Quando a religião reformada começou a difundir a luz do
Evangelho por toda a Europa, o Papa Inocente III temeu em grande modo pela
Igreja de Roma. Por isso, designou um número de inquisidores, ou pessoas que
deviam inquirir, prender e castigar os hereges, tal como os papistas chamavam
aos reformados.
Encabeçando estes inquisidores estava um certo Domingo, que
tinha sido canonizado pelo Papa a fim de fazer sua autoridade tanto mais
respeitável. Domingo e os vários inquisidores se estenderam pelos vários países
católico-romanos tratando os protestantes com a maior dureza. Finalmente, o
Papa, não encontrando a estes inquisidores itinerantes tão úteis como havia
imaginado, resolveu estabelecer uns tribunais fixos e regulares da Inquisição.
O primeiro destes tribunais regulares se estabeleceu na cidade de Toulouse, e
Domingo foi nomeado primeiro inquisidor regular, assim como tinha sido primeiro
inquisidor itinerante.
Depois se estabeleceram tribunais da Inquisição por vários
países, mas foi a Inquisição Espanhola a que adquiriu maior poder, e foi a mais
temida. Até os mesmos reis da Espanha, embora arbitrários em todos os outros
aspectos, aprenderam a temer o poder dos senhores da Inquisição; e as horrendas
crueldades que estes exerciam obrigaram a multidões, que diferiam em suas
opiniões dos católico-romanos, a dissimular seus sentimentos.
Em 1244, se poder aumentou mais graças ao imperador Frederico
II, que se declarou amigo e protetor de todos os inquisidores, e que publicou
estes cruéis editos: 1) que todos os hereges que persistissem em sua obstinação
fossem queimados; 2) que todos os hereges que se arrependessem fossem
encarcerados de por vida.
Este zelo do imperador em favor dos inquisidores católico
remissão surgiu por causa de uma história que se havia propagado por toda a
Europa, de que tinha a intenção de renunciar ao cristianismo e fazer-se maometano;
por isso, o imperador tentou, por meio de um fanatismo extremado, contradizer a
patranha e mostrar mediante sua crueldade seus adesão ao papado.
Os oficiais da Inquisição são três inquisidores, ou juízes,
um fiscal, dois secretários, um magistrado, um mensageiro, um receptor, um
carcereiro, um agente de possessões confiscadas, vários assessores,
conselheiros, carrascos, médicos, cirurgiões, porteiros, familiares e
visitantes, que estão juramentados para guardar o segredo.
A principal acusação em contra dos que estão sujeitos a este
tribunal é a heresia, que se compõe de tudo o que se fala, ou escreve, em
contra dos artigos do credo ou das tradições da Igreja de Roma. A Inquisição,
também, investiga a todos os acusados de serem mágicos, e dos que lêem a Bíblia
na língua comum, o Talmude dos judeus ou o Corão dos maometanos.
Em todas as ocasiões os inquisidores levam a cabo seus
processos com a mais cruel severidade, castigando os que o ofendem com uma
crueldade sem comparação. Poucas vezes se mostrará misericórdia para um
protestante, e um judeu que se converter ao cristianismo está longe de estar
seguro.
Na Inquisição uma defesa vele bem pouco para um preso, porque
uma mera suspeita é considerada como suficiente causa de condena, e quanto
maior seja sua riqueza, tanto maior seu perigo. A parte mais importante das
crueldades dos inquisidores se deve à sua rapacidade; destroem as vidas para
possuírem as riquezas, e sob pretensão de zelo pela religião saqueiam as
pessoas que odeiam.
A um preso da Inquisição nunca lhe é permitido ver o rosto de
seu acusador, nem os das testemunhas em sua contra, senão que se tomam todos os
métodos de ameaças e torturas para obrigá-lo a acusar-se a si mesmo, e por este
meio, corroborar suas evidências. Se não assentir plenamente à jurisdição da
Inquisição, se proclama vingança contra todos aqueles que a coloquem em dúvida,
caso resistirem a alguém de seus oficiais; todos os que se opõem a eles
sofrearão com uma certeza quase total por tal temeridade; a máxima da
Inquisição é infundir terror e pavor aos que tem sob seu poder, para levá-los a
obedecer. O berço nobre, a estirpe ou os empregos eminentes não constituem
proteção frente a seus rigores; e os mais humildes oficiais da Inquisição podem
fazer tremer os mais altos dignitários.
Quando a pessoa acusada é condenada, é ou duramente açoitada,
violentamente torturada, enviada às galeras, ou condenada a morte; em todo caso
lhe são confiscados os bens. Depois do juízo, se leva a cabo uma procissão que
se dirige ao lugar da execução, cerimônia que se chama auto de fé.
O que se segue é um relato de um auto de fé executado em
Madri no ano 1682.
Teve lugar o 30 de maio. Os oficiais da Inquisição,
precedidos por trombetas, timbales e sua bandeira, desfilaram a cavalo até o
lugar da praça maior, onde fizeram a proclamação de que o 30 de junho se
executaria sentença contra os presos.
Destes prisioneiros, seriam queimados vinte homens e
mulheres, e um maometano renegado; cinqüenta judeus, homens e mulheres, que
nunca antes tinham sido encarcerados, e arrependidos de seus crimes, foram
sentenciados a um longo confinamento, e a portar uma coroa amarela. Toda a
corte da Espanha estava presente nesta ocasião. O grande trono do inquisidor
foi situado numa espécie de estrado muito por acima do rei.
Entre os que seriam queimados encontrava-se uma jovem judia
de deliciosa formosura, de somente dezessete anos. Encontrando-se ao mesmo lado
do patíbulo em que estava a rainha, dirigiu-se a ela com a esperança de
conseguir o perdão, com as seguintes patéticas palavras: "Grande rainha:
não me será vossa régia presença de algum serviço em minha desgraçada condição?
Tende compaixão de minha juventude, e, ah, considerai que estou a ponto de
morrer por uma religião na que fui ensinada desde a minha mais tenra infância!".
Sua majestade parecia compadecer-se muito de sua angústia, porém desviou seu
olhar, porque não se atrevia a dizer uma palavra em favor de uma pessoa que
tinha sido declarada herege.
Agora começou a Missa, em meio da qual o sacerdote acudiu
desde o altar, ficou perto do patíbulo, e sentou numa cadeira disposta para
ele.
Então o grande inquisidor desceu desde o anfiteatro, vestido
com sua capa, e com uma mitra na cabeça. Depois de inclinar-se diante do altar,
se dirigiu até o palco do rei, e subiu a ele, assistido por alguns dos
oficiais, levando uma cruz e os Evangelhos, com um livro contendo o juramento
mediante o qual os reis da Espanha se obrigavam a proteger a fé católica, a
extirpar os hereges, e a sustentar com todo seu poder as atuações e os decretos
da Inquisição; um juramento semelhante foi tomado dos conselheiros e de toda a
assembléia. A Missa começou às doze do meio-dia, e não acabou até as nove da
noite, alargada por uma proclamação das sentenças de vários criminosos, que
tinham sido já pronunciadas por separado em alta voz, uma após outra.
Depois disto seguiu-se a queima dos vinte e um homens e
mulheres, cujo valor nesta horrenda morte foi verdadeiramente assombroso. O
rei, por sua situação perto dos condenados, pode ouvir muito bem seus
estertores enquanto morriam; não obstante não pôde ausentar-se desta terrível
cena, por quanto era considerado um dever religioso, e por quanto seu juramento
de coroação o obrigava a dar sanção, com sua presença, a todos os atos do
tribunal.
O que já dissemos pode ser aplicado às inquisições em geral,
assim como à da Espanha em particular. A Inquisição de Portugal agia exatamente
sob o mesmo plano daquela da Espanha, tendo sido instruída numa época mui
semelhante, e colocada sob as mesmas normas. Os inquisidores permitem que se
empregue tortura somente três vezes, mas nestas ocasiões é infligida de maneira
tão severa, que o preso ou morre nela, ou fica impedido para sempre, e sofre as
mais severas dores a cada mudança de tempo. Daremos uma ampla descrição dos
terríveis tormentos ocasionados pela tortura, em base do relato de um que a
sofreu as três vezes, mas que felizmente sobreviveu às crueldades sofridas.
Na primeira tortura, entraram seis carrascos, o despiram
deixando-o em cueca, e o colocaram sobre sua espalda numa espécie de plataforma
elevada uns poucos pés sobre o chão. A operação começou colocando em volta de
seu pescoço um anel de ferro, e outros anéis em cada pé, o que o fixou na
plataforma. Estando assim estirados seus membros, amarraram duas cordas em
volta de cada coxa, que passando sob a plataforma por meio de buracos para este
propósito, foram esticadas ao mesmo tempo, por quatro dos homens, ao dar-se o
sinal.
É fácil conceber que as dores que lhe sobrevieram de imediato
eram intoleráveis; as cordas, de pequena grossura, cortaram através da carne do
preso até o osso, fazendo que brotasse o sangue em oito lugares distintos assim
ligado ao mesmo tempo. Ao persistir o preso em não confessar o que demandavam
os inquisidores, as cordas foram esticadas desta forma quatro vezes sucessivas.
A maneira de infligir a segunda tortura foi como segue:
forçaram-lhe os braços para trás de modo que as palmas das mãos ficassem
giradas para fora detrás dele; então, por meio de uma corda que as amarrava
pelas munhecas, e que era puxada por um torno, as aproximavam gradualmente
entre si de modo que se tocassem os dorsos das mãos e ficassem paralelas. Como
conseqüência desta violenta contorção, seus dois ombros ficaram deslocados, e
lançou uma considerável quantidade de sangue pela boca. Esta tortura se repetiu
três vezes, depois do qual foi novamente levado à masmorra, onde o cirurgião
lhe re-colocou os ossos.
Dois meses depois da segunda tortura, o preso, já algo
recuperado, foi de novo conduzido à câmara de torturas, e ali, por última vez,
teve de sofrer outro tipo de tormento, que lhe foi aplicado duas vezes sem
interrupção alguma. Os verdugos colocaram uma grossa corrente de ferro em volta
de seu corpo que, cruzando pelo peito, terminava nas munhecas. Depois o colocaram
com as costas contra uma tábua grossa, em cada um de cujos extremos havia uma
polia, através da qual corria uma corda que estava amarrada ao final da
corrente em suas munhecas. Então o carrasco, estendendo a corda por meio de um
torno que estava a certa distância detrás dele, pressionava ou achatava seu
estômago em proporção à tensão que dava aos extremos das correntes. O
torturaram de tal modo que lhe deslocaram por completo as munhecas e os ombros.
Logo foram colocados novamente em seu lugar pelo cirurgião. Mas aqueles
desalmados, não satisfeitos ainda com esta crueldade, fizeram-lhe de imediato
sofrer este tormento por segunda vez, o que suportou (embora foi, se isso for
possível, mais doloroso ainda), com a mesma integridade e resolução. Depois foi
de novo enviado à masmorra, assistido por um cirurgião para que curasse suas
feridas e ajustasse seus ossos deslocados, e ali ficou até seu auto de fé ou a
sua liberação do cárcere, quando foi liberado, impedido e doente de por vida.
Narração do cruel trato e da queima de Nicholas Burton, um
mercador inglês, na Espanha
O 5 de novembro do ano 1560, aproximadamente, o senhor
Nicholas Burton, cidadão de Londres e mercador, que vivia na paróquia de são
Bartolomeu de maneira pacífica e amena, executando sua atividade comercial, e
achando-se na cidade de Cádiz, em Andaluzia, Espanha, acudiu a sua casa um
Judas, ou, como eles o chamam, um familiar dos pais da Inquisição; este,
perguntando pelo mencionado Nicholas Burton, fingiu ter uma carta para
entregar-lhe em mão, e por este médio pôde falar com ele pessoalmente. Não
tendo carta alguma que dar-lhe, tentou, com a arte que lhe outorgava seu amo, o
diabo, averiguar aonde carregava suas mercancias, e principalmente atrasá-lo
até que chegasse o sargento da Inquisição para prendê-lo, o que finalmente foi
feito.
Ele, sabendo que não podiam acusá-lo por ter escrito, falado
ou feito coisa alguma naquele país contra as leis eclesiásticas ou temporárias
do reino, perguntou-lhes abertamente de que o acusavam para assim arrestá-lo, e
disse-lhes para não fazê-lo, pois ele responderia à acusação. Mas eles nada
responderam, senão que lhe ordenaram, com ameaças, que calasse a boca e não
emitisse uma só palavra.
Assim o levaram à imundo cárcere comunitário de Cadiz, onde
ficou acorrentado durante catorze dias entre ladrões.
Durante todo este tempo instruiu de tal modo aos pobres
presos na Palavra de Deus, em conformidade ao bom talento que Deus tinha-lhe
outorgado a este respeito, e também no conhecimento da língua espanhola, que
naquele breve tempo conseguiu que vários daqueles supersticiosos e ignorantes
espanhóis abraçassem a Palavra de Deus e rejeitassem suas tradições papistas.
Quando os oficiais da Inquisição souberam isto, o levaram,
carregado de corrente, dali até a cidade de Sevilha, a uma prisão mais cruel e
lotada chamada Triana, na que os mencionados pais da Inquisição procederam
contra ele em segredo com base em sua usual cruel tirania, de modo que nunca
lhe foi permitido nem escrever nem falar com mais ninguém de sua nação;
desconhecemos até o dia de hoje quem foi seu acusador.
Depois, no dia 20 de dezembro, levaram-no, juntamente com um
grande número de presos, por professarem a verdadeira religião cristã, até a
cidade de Sevilha, a um lugar onde os inquisidores sentaram-se num tribunal que
eles chamavam de auto. O haviam vestido com uma espécie de túnica rústica na
que se fala em diversos lugares pintada a imagem de um grande demônio
atormentando uma alma numa labareda de fogo, e em sua cabeça um boné com o
mesmo motivo.
Lhe colocaram na boca um aparelho que forçava sua língua para
fora, aprisionando-a, para que não pudesse dirigir a palavra a negligentemente
para expressar sua fé nem sua consciência, e foi colocado junto de um inglês de
Southampton e vários outros condenados por causa religiosas, tanto franceses
como espanhóis, num patíbulo diante daquela Inquisição, onde se leram e
pronunciaram contra eles seus juízos e sentenças.
Imediatamente depois de ter pronunciado estas sentenças,
foram levados dali ao lugar da execução, fora da cidade, onde os queimaram
cruelmente. Deus seja louvado pela constante fé deles.
Este Nicholas Burton mostrou um rosto tão radiante em meio
das chamas, aceitando a morte com tal paciência e gozo, que seus atormentadores
e inimigos que estavam perto dele, disseram-se que o diabo tinha tomado já sua
alma antes de chegar ao fogo; e por isso falaram que tinha perdido a
sensibilidade ao sofrimento.
O que aconteceu após o arresto de Nicholas Burton foi que
todos os bens e mercancias que tinha trazido consigo à Espanha para o comércio
lhe foram confiscados, segundo o que eles costumavam fazer; entre aquilo que
tomaram havia muitas coisas que pertenciam a um outro mercador inglês, quem as
tinha entregado a ele como comissionado. Assim, quando o outro mercador soube
que seu comissionado estava arrestado, e que seus bens estavam confiscados,
enviou seu advogado à Espanha, com poderes seus para reclamar e demandar seus
bens. O nome deste advogado era John Fronton, cidadão de Bristol.
Quando o advogado houve desembarcado em Sevilha e mostrado
todas suas cartas e credenciais na casa santa, pedindo-lhes que aquelas
mercadorias lhe fossem entregadas, lhe responderam que devia realizar uma
demanda por escrito, e pedir um advogado (tudo isso, sem dúvida, para
retrasá-lo), e imediatamente lhe assinaram um para que redigisse a súplica, e
outros documentos de petição que devia exibir diante do santo tribunal,
cobrando oito reais por cada documento. Não obstante, não fizeram o menor caso
de seus papeis, como se não tivesse entregado nada. Durante três ou quatro
meses, este homem não deixou de acudir a cada manhã e tarde no palácio do
inquisidor, pedindo-lhes de joelhos que lhe concedessem sua solicitude, e de
maneira espécie ao bispo de Tarragona, que era naqueles tempos o chefe da
Inquisição em Sevilha, para que ele, por meio de sua autoridade absoluta,
ordenasse plena restituição dos bens. Mas o botim era tão suculento e enorme,
que era muito difícil desprender-se dele.
Finalmente, trás haver-se passado quatro meses inteiros em
pleitos e rogos, e também sem esperança alguma, recebeu deles a resposta de que
devia apresentar melhores evidências e trazer certificados mais completos da
Inglaterra como prova de sua demanda os que tinha apresentado até então diante
do tribunal. Assim, o demandante partiu para Londres, e rapidamente voltou a
Sevilha com mais amplas e completas cartas de testemunho, e certificados,
segundo tinham-lhe pedido, e apresentou todos estes documentos ante o tribunal.
Não obstante, os inquisidores seguiam tirando-o de seu pé,
escusando-se por falta de tempo, e por quanto estavam ocupados com assuntos
mais graves, e com respostas desta espécie o foram esquivando, até mais quatro
meses.
No final, quando o demandante tinha já gasto quase todo seu
dinheiro, e por isso argüia mais intensamente por ser atendido, passaram toda a
questão ao bispo, quem, quando o demandante acudiu a ele, respondeu assim:
"Que no que a ele dizia respeito, sabia o que devia fazer-se; mas ele era
só um homem, e a decisão pertencia aos outros comissionados, e não somente a
ele"; assim, passando-se o assunto uns a outros, o demandante não
conseguiu obter sua demanda. Contudo, por causa de sua importunidade,
disseram-lhe que haviam decidido atendê-lo. e a coisa foi assim: um dos inquisidores,
chamado Gasco, homem muito bem experimentado nestas práticas, pediu ao
demandante que se reunisse com ele depois da comida.
Aquele homem se sentiu feliz de ouvir as notícias, achando
que iam entregá-lhe suas mercancias, e que o haviam citado com o propósito de
falar com o que estava encarcerado para conferenciar acerca de suas contas, mas
isto devido a um mal entendido, ouvindo que os inquisidores diziam que seria
necessário que falasse com o preso, e com isso ficando mais convencido ainda de
que agiriam de boa fé. Assim, acudiu ali ao cair da tarde. No instante em que
chegou, o apreenderam e o encerraram na masmorra que lhe havia preparado.
O demandante, achando no princípio que tinha sido chamado
para alguma outra coisa e ao ver-se, contra o que pensava, encerrado numa
escura prisão, percebeu finalmente que as coisas não sairiam como ele tinha
esperado.
Mas, al cabo de dois ou três dias, foi levado até o tribunal,
onde começou a demandar seus bens; eles lhe pediram, sem aparentar nada de
grave, que recitasse a oração Ave Maria: Ave Maria, gratia plena, Dominas
tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui Jesús Amen.
Esta oração foi escrita palavra por palavra conforme ele a
pronunciava, e sem falar nada mais acerca de reclamar seus bens, porque já era
coisa desnecessária, o mandaram de novo à prisão, e iniciaram processo contra
ele como herege, porque não tinha falado seu "Ave Maria" à maneira
romanista, senão que tinha terminado de modo muito suspeito, porque devia ter
agregado no final: Sancta Maria mater Dei, ora pro nobis peccatoribus.
Ao omitir isto, havia evidência suficiente (eles diseram) de que não admitia a
mediação dos santos.
Assim suscitaram um processo para detê-lo no cárcere por mais
tempo, e depois levaram seu caso diante de seu tribunal disfarçado desse modo,
e ali se pronunciou sentença de que deveria perder todos os bens que reclamava,
embora não fossem seus, e além disso sofrer um ano de cativeiro.
Mark Broughes, inglês e dono de uma nave inglesa chamada de
Minion, foi queimado numa cidade em Portugal.
William Hoker, um jovem de dezesseis anos, inglês, filho
apedrejado até morrer por certos jovens da cidade de Sevilha, pela mesma justa
causa.
Algumas atrocidades privadas da Inquisição, reveladas por um
acontecimento singular
Quando a coroa da Espanha foi disputada por dois príncipes ao
começo de nosso presente século, que pretendiam igualmente a soberania, França
se pôs do lado de um dos reclamantes, e a Inglaterra do lado do outro.
O duque de Berwick, filho natural de Jacob II, que tinha
abdicado da coroa da Inglaterra, mandava as forças espanholas e francesas, e
derrotou os ingleses na celebre batalha de Almansa. O exército foi então
dividido em duas partes: uma consistente de espanhóis e franceses, que comandava
o duque de Berwick se dirigiu à Catalunha, e o segundo corpo, só de tropas
francesas, comandado pelo duque de Orleans, se dirigiu à conquista de Aragão.
Ao aproximar-se as tropas da cidade de Zaragoza, os
magistrados saíram a oferecer as chaves ao duque de Orleans; mas este
disse-lhes altivamente que eles eram uns rebeldes, e que não aceitaria as
chaves, porque tinha ordem de entrar na cidade por uma brecha.
Assim, fez a brecha na muralha com seu canhão, entrando por
ela com todo seu exército. Quando estabeleceu sua ordem na cidade, foi embora
para submeter outras cidades, deixando ali uma forte guarnição tanto para
atemorizá-la como para defendê-la, sob o mando de seu tenente geral M. de
Legal. Este cavalheiro, embora criado como católico-romano, estava totalmente
livre de superstições; unia uns grandes talentos a seu grande valor, e era um
oficial muito capaz, além de um cumprido gentleman.
Este duque, antes de partir, tinha ordenado que se impusessem
pesadas contribuições à cidade, da seguinte maneira:
1. Que os magistrados e principais habitantes pagassem mil
coroas por mês para a mesa do duque.
2. Que cada casa pagara uma pistola, o que daria uma suma de
18.000 pistolas mensais.
3. Que cada convento e mosteiro pagasse uma contribuição
proporcional a suas riquezas e rendas.
4. Estas últimas duas contribuições seriam apropriadas para o
mantimento do exército.
O dinheiro imposto aos magistrados e principais habitantes, e
a cada casa, foi pago de imediato; mas quando os arrecadadores acudiram aos
diretores dos conventos e dos mosteiros, acharam que os clérigos não estavam
dispostos como os outros a dar seu dinheiro.
Estas eram as contribuições que devia aportar o clero:
O Colégio de Jesuítas devia pagar 2000 pistolas
Os Carmelitas: 1000
Os Agostinianos: 1000
Os Dominicanos: 1000
M. de Legal enviou aos Jesuítas uma ordem peremptória para
que pagassem o dinheiro imediatamente. O superior dos Jesuítas deu por resposta
que a petição de que o clero pagasse ao exército ia contra todas as imunidades
eclesiásticas, e que não conhecia nenhum argumento que pudesse autorizar
semelhante coisa. M. de Legal enviou então uma companhia de dragões que se
aquartelaram no colégio, com esta sarcástica mensagem: "Para convencê-lo
da necessidade de pagar o dinheiro, envio quatro argumentos poderosos a seu
colégio, tirados do sistema da lógica militar; assim, espero que não me será
preciso nenhuma admoestação adicional para dirigir sua conduta".
Estes procedimentos deixaram muito perplexos aos Jesuítas, os
quais enviaram um correio à corte, ao confessor do rei, que era de sua ordem;
mas os dragões se deram muita mais pressa em saquear e destruir que o correio
em sua viagem, de modo que os Jesuítas, vendo que todo estava sendo destruído e
arruinado, consideraram melhor ajeitar a questão de forma amistosa, e pagar o
dinheiro antes do regresso do mensageiro. Os Agostinianos e Carmelitas,
advertidos pelo sucedido aos Jesuítas, foram prudentes e pagaram, e deste modo
escaparam à necessidade de realizar um estudo dos argumentos militares, e de
receber um ensino de lógica por parte dos dragões.
Porém os Dominicanos, que eram todos familiares ou agentes
dependentes da Inquisição, imaginaram que aquelas mesmas circunstâncias
serviriam para protegê-los. Mas estavam errados, porque M. de Legal nem temia
nem respeitava a Inquisição. O diretor dos Dominicanos lhe enviou uma mensagem
dizendo-lhe que sua ordem era pobre, e que não tinham dinheiro algum com o qual
pagar as contribuições. Dizia assim: "Toda a riqueza dos Dominicanos
consiste só nas imagens de prata dos apóstolos e santos, de tamanho natural,
que estão na igreja, e que seria sacrilégio retirar".
Esta insinuação tinha por objeto aterrar o comandante francês
que, pensavam os inquisidores, não ousariam ser tão profanos como para desejar a
possessão dos ricos ídolos.
Contudo, ele enviou aviso de que as imagens de prata seriam
um admirável substituto do dinheiro, e que seriam mais úteis em sua possessão
que em possessão dos Dominicanos. "Por' (dizia ele), enquanto os tendes da
forma em que os tendes agora, estão em nichos, inúteis e imóveis, sem ser de
proveito algum para a humanidade em geral, ou seque para vós outros; porém,
quando estiverem em minhas mãos, serão úteis; os porei em movimento, porque
tenho a intenção de acunhá-los, para que viagem como os apóstolos, sejam de
benefício em lugares variados, e circulem para serviço universal da
humanidade".
Os inquisidores ficaram atônitos ante este tratamento, que
nunca esperavam receber, nem sequer de cabeças coroadas; por isso, decidiram
entregar suas preciosas imagens em solene procissão, para levantar o povo numa
insurreição. Assim, os frades receberam ordem de dirigir-se à casa de Legal com
os apóstolos e santos de prata com vozes de lamentações, com círios acesos em
suas mãos, e clamando amargamente por todo o caminho, dizendo: "Heresia,
heresia!".
M. de Legal, ao saber de este modo de agir, ordenou que
quatro companhias de granadeiros se alinhassem pela rua que conduzia a sua
casa; ordenou a cada granadeiro que tivesse seu mosquete carregado numa mão e
um círio aceso na outra, de modo que as tropas pudessem tanto repelir a força
com a força, ou render as honras à farsa.
Os frades fizeram tudo o possível para suscitar um tumulto,
mas o comum do povo tinha demasiado medo às tropas armadas para obedecê-lhes.
Por isso, as imagens de prata foram entregues a M. de Legal, quem as enviou à
Casa da Moeda, para serem acunhadas de imediato.
Tendo fracassado a tentativa de levantar uma insurreição, os
inquisidores decidiram excomungar a M. de Legal, a não ser que liberasse de seu
encarceramento na casa da moeda os preciosos santos de prata antes que fossem
fundidos ou mutilados de qualquer outra forma. O comandante francês recusou de
vez a liberar as imagens, dizendo que iriam logo viajar e realizar o bem; ante
isto, os inquisidores redigiram um documento de excomunhão, ordenando ao
secretário que fosse a lê-lo a M. de Legal.
O secretário executou fielmente seu encargo, e leu a
excomunhão de maneira clara e compreensível. O comandante francês a escutou com
grande paciência, e cortesmente disse ao secretário que daria sua resposta no
dia seguinte.
Quando o secretário da Inquisição houve ido embora, M. de
Legal ordenou a seu secretário que preparasse um documento de excomunhão
exatamente igual ao enviado pela Inquisição, mas fazendo esta alteração: em
lugar de seu nome, que colocasse os dos inquisidores.
Na manhã seguinte ordenou a quatro regimentos que se
armassem, e ordenou que acompanhassem a seu secretário, e que agissem como ele
ordenasse.
O secretário foi até a Inquisição, e insistiu em ser
admitido, o qual, depois de muitas discussões, foi-lhe concedido. Tão pronto
como entrou, leu, em voz audível, a excomunhão enviada por M. de Legal contra
os inquisidores. Os inquisidores estavam todos presentes, e a ouviram atônitos;
nunca antes tinham achado um indivíduo que ousara agir de forma tão atrevida.
Clamaram a gritos contra M. de Legal como herege, e disseram: "Este é um
insulto demasiado ousado contra a fé católica". Mas, para maior surpresa,
o secretário francês respondeu que deveriam saírem de sua atual morada;pois o
comandante francês queria aquartelar suas tropas na Inquisição, sendo que era o
lugar mais cômodo de toda a cidade.
Os inquisidores clamaram a gritos por isto, e o secretário os
colocou então sob uma forte custodia, e os enviou ao lugar que M. de Legar
havia preparado para eles. Os inquisidores, ao verem como marchavam as coisas,
rogaram que lhes fosse permitido tomar suas possessões pessoais, o que lhes foi
concedido; se dirigiram então a Madri, onde se queixaram amargamente ante o
rei. Mas o monarca lhes disse que ele não podia dar-lhes satisfação alguma,
porque as injúrias que tinham recebido eram das tropas de seu avô, o rei da
França. E era somente pela ajuda delas que ele podia ficar firmemente
estabelecido em seu reino. "Si tiverem sido minhas próprias tropa, as
teria castigado, porém, sendo as coisas como são, não posso pretender exercer
autoridade alguma".
Enquanto isso, o secretário de M. de Legal tinha aberto todas
as portas da Inquisição, e liberado os presos, que eram por volta de
quatrocentos, e entre este havia setenta formosas jovens, que resultaram ser um
harém dos três principais inquisidores.
Este descobrimento, que deixou exposta tão abertamente a
perversidade dos inquisidores, alarmou muito o arcebispo, que pediu a M. de
Legal que enviasse as mulheres a seu palácio, onde ele cuidaria apropriadamente
delas; ao mesmo tempo publicou uma censura eclesiástica em contra de todos os
que ridicularizaram ou censuraram o santo ofício da Inquisição.
O comandante francês enviou recado ao arcebispo dizendo-lhe
que os presos tinham fugido, ou que estavam tão firmemente escondidos por seus
amigos ou inclusive por seus próprios oficiais, que lhe era impossível
recuperá-los; e que tendo a Inquisição cometido tais atrocidades, agora deveria
suportar sua exibição pública.
Alguns podem sugerir que é coisa estranha que as cabeças
coroadas e que os eminentes nobres não tentassem esmagar o poder da Inquisição,
e reduzir a autoridade daqueles tiranos eclesiásticos, de cujas fauces
implacáveis não estavam seguros nem suas famílias nem eles mesmos.
Mas, por assombroso que seja, a superstição tinha sempre
prevalecido neste caso contra o sentido comum, e o costume tinha operado contra
a razão. Naturalmente, houve um príncipe que tratou de reduzir a autoridade da
Inquisição, mas perdeu sua vida antes de ser rei, e portanto antes de ter poder
para fazê-lo, porque a simples sugestão de sua intenção serviu para sua
destruição.
Este era o muito gentil príncipe don Carlos, filho de Felipe
II, rei da Espanha, e neto do célebre imperador Carlos V. don Carlos possuía
todas as boas qualidades de seu avô, sem nenhuma das más de seu pai, e era um
príncipe de grande vivacidade, grande erudição e do caráter mais gentil. Tinha
o suficiente sentido comum para poder ver os erros do papado, e aborrecia o
nome mesmo da Inquisição. Se manifestou em público em contra desta instituição,
ridicularizava a afetada piedade dos inquisidores, fez o que pôde por denunciar
suas atrozes ações, e inclusive declarou que se alguma vez acedia à coroa,
aboliria a Inquisição e exterminaria seus agentes.
Isto foi suficiente para irritar os inquisidores contra o
príncipe; dedicaram suas mentes a idear uma vingança, e decidiram destruí-lo.
Os inquisidores empregaram agora todos seus agentes e
emissários para espargir as mais arteiras insinuações contra o príncipe, e no
final suscitaram tal espírito de descontento entre o povo que o rei se viu
obrigado a enviar a Don Carlos fora da corte. Não contentes com isto,
perseguiram inclusive os amigos, e obrigaram também ao rei a desterrar a Don
Juan, duque da Áustria, seu próprio irmão, e portanto tio do príncipe; junto
com o príncipe de Parma, sobrinho do rei e primo do príncipe, porque sabiam bem
que tanto o duque de Áustria como o príncipe de Parma sentiam uma adesão
sincera e inviolável para Don Carlos.
Poucos anos depois, ao ter mostrado o príncipe uma grande
suavidade e favor para com os protestantes nos Países Baixos, a Inquisição
protestou estrondosamente contra ele, declarando que, já que aquelas pessoas
eram hereges, o príncipe necessariamente devia de ser um deles, porque os
favorecia. Em resumo, alcançaram tanta influência sobre a mente do rei, tão
totalmente escravizado sob a superstição que, por assombroso que pareça
sacrificou os sentimentos da natureza ao fanatismo e, por medo de incorrer na
ira da Inquisição, entregou seu único filho, assinando ele mesmo sua sentença
de morte.
O príncipe, naturalmente, teve o que se chamava de uma
indulgência; isto é, foi-lhe permitido escolher ele mesmo que morte desejava
padecer. Ao modo romano, o desafortunado jovem herói escolheu o sangramento e
banho quente. Quando lhe foram abertas as veias dos braços e das pernas,
expirou gradativamente, caindo mártir da malícia dos inquisidores, e do
estúpido fanatismo de seu pai.
A perseguição do doutor Egídio
O doutor Egídio tinha sido educado na universidade de Alcalá,
onde recebeu vários títulos, e se aplicou de forma particular ao estudo das
Sagradas Escrituras, e da teologia escolástica. Quando morreu o professor de
teologia, ele foi escolhido para assumir seu lugar, e agiu para tal satisfação
de todos que sua reputação de erudição e piedade se estendeu por toda Europa.
Egídio, contudo, tinha seus inimigos, e estes se queixaram
dele ante a Inquisição, e assim lê enviaram uma citação e, quando compareceu, o
lançaram no calabouço.
Como a maioria dos que pertenciam à igreja catedral de
Sevilha, e muitas pessoas que pertenciam ao bispado de Dortois, aprovavam
totalmente as doutrinas de Egídio, que consideravam perfeitamente coerentes com
a verdadeira religião, fizeram uma petição ao imperador em seu favor. Embora o
monarca tinha sido educado como católico-romano, tinha demasiado sentido comum
para ser um fanático, e por isso enviou de imediato uma ordem para que fosse
liberado.
Pouco depois visitou a igreja de Valladolid, e fez tudo a seu
alcance para promover a causa da religião. Voltando a sua casa, pouco depois
adoeceu e morreu na mais extrema velhice.
Tendo-se visto frustrados os inquisidores em satisfazer sua
malícia contra ele enquanto vivia, decidiram (enquanto todos os pensamentos do
imperador estavam dirigidos a uma campanha militar) lançar sua vingança contra
ele já morto. Assim, pouco tempo depois de sua morte ordenaram que seus restos
fossem exumados, e se empreendeu um processo legal, no qual foram condenados a
serem queimados, o qual foi executado.
A perseguição do doutor Constantino
O doutor Constantino era um amigo íntimo do já mencionado
doutor Egídio, e era um homem de capacidades naturais fora do comum e de
profunda erudição. Além de conhecer várias línguas modernas, estava
familiarizado com as línguas latina, grega e hebraica, e não só conhecia bem as
ciências chamadas abstratas, senão também as artes que se denominam como
literatura amena.
Sua eloqüência o fazia prazeroso, e a retidão de sua doutrina
o fazia um predicador proveitoso; e era tão popular que nunca predicava sem
multidões a ouvi-lo. Teve muitas oportunidades para escalar na Igreja, mas
nunca quis aproveitá-las. Se lhe eram oferecidas rendas maiores da que tinha,
recusava, dizendo: "Estou satisfeito com o que tenho", e com
freqüência predicava tão duramente contra a simonia que muitos de
seus superiores, que não eram tão estritos acerca desta questão, estavam em
contra de suas doutrinas por esta questão.
Tendo ficado plenamente confirmado no protestantismo pelo
doutor Egídio, predicava abertamente só aquelas doutrinas que se conformavam à
pureza do Evangelho, sem as contaminações dos erros que em várias eras se
infiltraram na Igreja Romana. Por esta razão tinha muitos inimigos entre os católico-romanos,
e alguns deles estavam totalmente dedicados a destruí-lo.
Um digno cavalheiro chamado Scobaria, que tinha fundado uma
escola para aulas de teologia, designou ao doutor Constantino para que fosse
professor nela. De imediato empreendeu a tarefa, e leu conferencias, por
seções, acerca de Provérbios, Eclesiastes e do Cântico dos Cânticos; começava a
expor o livro de Jó quando foi apreendido pelos inquisidores.
O doutor Constantino tinha depositado vários livros com uma
mulher chamada Isabel Martin, livros muito valiosos para ele, mas que sabia que
para a Inquisição eram perniciosos.
Esta mulher, denunciada como protestante, foi apreendida e,
depois de um breve processo, se ordenou a confiscação de seus bens. Mas antes
que os oficiais chegassem em sua casa, o filho da mulher tinha feito tirar
vários baús cheios dos artigos mais valiosos, e entre eles estavam os livros do
doutor Constantino.
Um criado traidor deu a conhecer isto aos inquisidores, e
enviaram um oficial para exigir os baús. O filho, achando que o oficial somente
queria os livros de Constantino, disse: "Sei o que procura, e vou
entregá-lo de imediato". Então lhe deu os livros e papeis do doutor
Constantino, ficando o oficial muito surpreendido ao encontrar algo que não se
esperava. Contudo, disse ao jovem que estava feliz de que lhe entregasse esses
livros e papeis, mas que tinha, não obstante, que cumprir a missão que
tinham-lhe encomendado, que era levá-lo a ele e os bens que tinha roubado dos
inquisidores, o que fez de imediato; o jovem bem sabia que seria em vão
protestar ou resistir-se, e por isso se submeteu a sua sorte.
Os inquisidores, em possessão dos livros e escritos de
Constantino, tinham agora material suficiente para apresentar cargos em sua
contra. Quando foi chamado a um interrogatório, lhe apresentaram um de seus
papeis, perguntando-lhe se conhecia de quem era a escritura. percebendo que era
tudo seu, supus o acontecido, confessou o escrito, e justificou a doutrina nele
contida, dizendo: nisto ou em nenhum outro de meus escritos tenho-me afastado
jamais da verdade do Evangelho, senão que sempre levei em conta os puros
preceitos de Cristo, tal como Ele os entregou à humanidade.
Depois de uma estância de mais de dois anos no cárcere, o
doutor Constantino foi vítima de uma doença que lhe provocou uma hemorragia,
pondo fim a suas misérias neste mundo. Mas o processo foi concluído contra seu
corpo, que foi queimado publicamente no seguinte auto de fé.
A vida de William Gardiner
Qilliam Gardiner nasceu em Bristol, recebeu uma educação
tolerável, e foi, numa idade apropriada, colocado sob os cuidados de um
mercador chamado Paget.
Na idade de vinte e seis anos foi enviado, por seu amo, a
Lisboa, para operar como feitor. Aqui se aplicou ao estudo do português,
exerceu sua atividade com eficácia e diligência, e se comportou com a mais
atraente amabilidade com todas as pessoas, por pouco que as conhecesse.
Mantinha maio relação com uns poucos que conhecia como zelosos protestantes,
evitando ao mesmo tempo com grande cuidado dar a mais mínima ofensa aos católico-romanos.
Contudo, nunca havia assistido a nenhuma das igrejas papistas.
Tendo-se concertado o matrimônio entre o filho do rei de Portugal
e a Infanta de Espanha, no dia do casamento o noivo, a noiva e toda a corte
assistiram à igreja catedral, concorrida por multidões de todo nível, e entre o
resto William Gardiner, que esteve presente durante a cerimônia, e ficou
profundamente abalado pelas superstições que contemplou.
O errôneo culto que tinha assistido se mantinha constante em
sua mente; se sentia infeliz ao ver todo um país afundado em tal idolatria,
quando se poderia ter facilmente a verdade do Evangelho. Por isso, tomou a
decisão, louvável, porém desconsiderada, de executar uma reforma no Portugal,
ou morrer na tentativa, e decidiu sacrificar sua prudência a seu zelo, ainda
que chegasse a ser mártir por isso.
Para este fim concluiu todos seus assuntos mundanos, pagou
todas suas dívidas, fechou seus livros e consignou sua mercadoria. No domingo
seguinte se dirigiu de novo à igreja catedral, com um Novo Testamento em sua
mão, e se dispus perto do altar.
Pronto apareceram o rei e a corte, e um cardeal começou a
dizer Missa; naquela parte da cerimônia na que o povo adora a hóstia, Gardiner
não pôde conter-se, mas pulando sobre o cardeal, pegou a hóstia de suas mãos e
a pisoteou.
Esta ação deixou atônita a toda a congregação, e uma pessoa,
empunhando uma adaga, feriu a Gardiner no ombro e o teria matado,
assestando-lhe outra punhalada, se o rei não o tivesse feito desistir.
Levado Gardiner perante o rei, este lhe perguntou quem era,
ao qual respondeu: "Sou inglês de nascimento, protestante de religião, e
mercador de profissão. O que fiz não é por menosprezo a vossa régia pessoa;
Deus não queira, senão por uma honrada indignação ao ver as ridículas
superstições e torpes idolatrias que aqui se praticam".
O rei, achando que teria sido induzido a este ato por alguma
outra pessoa, lhe perguntou quem o havia levado a fazer aquilo, ao que ele
replicou: "Só a minha consciência. Não teria arriscado a minha vida deste
modo por nenhum homem vivo, senão que devo este e todos meus outros serviços a
Deus".
Gardiner foi mandado à prisão, e se emitiu uma ordem para
apreender todos os ingleses em Lisboa. Esta ordem foi cumprida em grande medida
(uns poucos escaparam), e muitas pessoas inocentes foram torturadas para fazê-las
confessar se sabiam algo acerca do assunto. De forma particular, um homem que
vivia na mesma casa que Gardiner foi tratado com uma brutalidade sem paralelo
para fazê-lo confessar algo que lançasse algo de luz sobre esta questão.
O próprio Gardiner foi depois torturado da forma mais
terrível, mas em meio de seus tormentos se gloriava em sua ação. Sentenciado a
morte, se acendeu uma grande fogueira perto de um patíbulo. Gardiner foi subido
ao patíbulo mediante polias, e logo descido perto do fogo, mas sem chegar a
tocá-lo; deste modo o queimara ou, melhor falando, o assaram a fogo lento. Mas
suportou seus sofrimentos pacientemente, e entregou animadamente sua alma ao
Senhor.
Devemos observar aqui que algumas das faíscam que foram
arrastadas do fogo que consumiu a Gardiner por meio do vento, queimaram um dos
barcos de guerra do rei, e causaram consideráveis danos. Os ingleses que foram
detidos nesta ocasião foram todos libertados pouco depois da morte de Gardiner,
exceto o homem que morava na mesma casa que ele, quem ficou detido por dois
anos antes de lograr sua liberdade.
Relato da vida e sofrimentos do senhor William Lithgow,
natural da Escócia
Este cavalheiro descia de boa família e, tendo inclinação
para as viagens, visitou, muito jovem, as ilhas do norte e do ocidente. Depois
disto visitou a França, Alemanha, Suíça e a Espanha. Empreendeu suas viagens no
mês de março de 1609, e o primeiro lugar aonde se dirigiu foi Paris, onde
permaneceu por certo tempo. Depois prosseguiu suas viagens por Alemanha e
outros lugares, até chegar finalmente a Málaga, na Espanha, o lugar de todas
suas desgraças.
Durante sua estância ali, contratou com o dono de um barco
uma passagem para Alexandria, porém se viu impedido de partir pelas seguintes
circunstâncias: ao final da tarde do dezessete de outubro de 1620, a frota
inglesa, que naqueles tempos estava em luta contra os piratas argelinos, foi
ancorar frente à Málaga. Isto provocou a consternação da gente da cidade, que
imaginaram serem os turcos. Mas pela manhã se descobriu o erro, e o governador
de Málaga, percebendo a cruz da Inglaterra em suas bandeiras, foi a bordo da
nave de Sir Robert Mansel, o comandante daquela expedição, e depois de
permanecer certo tempo a bordo voltou a terra, e acalmou os temores das
pessoas.
No dia seguinte, muitas pessoas da frota desceram a terra.
Entre eles havia vários bons conhecidos do senhor Lithgow, que, depois de
recíprocas saudações, passaram alguns dias em festejos e diversões na cidade.
Depois convidaram o senhor Lithgow a subir a bordo e apresentar seus respeitos
ao almirante. Aceitou ele o convite, foi amavelmente recebido por ele, e ficou
até o dia seguinte, quando a frota partia. O almirante teria levado consigo de
boa vontade o senhor Lithgow até o Argel, mas ao saber que ele tinha já
contratado sua passagem para Alexandria, e tendo sua equipagem na cidade, não
pôde aceitar o oferecimento.
Assim que o senhor Lithgow desceu a terra, dirigiu-se a seu
alojamento por um caminho privado (naquela mesma noite iria embarcar rumo a
Alexandria) quando, ao passar por uma estreita rua desabitada, encontrou-se de
repente rodeado por nove oficiais, que lhe lançaram acima um manto preto, e o
conduziram pela força à casa do governador. Depois de pouco tempo apareceu o
governador, e o senhor Lithgow lhe rogou intensamente que o informasse da causa
de um tratamento tão violento. O governador só respondeu com uma sacudida de
cabeça, e deu ordem de vigiar estreitamente o prisioneiro até que ele voltasse
de suas devoções. Ao mesmo tempo, deu ordem de que o capitão da cidade, o
alcaide maior e o notário da cidade comparecessem ao interrogatório, e que tudo
isto tiver lugar no maior dos segredos, para impedir que tivessem conhecimento
disso os mercadores ingleses que então residiam na cidade.
Estas ordens foram estritamente cumpridas, e ao voltar o
governador, sentou-se com os funcionários e o senhor Lithgow foi trazido para o
interrogatório. O governador começou fazendo várias perguntas, como de que país
procedia, aonde se dirigia e quanto tempo tinha estado na Espanha. O preso,
depois de responder a estas e outras perguntas, foi levado a um quarto onde,
depois de pouco tempo, foi visitado pelo capitão da cidade, quem lhe perguntou
se tinha estado alguma vez em Sevilha, ou se havia chegado de lá fazia pouco
tempo; e dando-lhe uma palmada na face com ar de amizade, o conjurou a dizer a
verdade, "porque (disse) tua mesma cara revela que há algo escondido em
tua mente, e a prudência deveria levar-te a revelá-lo". Não obstante,
vendo que não conseguir obter nada do preso, o deixou, e informou disso ao
governador e os outros funcionários. A isto o senhor Lithgow foi trazido diante
deles, e apresentaram uma acusação geral contra eles, e foi obrigado a jurar
que daria respostas verazes às perguntas que lhe fizeram.
O governador passou a indagar acerca do comandante inglês, e
a opinião do preso acerca de quais eram os motivos que o impediram de aceitar
um convite seu de acudir a terra. Pediu, também, os nomes dos capitães ingleses
na frota, e que conhecimento tinha ele do embarque ou preparação para o mesmo,
antes de sua partida da Inglaterra. As respostas dadas às várias perguntas
foram registradas por escrito diante do notário; mas aqueles conspiradores
pareciam surpreendidos ante a negativa de saber nada acerca da preparação da
frota, em particular o governador, quem disse que mentia; que era um traidor e
espião, e tinha vindo diretamente da Inglaterra para favorecer e ajudar os
desígnios projetados contra a Espanha, e que para isso tinha passado nove meses
em Sevilha, a fim de conseguir informação acerca do tempo da chegada da frota
espanhola procedente das Índias. Protestaram acerca de sua familiaridade com os
oficiais da frota, e com muitos dos outros cavalheiros ingleses, sendo que
tinham existido entre eles muitas cortesias fora do usual, mas que tudo isto
tinha sido cuidadosamente vigiado.
Além de sumariá-lo tudo, e para deixar as coisas além da
dúvida, disseram que vinha de um conselho de guerra, celebrado naquela manhã a
bordo do navio almirante, a fim de executar as ordens que lhe haviam
encomendado. O inculparam de ser cúmplice na queima da ilha de santo Tomás, nas
Antilhas. "Por isto (disseram), a estes luteranos e filhos do diabo não se
devia dar crédito algum do que dizem ou juram".
Em vão tentou o senhor Lithgow defender-se das acusações que
lhe faziam, e fazer com que os juízes acreditassem nele, tão cheio de prejuízos
estavam. Pediu permissão para que lhe enviassem sua bolsa, que continha seus
papeis, e que poderia demonstrar sua inocência. A esta petição acederam,
achando que poderiam descobrir algumas coisas que desconheciam. Trouxeram, pois,
a bolsa e, abrindo-a, acharam uma licencia do rei Tiago I, com sua assinatura,
estabelecendo a intenção do portador de viajar ao Egito; isto o trataram os
altaneiros espanhóis com grande menosprezo. Os outros papéis consistiam em
passaportes, testemunhos, etc., de pessoas de categoria. Mas todas estas
credenciais só pareceram confirmar, em lugar de diminuir, as suspeitas destes
juízes cheios de prejuízos, que, depois de fazer-se com todos os papéis do
prisioneiro, lhe ordenaram que se retirasse novamente.
Nesse entretempo mantiveram consultas para decidir onde devia
ser encerrado o preso. O alcaide, o juiz principal, estava a favor de
encerrá-lo no cárcere da cidade; mas a isto objetaram, em especial o
corregedor, que disse, em espanhol: "A fim de impedir que seus
compatriotas saibam de seu encerro, tomarei isto em minhas mãos, e ficarei
responsável pelas conseqüências"; a isto se acordou que fosse encarcerado
na casa do governador com o maior sigilo.
Decidido isto, um dos oficiais foi ao senhor Lithgow, pedindo-lhe
que lhe entregasse seu dinheiro, e que se deixasse registrar. Como era inútil
resistir, o preso deveu aceder; depois o oficial (após tirar de seus bolsos
onze ducados) o deixou em camisa; e procurando em suas calcas, achou, dentro do
cinto, duas sacolas de tecido, que continham cinto e trinta e sete peças de
ouro. O oficial levou de imediato este dinheiro ao corregedor quem, depois de
tê-lo contado, ordenou que o prisioneiro fosse vestido e encerrado até depois
do jantar.
Por volta da meia-noite, o oficial e dois escravos turcos
tiraram o senhor Lithgow de seu encerro, mas só para introduzi-lo em outro
muito mais temível. O levaram através de vários corredores até uma estância na
parte mais remota do palácio, até o jardim, onde o acorrentaram, e estenderam
suas pernas por meio de uma barra de ferro de aproximadamente uns noventa
centímetros de comprimento, cujo peso era tal que não podia ficar em pé nem
sentar-se, senão que estava obrigado a ficar continuamente de costas. O
deixaram nesta condição durante um certo tempo, voltando depois com um
refrigério que consistia em aproximadamente meio quilograma de cordeiro fervido
e pão, junto com uma pequena quantidade de vinho, o qual não só foi o primeiro,
senão o melhor e último deste tipo durante sua prisão neste lugar. Depois de
dar-lhe estes alimentos, o oficial fechou a porta, e deixou o senhor Lithgow
sumido em suas próprias meditações.
No dia seguinte recebeu uma visita do governador, quem lhe
prometeu sua liberdade, com muitas outras vantagens, se confessar-se espia; mas
ao protestar ele de sua total inocência, o governador saiu enfurecido, dizendo
que "Não o veria mais até que adicionais tormentos o levassem a
confessar", e ordenando o guarda para não permitir que ninguém tivesse
acesso a ele nem comunicação alguma; que seu sustento não excedesse as oitenta
gramas de pão bolorento e meio litro de água a cada dois dias; que não lhe for
permitida nem cama, nem travesseiro, nem cobertor. "Fechai esta fenda em
sua estância com cal e pedra, obturai as brechas da porta com duplos tapetes;
que não tenha nada que lhe dê a mais mínima comodidade". Estas e outras
ordens de parecida dureza foram dadas para fazer que fosse impossível que
ninguém da nação inglesa soubesse de sua condição.
Neste miserável e deprimente estado permaneceu vários dias o
coitado Lithgow, sem ver ninguém, até que o governador recebeu resposta de
Madri a uma carta que tinha escrito acerca do preso; e, seguindo as instruções
recebidas, pus em prática as crueldades tramadas, que foram aceleradas, porque
se aproximavam os dias santos do Natal, sendo já o dia quadragésimo sétimo
desde seu encarceramento.
Por volta das duas da madrugada, ouviu barulho de uma
carruagem na rua, e alguém que abria as portas de sua prisão, onde não tinha
podido dormir durante duas noites; a fome, a dor e os deprimentes pensamentos
tinham-lhe impedido repouso algum.
Pouco depois de abertas as portas da prisão, os nove oficiais
que o haviam detido a primeira vez entraram no lugar onde jazia e, sem dizer
palavra, o levaram com suas correntes através da casa e da rua, onde o esperava
uma carruagem, no qual o depositaram tendido de costas, por não poder
sentar-se. Dois dos oficiais foram com ele, e o resto foi andando junto da
carruagem, mas todos observaram o mais profundo silêncio. Foram até o edifício
com um lagar, a um quilômetro e meio da cidade, aproximadamente, onde o tinham
levado em segredo, antes, a um potro de tortura; ali o encerraram aquela noite.
No dia seguinte, ao amanhecer, chegaram o governador e o
alcaide, em cuja presença o senhor Lithgow teve de sofrer um outro
interrogatório. O preso pediu um intérprete, o que lhe era permitido aos
estrangeiros, segundo a lei do país, mas foi-lhe recusado, e não lhe permitiram
apelar a Madri, à corte suprema de justiça. Depois de um longo interrogatório,
que durou desde a manhã até a noite, apareceu em todas as respostas uma
conformidade tão estreita com o que já tinha falado antes, que disseram que
havia aprendido as respostas de cor, não cometendo a mais mínima contradição.
Não obstante, o pressionaram mais uma vez a fazer uma longa confissão; isto é,
a se acusar a si mesmo de crimes que jamais tinha cometido, e o governador
agregou: "Continua você estando em meu poder; posso dá-lhe a liberdade se
colaborar; caso contrário, deverei entregá-lo ao alcaide". Ao persistir o
senhor Lithgow em sua inocência, o governador ordenou ao notário que redigisse
uma ordem para entregá-lo ao alcaide a fim de ser torturado.
Como conseqüência disto, foi levado pelos oficiais até o
final de uma galeria de pedra, onde estava o potro de tortura. O algoz
tirou-lhe de imediato os ferros, o que provocou profundas dores, tendo sido
colocados os pregos tão perto da carne que o martelo desgarrou uns dez
centímetros de seu talão ao romper o prego; esta dor, junto com sua debilidade
(não tinha comido nada em três dias) o fez gemer amargamente, ao que o
implacável alcaide disse: "Vilão, traidor, isto é só uma amostra do que
vás sofrer!".
Quando tiraram os ferros, caiu sobre seus joelhos,
pronunciando uma curta oração, pedindo a Deus que o ajudasse a ficar firme, e a
sofrer com valor a terrível prova com que iria encontrar-se. Sentados o alcaide
e o notário em cadeiras, ele foi completamente despido e colocado no potro do
tormento, sendo o ofício destes cavalheiros serem testemunhas das torturas
sofridas pelo delinqüente, e pôr por escrito suas confissões.
É impossível descrever as várias torturas que lhe aplicaram.
Será suficiente com dizer que esteve tendido no potro durante cinco horas,
durante as quais recebeu por volta de sessenta torturas da mais infernal
natureza; e que se tiverem continuado por mais alguns minutos, teria morrido
inevitavelmente.
Satisfeitos por enquanto estes cruéis perseguidores, o preso
foi tirado do potro e, depois de colocá-lhe novamente os ferros, o conduziram a
sua anterior masmorra, sem receber outro alimento que um pouco de vinho quente,
que foi-lhe dado antes para impedir que morresse, e para preservá-lo para
futuros tormentos, que por nenhum princípio de caridade ou de compaixão.
Como confirmação disto, se deram ordens para que uma
carruagem passasse a cada manhã, antes de sair o dia, junto da prisão, para que
o barulho suscitasse renovados temores e alarmes ao infeliz cativo, e que o
privaram de toda possibilidade de obter o mais mínimo repouso.
Seguiu nesta horrenda situação, quase morrendo por falta dos
necessários alimentos para conservar sua mísera existência, até o dia de Natal,
em que recebeu um pouco de alívio da mão de Mariana, a dama de companhia da
esposa do governador, quem lhe levou um refrigério consistente em mel, açúcar,
passas de uvas e outros artigos; e tão afetada ficou ante sua situação que
chorou amargamente, e ao sair expressou a maior preocupação ao não poder
resultar de maior ajuda.
Nesta abominável prisão ficou o coitado senhor Lithgow até
ser quase devorado pelos insetos. Passavam sobre sua barba, seus lábios, suas
sobrancelhas, etc., de modo que apenas podia abrir os olhos; e este tormento
era aumentado ao não poder usar suas mãos e pés para defender-se deles, ao
estar tão horrivelmente aleijado pelas torturas sofridas. Tal era a crueldade
do governador que inclusive ordenou que lançassem mais desses animais sobre ele
duas vezes a cada semana. Contudo, obteve alguma mitigação desta parte do
castigo graças à humanidade de um escravo turco que o assistia e que, quando
podia fazê-lo sem perigo, destruía os bichos e ajudava em tudo que podia para
oferecer algum refrigério àqueles que estava em seu poder.
Por este escravo recebeu o senhor Lithgow informação que lhe
deu bem pouca esperança de ser alguma vez liberado, senão que, ao contrário,
iria acabar sua vida sob novas torturas. A essência desta informação era que um
sacerdote de um seminário inglês e um fabricante de tonéis escocês tinham sido
empregados por algum tempo pelo governador para traduzir todos seus livros e
observações do inglês à língua espanhola; e que se dizia abertamente dele na
casa do governador que era um super-herege.
Esta informação o alarmou sumamente, e começou, não sem
razão, a temer que pronto acabariam com ele, e tanto mais quanto que não haviam
conseguido, nem com a tortura nem com outros médios, fazer com que ele variasse
nem um pouco em tudo quanto tinha falado durante seus diversos interrogatórios.
Dois dias depois de ter recebido esta informação, o
governador, um inquisidor e um sacerdote canônico, acompanhados por dois
jesuítas, entraram em sua masmorra e, uma vez sentados, e depois de várias
perguntas sem substância, o inquisidor perguntou ao senhor Lithgow se era
católico-romano, e se reconhecia a supremacia do Papa. Ele respondeu que nem
era o primeiro nem admitia o segundo, agregando que o surpreendiam semelhantes
perguntas, por quanto estava estipulado de maneira expressa nos artigos de paz
entre a Inglaterra e a Espanha que nenhum dos súbditos ingleses estava sujeito
à Inquisição, e que não poderiam ser de modo algum incomodados devido a
diferenças de religião, etc. na amargura de sua alma fez uso de algumas
expressões ardorosas não apropriadas para suas circunstâncias: "Da mesma
maneira que quase me tendes assassinado por pretendida traição, assim agora
quereis fazer-me mártir por minha religião". Também acusou o governador de
agir de ma fé contra o rei da Inglaterra (cujo súbdito era ele), esquecendo a
régia humanidade exercida para com os espanhóis em 1588, quando sua armada
tinha naufragado frente à costa escocesa, e milhares de espanhóis acharam
socorro, quando de outro modo teriam perecido miseravelmente.
O governador admitiu a verdade do falado pelo senhor Lithgow,
mas respondeu altivamente que o rei, que então só reinava sobre a Escócia, foi
motivado mais por temor que por amor, e que por isso não merecia gratidão
alguma. Um dos jesuítas disse que não se devia guardar fé alguma aos hereges.
Depois o inquisidor, levantando-se, se dirigiu ao senhor Lithgow com estas
palavras: "Você foi apreendido como espia, acusado de traição, e
torturado, como reconhecemos, sendo inocente (isto, ao que parece, referindo-se
à informação posterior recebida em Madri acerca das intenções dos ingleses),
mas tem sido o poder divino quem trouxe estes juízos sobre você, por agir
presunçosamente contra o bendito milagre de Loreto, ridicularizando-o, e
expressar-se em seus escritos de forma irreverente acerca de Sua Santidade, o
grande agente e vicário de Cristo sobre a terra; e seus livros e papéis foram
miraculosamente traduzidos pela ajuda da Providência que influencia teus
próprios compatriotas".
Ao finalizar esta comedia legal, deram ao prisioneiro oito
dias para considerar e resolver se iria converter-se à religião deles, tempo
durante o qual, disse-lhe o inquisidor, ele mesmo, com outras ordens
religiosas, o assistiria, para ajudá-lo nisso conforme ele desejar. Um dos
jesuítas disse (fazendo primeiro o sinal da cruz sobre seu peito): "Filho
meu, mereces ser queimado vivo; mas pela graça de nossa Senhora de Loreto, da
qual tu blasfemaste, salvaremos tanto tua alma como teu corpo".
Pela manhã voltou o inquisidor, com outros três clérigos, e o
primeiro perguntou quais eram as dificuldades em sua consciência que retardavam
sua conversão. A isto respondeu ele que "não tinha dúvidas em sua mente,
estando confiado nas promessas de Cristo, e acreditando com total certeza em
sua vontade revelada dada nos Evangelhos, como o professa a Igreja Católica reformada,
estando confirmado na graça, e tendo disso a certeza infalível da fé
cristã". A isto o inquisidor respondeu: "Tu não és cristão, mas um
absurdo herege, e sem conversão, um filho da perdição". O preso contestou
que não pertencia à natureza e essência da religião e da caridade convencer por
meio de palavras insultantes, de potros e de tormentos, senão por argumentos
tomados das Escrituras; e que todos os outros métodos seriam totalmente
ineficazes.
O inquisidor se enfureceu de tal modo ante as respostas do
preso que o esbofeteou no rosto, empregando muitas palavras insultantes, e
tentou apunhalá-lo, o que certamente teria feito se não o tiverem impedido os
jesuítas; e desde este momento já ninguém visitou o preso.
No dia seguinte voltaram os dois jesuítas, com ar muito grave
e solene, e o superior lhe perguntou que resolução tinha adotado. A isto o
senhor Lithgow contestou que ele já havia tomado sua resolução, a não ser que
pudessem dar-lhe razões de peso para fazê-lo mudar de posição. O superior, depois
de uma pedante exposição de seus sete sacramentos, da intercessão dos santos,
da transubstanciação, etc., se vangloriou enormemente de sua Igreja, de sua
antigüidade, universalidade e uniformidade, coisas todas que o senhor Lithgow
negou: "Porque a profissão de fé que eu sustento tem existido desde os
dias dos apóstolos, e Cristo sempre teve sua própria Igreja (por muito
obscuramente que fosse) no tempo de vossas trevas mais espessas".
Os jesuítas, vendo que seus argumentos não faziam o efeito
desejado, que os tormentos não podia sacudir sua constância, e nem sequer o
temor da cruel sentença que tinha todas as razões para esperar seria
pronunciada e executada contra ele, o deixaram, depois de fazê-lhe graves
ameaças. No oitavo dia, o último de sua Inquisição, quando se pronuncia a
sentença, voltaram, mas muito mudados em suas palavras e conduta depois de
repetir muito os mesmos argumentos mencionados anteriormente; pretenderam, com
aparentes lágrimas nos olhos, que sentiam de coração que se visse obrigado a
sofrer uma morte terrível, mas sobre tudo, pela perda de sua preciosissima
alma; e, caindo de joelhos, clamaram: "Converte-te, converte-te, querido
irmão, por amor de nossa bendita Senhora, converte-te".
A isto ele respondeu: "Não temo nem a morte nem a
fogueira; estou pronto para as duas coisas".
Os primeiros efeitos que sofreu o senhor Lithgow da decisão
deste sanguinário tribunal foi uma sentença para sofrer naquela noite onze
torturas, e que se não morrer no curso de sua aplicação (o que era de se esperar
razoavelmente, pelo mutilado e torturado que estava), seria, depois das festas
da Páscoa, levado a Granada, para ser ali queimado até reduzir a cinzas. A
primeira parte desta sentença foi executada naquela noite de forma bárbara;
porém quis Deus dar-lhe força tanto de corpo como de mente, e manter-se firme
na verdade, e sobreviver aos horrendos castigos que lhe foram infligidos.
Depois que os bárbaros aqueles se tiverem dado por
satisfeitos por enquanto aplicando ao infeliz preso as mais refinadas crueldades,
voltaram a colocá-lhe os ferros, e o devolveram a sua anterior masmorra. Na
manhã seguinte recebeu um pouco de socorro do escravo turco já mencionado, quem
lhe trouxe secretamente, em suas mangas, algumas passas e figos, que lambeu com
toda a força que restava em sua língua. É a este escravo a quem atribuiu o
senhor Lithgow o fato de sobreviver tanto tempo numa situação tão desumana,
pois encontrou os meios para levá-lhe alguns destes frutos duas vezes por
semana. É muito extraordinário, e digno de menção, que este pobre escravo,
criado desde sua infância em base das máximas de seu profeta e de seus pais, e
detestando ao máximo os cristãos, se sentiu tão afetado pelas terríveis
circunstâncias do senhor Lithgow, que caiu doente, e assim permaneceu por
espaço de quarenta dias. Durante este período, o senhor Lithgow foi atendido
por uma mulher preta, escrava, que encontrou formas para dar-lhe ainda maior
auxílio que o turco, ao conhecer a casa e a família. Ela trazia-lhe víveres a
cada dia, e algo de vinho numa garrafa.
O tempo tinha já transcorrido de modo tal, e a situação era
tão verdadeiramente horrenda, que o senhor Lithgow esperava ansioso o dia em
que, vendo o fim de sua vida, veria também o fim de seus tormentos. Mas suas
deprimentes expectativas foram interrompidas pela feliz interposição da
Providência, e conseguiu sua liberdade graças às seguintes circunstâncias:
Aconteceu que um cavalheiro espanhol de alta estirpe chegou
de Granada a Málaga, e convidado pelo governador, este o informou do que tinha
acontecido com o senhor Lithgow desde o momento em que foi apreendido como
espião, e lhe descreveu os diversos sofrimentos que havia padecido. Assim
também lhe disse que, depois de saber que o prisioneiro era inocente, isso
tinha-lhe provocado preocupação. Que por esta razão o teria libertado e feito
alguma compensação pelos males que havia sofrido, mas que, ao inspecionar seus
escritos, se acharam vários que eram de natureza blasfema, muito
ridicularizadores de sua religião, e que, ao recusar abjurar destas opiniões
heréticas, foi entregue à Inquisição, por quem tinha sido finalmente condenado.
Enquanto o governador estava relatando esta trágica história,
um jovem flamengo (criado do cavalheiro espanhol) que servia à mesa ficou cheio
de assombro e pena pelos sofrimentos do estranho assim descritos. Ao voltar ao
alojamento de seu amor começou a girar em sua mente o que tinha ouvido, e que
causou tal impressão sobre ele que não podia repousar em sua cama. Nos curtos
sonhos que cochilou, sua imaginação o levava à pessoa descrita, sobre o potro,
e ardendo no fogo. E passou a noite nesta ansiedade. Ao chegar a manhã, foi até
a cidade, sem revelar suas intenções a ninguém, e perguntou pelo feitor inglês.
Foi dirigido à casa de um tal senhor Wild, a quem contou tudo o que tinha
ouvido na noite anterior, entre seu amo e o governador, mas não sabia o nome do
senhor Lithgow. Contudo, o senhor Wild conjeturou que se tratasse dele, ao
lembrar ao criado a circunstância de tratar-se de um viajante, e de tê-lo conhecido
um pouco.
Ao ir embora o criado flamengo, o senhor Wild enviou
imediatamente a buscar por outros feitores ingleses, aos que falou dos detalhes
acerca de seu infortunado compatriota. Depois de uma breve consulta, acordaram
enviar um informe de tudo o acontecido a Sir Walter Aston, o embaixador inglês
ante o rei da Espanha, então em Madri. Isto foi assim feito, e o embaixador,
tendo apresentado um memorando ao rei e conselho da Espanha, obteve a ordem
para a liberação do senhor Lithgow, e sua entrega ao feitor inglês. Esta ordem
ia dirigida ao governador de Málaga, e foi recebida com grande desgosto e
surpresa por toda a assembléia da sanguinária Inquisição.
O senhor Lithgow foi liberado de seu encerro na véspera do
Domingo de Páscoa, sendo conduzido desde seu calabouço em ombros do escravo que
o tinha assistido, até a casa de um tal senhor Bobisch, onde foi feito objeto
de todos os cuidados. Também providencialmente estava então ancorada no porto
uma frota de naves inglesas, mandada por Sir Richard Hawkins, quem, ao ser
informado dos sofrimentos e da atual situação do senhor Lithgow, acudiu em
terra no dia seguinte, com uma guarda apropriada, e o recebeu de mãos dos
mercadores. Foi de imediato levado, envolvido em mantas, a bordo da nave
Vanguard, e três dias depois foi levado a outra nave, por ordem de Sir Robert
Mansel, que ordenou que ele cuidasse pessoalmente do paciente. O feitor lhe deu
roupas e todas as provisões necessárias, e além disso lhe deram duzentos reais
de prata; e Sir Richard Hawkins lhe enviou duas pistolas duplas.
Antes de zarpar da costa espanhola, sir Richard Hawkins
demandou a entrega de seus papeis, dinheiro, livros, etc., mas não pôde obter
uma resposta satisfatória quanto a isso.
Não podemos deixar de fazer uma pausa para refletir quão
manifestamente se interpus a Providência em favor deste pobre homem, quando
estava já a borda de sua destruição; porque por sua sentença, diante da qual
não poderia haver recurso algum, teria sido levado, poucos dias depois, a
Granada, e queimado até ser reduzido a cinzas. E como aquele pobre criado
ordinário, que não o conhecia em absoluto, nem podia ter interesse pessoal
algum em sua preservação, arriscou o desagrado de seu amo, colocando em perigo
sua própria vida, para revelar algo tão importante e perigoso a um cavalheiro
desconhecido, de cuja discrição dependia sua própria existência. Mas por meio
destes médios secundários é que interfere geralmente a Providência em favor dos
virtuosos e oprimidos; e disto temos aqui um exemplo dos mais notáveis.
Depois de estar doze dias atracado na enseada, a nave zarpou,
e depois de dois meses arribou a Deptford sã e salva. A manhã seguinte o senhor
Lithgow foi levado numa liteira de penas a Theobalds, em Hertfordshire, aonde
naquele então se encontravam o rei e a família real. Sua majestade estava
naquele momento de caçaria, mas ao voltar pela tarde lhe apresentaram o senhor
Lithgow, quem relatou os detalhes de seus sofrimentos e sua feliz liberação. O
rei se sentiu tão afetado pela narração que expressou seu sentimento mais
profundo, e deu ordem de que fosse enviado a Bath, e que suas necessidades
fossem supridas apropriadamente de sua régia munificência. Por meio disto, na
graça de Deus, após certo tempo o senhor Lithgow foi restaurado desde o antigo
e mísero espetáculo a um excelente estado de saúde e fortaleza; porém, perdeu o
uso de seu braço esquerdo, e vários dos ossinhos estavam tão esmagados e
quebrados que ficaram inutilizados para sempre.
Apesar de todos os esforços, o senhor Lithgow jamais pôde
obter a devolução de seus efeitos nem de seu dinheiro, embora sua majestade e
os ministros do estado se interessaram em seu favor. Certo é que Gondamore, o
embaixador espanhol, prometeu que lhe seria devolvidos todos seus bens, com o
agregado de 1000 libras em dinheiro inglês, como uma espécie de compensação
pela torturas que tinha sofrido, soma esta que deveria ser pagada pelo
governador de Málaga. Mas estas promessas ficaram em meras palavras; e ainda o
rei ser uma certa garantia de cumprimento, o astuto espanhol achou médios para
evitar suas obrigações. A verdade é que tinha demasiada influência no conselho
inglês na época daquele pacífico reinado, quando a Inglaterra permitiu ser
intimidada sob uma escravizada complacência por parte da maioria dos estados e
reis da Europa.
Recapitulação da Inquisição
Não se pode conhecer uma cifra exata das multidões sob a ação
da Inquisição por todo o mundo. Mas onde quer que o papado tiver poder, ali
havia um tribunal. Foi constituído incluso em Oriente, e a Inquisição portuguesa
de Goa foi, até faz bem poucos anos, um exemplo de crueldade. América do Sul
foi dividida em províncias da Inquisição e, com espantosa emulação dos crimes
da mãe pátria, as chegadas dos vice-reis e outros festejos populares eram
considerados incompletos sem um auto de fé. Os Países Baixos foram uma cena de
matanças desde o momento do decreto que instaurou a Inquisição entre eles. Na
Espanha é mais possível fazer cálculos. Cada um dos dezessete tribunais
queimaram anualmente, durante um longo período, a dez pobres seres humanos.
Devemos lembrar que isto teve lugar num país onde a perseguição tinha abolido
durante séculos toda diferença religiosa, e onde a dificuldade não residia em
achar uma estaca, senão a oferta. Contudo, inclusive na Espanha, onde a "heresia"
tinha sido tão erradicada, a Inquisição pôde engrossar sua lista de
assassinatos a trinta e dois mil. O número de queimados em efígie, ou de
condenados a penitencias, castigos geralmente equivalentes ao desterro,
confiscação e opróbrio para a descendência, ascendeu a trezentos e nove mil.
Mas as multidões que pereceram nas câmaras de tortura, nos calabouços, e por
corações partidos, os milhões de vidas dependentes que ficaram sem proteção
alguma, ou que foram aceleradas em seu caminho ao túmulo pela morte das
vítimas, estão além de todo registro: ou registradas somente por Aquele que
jurou que "Se
alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar à espada,
necessário é que à espada seja morto"
(Apocalipse 13:10, ACF).
Assim era a Inquisição, declarada pelo Espírito de Deus como
sendo ao mesmo tempo a descendência e imagem do papado. Mas ao ver a realidade
da paternidade, temos que contemplar os tempos. No século treze o papado estava
na cima de seu domínio secular; era independente de todos os reinos; governava
com uma influência jamais vista nem desde então possuída por cetro humano
algum; era o soberano reconhecido de corpos e almas; para todos os propósitos
humanos tinha um poder incomensurável, para bem e para mal. Poderia ter
espalhado literatura, paz, liberdade e cristianismo até os confins da Europa,
ou do mundo. Mas sua natureza era adversária; seu triunfo mais pleno somente
exibiu seu mais completo mal; e, para vergonha da razão humana, e para terror e
sofrimento da virtude humana, Roma, na hora de sua grandeza consumada, deu a
luz, gerando o monstruoso e horrendo nascimento da INQUISIÇÃO!
JOSÉ MATEUS
zemateus@msn.com