Deixe a vida correr

“Aquiete-se! Acalme-se!” (Marcos 4.39).

O primeiro pedido de Jesus a um discípulo é “Negue-se a si mesmo”.  Você precisa renunciar a tudo, inclusive a tendência de fazer perguntas. Deixe a vida rolar.

Eu fui preso várias vezes, por nazistas e por comunistas. Fui interrogado até a vivisseção. Investigação e inquisição passaram a ser palavras temidas. Quando vim para o Ocidente, pensei que estava livre de interrogatórios. Mas foi o contrário. Aqui eu sou questionado mais do que nunca.

No que diz respeito às questões espirituais, a escolha não está entre a resposta certa ou errada. O perigo está em responder. Você pode destruir uma vida ao obrigá-la a ouvir você.

Yajnadatta, personagem de uma lenda índia, era um homem bonito, e ele tinha consciência disso. Ele gostava de passar longas horas admirando-se no espelho. Em certa manhã, a sua imagem não se reflectiu no espelho que estava diante dele. Distraidamente e sem perceber, ele estava olhando para a parte de trás do espelho. Ele pensou que tinha perdido a cabeça e começou a procurá-la, perguntando a si mesmo: “Onde será que eu deixei a minha cabeça?” Como ele iria conseguir encontrá-la? A cabeça que ele estava procurando era a mesma cabeça que fazia a busca. Quanto mais ele procurava, menos chances tinha de encontrar.

Nunca busque a resposta para as questões espirituais em outra pessoa. Olhe para o lado certo do espelho, e você verá que a resposta está dentro de você mesmo. “O reino de Deus está dentro de vocês”, disse Jesus. Se eu fosse responder às suas perguntas, teria de pôr as palavras juntas umas das outras. Mas os hebreus, por meio de quem a Palavra de Deus foi dada à humanidade, não tinha uma palavra específica para “palavra”. Eles usavam a expressão “davar”, que significa “coisa”. A introdução do Evangelho de João, em hebraico, diz assim: “No princípio era a coisa real, e a coisa real estava com Deus, e a coisa real era Deus”.

João escreveu: “Mas vocês têm uma unção que procede do Santo, e todos vocês têm conhecimento” (1 João 2.20).

O Talmude diz que o Rabino Josué ben Levi procurou o profeta Elias e lhe perguntou: “Quando virá o Messias?” O profeta respondeu: “Vá até Ele e pergunte você mesmo”. O Senhor Jesus, depois de ter curado um leproso, ordenou-lhe directamente (em grego, embrimesthe, que quer dizer “impôs com firmeza”): “Olhe, não conte isso a ninguém”. Jesus pede: “Não faça de Mim assunto de conversa vã. Seja uma realidade, que coloca os homens em contacto comigo. Se você falar maravilhosa e sabiamente a Meu respeito, as pessoas vão passar o resto da vida se deleitando com as suas palavras sedutoras e nunca chegar ao Salvador”.

Se o inimigo não consegue nos desviar de Cristo, por meio de pensamentos vãos e ideias pecaminosas, então ele traz de volta às nossas mentes as coisas boas que nós aprendemos e nos enche de boas ideias, de tal forma que, de uma forma ou de outra, consegue nos atrair para longe de Cristo, a quem ele não consegue suportar. Desta maneira, a alma, pondo de lado a sua comunhão com Deus, passa a ter satisfação com o bem em si mesmo e com as coisas criadas. Não se permita durante as horas de oração nem mesmo os mais elevados pensamentos espirituais. Se perceber que no curso do dia foi gasto mais tempo no aprimoramento do pensamento e da conversa do que na oração secreta do coração, considere isto como um sinal de orgulho espiritual. Isto é verdade, sobretudo para os recém-convertidos, que deveriam dedicar muito mais tempo à oração do que às outras práticas da vida devocional.

A minha resposta às perguntas espirituais seria: “Não faça perguntas”.

O primeiro pedido de Jesus a um discípulo é: “Negue-se a si mesmo”. Você precisa renunciar a tudo, inclusive a tendência de fazer perguntas. Deixe a vida rolar. Dê à realidade, à “davar”, à “Palavra”, uma chance de operar livremente em você. O cirurgião por acaso pára a todo o momento para mostrar o seu diploma e explicar o que está fazendo? Negar-se a si mesmo significa ter momentos não somente de inacção, mas também de não-pensar. Um dos sinais mais distintos de fé em Deus é descansar, pensando em nada em particular. Se você tiver que pensar em tudo, o que sobra para Ele fazer?

O Conde Zinzendorf disse o seguinte: “Precisamos morrer completamente para a razão, a reflexão e a espiritualização nas questões da verdade pertencente ao coração e viver a simplicidade bendita. Não precisamos saber nada além daquilo que d’Ele ouvimos”.

Até mesmo as palavras mais sábias do mais consagrado mestre são apenas dedos que apontam para o céu. Se você parar para contemplar os dedos, poderá perder a glória do céu. A imagem de pai do pastor a quem você se entrega como criança, irritando-o com perguntas, pode lhe afastar para sempre do Pai.

Jesus nos ensina a ser como crianças. Mas crianças de que idade? Seja como um bebé que dorme. Ele não pensa sobre passado, presente ou futuro. Ele não sonha nem se preocupa. Jesus estava cercado de crianças. E a Bíblia não diz se elas O enchiam de perguntas como as crianças normalmente fazem. Por que elas deveriam estar lhe fazendo perguntas? Ele era a resposta. Não analise; a análise é o começo da paralisia.

Minha respostas para as suas perguntas é que você já tem a resposta; a cabeça está bem em cima dos seus ombros. Você não precisa sair por aí procurando por ela. E dê um tempo para a sua cabeça descansar.