lugar veio à galeria, e me chamava para que eu saísse e me submetesse a seu
interrogatório. Mas antes de sair destruí todas minhas cartas, diários e
escritos de todo tipo, por se revelavam o fato de que tínhamos corresponsais na
Inglaterra, e onde eu tinha registrado todos os acontecimentos desde a nossa
chegada ao país. Quando acabei com esta obra de destruição, sai e me submeti ao
interrogatório do magistrado, que indagou de forma muito detalhada acerca de
tudo o que eu sabia; depois ordenou que fossem fechados os portões das
instalações, que não se permitisse entrar nem sair a ninguém, pus uma guarda de
dez esbirros, aos que lhes deu ordem estrita de guardar-me com segurança, e foi
embora.
Era já escuro. Me retirei a uma estância interior com minhas
quatro pequenas meninas birmanesas, e tranquei as portas. O guarda me ordenou
de imediato que destrancasse as portas e saísse, ou derrubaria a casa. Me
neguei obstinadamente a obedecer, e consegui intimidá-los, ameaçando-os com
queixar-me de sua conduta antes as mais elevadas autoridades pela manhã. Ao ver
que eu estava decidida a não obedecer a suas ordens, tomaram os dois criados
bengaleses e os colocaram em cepos numa posição muito dolorosa. Não pude
suportar isto; chamei o cabo desde a janela, e lhes disse que lhes faria um
presente pela manhã a todos eles se soltavam os criados. Depois de muitas
discussões e de muitas severas ameaças consentiram, porém pareciam decididos a
irritar-me tanto quanto fosse possível. Meu estado desprotegido e desolado,
minha total incerteza acerca da sorte do senhor Judson, as terríveis ameaças e
a linguagem quase diabólica do guarda, tudo isso se uniu para fazer daquela com
muito a noite mais angustiosa que jamais tenha passado. Podes bem imaginar,
querido irmão, que o sono fugiu de meus olhos, e de minha mente a paz e a compostura.
Na manhã seguinte enviei a Moung Ing para que soubesse da
situação de teu irmão, e que lhe desse alimentos, se ainda vivia. Logo voltou,
com as notícias ed que o senhor Judson e todos os estrangeiros brancos estavam
encerrados no cárcere da morte, com três pares de correntes de ferro, e
amarrado a uma comprida estada, para impedir que se mexessem! Meu motivo de
angústia agora foi que eu mesma era prisioneira, e que não podia fazer nada
pela liberação dos missionários. Roguei e supliquei ao magistrado que me
permitisse ir a algum membro do governo para defender minha causa; mas ele me
disse que não ousava consentir, por temor de que eu fugisse. Depois escrevi a
uma das irmãs do rei, com quem eu tivera uma estreita amizade, pedindo-lhe que
utilizasse sua influência para a liberação dos mestres. A nota foi devolvida
com esta mensagem: ela "não o compreendia", o que era uma cortês
negativa a interferir; depois soube que tinha estado desejosa de ajudar-nos
porém que não se atreveu a causa da rainha. O dia foi passando lentamente, e
tinha ante mim outra terrível noite. Tratei de suavizar os sentimentos do
guarda dando-lhes chá e cigarros para a noite, de modo que me permitiram
permanecer em minha estância sem ameaçar-me como tinham feito na noite
anterior. Contudo, a idéia de que teu irmão estivesse esticado num duro chão em
ferrolhos e encerrado perseguia minha mente como um espectro, e me impediu
dormir com tranqüilidade, embora estava quase exausta.
Ao terceiro dia enviei uma mensagem ao governador da cidade,
que tem toda a direção das questões carcerárias, para que me permitisse
visitá-lo com um presente. Isto teve o efeito desejado, e de imediato enviou
ordem aos guardam para que me permitissem ir até a cidade. o governador me
recebeu agradavelmente, e me perguntou que desejava. Lhe apresentei a situação
dos estrangeiros, e em particular a dos americanos, que eram estrangeiros e que
nada tinham a ver com a guerra. Me disse que não estava em sua mão liberá-los
do cárcere, mas que podia fazer mais cômoda sua situação; havia um oficial
chefe, a quem devia consultar acerca dos médios. O oficial, que resultou ser um
dos escritores da cidade, e cujo rosto apresentava a simples vista o mais
perfeito conjunto de paixões unidas à natureza humana, me levou aparte, e
tratou de convencer-me de que tanto eu como os prisioneiros estávamos
totalmente em suas mãos, que nosso futuro bem-estar iria depender da
generosidade de nossos presentes, e que estes deviam ser entregues de forma
secreta, sem que o soubesse funcionário algum do governo. "Que devo fazer
para mitigar os sofrimentos atuais dos mestres" lhe perguntei.
"Pague-me duzentos tickals (uns cem dólares), duas peças de tecido fino, e
duas peãs de lenços". Eu tinha pegado dinheiro naquela manhã, sendo que
nossa casa estava a três quilômetros do cárcere, e eu não poderia voltar
facilmente. Ofereci este dinheiro ao escritor, e lhe roguei que não me
pressionasse com os outros artigos, por quanto não dispunha deles. Ele duvidou
por certo tempo, mas temendo perder de vista tanto dinheiro, decidiu tomá-lo,
prometendo aliviar os mestres de sua penosa situação.
Depois consegui uma ordem do governador para poder ser
admitida na prisão; porém as sensações produzidas por meu encontro com teu
irmão naquela situação terrível, horrenda, e a cena patética que se seguiu, não
tratarei de descrevê-las. O senhor Judson se arrastou até a porta da cela
porque nunca se nos permitiu entrar, e me deu algumas instruções acerca de sua
liberação; mas antes de poder realizar nenhum arranjo, aqueles endurecidos
carcereiros, que não podiam suportar ver-nos gozar do mísero consolo de ver-nos
naquele tétrico lugar, me ordenaram sair. Em vão aleguei a ordem do governador
para ser admitida; de novo repetiram, com dureza: "Sai, ou te jogamos
fora". Aquela mesma noite os missionário, junto com os outros
estrangeiros, que tinham pagado uma suma igual, foram tirados do cárcere comum
e encerrados num local aberto do recinto da prisão. Aqui se me permitiu
mandá-lhes alimentos e esteiras sobre as quais dormir; mas não me permitiram
voltar a entrar por vários dias.
Meu seguinte objeto foi lograr apresentar uma petição ante a
rainha; mas ao não admitir-se em palácio ninguém que estivesse em desgraça com
sua majestade, tentei apresentá-la por meio da mulher de seu irmão. Tinha-a
visitado em melhores épocas, e havia recebido particulares sinais de seu favor.
Porém os tempos tinham mudado; o senhor Judson estava em prisão, e eu
angustiada, o que era suficiente razão para que me recebesse friamente. Levei
um presente de valor considerável. Ela estava recostada em seu tapete quando eu
entrei, e tinha suas damas junto dela. Não esperei a pergunta usual feita a um
suplicante: "Que quereis?", senão que de maneira aberta, com vos
intensa porém respeitosa, lhe expus nossa angústia e os males que nos tinham
sido feitos, e lhe roguei sua ajuda. Ela levantou a cabeça um pouco, abriu o
presente que lhe havia trazido, e contestou friamente: "Teu caso não é
coisa fora do comum; todos os estrangeiros recebem o mesmo tratamento".
"todavia sim é fora do comum", lhe disse, "Os mestres são
americanos, são ministros de religião, e nada têm a ver nem com a guerra nem com
a política. Nunca fizeram nada que mereça tais tratos, é justo tratá-los
assim?" "O rei faz o que lhe apraz", disse ela, "Eu não sou
o rei, que posso eu fazer?" "Poderíeis apresentar sua causa ao rei, e
conseguir sua liberação", respondi. "Colocai-vos em minha situação;
se vós estivésseis na América, e vosso marido, inocente de todo crime, fosse
lançado na prisão, em ferrolhos, e vós, uma solitária mulher sem proteção, que
faríeis?". Com um ligeiro sentimento em sua voz, disse: "Apresentarei
sua petição, volte amanhã". Voltei à casa com consideráveis esperanças de
que estava mais perto da liberação dos missionários. Porém no dia seguinte
foram tomadas as propriedades do senhor Couger, com um valor de cinqüenta mil
dólares, e levadas a palácio. Os oficiais, a seu regresso, me informaram
educadamente que deveriam visitar nossa casa no dia seguinte. Fiquei agradecida
por esta informação, e por isso fiz preparativos para recebê-los escondendo
tantos artigos pequenos como fosse possível, junto com uma considerável
quantidade de prata, pois sabia que se a guerra se prolongava nos veríamos em
sério risco de morrer de fome sem ela. Contudo minha mente estava terrivelmente
agitava, pois se isso se descobria me lançariam a mim no cárcere. E se eu tiver
podido conseguir dinheiro de algum outro lugar, não teria-me arriscado a tomar
este passo.
Na manhã seguinte, o tesoureiro real, Príncipe Tharyawadis, o Chefe Wun e Koung-tone Myu-tsa, que foi no futuro ns
firme amigo, acompanhados por quarenta ou cinqüenta seguidores, para tomar
possessão do que tínhamos. Os tratei com cortesia, lhes dei cadeiras para
sentarem, e chá e doces para seu refrigério; e a justiça me obriga a dizer que
executaram a atividade da confiscação com mais consideração para meus
sentimentos que o que teria pensado poderiam exibir os funcionários birmaneses.
Somente entraram os três oficiais na casa; seus acompanhantes receberam ordem
de esperar fora. Viram que estava profundamente afetada, e pediram escusas pelo
que deviam fazer, dizendo que não gostavam tomar possessão de uma propriedade
que não era a deles, mas que estavam obrigados a fazê-lo por ordem do rei.
Onde estão sua prata, seu ouro e suas jóias?", perguntou
o tesoureiro real. "Não tenho ouro nem jóias; mas aqui estão as chaves do
baú que contém a prata; façam o que desejem". Selou o baú, e a prata foi
pesada. "Este dinheiro", disse eu, "foi recolhido na América
pelos discípulos de Cristo, e enviado aqui com o propósito de edificar um
kyoung (o nome de uma casa de um sacerdote), e para nosso sustento enquanto
ensinamos a religião de Cristo. É apropriado que o levem?" (Os birmaneses
são adversos a tomar o que está dedicado desde uma vontade religiosa, o que me
empurrou a perguntá-lhes isto). "Manifestaremos estas circunstâncias ao
rei" disse um deles, "e talvez o restaurará. Mas, esta é toda a prata
que tem?" Eu não podia menti-lhes. "A casa está em suas mãos",
respondi, "busquem vocês mesmos". "Não depositou prata com
alguma pessoa conhecida?". "Meus conhecidos estão todos em prisão.
Com quem poderia depositar prata?"
De imediato, examinaram meu baú e minhas gavetas. Somente
permitiram ao secretário acompanhar-me neste registro. Todo o bonito ou curioso
que atraia sua atenção era apresentado aos oficiais, para sua decisão acerca de
se devia ser tomado ou deixado. Roguei que não tomassem nossos vestidos, pois
seria desonroso tomar roupas já usadas em possessão de sua majestade, e que
para nós eram de enorme valor. Consentiram com isto, e levaram somente uma
lista, e o mesmo fizeram com os livros, medicinas, etc. Resgatei de suas mãos
minha pequena mesa de trabalho e cadeira de balanço, em parte com artifícios e
em parte por sua ignorância. Também deixaram muitos artigos de grande valor
durante nosso longo encerramento.
Tão logo como acabaram com seu registro e partiram, me
apressei a ver o irmão da rainha, para saber al tinha sido a sorte de minha
petição, mas, ay!, todas minhas esperanças ficaram esmagadas pelas frias
palavras de sua mulher, dizendo: "Apresentei sua causa à rainha; porém sua
majestade me respondeu: Os mestres não morrerão; que fiquem como estão. Minhas
expectativas tinham sido tão elevadas que esta sentença foi como o fragor de um
trovão para meus sentimentos. Porque a verdade se me fez evidente que se a
rainha recusava ajudar, que ousaria interceder por mim? com o coração oprimido,
fui embora, e de caminho a casa tratei de entrar na prisão, para comunicar as
tristes novas a teu irmão, porém me recusaram asperamente a entrada. Tentamos
comunicar-nos por escrito, e depois de tê-lo logrado por vários dias, foi
descoberto; o pobre homem que levava as comunicações foi açoitado e colocado no
cepo; e esta circunstância me custou uns dez dólares, além de dois ou três dias
de agonia, por temos às conseqüências.
Os oficiais que tinham tomado possessão de nossas
propriedades as apresentaram a sua majestade, dizendo: "Judson é um
verdadeiro mestre; nada achamos em sua casa exceto o que pertence aos
sacerdotes. Além deste dinheiro, havia uma grande quantidade de livros,
medicinas, baús com roupas, do qual somente fizemos uma lista. O tomaremos, ou
o deixaremos?" "Que seja deixado", disse o rei, "e coloca
estas propriedades aparte, porque lhe serão devolvidas se é encontrado
inocente". Esta era uma alusão à idéia de que fosse um espia.
Durante os dois ou três meses seguintes estive sujeita a
contínuas fustigações, em parte devido a minha ignorância pela forma de agir da
policia, e em parte pelo insaciável desejo de cada suboficial de enriquecer-se
por meio de nosso infortúnio.
Tu, meu querido irmão, que conheces minha intensa adesão para
meus amigos, e quanto prazer tenho experimentado até aqui nas lembranças,
poderás julgar pelas circunstâncias expostas quão intenso era meu sofrimento.
Mas o ponto culminante de minha angústia residia na terrível incerteza acerca
de nossa sorte final. Minha opinião dominante era que meu marido sofreria uma
morte violenta e que eu, naturalmente, viraria escrava para enlanguescer numa
breve embora miserável existência em mãos de algum monstro sem sentimentos. Mas
os consolos da religião, nestas circunstâncias tão duras, não foram
"pequenos nem poucos". Me ensinou a olhar além deste mundo, para
aquele repouso de paz e felicidade onde Jesus reina, e onde nunca entra a
opressão.
Alguns meses depois do encarceramento de teu irmão, me
permitiram fazer uma pequena habitação de bambu nos recintos da prisão, e onde
se me permitia passar às vezes duas ou três horas. Aconteceu que os dois meses
que passou neste lugar foram os mais frios do ano, quando teria sofrido muito
no local aberto que ocupava antes. Depois de nascer tua sobrinha, me foi
impossível visitar o cárcere e o governador como antes, e descobri que tinha
perdido a considerável influência conseguida antes; porque já não estava tão
bem disposto a ouvir-me quando havia uma dificuldade, como antes. Quando Maria
tinha quase dois meses, seu pai me enviou uma mensagem uma manhã de que todos
os prisioneiros brancos tinham sido colocados na prisão mas interna, com cinco
pares de ferrolhos cada um, que sua pequena habitação tinha sido destrocada, e
que os carcereiros tinham levado sua esteira, almofada, etc. isto foi para mim
uma terrível sacudida, porque pensei de imediato que era somente o anúncio de
piores males.
A situação dos presos era agora angustiosa além de toda
descrição. Era o começo da época estival. Havia por volta de cem prisioneiros
encerrados numa estância. Sem ar, exceto por umas fendas nas tábuas. Às vezes
davam permissão para acudir à porta por cinco minutos, e meu coração
encolhia-se ante a miséria que contemplava. Os presos brancos, devido a sua
sudoração incessante e à perda do apetite, pareciam mais mortos que vivos. Fiz
rogos diários ao governador, oferecendo-lhe dinheiro, porém o recusava; tudo
que consegui foi permissão para que os estrangeiros comessem seu alimento fora,
e isto prosseguiu durante muito pouco tempo.
Depois de continuar na prisão interna durante mais de um mês,
teu irmão caiu doente de febres. Tinha a certeza de que não viveria muito
tempo, a não ser que fosse tirado daquele lugar pestilento. Para lográ-lo, e a
fim de estar perto do cárcere, sai de nossa casa e pus uma pequena estância de
bambu no recinto do governador, que estava quase na frente da grade da prisão.
Daqui roguei incessantemente ao governador que me desse uma ordem para tirar o senhor
Judson fora da prisão grande e colocá-lo em situação mais cômoda; o ancião,
cansado afinal de meus rogos, me deu finalmente a ordem num documento oficial;
também deu ordem ao carcereiro chefe para permitir-me entrar e sair, a todas
horas do dia, para ministrá-lhe medicinas. Agora me sentia feliz, certamente, e
fiz que o senhor Judson fosse de imediato levado a uma pequena choça de bambu,
tão baixa que nenhum dos dois podia estar de pé dentro dela, mas era um palácio
em comparação com o lugar onde tinha estado.
Traslado dos presos a Oung-pen-la; seguimento da senhora
Judson
Apesar da ordem que o governador tinha dado para minha
admissão no cárcere, foi com a maior dificuldade que pude persuadir o
sub-carcereiro de abrir a grade. Costumava levar eu mesma a comida para o
senhor Judson, para poder entrar, e depois ficava uma ou duas horas, a não ser
que me expulsassem. Tínhamos desfrutado desta cômoda situação somente dois ou
três dias quando uma manhã, tendo entrado o desjejum do senhor Judson que,
devido à febre, não pôde tomar, fiquei mais tempo do usual; então o governador
mandou chamar-me com muita pressa. Lhe prometi voltar tão logo como soubesse
quais eram os desejos do governador, sendo que ele estava muito alarmado ante
esta insólita mensagem. me senti portanto agradavelmente aliviada quando o
governador me disse que somente queria perguntar-me acerca de seu relógio de
pulso, e pareceu inusitadamente agradável e conversador. Depois descobri que
sua única intenção tinha sido reter-me até que terminasse a terrível cena que
estava a ponto de ter lugar no cárcere. Porque quando o deixei para voltar a
minha estância, um dos criados veio correndo, e com rosto pálido me disse que
todos os presos brancos estavam sendo trasladados.
Não queria acreditar
na informação, mas de imediato voltei ao governador, que me disse que acabava
de saber, porém que não queria dizer-me. Sai precipitadamente à rua, esperando
poder ter um vislumbre deles antes que desaparecessem de minha vista, porém em
vão. Corri primeiro a uma rua, depois a outra, perguntando a todos os que via,
mas ninguém queria responder-me. Finalmente, uma anciã me disse que os presos
brancos tinham ido para o riacho, porque deviam ser levados a Amarapora. Depois
fui correndo à ribeira do riacho, que estava a unos oitocentos metros dali, mas
não os achei. Então voltei ao governador, a perguntá-lhe a causa desse
traslado, e a probabilidade de sua sorte futura. O ancião me assegurou que
desconhecia a intenção do governo de trasladar os presos até aquela manhã. Que
desde que eu tinha saído, ele havia sabido que os presos tinham sido enviados a
Amarapora, mas não sabia com que propósito. "Enviarei um homem de imediato
para ver que é o que deve fazer-se com eles. Não pode fazer nada mais por seu
marido", prosseguiu ele, "Tenha cuidado de você mesma".
Nunca antes tivera tanto temor ao atravessar as ruas de Ava.
As últimas palavras do governador, "Tenha cuidado de você mesma" me
faziam suspeitar que havia algum desígnio que eu desconhecia. Vi também que
tinha medo de sair pelas ruas, e me aconselhou que esperasse até que fosse de
noite, e me enviaria uma carreta, e um homem para abrir as portas. Tomei dois
ou três baús com os artigos mais valiosos, junto com o baú das medicinas, para
depositá-lo todo em casa do governador; e depois de confiar a casa e as
instalações a nosso fiel Moung Ing e a um criado bengalês, que continuava
conosco (embora não podíamos pagá-lhe o salário), me despedi, como então
pensava provável, para sempre de nossa casa de Ava.
O dia era terrivelmente quente, mas obtivemos um barco
coberto, no qual estávamos toleravelmente cômodos, e chegamos a uns três
quilômetros da casa de governo. Depois procurei uma carreta; mas as violentas
sacudidas, junto com o terrível calor e o pó, quase me alienaram. E qual foi
minha frustração quando cheguei no edifício da corte de justiça, e descobri que
os presos tinham sido enviados fora duas horas atrás, e que devia ir de forma
tão incomoda sete quilômetros mais, com a pequena Maria em meus braços, a qual
tinha carregado todo o caminho desde Ava! O carreteiro recusou prosseguir, e
depois de esperar uma hora sob o ardente sol, consegui outro, e me dirigi
àquele lugar que jamais poderei esquecer, Oung-pen-la. Obtive um guia de parte
do governador, e me conduziram diretamente ao pátio da prisão.
Mas que cena de miséria vi diante de meus olhos! O cárcere
era um velho edifício em ruínas, sem telhado; a cerca estava totalmente
destruída; oito ou dez birmaneses estavam acima do edifício, tratando de fazer
algo semelhante a um refúgio com folhas, enquanto que abaixo de uma pequena
proteção fora do cárcere se encontravam os estrangeiros, acorrentados juntos de
dois em dois, quase mortos de sofrimento e cansaço. As primeiras palavras de
teu irmão foram: "Por que vieste? Esperava que não me seguisses, porque
não pode viver aqui".
Havia escurecido já. Não tinha refrigério para os sofredores
presos nem para mim mesma, porquanto havia esperado conseguir todo o necessário
no mercado de Amarapora, e não tinha refúgio para a noite. Pedi a um dos
carcereiros se podia levantar uma pequena casa de bambu perto dos presos.
"Não, não é o costume", me respondeu. Então lhe roguei que me
procurasse um refúgio para a noite, e pela manhã procuraria um alojamento. Me
levou a sua casa, na qual havia somente duas estâncias pequenas; numa vivia ele
e sua família, a outra, que então estava meio cheia de grão, ma ofereceu; e
naquela suja habitação passei os seguintes seis meses de miséria. Consegui algo
de água meio fervida, em lugar de meu chá, e vencida pela fadiga me deitei numa
esteira estendida sobre o arroz, e tratei de obter algo de descanso dormindo. A
manhã sangue teu irmão me contou o que segue acerca do brutal tratamento que
tinha recebido ao ser tirado do cárcere.
Tão logo como tive saído pela chamada do governador, um dos
carcereiros se precipitou na pequena estância do senhor Judson, o tomou
violentamente do braço, o tirou fora, o despiu de sua roupa exceto pela camisa
e as calças, tomou os sapados, o chapéu e toda sua roupa de cama, lhe tirou os
ferrolhos, amarrou uma corda em volta da cintura, o arrastou à casa do
tribunal, onde antes tinham sido levados os outros presos. Foram depois
amarrados de dois em dois e entregues em mãos do Lamine Wun, que foi na frente
deles a cavalo, enquanto seus escravos conduziam os presos, sustendo cada
escravo uma corda que amarrava a dois presos juntos. Isto aconteceu em maio, um
dos meses mais quentes do ano, e às onze da manhã, quando o sol era
verdadeiramente intolerável.
Tinham caminhado somente um quilômetro quando os pés de teu
irmão ficaram tão cheios de bolhas, e tão grande era sua agonia, inclusive numa
etapa tão primária da viagem, que ao passar num riacho anelava jogar-se na água
para livrar-se de seus sofrimentos. Somente o impediu a culpa unida a tal ação.
Restavam seis quilômetros de caminho. A areia e a brita eram como carvões
acesos para os pés dos prisioneiros, que logo ficaram em carne viva; neste
mísero estado foram fustigados por seus implacáveis condutores. O estado de
debilidade do senhor Judson, a causa da febre, e ao não ter tomado alimentos
pela manhã, o fazia menos capaz de suportar aquelas dificuldades que os outros
presos.
A meio caminho se detiveram para beber, e teu irmão rogou ao
Lamine Wun que lhe permitisse ir em seu cavalo por um ou dois quilômetros,
porque não podia continuar naquele terrível estado. Mas a única resposta que recebei
foi um olhar maligno. Depois pediu ao capitão Laird, que estava amarrado com
ele, que lhe permitisse apoiar-se em seu ombro, porque estava caindo. Isto o
concedeu aquele gentil homem por um ou dois quilômetros, porém depois achou
insuportável aquela carga agregada. Justo então se aproximou deles o criado
bengalês do senhor Gouger e, vendo a angústia de teu irmão, tirou o turbante,
que estava feito de tecido, o partiu em dois, deu a metade a seu amo, e a
metade ao senhor Judson, que de imediato o usou para vendar seus pés feridos,
porque não lhes permitiam repousar nem um momento. O servo ofereceu então seu
ombro ao senhor Judson, e assim o levou o resto do caminho.
O Lamine Wun, ao ver o estado lastimoso dos presos, e que um
deles tinha morrido, decidiu que não prosseguiriam mais naquela noite, pois
senão teriam continuado até chegar a Oung-pen-la aquele mesmo dia. Ocuparam um
pequeno barraco naquela noite para descansar, mas sem esteira nem travesseiro,
nem nada para cobrir-se. A curiosidade da mulher do Lamine Wun a induziu a
visitar os presos, cujos sofrimentos suscitaram sua compaixão, e ordenou que
lhes dessem algo de fruta, açúcar e tamarindos para alimentá-los. A manhã
seguinte lhes preparou arroz, e pobre como era este alimento, foi para
refrigério dos presos, que no dia anterior não tiveram quase nenhum alimento.
Também se prepararam carretas para levá-los, porque nenhum deles podia
caminhar. Durante todo este tempo os estrangeiros desconheciam totalmente que
iria acontecer com eles; quando chegaram a Oung-pen-la e viram o estado do
cárcere, todos, unânimes, chegaram à conclusão de que seriam queimados, segundo
um rumor que antes havia circulado por Ava. Todos começaram a preparar-se para
o terrível fim que esperavam, e não foi até que viram preparativos para reparar
o cárcere que começaram a perder a horrível certeza de uma morte cruel e lenta.
Minha chegada teve lugar uma ou duas horas depois disto.
A manhã seguinte me levantei e tratei de encontrar algo de
comida. Mas não havia mercado, e não se podia conseguir nada. Contudo, um dos
amigos do doutor Price havia trazido algo de arroz frio e de curry desde
Amarapora, o que, junto com uma xícara de chá do senhor Lansago, serviu de
desjejum para os presos; para comer, fizemos um curry de peixe salgado seco,
que tinha tradizo um criado do senhor Couger. Todo o dinheiro que tinha neste
mundo estava comigo, escondido em minhas roupas; poderás julgar quais eram
nossas perspectivas em caso de que a guerra se prolongasse muito. Todavia,
nosso Pai celestial demonstrou ser melhor para nós que nossos temores porque,
apesar das constantes extorsões dos carcereiros durante os seis meses que
estivemos em Oung-pen-la, e das freqüentes carências às que estivemos
submetidos, nunca sofremos realmente por falta de dinheiro, embora sim
freqüentemente por falta de provisões, que não podíamos procurar-nos.
Aqui neste lugar começaram meus sofrimentos físicos pessoais.
Enquanto teu irmão estava encerrado na prisão da cidade, tinham-me permitido
ficar em nossa casa, onde me restavam muitas comodidades, e onde minha saúde
tinha continuado boa além de todas as expectativas. Mas agora não tinha eu
nenhuma comodidade, nem sequer uma cadeira ou assento de qualquer classe,
exceto o solo de bambu. A mesma manhã depois de minha chegada, Mary Hasseltine caiu
doente de varíola, de forma normal. Ela, embora muito jovem, era a única ajuda
de que eu dispunha para cuidar da pequena Maria. Porém ela demandava agora todo
o tempo que eu podia dedicar ao senhor Judson, que continuava com febre no
cárcere, e cujos pés estavam tão terrivelmente danificados que durante vários
dias foi incapaz de mexer-se.
Não sabia que fazer, porque não podia conseguir assistência
dos vizinhos, nem medicina para os doentes, senão que estava todo o dia indo da
casa ao cárcere com a pequena Maria em braços. Às vezes me sentia muito
aliviada deixando-a dormir durante uma hora ao lado de seu pai, enquanto
voltava a casa para cuidar de Mary, que tinha febre tão alta que delirava.
Estava tão coberta de varíola que não se distinguia entre as pústulas. Como
estava na mesma habitação que eu, sabia que Maria se contagiaria. Portanto, a
inoculei de outro menino, antes que a de Mary chegasse ao estado de ser
contagiosa. Ao mesmo tempo inoculei Abby e os meninos do carcereiro, e todos os
tiveram tão leve que nem interrompeu suas brincadeiras. Poream a inoculação no
braço da minha pequena Maria não pegou; se contagiou de Mary, e a sofreu de
maneira normal. Então tinha somente três meses e meio, e teria sido uma menina
muito saudável; porém demorou três meses antes de recuperar-se totalmente dos
efeitos desta terrível doença.
Lembrarás que eu nunca tive varíola, senão que tinha sido
vacinada antes de sair da América. Como conseqüência de estar exposta tanto
tempo a ela, se me formaram quase cem pústulas, ainda que sem sintomas prévios
de febre nem nada. Ao ter os meninos do carcereiro a doença em forma tão leve,
como conseqüência da inoculação, minha fama se estendeu a todo o povoado, e me
trouxeram todas as crianças, pequenos e mais velhos, que ainda não a tiveram,
para que os inoculasse. E embora eu não soubesse nada da doença, nem da forma
de tratá-la, os inoculei a todos com uma agulha, e os mandei que tivessem
cuidado com suas comidas; estas foram todas as instruções que lhes pude dar. O
senhor Judson foi melhorando de saúde, e se encontrou muito mais comodamente
situado que quando estava preso na cidade.
Os presos foram a princípio acorrentados de dois em dois;
porém tão logo como os carcereiros puderam conseguir suficientes correntes,
foram separados, e cada preso teve somente dois ferrolhos. O cárcere foi
reparado, se fez um novo cerco, e se erigiu um grande e arejado cobertor diante
do cárcere, onde lhes permitiam estar aos prisioneiros durante o dia, embora
eram encerrados no pequeno e atestado cárcere durante a noite. Todos os meninos
se recuperaram da varíola; mas meus cuidados e minha fatiga, junto com minha
pobre comida, somado ao mísero alojamento, trouxe sobre mim uma das doenças do
país, que quase sempre é fatal para os estrangeiros.
Minha constituição parecia destruída, e em poucos dias fiquei
tão debilitada que apenas se podia caminhar à prisão do senhor Judson. Neste
estado debilitado, me dirigi em carreta a Ava para conseguir medicinas, e algum
alimento apropriado, deixando o cozinheiro que tomasse meu lugar. cheguei sã e
salva na casa, e durante dois ou três dias a doença parecia ter parado; depois
disso voltou atacar-me violentamente, de modo que não me restaram esperança de
recuperar-me; minha ansiedade era agora voltar a Oung-pen-la para morrer perto
da prisão. Foi com grande dificuldade que recuperei meu baú de medicinas de
mãos do governador, e então não tive a ninguém para ministrar medicinas.
Contudo, consegui láudano, e tomando duas gotas por vez durante várias horas,
me deteve a doença até o ponto de possibilitar-me subir a bordo de um barco,
embora tão fraca que não conseguia manter-me em pé, e de novo me dirigi a Oung-pen-la.
As últimas quatro horas de viagem foram penosas, em carreta, e em meio da
estação chuvosa, quando a lama enterra os bois. Para que te dês uma idéia de
uma carreta birmanesa, te direi que suas rodas não estão constituídas como as
nossas, senão que são simplesmente tábuas redondas grossas com um buraco no
meio, através do qual passa o eixo que sustenta a plataforma.
Apenas cheguei a Oung-pen-la quando pareceu que tivessem
esgotado por completo minhas forças. O bom cozinheiro nativo saiu a ajudar-me a
entrar na casa, porém minha aparência estava tão alterada e consumida que o
coitado rompeu em choro ao ver-me. Me arrastei sobre a esteira na pequena
estância, na que me mantive encerrada durante mais de dois meses, e nunca me
recuperei perfeitamente até que cheguei ao acampamento inglês. Neste período,
quando me vi incapaz de cuidar de mim mesma ou de cuidar do senhor Judson, os
dois teríamos morrido, se não tiver sido pelo fiel e afetuoso cuidado de nosso
cozinheiro bengalês. Um cozinheiro bengalês normal não está disposto a fazer
nada além da simples atividade de cozinhar; mas pareceu esquecer sua casta, e
quase suas próprias necessidades, em seus esforços por salvar-nos. Procurava,
cozinhava e levava a comida de teu irmão, e depois voltava e cuidava de mim.
tenho sabido que freqüentemente não tomava comida até o anoitecer, a causa de
ter que ir muito longe para conseguir lenha e água, e a fim de ter a comida do
senhor Judson pronta na hora indicada. Nunca se queixou; nunca pediu sua paga,
e nunca duvidou um instante em ir aonde for, nem em agir da forma que
desejássemos. Tenho grande prazer em falar da fiel conduta deste criado, que
continua estando conosco, e confio que tem sido bem recompensado por seus
serviços.
Nossa pequena Maria foi a que mais sofreu neste tempo, ao
privá-la minha enfermidade de seu alimento usual, e não pudemos conseguir nem
uma aia nem um pingo de leite no povoado; fazendo presentes aos carcereiros,
consegui permissão para que o senhor Judson saísse do cárcere e levasse a coitada
pequena ao povo, para rogar algo de alimento de aquelas mães que tivessem
bebês. Seus choros em meio da noite eram para partir o coração, mas era
impossível suprir suas necessidades. Aí comecei a pensar que tinham caído sobre
mim as aflições de Jó. Quando estava com saúde pude suportar as várias
vicissitudes e provas que fui chamada a sofrer. Mas estar encerrada, doente, e
incapaz de ajudar meus seres queridos, quando estavam angustiados, era quase
mais do que podia suportar. E se não tiver sido pelos consolos da religião, e
por uma convicção total de que cada prova adicional estava ordenada por um amor
e uma misericórdia infinitos, teria-me afundado ante o acúmulo de sofrimentos.
Às vezes nossos carcereiros pareciam algo suavizados ante nossos sofrimentos, e
durante vários dias deixaram que o senhor Judson viesse a casa, o que era para
mim um indizível consolo. Depois voltavam a mostrar-se com um duro coração em
suas exigências, como se estivéssemos livres de sofrimento, e em circunstâncias
de abundância. A irritação, as extorsões, e as opressões às que nos vimos
submetidos durante nossos seis meses de estância em Oung-pen-la estão além de
toda enumeração ou descrição.
Finalmente chegou o tempo de nossa liberação daquele odioso
lugar, o cárcere de Oung-pen-la. Chegou um mensageiro de nosso amigo, o
governador da porta norte do palácio, que era anteriormente Kung-tone,
Myou-tsa, informando-nos que tinha sido dada uma ordem no palácio, na noite
anterior, para a liberação do senhor Judson. Aquela mesma noite chegou uma
ordem oficial; e com o coração gozoso comecei a preparar nossa partida para a
manhã seguinte. Porém houve um estorvo imprevisto, que nos fez temer que eu
deveria continuar sendo retido como prisioneira. Os avarentos carcereiros, mal
dispostos a perder sua presa, insistiram em que meu nome não estava incluído na
ordem, e que eu não devia partir. Em vão insisti em que eu não tinha sido
enviada ali como presa, e que eles não tinham autoridade alguma sobre mim;
continuaram decididos a que eu não fosse embora, e proibiram os do povoado que
me alugassem uma carreta. O senhor Judson foi então tirado do cárcere e levado
à casa do carcereiro, onde, com promessas e ameaças, conseguiu finalmente seu
consentimento, a condição que deixássemos a parte restante de nossas provisões
que tínhamos recebido recentemente de Ava.
Era meio-dia quando nos permitiram partir. Quando chegamos a
Amarapora, o senhor Judson se viu obrigado a seguir a condução do carcereiro,
que o levou ao governador da cidade. após ter feito todas as indagações
pertinentes, o governador designou outra guarda, que levou o senhor Judson ao
tribunal de Ava, lugar ao qual chegou em algum momento da noite. Eu empreendi
minha própria viagem, voltei de barco, e cheguei em casa antes que fosse
escuro.
Meu primeiro objetivo na manhã seguinte foi buscar teu irmão,
e tive a mortificação de encontrá-lo novamente em prisão, embora não na prisão
da morte. Fui de imediato a ver meu antigo amigo o governador da cidade, que
agora tinha ascendido de categoria a Wun-gye. Este me informou que o senhor
Judson devia ser enviado ao acampamento birmanês, para agir como tradutor e
interprete, e que estava confinado somente durante um tempo, enquanto se
solucionassem seus assuntos. Cedo na manhã seguinte fui a ver de novo a este
oficial, que me disse que naqueles momentos o senhor Judson tinha recebido
vinte tickals do governo, com ordens de ir imediatamente a um barco dirigido a
Maloun, e que lhe tinham dado permissão para deter-se uns momentos em casa, que
estava de passagem. Me apressei a voltar à casa, aonde logo chegou o senhor
Judson. Porém somente lhe permitiram ficar um breve tempo, enquanto eu
preparava comida e roupa para uso futuro. Foi colocado numa pequena barca, onde
não tinha espaço nem para deitar-se, e onde sua exposição às frias e úmidas
noites lhe provocou uma violenta febre, que quase pus fim a todos seus
sofrimentos. Chegou a Maloun no terceiro dia, onde, doente como estava, foi
obrigado a começar de imediato a trabalhar em traduzir. Permaneceu seis semanas
em Maloun, sofrendo tanto como tinha sofrido durante o tempo que tinha passado
encarcerado, embora não estivesse sujeito sem ferrolhos, nem exposto aos
vexames daqueles cruéis carcereiros.
Durante a primeira quinzena depois de sua partida, minha
ansiedade foi menor que a que tinha sofrido na época anterior, desde o começo
de nossas dificuldades. Sabia que os oficiais birmaneses no acampamento
considerariam inestimáveis os serviços do senhor Judson, e modo que não
empregariam medidas que ameaçassem sua vida. Pensei também que sua situação
seria mais cômoda do que realmente foi; por isto minha ansiedade foi menor.
Porém minha saúde, que nunca se recuperara daquele violento ataque em
Oung-pen-la, foi agora diminuindo a diário, até que cão na febre com manchas,
com todos seus horrores. Conhecia a natureza desta febre desde seu começo, e
por causa do fraco estado de minha constituição, junto com a ausência de
assistentes médicos, estava convencida de que o desenlace seria fatal. O dia em
que cai doente, veio uma aia birmanesa e ofereceu seus serviços para Maria.
Esta circunstância me encheu de gratidão e confiança em Deus; pois embora tinha
realizado tantos esforços durante tanto tempo para conseguir uma pessoa assim,
nunca tinha conseguido. E no amém momento em que mais necessitava de uma, sem
esforço algum se me fez o oferecimento voluntário.
Minha febre me atacou violentamente e sem ceder um momento.
Comecei a pensar em arranjar meus assuntos terrenos, e em entregar minha
pequena Maria ao cuidado da mulher birmanesa, quando perdi a razão e fiquei
insensível a tudo quanto havia a meu redor. Durante este terrível período, o
doutor Price foi liberado da prisão, e ao ouvir de minha doença conseguiu
permissão para ver-me. Desde então me contou que minha condição era a mais
terrível que ele já tinha visto, e que não pensou então que eu fosse sobreviver
muitas horas. Tinha o cabelo raspado, a cabeça e os pés cobertos de ampolas, e
o doutor Price ordenou ao criado bengalês que se cuidava de mim que tratasse de
persuadir-me a tomar algo de alimento, o qual eu tinha recusado obstinadamente
durante vários dias. Uma das primeiras coisas que lembro é ver a este fiel
criado de pé a meu lado, tratando de convencer-me para que bebesse algo de
vinho e água. De fato, estava tão enfraquecida que os vizinhos birmaneses que
vieram ver-me dissera: "Está morta; e se o rei dos anjos entrasse aqui,
não poderia recuperá-la".
A febre, soube depois, esteve dominando-me durante dezessete
dias desde a aparição das ampolas. Agora comecei a recuperar-me lentamente;
todavia se passou mais de um mês antes de ter forças para ficar em pé. Enquanto
estava neste estado de debilidade, o criado que tinha seguido a teu irmão ao
acampamento birmanês chegou e me informou que seu amo tinha chegado, e que estava
sendo conduzido à corte de justiça da cidade. Enviei um birmanês para que
observasse os movimentos do governo, e a tomar conhecimento, se podia, de que
iriam fazer com o senhor Judson. Logo voltou e me disse que tinha visto o
senhor Judson sair do pátio do palácio, acompanhado por dois ou três
birmaneses, que o levavam a um dos cárceres da cidade; e que se comentava pela
cidade que seria devolvido ao cárcere de Oung-pen-la. Estava demasiado fraca
para ouvir más notícias de nenhum tipo; mas este acontecimento repentino tão
terrível quase acabou comigo. Durante um tempo apenas se conseguia respirar;
mas afinal recuperei suficiente compostura para enviar nosso amigo Moung Ing a
nosso amigo, o governador da porta norte, e lhe roguei que fizesse outro esforço
para obter a liberação do senhor Judson, e que impedisse que fosse enviado de
novo ao cárcere do campo, onde sabia que sofreria muito, porque eu não poderia
segui-lo até lá. Moung Ing foi logo em busca do senhor Judson, e era já quase
de noite quando o achou dentro de uma escura prisão. Eu tinha enviado alimentos
à primeira hora da tarde, mas ao não poder achá-lo, o que enviei voltou com
eles, o que piorou minha angústia, porque temia que fosse ser enviado a
Oung-pen-la.
Se jamais tinha sentido o valor e a eficácia da oração, a
senti agora. Não podia levantar-me de meu leito; nada podia fazer para
conseguir a meu marido; somente podia rogar Àquele grande e poderoso Ser que
disse: "E
invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás. Ele me
fez sentir nesta ocasião esta promessa de maneira tão poderosa que fiquei
serena, tendo a certeza de que minhas orações seriam respondidas.
Quando o senhor Judson foi enviado de Maluon a Ava, foi com
um prazo de cinco minutos e sem saber a causa. Enquanto ia rio para acima viu
acidentalmente a comunicação que tinha enviado o governo acerca dele, e que
simplesmente dizia: "Não temos mais necessidade de Judson, e portanto o
devolvemos à cidade dourada". Ao chegar ao tribunal aconteceu que não havia
ninguém familiarizado com o senhor Judson. O oficial presidente perguntou
acerca de desde onde tinha sido enviado a Maloun. Responderam-lhe que desde
Oung-pen-la. "Então", disse o oficial, "que o devolvam
ali". Foi logo entregue a um guarda, para ser levado ao lugar mencionado,
para permanecer ali até que pudesse ser conduzido a Oung-pen-la. Enquanto isso,
o governador da porta norte apresentou uma petição ao alto tribunal do império,
oferecendo-se como garantia da segurança do senhor Judson, obteve sua liberação
e o levou à sua casa, onde o tratou com todas as bondades possíveis, e aonde
fui eu levada quando minha saúde melhorada o permitiu.
Foi num anoitecer fresco e de belo luar, no mês de março, que
com corações enchidos de gratidão a Deus, e sobreabundantes de gozo ante nossas
perspectivas, passamos Irrawaddy rio abaixo, rodeados por seis ou sete barcas
douradas, e acompanhados de todas nossas posses terrenas.
Agora, por primeira vez em um ano e meio, sentimos que éramos
livres, e já não mais sujeitos ao opressivo jugo dos birmaneses. E com que
sensação de deleite vi, na seguinte manhã, os mastros de um barco a vapor, o
seguro presságio de estar dentro do âmbito da vida civilizada! Tão logo como a
nossa barca chegou à costa, o brigadeiro A. e outro oficial subiram a bordo, nos
cumprimentaram pela nossa chegada, e nos convidaram a bordo do vapor, onde
passei o resto do dia. Enquanto isso, teu irmão ia ver o general que, com um
destacamento do exército, tinha acampado em Yandabu, alguns quilômetros mais
abaixo no rio. O senhor Judson voltou naquela tarde, com um convite de ir
Archibald para que acudisse de imediato a sua residência, onde me apresentaram
na manhã seguinte, e recebida com a maior gentileza pelo general, que tinha
levantado uma tenda para nós perto da dele, e que nos convidou à sua mesa,
tratando-nos com a bondade de um pai mais que como estrangeiros de outro país.
Durante vários dias esta só idéia ocupou minha mente de
contínuo: que estávamos fora do poder do governo birmanês, e uma vez mais sob a
proteção dos ingleses. nossos sentimentos ditavam de contínuo expressões como
esta: "Que pagaremos a Jeová por todos seus benefícios para conosco?"
Em breve se concertou o tratado de paz, assinado por ambas as
partes, e se declarou publicamente o termo das hostilidades. Saímos de Yandabu,
depois de umas duas semanas de permanência, e chegamos sãos e salvos à casa da
missão em Rangún, depois de uma ausência de dois anos e três meses.
Ao longo de todo este sofrimento se conservou o precioso
manuscrito do Novo Testamento birmanês. Foi colocado numa sacola e transformado
num travesseiro duro para o encarceramento do doutor Judson. Todavia, se viu
obrigado a mostrar-se aparentemente descuidado com ele, para que os birmaneses
não pensassem que continha algo valioso e o pegassem. Mas com ajuda de um fiel
converso birmanês, o manuscrito, que representava tantos longos dias de
trabalho, foi guardado a salvo.
No término desta longa e trágica narração, podemos dar de
maneira apropriada o seguinte tributo à benevolência e aos talentos da senhora
Judson, dado por um dos presos ingleses que estiveram encerrados em Ava com o
senhor Judson. Foi publicado num jornal de Calcutá ao término da guerra.
"A senhora Judson foi a autora daqueles eloqüentes e
intensos depoimentos ao governo que os prepararam gradualmente para a submissão
às condições de paz, que ninguém teria esperado, conhecendo a arrogância e
inflexível soberba da corte birmanesa".
"E falando nisto, o derramamento de sentimentos de
gratidão, em meu nome e no de meus companheiros, me levam a agregar um tributo
de gratidão pública àquela amável e humanitária mulher, que, ainda vivendo a
três quilômetros de distância de nosso cárcere, sem meios de transporte, e com
muito precária saúde, esqueceu sua própria comodidade e fraqueza, visitando-nos
quase todos os dias, e ministrando para nossas necessidades, e contribuindo em
todas as formas a aliviar nossa desgraça".
"Enquanto fomos deixados sem alimentos pelo governo,
ela, com uma perseverança infatigável, por um ou outro médio, nos conseguiu um
constante subministro".
"Quando o estado esfarrapado de nossas roupas evidenciou
a extremidade de nossa angústia, ela se mostrou disposta a substituir nosso
escasso vestiário".
"Quando a insensível avareza de nossos guardiões nos
mantinha no interior ou nos levava a por nossos pés em cepos, ela, como anjo
servidor, nunca cessou em suas solicitudes ao governo, até que era autorizada a
comunicar-nos a gratas notícias de nossa liberação, ou de um respiro de nossas
amargas opressões".
"Além de todo isso, foi certamente devido, em primeiro
termo, à mencionada eloqüência e às intensas petições da senhora Judson, que os
mal instruídos birmaneses foram finalmente levados à boa disposição de
assegurar o bem-estar e a felicidade de seu país com uma paz sincera".
Começos missionários
1800. Batismo do primeiro convertido de Carey
1804. Organização da Sociedade Bíblica Britânica e
Estrangeira
1805. Henry Martyn zarpa rumo à Índia
1807. Robert Morrison zarpa para a China
1808. A reunião do monte de palha celebrada perto do Williams
College
1810. Organização da Junta Americana
1811. Os wesleyanos fundam a Missão de Sierra Leona
1812. Zarpan os primeiros missionários da Junta Americana
1816. Organização da Sociedade Bíblica Americana
1816. Robert Moffat zarpa pla a África do Sul
1818. A Sociedade Missionária de Londres penetra em
Madagascar
1819. Organização da Sociedade Missionária Metodista
1819. A Junta Americana inaugura a Missão das Ilhas Sandwich
1819. Judson batiza seu primeiro convertido birmanês
JOSÉ MATEUS
zemateus@msn.com