O REINO DE DEUS

“Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas”, Mat.6:33 

Existe uma enorme confusão dentro dos círculos chamados evangélicos de hoje sobre este versículo. Não que seja a culpa do versículo, mas a culpa de quem o interpreta. Cristo apenas quer dizer aquilo que o versículo diz e apresenta como desafio, aquilo mesmo que se absorve para dentro dum coração egoísta que pode entender do jeito que absorve e não do jeito que Ele fala. O versículo é o mesmo, mas o uso que se faz dele e o seu intuito são distintos. As pessoas querem entender uma coisa quando Deus quer dizer outra. Só que usam as mesmas palavras do mesmo versículo. E os teimosos acabam sempre por se iludirem facilmente, pois são obstinados na maneira como vêm e interpretam suas coisas e têm tudo e todos os meios para sempre persistirem no mesmo erro enquanto a teimosia não deixar de existir dentro de si mesmos. Qualquer doutrina mais pura ou menos impura, certa ou errada, pode ser facilmente usada por uma pessoa com um espírito teimoso e egoisticamente inclinado. 

Acabam por desejar muitas coisas, principalmente em ocasiões quando Jesus desejaria que estivessem pensando noutras. O que as pessoas fazem é pôr este versículo a dizer que devem procurar Deus por causa das coisas em vez de deixar de andar atrás delas por causa de Deus (mesmo que seja andando atrás delas através de Deus); o que Deus quer dizer, é que as pessoas devem poder dedicar-se inteiramente na busca e no achar de Deus pessoalmente, pois muitos buscam sem achar, principalmente por seus corações se acharem divididos por interesses e preocupações para além de Deus como pessoa. Deus quer fazer as pessoas pararem de buscar coisas porque O buscam a Ele querendo a recompensa por O buscaram – seja em que aspecto for. Este versículo tem a intenção até de afastar as pessoas de buscarem Deus por causa das coisas que Ele tem e pode dar; tem a clara intenção de fazer as pessoas cessarem de pensar nessas mesmas coisas quando oram porque existe uma pessoa especialíssima por achar ainda. Mas nunca disse que essas coisas sejam inúteis ou fúteis, desde que sejam Sua vontade achá-las também. Mas as pessoas entendem por ele precisamente o oposto, buscando aquelas coisas das quais Cristo quer desviar a atenção por inteiro e ainda chamam de fé ou de outra coisa qualquer que lhes vem à cabeça. Noutras palavras, servem-se de Cristo, que é um grande Rei, para poderem alcançar seus próprios objectivos e não os de Deus. Suas intenções nunca são iguais às de Cristo, mesmo que o versículo seja o mesmo. Cristo tornou-se no meio e não no fim, mesmo que Ele seja o caminho e o meio também. O que este versículo quer dizer – e não apenas insinuar – é que Cristo é o nosso alvo e depois d’Ele não existe mais nada. E Cristo também é o Caminho para esse Tesouro. É simplesmente isso e nada mais. Querer Cristo para se poder casar, será tão inconcebível quanto querer Cristo para nos podermos divorciar. Cristo não existe para nós – nós é que existimos (ou deveríamos existir) para Ele em todas as coisas que somos (ou podemos ser).

É verdade que não existe maior felicidade do que estar em Cristo desde que seja real. Mas nós não buscamos a felicidade, mas antes Cristo. Se Ele estivesse num lugar tenebroso e triste, seria lá que o buscaríamos. A pergunta que se deve fazer é: Se Cristo não estivesse no Céu, porque desejaria eu ainda ir para o Céu ainda? Fazer o quê num lugar tão bonito sem Ele por lá?

Este é o segredo deste Reino glorioso que Cristo veio oferecer e instalar de forma real (e não apenas proclamar). As pessoas por norma oram antes do trabalho porque desejam que o trabalho seja abençoado de alguma maneira – isto quando não é forma e hábito apenas, quando é uma real necessidade e saída única. Querem ser perdoados pensando neles próprios, querem ser dignos por causa de si mesmos. Oram para que seus casamentos sejam abençoados, não porque Cristo precise dum casamento abençoado, mas antes porque desejam beneficiar-se dos Seus recursos e poderes para se aproveitarem de serem felizes. A novela continua na cabeça das pessoas depois de crentes e o tempo das fábulas ainda não terminou para eles, pois “e viverá feliz para sempre” continua a ser o mote e a regra da ilusão que não saiu quando se tornaram crentes. As suas novelas apenas mudaram os nomes dos respectivos intérpretes e o actor principal continua sendo o mesmo: o próprio. Não que se fale assim sempre que se ora, mas a verdade é que o alvo é o próprio e seu bem-estar, mesmo depois de Cristo haver afirmado que onde Ele está não existe lugar onde recostar a cabeça. Se fossemos verdadeiramente honestos, veremos que Cristo tornou-se o objecto e não o objectivo, o meio para certas vaidades e alvos serem devida e definitivamente alcançados de forma mais fácil e não o objectivo principal e único de toda a nossa vida e vivência. Na verdade, nós quando oramos de verdade para que Cristo esteja connosco no nosso emprego, algo que é muito importante mesmo, (e Ele estará mesmo, dependendo dos motivos e da sinceridade da oração), deveríamos ter em mente que aqui o objecto de que se faz uso é o trabalho e não Cristo. É o trabalho que está servindo para conhecermos Cristo. Nós nos usamos do trabalho (do qual nem sempre podemos prescindir se quisermos continuar a dizer que estamos dentro da vontade de Deus) para nos familiarizarmos mais ainda com o jeito, o poder, a mansidão, a eficácia, a normalidade de se conviver com um grande Rei continuamente e isso de forma constante que se irá perpetuar, já que a Vida Eterna é a Vida Constante sem altos e baixos. O emprego, o casamento, a vida familiar, os problemas, as bênçãos e outras coisas mais, servem apenas para que conheçamos Cristo com Ele é, como Ele opera e para nos familiarizarmos no conviver com Ele em nosso dia-a-dia através da necessidade e da fome de O termos como é, precisamente naquele dia-a-dia onde desejamos poucas interferências ocasionais – quanto menos desejaremos aquelas interferências e lideranças que são constantes e eternas!

Isto é algo que não é fácil nem repentino de se assimilar. Mas, a não ser que as pessoas mudem de opinião, a não ser que os crentes evangélicos mais fiéis mudem de motivos e de motivação natural, nunca alcançarão este Reino do qual Cristo fala mesmo quando o pregam. Que ninguém se iluda: as pessoas que O buscam acharão a Ele em vez das coisas que Ele dá – mesmo quando acham essas coisas no caminho. Nós lemos que acharemos a Ele quando O buscarmos de todo coração. Mesmo quando buscamos certas coisas d’Ele em oração, buscando de todo nosso coração, a promessa é que O acharemos a Ele e não apenas as coisas. Essas coisas só serão acrescentadas ocasionalmente e eventualmente. Mas não será Cristo que nos será acrescentado para termos como nos servirmos d’Ele de novo. Cristo queria que tirássemos “as coisas” da cabeça e não que aprendêssemos a focalizá-las de outro jeito, vendo-as noutra perspectiva, mirando para os mesmos alvos de antes. O verdadeiro esplendor e felicidade dos Céus e do Universo, é Ele, simplesmente Ele. Não existe outro. Ele é o “lírio dos vales”.

Paulo disse até que queria a fé como fruto e como dom “para conhecê-Lo”, Fil.3:9,10. Aquela fé que vem através duma comunhão com Cristo (e não a outra fé nem de outra forma), aquela que nasce e cresce através da manutenção duma consciência limpa e asseada que convive com Ele continuamente e é real, 1 Tim.1:19, essa mesma fé Paulo buscava a todo custo apenas para poder conhecer o autor dela dentro de nós. Paulo não buscava o Céu, mas a Cristo. Devemos ter em mente que todas as coisas O servem e foram criadas para O servir. Se obtivermos coisas, bens, felicidade, o céu aqui na terra já, será apenas para podermos ser motivados a servi-Lo com aquilo que recebemos ou iremos ainda poder receber. Todas as coisas servem apenas para podermos aprender a lidar com Ele, a conviver com Ele (algo que muitos dizem que é fácil e não é, a menos que estejamos como Ele). Nosso dia-a-dia tem como objectivo usar-se das coisas para conhecermos Cristo como Ele é, nos familiarizarmos com o jeito que Ele opera e faz as coisas, no tempo e na forma d’Ele e que seja real. Depois de nos havermos familiarizado totalmente com tudo isto, todas as coisas serão descartadas e removidas para mudarmos de assunto e de lugar. Lá no Céu não mais se proclamará “buscai ser reinados por Deus”, mas antes “vivam do e no Reino de Deus” porque usámos nosso tempo e nossos recursos precisamente para aprender a lidar com Ele do jeito que Ele é. Não desperdiçámos nem tempo nem oportunidades aqui na terra para “O conhecer” como Ele é e como Ele faz as coisas. E quem “lidar” com Ele do jeito que O imagina, nunca conseguirá conviver com Ele como Ele é. Será como alguém que imagina e espera que um parceiro carnal seja de um jeito e acaba sendo de outro. Tais relacionamentos nunca acabarão bem. E nós que sabemos que Cristo nunca mudará, teremos nós de mudar e conviver com Ele até nossa convivência com o Rei dos reis ser tão natural que pareça que nunca vivemos de outro jeito. Assim, um grande Rei será servido e apenas assim. É por essa razão que sabemos e entendemos que uma oração geral, daquelas que não tem consciência do que está pedindo na realidade, nunca poderá ser atendida. Os pastores que ficam aí fazendo as pessoas orar “Senhor Jesus entra em meu coração” fazem fanáticos, crentes ou outra coisa qualquer – mas raramente fazem seres realmente viventes e simples. Pedir a alguém que ore para que Jesus entre em seu coração sem ter a noção do que está a pedir, se é real, se é verdadeiro, é algo simplesmente fanático, bobo e desonra a Deus profundamente. As pessoas não têm noção do que é o reino de Cristo, de serem reinados dentro dele só por Ele de forma real, de como as coisas se processam e para Quem. Será ali onde termina toda a nossa vontade, juntamente com nosso jeito de tentar fazer quando temos a vontade de Deus dentro de nós também. Tudo se torna novo, quando tudo se torna real – não quando forçamos a barra. Quando queremos obrigar Cristo a ceder a qualquer de nossas pretensões ou desejos e Ele se recusa a ceder, podemos estar certos que Ele está insistindo noutra área para que prescindamos de algo sobre o que não estamos focalizados nem queremos colocar na mesa das negociações e que por essa razão nem nos queremos aperceber de Sua voz e vontade.

Se tivermos muitas coisas por fazer, incluindo nosso devocional com Deus, caso o dia seja curto para tudo, se nesse dia apenas houver tempo para se fazer uma coisa, qual faremos? Cristo quer que saibamos escolher a melhor parte em vez de cozinharmos para Ele como Marta, Luc.10:41. Tudo que não for Cristo, não será para Cristo.

Cristo deu a ordem de se ir pregar o evangelho em todo mundo para ensinar como se guardar e cumprir todas as coisas que Ele ensina do jeito que ensina (ainda). Ele não nos enviou só a pregar o evangelho, mas a viver e a conviver com Ele para podermos ser exemplos claros e testemunhos de como as coisas se processam quando Ele realmente reina – ainda hoje. Cristo nunca mudou, Sua vida nunca mudará também. Ele nos ensinou a orar para “que as coisas aqui na terra sejam feitas do jeito que são feitas no Céu”, para que estas se processem da mesma maneira. Ámen.

 José Mateus
zemateus@msn.com