QUANDO SOMOS SÓBRIOS?

"Sede sóbrios, vigiai. O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão e procurando a quem possa tragar", 1Ped.5:8

“Sede sóbrios” tem mais a haver com nunca sair da realidade da comunhão com Deus do que outra coisa. Se sairmos dela pela alegria, pela tristeza, pela melancolia, pela saudade, através da preocupação, logo deixamos de ser sóbrios. Esta palavra “sóbrio”, significa o oposto de “embriagado”. Transportando isto para a nossa linguagem comum, quer dizer apenas para nunca estarmos embriagados com nada – nem com a alegria, nem com a preocupação, nem mergulhados na tristeza ou na saudade.

É comum as pessoas estarem prontamente desapontadas com a vida, encharcando-se frequentemente ou em lágrimas, ou em amarguras de espírito, dependendo da dureza de coração e da quantidade de esperança defraudada de cada um para poderem viver e motivarem-se. As pessoas motivam-se contra ou a favor de algo porque nem sempre têm vida que subsiste por ela, que vive por ela mesma sem necessidade de estar contra ou a favor para viver o que é e como é. Logo, passam a conhecer Deus e com quem se familiarizam, querendo ser egoístas no amor a Ele também, querendo e preferindo transformar Deus, em vez de ser Deus a transformá-los para como Ele é; por nós e por Ele em nós se manifesta, podendo até a palavra Emanuel vir a significar muito para muitos e pouco para muitos mais. A falta de sobriedade tem por consequência as pessoas afirmarem que "Deus está connosco" (Emanuel), sempre que não está.  O egocentrismo confunde-se com amor muitas vezes, dentro de roupas achadas numa igreja. De repente, quando alguém se vê envolvido com Alguém que se supunha místico e irreal e que passa a ser verdadeiro e real, poderoso e cheio de palavras bonitas, logo as pessoas confundem tudo. Basta ver quais as palavras, quais as partes da Bíblia que mais apreciam e lêem para detectarmos o tipo de coração, virtudes ou problemas que têm.

Aquela alegria de O ter por perto pode causar em nós muitas razões para descrermos, pois sendo emocionalmente motivada pode encobrir de nós a verdadeira essência de nosso dever em adorá-Lo profundamente para que vivamos de facto e nunca de ficção apenas. É o que se lê em Lucas 24:41 “Não acreditando eles ainda por causa da alegria e estando admirados, perguntou-lhes Jesus: Tendes aqui alguma coisa que comer?” Jesus pediu algo para comer mais para os distrair daquela euforia que virou descrente pelo aparente egoísmo que dela resultou, do que pela necessidade de comer – Ele comeu por eles e não por Ele.

A mesma situação de embriaguez emocional evitou que Maria visse Jesus, mas pelo lado da tristeza que assolava sua alma carente: “E perguntaram-lhe eles: Mulher, por que choras? Respondeu-lhes: Porque tiraram o meu Senhor e não sei onde o puseram. (14) Ao dizer isso, voltou-se para trás e viu a Jesus ali em pé, mas não sabia que era Jesus. (15) Perguntou-lhe Jesus: Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, julgando que fosse o jardineiro, respondeu-lhe: Senhor, se tu o levaste, diz-me onde o puseste e eu o levarei”, João 20:13-15. Aqui também Jesus, não podendo de forma alguma ser participante activo em suas carências emotivas, logo tratou de resolver toda aquela questão com algo sabiamente escolhido para surtir o efeito desejado. “Disse-lhe Jesus: Não me toques, porque ainda não subi ao Pai; mas vai a meus irmãos e diz-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”, João 20:17. A razão para que ela não se atirasse a Ele por carência interior, foi escolhida: “ainda não fui glorificado, ainda não subi”. Sabemos que depois de subir, Maria dificilmente tocaria no Senhor antes da sua própria morte para satisfazer suas carências emotivas. Sabemos também que muitas vezes lhe tocou antes de subir, mesmo quando lhe derramou aquele bálsamo que ainda hoje fala dela. Se Jesus aqui ainda não havia sido glorificado, muito menos antes. Sabemos, então, que não havia razão para além de mero egoísmo descrente e triste para fazer com que Jesus lhe pedisse para não lhe tocar. Usou uma verdade irrelevante para a distrair de sua emotividade, tornando-a sóbria ao indicar que fosse dizer aos seus que Ele estava prestes a subir ao Pai. Fazendo uma outra coisa que achava importante porque foi seu amado que a enviou e comandou, iria tirá-la de sua embriaguez teimosa e obstinada. Ele manifestou-se pessoalmente a estes também, mostrando com isso que não era essencial Maria ir contar o que vira, a não ser para ela própria, para sair da sua “embriaguez” emotiva. Se fosse humano e pecador, Jesus diria “Toca-me!” e nunca, “vai a meus irmãos e diz-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. Caso o tocar em Jesus fosse problema de maior, de religiosidade, Tomé também não poderia haver tocado em Seu seio e posto seu dedo em Suas feridas. Porque razão Tomé podia tocar em Jesus e Maria não? Maria, ao contrário de Tomé, não podia tocar em Jesus simplesmente porque Jesus se recusa (ainda hoje) a alimentar a embriaguez. Não tocar era importante para Maria, para se manter sóbria e vigilante - não para Tomé que estava embriagado pela incredulidade porque viu Jesus morto numa cruz. Reagindo, Maria saiu da sua falta de sobriedade e ficou apta de novo. Tocando, Tomé saiu da sua incredulidade, quando por não haver tocado, Maria saiu da sua forma de incredulidade. Realmente, aquele que ganha almas é sábio, Prov.11:30 e Jesus ganhou a ambos de maneiras diferentes.

Ser sóbrio é o que menos custa, mas é, também, o que menos se faz. Se o meu caro leitor houvesse ressuscitado um morto pelo poder de Deus ontem, teria você como ter um dia normal hoje, onde se faz a vontade de Deus ainda, não havendo que ressuscitar mais ninguém, também sem misturar seu coração com ou contra o dia que já passou? Vê porque Deus não mais faz as coisas que prometeu fazer através de nós todos? As pessoas não são sóbrias e não vivem seu dia pelo dia que é! Vemos como Paulo, por quem Deus fez grandes milagres, achava absolutamente necessário esquecer tudo aquilo que havia ficado para traz: “Irmãos, quanto a mim, uma coisa faço e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam e avançando para as que estão adiante (…)”, Fil.3:13. Paulo sabia que fora chamado para a obediência de hoje e não para a memória daquilo que fez em Deus. E se hoje fizermos uma coisa pequena, nem nos admiraremos se amanhã acontecer uma coisa do outro mundo, humanamente falando. O que conta é a fidelidade a Deus hoje, seja em coisas pequenas ou em coisas consideradas por nós como grandes. Venha o que vier, venha quem vier, estaremos aqui no mesmo espírito com a mesma espontaneidade para Deus.

Aqui menciono apenas aquelas coisas boas que nos podem tirar do sério, da sobriedade espiritual da plena obediência, sem estarmos envoltos em faixas de egoísmo, como um Lázaro ressuscitado mas enrolado em algo difícil de sair. Poderia mencionar o “pecado que tão de perto nos rodeia” também, como nunca teremos disponibilidade de servir dois senhores ao mesmo tempo porque um sempre nos retira sobriedade de poder servir ao outro. Qualquer pecado é envolvente, é o oposto de sobriedade. Qualquer pecado tem o poder de nos separar de Deus – qualquer pecado é egoísmo, ou não fosse isso a quebra da Lei de Deus onde se resume que devemos amar o nosso próximo como a nós mesmos e a Deus com todo o nosso ser. Se algo é pecado, é simplesmente porque é egoísta de natureza e mantém preso através da embriaguez em algo e passividade noutra coisa importante: o dia de hoje, pois, não podemos servir dois dias ao mesmo tempo e nem duas coisas de uma só vez. Algo que não quebre este preceito que nunca pode ser religioso, nunca tem como ser pecado: oposto de amor não é ódio - é egoísmo e sua força principal é a embriaguez pessoal ou colectiva.

Qual destas ou doutras coisas o impedem de ser sóbrio? O amor ao pecado? O amor aos milagres? Qual a diferença, conquanto nenhum deste seja amor a Deus, actual, fresco do dia de hoje, real e sem emotividade pessoal? Está agarrado no futuro, na preocupação, no passado dos milagres ou nas carências e afectividades? Que o leva a não ser sóbrio e vigilante hoje, precisamente quando sabemos que é hoje que “O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão e procurando a quem possa tragar”? “Vós, filhos, sede obedientes porque isto é justo”, Ef.6:1. Ser sóbrio leva à vigilância, ser vigilante, à obediência, a obediência à paciência e a paciência ao descanso e sobriedade interior calma, vigilante e atenta. Amen.

José Mateus
zemateus@msn.com